Artigos

O calendário Socionatural: uma proposta pedagógica na escola da Comunidade Indígena Sorocaima I

The Socionatural Calendar: a pedagogical proposal in the Sorocaima Indigenous Community School I

Liliane do Vale Lisboa
Universidad del Salvador - USAL, Argentina
Eliana Santana Lisbôa
Universidade Federal do Paraná, Brasil

Revista Presença Geográfica

Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil

ISSN-e: 2446-6646

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 06, núm. Esp.01, 2019

rpgeo@unir.br

Recepção: 19 Maio 2019

Aprovação: 29 Maio 2019



Resumo: O presente estudo faz parte de um estudo maior no âmbito de uma dissertação de Mestrado em Educação (USAL/ Argentina). O objetivo consistiu em realizar uma análise do uso do calendário socionatural como uma proposta pedagógica para a Escola Estadual Indígena Sarakayna da Comunidade Indígena Sorocaima I. O calendário socionatural é um instrumento no qual se organiza todas as atividades sociais e naturais realizadas em uma comunidade anualmente e a partir dele se extrai uma atividade que dará origem a um conteúdo pedagógico, onde será articulado o conhecimento tradicional e o conhecimento científico, promovendo um educação intercultural. Tal proposta desenvolvida por Jorge Gasché, conhecida como Método Indutivo Intercultural é baseada na Teoria da Atividade com perspectiva Vigotskiana. A metodologia escolhida para a pesquisa foi o estudo de caso utilizando a etnografia colaborativa.Os resultados mostraram que de fato a adoção do MII e do calendário socionatural constitui uma proposta viável para que aconteça de fato a educação intercultural, conferindo aos indígenas a preservação da sua cultura, em perfeita harmonia com os conhecimentos científicos. Ao promover efetivamente a articulação dos conhecimentos o MII está buscando uma educação diferenciada, o seja, diferente daquela que até agora está presente nas comunidades indígenas, imposta de fora para dentro. Contudo, o MII não é a solução mágica para todos os problemas das escolas indígenas, mas pode-se considerar um passo para o objetivo que ser quer chegar, ou seja, uma educação escolar com cara, corpo e alma indígena.

Palavras-chave: Calendário Socionatural, Método Indutivo Intercultural, Proposta Pedagógica.

Abstract: The present study is part of a larger study within a master's degree dissertation in Education (USAL / Argentina). The objective was to carry out an analysis of the use of the natural calendar as a pedagogical proposal for the Sarakayna Indigenous State School of the Sorocaima Indigenous Community I. The natural calendar is an instrument in which all the social and natural activities carried out in a community are organized annually and from it is extracted an activity that will give rise to a pedagogical content, in which traditional knowledge and scientific knowledge will be articulated, promoting an intercultural education. This proposal developed by Jorge Gasché, known as the Intercultural Inductive Method, is based on the Theory of Activity with a Vygotsky perspective. The methodology chosen for the research was the case study using collaborative ethnography. The results showed that in fact the adoption of the IIM and the socio-cultural calendar constitutes a viable proposal for intercultural education to take place, giving indigenous people the preservation of their culture, in perfect harmony with scientific knowledge. By effectively promoting the articulation of knowledge, the IIM is seeking a differentiated education, that is, different from what is now present in indigenous communities, imposed from the outside in. However, the IIM is not the magic solution to all the problems of indigenous schools, but it can be considered a step towards the goal that one wants to achieve, that is, a school education with an indigenous face, body and soul.

Keywords: Socio-Natural Calendar, Intercultural Inductive Method, Pedagogical Proposal.

1 INTRODUÇÃO

O processo de escolarização nas comunidades indígenas, em vários países, foi marcado por muita violência e opressão, pois, em sua maioria, contribuiu para descaracterizar os valores culturais desses povos. Fato esse que gerou insatisfação das comunidades indígenas com as escolas, as quais além de não considerarem relevantes seus conhecimentos tradicionais tinham interesse em “civilizá-los”. Face a essa realidade, os indígenas sentiram a necessidade de lutar por uma educação escolar que se adequasse às suas realidades e anseios.

Para Silva (2012), atualmente, o objetivo é proporcionar uma educação escolar com cara, corpo e alma indígena. É por essa finalidade que se luta por uma educação que preserve a identidade do povo indígena e também proporcione conhecimentos que lhes dê acesso aos demais conhecimentos, isto é, um currículo efetivamente intercultural que, em outras palavras, “seria o paradigma educativo da nova modernidade” (DIAS e ALONSO, 1998, p. 10). Sob essa perspectiva, “a educação serve não só para reproduzir realidades, mas para reconstruir a tradição que compõem a cultura, ou as culturas, e alcançar um ideal de vida, que é o desafio do futuro” (SACRISTÁN, 1999, p. 181). Esse ponto de vista é defendido pelo autor por acreditar que a educação é cultura, constrói cultura, reproduz o real/objetivo e reconstrói a memória de um povo.

Tendo essa perspectiva em mente, os desafios que se impõem, na atual conjuntura, não é uma educação escolar para índios e sim uma escola que efetivamente seja indígena, que tenha não apenas professores indígenas, mas que seus gestores, seu currículo, seu material didático e suas práticas sejam para a autoafirmação indígena.Mas como efetivar isso na prática? Como garantir uma educação às comunidades indígenas que além de preservar suasconcepções e visões de mundo, esteja associada com o conhecimento científico, contribuindo para sua inserção na sociedade?

Face a essa realidade, no presente ensaio será apresentado um estudo realizado na comunidade indígena Sorocaima I, que integra um estudo mais abrangente a nível de mestrado, cujo objetivo centrou-se em analisar uso do calendário socionatural como uma proposta pedagógica para a Escola Estadual Indígena Sarakayna, tendo como ponto de partida o Método Indutivo Intercultural (MII). Esse método pode ser descrito como uma alternativa teórico metodológica que utiliza-se da pesquisa e da utilização de calendários de atividades socioecológicas (calendário socionatural)dos povos indígenas, como formade resgatarsuas culturas,valorizar os conhecimentos das atividades e, o mais importante, integrá-los com o currículo tradicional, contribuindo assim para que haja uma participação efetiva da comunidade no espaço escolar.

Sendo assim, nas próximas seções que sucedem a essa introdução, será abordado, em linhas gerais, um tópico acerca do MII, Calendário Sócio Natural, o estudo realizado, os resultados alcançados e, por fim, uma nota conclusiva.

2 O MÉTODO INDUTIVO INTERCULTURAL

O Método Indutivo Intercultural (MII) iniciou na Amazônia peruana e se consolidou no México. Foi desenvolvido por Jorge Gasché e colaboradores, face ao desejo da Confederação Indígena da Amazônia peruana em conceber um currículoque formasse melhor os alunos indígenas, com vista à ascensão ao ensino secundário e superior e que, ao mesmo tempo, considerasse seus conhecimentos tradicionais (cultura).

É um método porque não traz apenas propostas metodológicas, mas, sobretudo, propostas teóricas, epistemológicas, políticas e pedagógicas. “En pocas palabras, se trata de una reflexión que constantemente se verifica en la experiencia propia de la realidad socio-cultural del alumno indígena [de ahí el imperativo del método inductivo]” (GASCHÉ, 2008, p. 23). Constitui uma alternativa que vê nas práticas sociais indígenas (calendário socionatural) os recursos necessários para que seja efetivada uma educação indígena diferenciada e intercultural.

Por meio do MII, finalmente, há um reconhecimento dos saberes indígenas, em que pais de família e moradores das comunidades são vistos como fonte de conhecimentos, propiciando uma descolonização, ao mesmo tempo em que legitima o saber indígena dentro da práxis escolar indígena.

Tem como pressuposto teórico a Teoria da Atividade proposto por Leontiev para quem “a atividade mental não está ilhada da atividade prática” (LEONTIEV, 1984, p. 80). A estruturação desse método está fundamentada na Teoria Histórico-Cultural da Atividade Humana na linha de pensamento vigotskyano, para quem a aprendizagem é uma atividade social. Para Vygotsky, o aprendizado da criança, começa muito antes que ela frequente a escola (VYGOTSKY, 1991), pois qualquer situação de aprendizagem com a qual a criança se depara na escola tem sempre uma história prévia.

Para Pineda (2016), o MII é uma ferramenta pedagógica que considera os conhecimentos não legitimados e estimulam a capacidade de etnogênesis. Sob essa perspectiva, o povo indígena inicia a ver-se a si próprio ou a ser visto pelos outros como um grupo que se diferencia por sua especificidade sociocultural, perceptível em suas atividades rotineiras, que podem ser sistematizadas no seu calendário socionatural.

Ao fazer a análise das experiências de investigação educativa da Licenciatura Intercultural do Instituto Insikiran de Formação Superior da Universidade Federal de Roraima Repetto e Carvalho (2015) destacam que tal experiência tem servido para fortalecer o debate sobre educação intercultural e construção de propostas adequadas à realidade dos estudantes indígenas, propiciando propostas metodológicas que desenvolvem a reflexão sobre o conhecimento indígena e os articulam com os conhecimentos acumulados pela humanidade.

3 O CALENDÁRIO SOCIONATURAL

O calendário socionatural é um instrumento no qual se organiza todas as atividades realizadas em uma comunidade indígena durante todo o ano, levando em consideração tudo o que acontece com as pessoas e a natureza. Essas atividades estão baseadas em sete indicadores, que são: as atividades dos homens, atividades das mulheres, atividades das crianças, astronomia, clima, animais, vegetais e problemas socioambientais. Baseada nesses indicadores é feito o planejamento para o conteúdo a ser estudado nas aulas de acordo com a realidade de cada comunidade.

Para Bertely (2011), utilizar o Método Indutivo Intercultural nos traz a noção de pescar os conhecimentos próprios das atividades sociais em que estão inseridos os povos indígenas. O calendário socionatural representa a rede com a qual se pescará os saberes tradicionais e, a partir deles é que se efetivará o processo de ensino e aprendizagem.

Segundo Repetto (2016), os indicadores baseados nas atividades sociais e na natureza contidos no calendário socionatural evidenciam a relação sociedade-natureza, e funcionam como avisos dessa relação; portanto eles indicam e mostram essa relação. Tendo em mente que cada comunidade indígena tem suas particularidades, o método consiste em analisar as atividades cotidianas das comunidades indígenas e os indicadores da natureza construindo assim o calendário socionatural próprio, por meio de pesquisas colaborativas realizadas pelos professores e alunos.

Esse calendário servirá como elemento norteador para realização do planejamento das aulas, permitindo ao professor desenvolver um currículo intercultural. De acordo com Moya (1999, p. 65) “a relação intercultural no contexto da educação pretende um diálogo não coersitivo”, em que os conhecimentos da cultura indígena e os conhecimentos escolares convencionais assumem igual valor. Sendo assim, caberá ao professor fazer a articulação dos dois universos cognitivos (científico/tradicional) a fim de preparar o cidadão para o mundo científico e acadêmico, bem como para o convívio em sua comunidade de origem, ampliando assim o olhar dos entes envolvidos no processo (GASCHÉ, 2008).

4 ESTUDO REALIZADO

O estudo foi realizado no período de 15 de maio a 15 de junho de 2017 com os alunos do 4º e 5º ano (turma multisseriada) da escola estadual Indígena Sarakayna pertencente a comunidade Indígena Sorocaima I e que, atualmente, possui 27 alunos e 4 professores.

A comunidade Indígena Sorocaima I está localizada na Terra Indígena São Marcos, no Município de Pacaraima, estado de Roraima, a 200 km da capital Boa Vista, na fronteira entre Brasil e Venezuela. Ela é formada por indígenas do povo Taurepang vindos da Venezuela, e que por quase cinquenta anos não aceitaram a instalação de escola do Governo em suas terras, pois suas lideranças acreditavam que a escola traria conhecimentos que afastariam as crianças dos costumes, religião, e tradições da comunidade, contribuindo assim para que a língua materna fosse esquecida.

Contudo, há cinco anos, após muito diálogo, foi implantada Escola Estadual Indígena Sarakayna que funciona do primeiro ao quinto ano. Considerando ser a escola da região mais recente da região, acreditou-se ser de grande relevância realizar um estudo dessa envergadura por forma a tentar preservar seus costumes, mas também garantir o acesso ao conhecimento científico àquela comunidade.

No primeiro momento foi feito um estudo pelos alunos e professores com os moradores da comunidade, com vista a construção do calendário socionatural, tendo como parâmetros os indicadores: as atividades dos homens, atividades das mulheres, atividades das crianças, astronomia, clima, animais, vegetais e problemas socioambientais.Primeiramente, os dados foram sistematizados num quadro síntese, instrumento esse basilar para construção do calendário socio natural da comunidade Indígena.

O passo seguinte foi a construção de cartões de aprendizagem e por fim realizada a eleição da atividade para qual seria desenvolvida a proposta pedagógica a ser desenvolvida com alunos e professores que, no caso específico do presente estudo, foi “fazer farinha”.

Após o desenvolvimento da atividade, foi aplicada uma entrevista semiestruturada com professores que teve como objetivo analisar suas percepções sobre a utilização da proposta pedagógica desenvolvida tendo como pressuposto o MII e o calendário socionatural.

Considerando que o instrumento de recolha de dados consistiu numa entrevista, a metodologia para análise utilizada foi a análise de conteúdo. A análise de conteúdo é composta por um conjunto de instrumentos metodológicos para a análise de «discursos» (conteúdos) bem diversificados (Bardin, 1997; Esteves, 2006). Pode ser aplicada a tudo o que é dito em entrevistas ou depoimentos ou matérias jornalísticas, livros, textos, websites, imagens de filme, desenhos, pinturas, bem como toda comunicação não verbal, como por exemplo, gestos, comportamentos e outras expressões culturais.

Segundo Ghiglione e Matalon (1997), há dois tipos de análise de conteúdo: aquela que acontece por meio de categorias pré-determinadas à análise propriamente dita, e aquela que emerge da leitura exaustiva do material, assumindo um carácter meramente exploratório (Ghiglione & Matalon, 1997).

No primeiro caso, a análise é categorial (Esteves, 2006) e está relacionada a um quadro teórico que a apoia e ao qual se refere; no segundo, “...os resultados são devidos unicamente à metodologia de análise, estando isenta de qualquer referência a um quadro teórico preestabelecido” (Ghiglione & Matalon, 1997, p. 210).

O caso concreto do presente estudo será utilizado o tipo exploratório. Com os dados transcritos, inicia-se a leitura flutuante. O passo seguinte será a exploração do material, com vista a eleição de categorias que nascerão das questões que nortearam o estudo.Nos parágrafos que seguem serão explicitadas com mais detalhes todas as fases do referido estudo.

4.1 A experiência na escola da comunidade indígena sorocaima i para construção do calendário socionatural

Os alunos do 4º e 5º ano (turma multisseriada) juntamente com as professoras (do 5º ano e de Língua Materna) entrevistaram alguns anciãos e moradores em suas casas, para conhecer as atividades sociais e naturais que ocorrem na comunidade durante todo o ano. Com essas informações em mãos, foi criado o calendário socionatural específico da comunidade, que funciona como um diagnóstico completo da realidade de tudo o que acontece com os moradores e a natureza em seu entorno, haja vista,“El medio natural, el lenguaje, la sociedad y la cultura que ésta produce están íntimamente amalgamados en la estructura de la actividad” (GASCHÉ, 2011, p. 117). O meio natural norteia as atividades que são realizadas durante todo o ano pelos moradores.

Após esse levantamento do calendário e das peculiaridades da comunidade, foi feito um resumo das informações para que fosse possível organizá-las em formato de calendário gregoriano. As informações resumidas constam no quadro síntese (ver quadro 1)

Quadro 1 – O calendário socionatural
da Comunidade indígena Sorocaima I
Quadro 1 – O calendário socionatural da Comunidade indígena Sorocaima I
Fonte: Elaboração própria

Em seguida, todas as informações são colocadas em ordem mensal de acordo com o calendário gregoriano, de maneira circular (mais comumente) e transformadas em desenho, para facilitar a compreensão das informações, principalmente para as crianças menores. No caso da nossa pesquisa, um artista da comunidade fez o desenho do calendário socionatural com a ajuda dos alunos da escola. O resultado foi uma verdadeira obra de arte, como podemos ver na figura abaixo.

Figura 1 - Calendário Socionatural da Comunidade Indígena
Sorocaima I
Figura 1 - Calendário Socionatural da Comunidade Indígena Sorocaima I
Fonte: Elaboração própria

Após a confecção do calendário, os alunos puderam ter um vislumbre da riqueza de conhecimentos que existe em tudo que os cerca, possível face as narrativas orais dos anciãos. As crianças puderam ter acesso a conhecimentos que antes pareciam sem importância ou significado que, por vezes, nem faziam ideia de que existia. A elaboração do calendário, certamente foi muito marcante para as crianças, confirmando o que Gasché em seus estudos declara e que passamos a referenciar:

En la medida en que se fomenta, precisamente, la investigación y el aprendizaje de la sociedad y cultura indígena a través de un retorno a la comunidad y a la interacción con ella y recurriendo a un marco conceptual de interpretación globalizante que llevará al alumno a una comprensión nueva y totalizante de su sociedad y cultura reestructurando, ampliando y evaluando su conocimiento tradicional, se puede suponer que se produce en los hechos la revaloración afectiva y mental a la que se apunta. Y en la medida en que ésta se produce, el proceso de aprendizaje de la cultura propia y de su apropiación sistemática y comprensiva se ve, a su vez, motivado y estimulado. (GASCHÉ,2008, p.14)

A participação dos alunos em todo o processo contribuiu para deixá-los mais envolvidos e motivados. A cada entrevista realizada, era um mundo que se abria diante deles, porque, embora vivendo na comunidade desde que nasceram, as atividades realizadas pelas crianças em seu dia a dia, não tinham tanto significado. Ao ouvirem dos anciãos as razões, os motivos pelos quais tais atividades eram realizadas e os “porquês” de as coisas serem como são, contribuiu para encher de significado aquelas atividades que já faziam corriqueiramente.

O passo seguinte foi a elaboração dos cartões de aprendizagem, que são um instrumento pedagógico (desenhos simples, feito pelos alunos, sobre as atividades da comunidade, ver figuras abaixo).

Figura 2 - Fazer FarinhaFigura 3 - Pesca com Timbó
Figura 2 - Fazer FarinhaFigura 3 - Pesca com Timbó
Fonte: Elaborado pelos alunos da escola Sarakayna

Os alunos desenharam as atividades da comunidade na disciplina de Arte e a partir do desenho, foi feita uma frase motivadora, para que em dado momento a professora lesse a frase e os alunos descobrissem de qual atividade social estaria se tratando o desenho. Após essa atividade, os alunos iriam praticá-la na comunidade, dando início, assim, a todo processo do MII.

A confecção dos cartões de aprendizagem foi uma das partes mais surpreendentes, pois através deles foi possível ver o talento de cada um e a maneira como as crianças enxergam o seu entorno, o que enriqueceu ainda mais a experiência com o calendário, como declara Gómez, descrito abaixo:

La tarjeta de autoaprendizaje es un material didáctico que pone de manifesto las actividadesnque se realizan en una comunidad como una exposición viva de la cultura comunitária...es una representación gráfica de actividades o sociales, que son prácticas familiares para los ninõs, para que a partir de esto se haga la introdución de los pequeños hacia la construción de su próprio aprendizaje...articulándolos con el conocimiento científico...comezando de lo conocido a lo desconocido(...) (GÓMEZ, 2009, p. 84).

Os alunos têm a oportunidade de uma aprendizagem prática, atuando e não apenas sendo meros expectadores, e o mais importante, articulando com os conteúdos escolares (GASCHÉ, 2005). Esse aprender fazendo é de fundamental importância, pois assim foi possível perceber que os recursos didáticos estão inseridos no cotidiano dos alunos e tais recursos são indispensáveis na potencialização do aprendizado.

4.2 Proposta pedagógica – fazer farinha

A atividade escolhida pelos país, alunos e profesores foi fazer farinha, por ser a atividade mais frequente e que envolve a todos, durante o ano inteiro.

Além de participar da atividade de acordo com a idade (preparando a roça, plantando maniva, colhendo a mandioca, fazendo a farinha até ser vendida na feira),foram feitas perguntas aos moradores e registradas no caderno pelos alunos, os quais levaram para sala de aula. Perguntas como: o tempo melhor para plantar maniva, quem pode e quem não pode plantar (mulheres menstruadas não podem, por exemplo) a distancia de uma para outra, quantos quilos de farinha uma familia consegue produzir por semana, por quanto a farinha é vendida na feira e etc.

Munidos das informações obtidas na prática da atividade, os alunos voltaram para sala de aula, e a professora fez a articulação dos conhecimento tradicional com os conhecimentos científicos, não desconsiderando ou diminuindo o conhecimento tradicional, pelo contrario, valorizou, aprofundou, e ampliou através dos conhecimentos científicos, contribuindo para haver um diálogo entre os conhecimentos locais e universais (BERTELY, 2011). Isso contribuiu para tornar o aprendizado mais significativo e efetivamente intercultural, se considerarmos que um conhecimento não é superior ao outro, antes, um enriquece o outro. Com esse processo quem mais ganha são os alunos porque aprendem a reconhecer e valorizar a sua própria cultura a partir da contextualização dos conhecimentos de sua comunidade.

Com a atividade de fazer farinha foi possível extrair diversos conhecimentos. Por meio dela foi possível explorar a temática de forma multidisciplinar, trabalhando todas as materiais (conteúdos curriculares), como é possível ver na proposta pedagógica que segue no quadro 2 abaixo:

Quadro 2 - Proposta pedagógica a partir da atividade: fazer
farinha
Quadro 2 - Proposta pedagógica a partir da atividade: fazer farinha
Fonte: Elaboração própria

6 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Responderam a entrevista 2 professores. Ambas do sexo feminino, as duas pertencem a faixa etária de 20 a 25 anos. Uma é nativa da comunidade taurepang e falante da língua materna, a outra é da etinia Macuxi, não falante da língua materna. Relativo à formação acadêmica, uma está cursando Geografia em uma faculdade particular da cidade e a outra é formada em Pedagogia com ênfase em educação escolar indígena. Relativamente a experiência como docentes, uma está tendo sua primeiraexperiência em sala de aula e a outra tem mais de cinco anos atuando no magistério, com experiência em escolas indígenas e não indígenas.Nos parágrafos que seguem vamos apresentar os dados que consideramos mais relevantes para o presente estudo

Uma das perguntas estava relacionada a saber se com o calendário socionatural, as professoras aprenderam mais sobre a comunidade. No tocante a esta pergunta, as duas professoras admitiram ter aprendido muitas coisas sobre a comunidade que não sabiam, vejamos as respostas:

(Entrevistado 1) Sim, com certeza, apesar de ser moradora daqui, ter nascido aqui e tudo, eu não sabia um monte de coisas, tipo em relação ao tempo, as estações do ano... apesar de ser daqui eu não sabia de nada para falar a verdade (risos), mas com essa pesquisa e tudo que fizemos aqui eu aprendi muita coisa, abriu mais o meu conhecimento.

(Entrevistado 2) Tudo! Eu aprendi tudo, porque eu não sabia nada, agora com a pesquisa posso dizer que sou outra pessoa bem diferente daquela antes de conhecer esse calendário! Agora se perguntarem como é a comunidade indígena que eu trabalho eu posso falar sobre tudo daqui.

Para nossa análise podemos detectar duas categorias. A primeira seria o fato de que o MII através calendário socionatural proporciona um desvelar da realidade, dando relevância a todos os conhecimentos presentes na comunidade. Isso é bem patente na resposta da professora, filha da comunidade, ao dizer que “não sabia nada”. Mesmo vivendo a vida toda dentro da comunidade, talvez ela não tenha se dado conta ou nunca tenha tido a oportunidade de parar e analisar que os conhecimentos presentes dentro da comunidade fossem relevantes ou pudessem de alguma maneira ser úteis para a escola ou para outras sociedades.

A segunda categoria que podemos destacar seria a mudança na postura da professora que alegou se sentir uma outra pessoa depois de ter aprendido tudo sobre a comunidade em que trabalha.

Para examinar e revalorizar os conhecimentos indígenas é necessário tempo. Mas uma das formas do professor conseguir fazer a articulação entre conhecimentos indígenas e conhecimentos científicos é possuir consciência crítica e reflexiva para se tornar um agente de transformação para que juntos escola/comunidade possam ressignificar tais conhecimentos fazendo emergir a consciência de dignidade, exigindo respeito a seus valores sociais.

Quando perguntado se o conhecimento contido no calendário socionatural vai ajudá-las em seu trabalho na sala de aula, as professoras responderam positivamente. Dessa forma, o calendário socionatural passa a ser visto como um recurso pedagógico, contendo as práticas sociais da comunidade, sendo possível fazer um ensino contextualizado e só a partir daí, fazer a articulação com os conhecimentos científicos.

O objetivo principal de trazer saberes indígenas para dentro da sala de aula é reconstruir e fortalecer os conhecimentos próprios, não como folclore local, mas como epistemologia e sistema de conhecimentos, com a plena consciência que articular não é subordinar (WALSH, 2007).

Perguntamos também às professoras se elas perceberam alguma diferença no comportamento dos alunos enquanto trabalhávamos com MII porque um dos objetivos principais da proposta é tornar o ensino mais atraente aos alunos, usando uma linguagem mais próxima deles para que eles sintam que também têm voz e vez nesse processo. Seguem as percepções que os professores tiveram

(Entrevistado 1) [...] mudaram muito, ficaram animados, eles queriam vir todo dia para fazer as entrevistas, ficavam perguntando quem nós vamos entrevistar hoje? O quê será que ele/ ela vai falar? Então assim, no meu ponto de vista melhorou muito, as crianças ficaram muito interessadas mesmo, porque nesse período de chuva eles nem gostam de vir para aula e com esse trabalho cedinho eles estavam aqui.

(Entrevistado 2) senti muita diferença nos alunos com a aplicação do Método, porque eles participaram bastante, porque é algo que eles vivem, algo que eles já sabem, a gente vai só aprofundar...Eles se interessaram, fizeram perguntas, a maioria nem gostava muito de falar, quase nem abriam a boca na sala de aula, mas com aula assim eles ficaram muito empolgados com a atividade de campo.

Através das respostas das professoras é possível constatar que o MII despertou o interesse dos alunos e os motivou a querer aprender mais sobre a sua própria história, coisas que antes não tinha relevância para eles, se tornaram interessantes e prazerosas de serem aprendidas e em sala de aula.

Também podiam falar com propriedade sobre os conhecimentos que tinham a respeito de determinados temas do seu dia a dia, como no caso da atividade social, fazer farinha, que utilizamos na aplicação da proposta que os alunos têm total domínio e conhecimento, porque eles fazem aquilo durante todo o ano, então eles se sentiam seguros ao responder sobre o tema e queriam de alguma maneira mostrar que entendiam o assunto. Isso fez com que se sentissem seguros e consequentemente com a auto estima elevada. Essa postura do aluno é o que se espera utilizando o MII.

Perguntamos às professoras se acharam muito trabalhoso aplicar o MII em sua escola, porque queríamos ter uma noção real e não fantasiosa do que é trabalhar com o MII no dia a dia. Ambas as professoras reconheceram que aplicar o MMI dá mais trabalho do que o método convencional, mas reconheceram que gera resultados positivos, dos quais podemos extrair duas categorias.

A primeira seria o benefício de manter viva a cultura da comunidade, porque podemos registrar a falas dos mais velhos e mesmo depois que eles partirem, suas histórias poderão ser conhecidas pelos filhos e netos. É uma maneira de perpetuar esses conhecimentos. A preservação desses saberes é muito importante porque através deles os indígenas afirmam sua identidade, de acordo com Souza (2010)

“Los movimientos del continente latinoamericano, más Allá de los contextos, construyen sus luchas basándose en conocimientos ancestrales, populares, espirituales que siempre fueron ajenos al cientismo próprio de la teoria críticaeurocéntrica. Por outro lado, sus concepciones ontológicas sobre el ser y la vida son muy distintas del presentismo y del individualismo occidentales. Los seres son comunidades de seres antes que individuos; en esas comunidades están presentes y vivos los antepasados así como los animales y la Madre Tierra. Estamos ante cosmovisiones no occidentales que obligan a un trabajo de traducción intercultural para poderser entendidas y valoradas.” (SOUZA 2010, p. 18,19).

Durante nossa pesquisa pudemos constatar que muitas das memórias dos antepassados da comunidade ficaram no esquecimento, porque segundo alguns moradores da comunidade, ‘os antigos’ (como se referem aos anciãos) não contavam todas as coisas que sabiam porque tinha receio de que tais conhecimentos pudesse cair em ‘mãos erradas’, de pessoas más, e outros conhecimentos simplesmente se perderam no tempo mesmo.

A segunda categoria seria a confirmação de que o MII promove uma aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2000) quando a professora declara que ‘viu resultados’ é porque ela comprovou que com o MII os alunos se tornaram mais predispostos a aprender, o que é uma das condições fundamentais para que ocorra a aprendizagem significativa, que é aquela que promove uma aprendizagem profunda porque advém de experiências vividas e não de mera memorização.

Perguntamos as professoras se elas pretendiam continuar trabalhando com MMI mesmo se elas fossem transferidas para outras escolas/ comunidades. O interesse sobre essa pergunta justifica-se pelo fato de haver uma rotatividade muito grande de professores nas escolas indígenas do estado de Roraima. Os professores não são concursados e, por conta disso, mudam de escolas/comunidades com muita frequência, não conseguindo dar continuidade aos seus projetos. Dessa forma nos pareceu pertinente saber se elas tinham interesse em levar essa proposta adiante, replicar esse novo conhecimento. As respostas foram as seguintes:

(Entrevistado 1) Sim, sendo que cada etnia tem que ter o seu calendário aí vendo o calendário daquela comunidade aí eu vou poder trabalhar com o calendário deles lá.

(Entrevistado 2) Sim, com certeza, porque é um trabalho muito interessante, porque chama muito a atenção. Os alunos mesmo que vivem ali eles não valorizam muito, pelo fato de ser criança e estudando eles aprendem como funciona a sua comunidade. É interessante, é muito interessante!

Das respostas das professoras podemos abstrair duas categorias, a primeira seria a maneira personalizada que o MII proporciona, porque com a criação do calendário é feito o diagnóstico local da comunidade específica, ou seja, o calendário se torna um recurso pedagógico particular da comunidade. Isso é muito relevante haja vista que cada comunidade tem a sua especificidade, logo, essa proposta com o MII promove vantagem para a escola poder trabalhar com seus alunos, mostrando primeiramente a realidade local, algo próprio, não de outros, não de terceiros.

A proposta do MII visa valorizar o que a comunidade tem, suas particularidades, como ela vive, sobre como utilizam sua medicina tradicional, como lidam com seu território, como lidam com sua biodiversidade. Isso difere das práticas tradicionalistas que usam um mesmo material para todas as pessoas como se as pessoas ou as comunidades fossem todas iguais, a exemplo do método fordiano, de fábrica, em que o ensino se dá em série, como produtos de uma fábrica. A esse respeito Repetto declara que:

“Conforme o modelo de escola vigente, todos devem aprender as mesmas coisas, da mesma maneira, pouco importando a classe, a cor, a etnia, a história de vida dos participantes do processo ou o que quer que seja. Assim, nas mais diversas práticas e atividades escolares, pouco importa o conteúdo que se esteja discutindo ou o método que se esteja usando, o que predomina é um ritual rígido, recheado de procedimentos mecânicos em todas as esferas” (REPETTO, 2018 c, p 34).

O MII propõe uma alternativa que restitui a aproximação entre a escola e a vida, que contrapõe essa maneira mecânica e conteudista de ensinar, onde o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende.

A segunda categoria verificada é a maneira atrativa em que o MII se apresenta, pois o calendário socionaturaldesperta o interesse, como disse a professora ele “chama a atenção” dos alunos, especialmente das crianças, sobretudo se o calendário estiver em desenho, pois ele é como uma ‘enciclopédia’ que conta a vida da comunidade.

Pedimos às professoras que fizessem uma “avalição” para saber a opinião sincera delas sobre todo o processo que tivemos durante a aplicação do MII em sua escola. Ambas responderam positivamente, mas para nossa análise vamos nos deter na resposta da segunda entrevistada

(Entrevistado 2) Minha avaliação é nota dez [...] A construção desse calendário valeu como um curso, porque pra isso serve um curso, pra ensinar a gente trabalhar, pra gente saber na prática como se trabalhar, porque uma coisa é a teoria a outra coisa, é colocar em prática. Com esse calendário agora eu me sinto inserida na comunidade, hoje eu posso dizer que conheço a comunidade em que trabalho. Foi muito prazeroso e significativo para mim.

Relativamente a resposta da professora acima podemos destacar duas categorias para nossa análise. A primeira seria a questão de as professoras terem aprendido sobre o MII praticando e não apenas ouvindo as teorias, como ocorre em determinados cursos, onde a teoria é desvinculada da prática.

Como já vimos anteriormente, os professores que trabalham em escolas indígenas têm pouco ou nenhuma assistência pedagógica, por essa razão a professora considerou, nossa pesquisa, como um curso prático que lhe mostrou como trabalhar de maneira intercultural. A esse respeito Julião (2017) esclarece que:

Algumas universidades públicas e particulares em Roraima vêm fazendo formação de professores indígenas para atuarem nas escolas das diferentes regiões indígenas, mas essa formação é feita sem nenhuma preocupação com a superação do currículo tradicional. Por esse motivo, entendemos que não é suficiente formar professores indígenas, mas é preciso uma formação que lhes proporcione ferramentas teóricas e práticas que ajudem a produzir as mudanças necessárias no chão da escola. Essas mudanças devem levar à superação do currículo tradicional, integracionalista, que desvaloriza física e culturalmente o índio, por um currículo com perspectiva crítica e libertadora, cuja característica principal é a valorização dos diferentes conhecimentos indígenas no cotidano escolar. (JULIÃO, 2017, p 155)

O mais interessante é que a referida professora, a qual enfatizou que nossa pesquisa a ensinou na prática como trabalhar, tem a formação em pedagogia com ênfase em educação escolar indígena. Isso ratifica o que falamos anteriormente, a formação de professores precisa articular teoria e prática, por forma a subsidiar o professor nas suas atividades.

A proposta do MII é produzir um ensino que seja de baixo para cima, à medida que se vai aprendendo fazer, vai se dialogando, refletindo de maneira crítica sobre a realidade dos povos indígenas, como uma alternativa de ensino que descolonize o saber.

A segunda categoria em relação a esta pergunta seria o fato de que essa maneira que aplicamos a experiência com MII foi para as professoras como uma formação continuada em serviço.

Esse fator foi positivo no sentido de ter facilitado para as professoras o acesso a esse conhecimento, que talvez de outra maneira não seria possível. Na maioria das vezes, os professores não são assistidos e tampouco conseguem sair da sua escola para aprender algo novo, por causa da distância e toda a logística que envolveria tal deslocamento.

Também tivemos a preocupação de perguntar se o MII poderia ajudar a diminuir a escassez de material didático específico na escola. Fizemos essa pergunta porque durante nossa pesquisa pudemos constatar que a escassez de material didático (específico ou não) era uma das maiores queixas dos professores e das comunidades indígenas com quem tivemos contato nos últimos anos. As professoras responderam da seguinte maneira:

(Entrevistado 1) vai diminuir sim, porque quando a gente bate o olho no calendário, a gente vê em que mês estamos e que assunto nós podemos trabalhar

(Entrevistado 2) Com certeza, não é uma dificuldade só minha, mas de todos os meus amigos que trabalham em área indígena, a falta de material didático é um desafio muito grande, trabalhar a educação diferenciada de fato e de direito porque não temos suporte de materiais pedagógico para trabalhar essa realidade e quando a gente não tem resultado na comunidade, a culpa é do professor que não soube trabalhar, que não soube valorizar o contexto social e cultural dos alunos, só que eu acredito assim, cada comunidade teria que ter um calendário desse, porque se tornaria mais fácil para os professores porque no calendário está toda a vida da comunidade de janeiro a dezembro e é um material multidisciplinar, porque tem geografia, história, ciência, arte, entra todas as disciplinas, vai do professor se organizar, ver os conteúdos que ele acha mais interessantes para trabalhar em cada bimestre e dá para fazer um bom trabalho, mas o poder está na mão do professor, vai do professor querer adotar essa realidade para sala de aula.

Podemos detectar na fala das professoras é que o calendário socionatural poder servir como um recurso que pode apoiar os professores tanto na sala de aula como também na construção do seu Projeto Político Pedagógico (PPP) futuro (a escola da nossa pesquisa, como a maioria das escolas do estado, não possui Projeto Polítco Pedagógico) porque no calendário estão contidas todas as informações a espeito da comunidade, incluindo as datas comemorativas que podem ser úteis para inserir no PPP da escola.

O calendário socionatural do MII se tornam um recurso pedagógicosistematizado e personalizado da comunidade e que deverá ser atualizado de tempos em tempos para acompanhar as mudanças sociais que ocorrem na mesma, não sendo algo estático, mas algo dinâmico, como o é a sociedade e a natureza.

7 NOTA CONCLUSIVA

Os resultados da experiência com o calendário socionatural foram além das expectativas, pois os conhecimentos que antes pareciam insignificantes passaram a ter aos olhos das crianças visibilidade e importância e para as professoras que participaram de todo o processo foi um grande aprendizado, confirmando o que Bertely decreve a respeito do Método Indutivo Intercultural:

Este método reconoce y incorpora la acción educativa de comuneros y comuneras, desarrolla habilidades pedagógicas diversas y colleva, de manera cosntante, una valoración positiva de las formas de vida de los niños y las niñas en comunidades indígenas. El material producido cumple entonces con las finalidades política y pedagógica de la educación intercultural, tal cual se plasma em el marco jurídico de los derechos de los pueblos indígenas. (BERTELY, 2011, p. 67).

Nas palavras da professora do 5º ano, queé do povo macuxi e não é moradora da comunidade Sorocaima I : “O calendário era tudo o que as escolas indígenas precisavam, e com a elaboração dele, aprendeu o quefaculdade nenhuma ensina, “apesar de ter uma formação para trabalhar em escolas indígenas, não tinha esse entendimento de como trabalhar de maneira a oferecer uma educação diferenciada, de fato, como é exigido”.

Já a professora de língua materna, foi quem nos acompanhou e traduziu todas as entrevistas, disse que nunca havia visto os alunos tão entusiasmados, porque as crianças nunca chegaram tão cedo para as aulas (principalmente no período de chuva). Os anciãos e moradores que participaram das entrevistas se sentiram valorizados e felizes porque puderam contribuir com o ensino das crianças, mesmo não tendo escolarização. Essa maneira de aprendizado direto com a comunidade corrobora com a as palavras de Bertely:

Salir del aula, adentrarse y participar en las actividades comunitárias, aprender de los especialistas locales, saberse ignorante y solicitar ser enseñado y recurrir a traductores, entre otras prácticas configuan un nuevo concepto de investigacion y de formación docente para el médio indígena, donde la (co) labor, la (co) teorización y la (des) colonización están presentes...(BERTELY, 2011, p. 27).

Apresentamos o calendário socionatural em desenho durante uma assembleia para a comunidade e o mesmo ficará na escola, como um recurso pedagógico, onde todos poderão conhecer a rotina e a dinâmica social e natural da comunidade e a partir das atividades presentes no calendário, professores e alunos poderão “pescar” novos conhecimentos contidos nele.

Sob essa perspectiva, a educação intercultural tem sido um dos maiores desafios que os professores indígenas enfrentam na atualidade. Poder contribuir para revitalização e perpetuação dos conhecimentos da comunidade Sorocaima I afim de que as próximas gerações tenham acesso a essas informações e para que as mesmas não se percam através do tempo é um desafio de todos e privilégio de poucos e, assim fazendo podemos compreender que todos tem algo a ensinar e sempre algo a aprender.

Mudanças desejadas levarão tempo, é um processo lento, pois para transformar a escola que foi um instrumento de dominação em um instrumento de luta e resistência ainda precisa superar muitas contradições (REPETTO, 2018).

Ao promover efetivamente a articulação dos conhecimentos o MII está buscando uma educação diferenciada, o seja, diferente daquela que até agora está presente nas comunidades indígenas, imposta de fora para dentro. O MII não é a solução mágica para todos os problemas das escolas indígenas, mas pode-se considerar um passo para o objetivo que ser quer chegar, pois o MII não é algo acabado, mas é um processo que ainda está em construção.

Através do MII podemos construir pequenas esperanças como disse (WALSH, 2015) no I Congresso Internacional de educação para o desenvolvimento em perspectiva Latino Americana ao dizer que não é utopia querer construir um novo mundo, mas que deve ser feita aos poucos, identificando as fissuras e agindo dentro delas.

Durante nossa pesquisa podemos perceber que tudo feito na escola indígena parecia não ter pressa, diferente das escolas das cidades. Ninguém parece se preocupar muito com o tempo. Tendo em com sideração esses fatores, podemos dizer que nossa pesquisa ocorreu como uma formação continuada em serviço que beneficiou professores e alunos.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.1997

BERTELY, María Busquets. Interaprendizagem entre indígenas: De cómo las y los educadores pescan conocimientos y significados comunitarios en contextos interculturales. REDIIN. Primera edición:. México, 2011.

DÍAZ, R. & ALONSO, G. (1998). Cultura, pedagogía y política. Algunas reflexiones acerca de los cruces entre interculturalidad y educación popular. In: XX Encuentro Nacional de Antropología Social. La Plata: agosto, 1998.

ESTEVES, M. Análise de Conteúdo. In: Lima e Pacheco (orgs.) Fazer Investigação: Contributos para a elaboração de dissertações e teses, pp. 105-126. Porto: Porto Editora. 2006

GASCHÉ, Jorge. Niños, Maestros, Comunneros y Escritos Antropológicos como Fuentes de Contenidos Indígenas Escolares y la Actividade como Punto de Partida de los Processos Pedagógicos Interculturais: um Modelo Sintáctico de Cultura. In: Educando em la Diversidad Investigaciones y experiências educativas interculturais y bilíngues. In: M. Bertely; J. Gasché; R. Podest (Coords.). Ecuador: Abya – Yala/CIESASQHAP, 2008.

GASCHÉ, Jorge. Ponencia en: hacia una propuesta Intercultural en um mundo global. México: CREFAL, 2005. RERENCIAL curricular Nacional para as escolas Indígenas/ ministério de Educação; secretaria de Educação continuada, alfabetização e diversidade. Brasília: MEC/SEGAD. 2005.

GASCHÉ, Jorge. Sociedade Bosquesina, Tomo I. Ensayo de antropología rural amazónica, acompañado de una crítica y propuesta alternativa de proyectos de desarrollo, Instituto de Investigaciones de la Amazonia Peruana, Iquitos.Impresión: Tarea Asociación Gráfica Educativa. Perú, 2011.

GHIGLIONE, R.; MATALON, B.O Inquérito: Teoria e Prática. 3ª Ed. Oeiras: Celta Editora.1997

GÓMEZ, Irma. Mi experiencia docente vivida en la comunidad de Pacanam, Chalchihuitan, Chiapas. Propuesta Pedagógica, Universidad Pedagógica Nacional. Unidad 071, Subsede San Cristóbal de las casa, Chiapas, México, 2009.

LEONTIEV, A. N. Actividad, Conciencia y Personalidad. Editora Cartago: México. (1984).

MOYA, R. La interculturalidad para todos en América latina. In: Interculturalidad, educación y ciudadanía perspectiva latinoamericana, Ed. Ruth Moya. Quito Ecuador, 1999.

PINEDA, M. L. M. Docencia y diversidad cultural. In: Diálogos sobre educación. año 7 |, número 13. julio-diciembre. (2016).

REPETTO, Maxim e CARVALHO, Fabíola. Experiencias de investigación educativa intercultural en La formación de maestros indígenas en Roraima, Brasil. Desacatosno. 48 México may./ago. 2015.

REPETTO, Maxim e CARVALHO, Fabiola. Experiências de Pesquisa sobre o Calendário Cultural em Roraima - Brasil. Manuscrito, 2016.

REPETTO, Maxim C. (23 de Outubro de 2018) Transpassando Fronteiras: O método indutivo intercultural junto aos povos indígenas do México e Brasil. Em IV Seminário Internacional Sociedade e Fronteiras. Boa Vista, Universidade Federal de Roraima, Roraima, Brasil.

SACRISTÁN, Gimeno J. A cultura para os sujeitos ou os sujeitos para a cultura? O mapa mutante dos conteúdos na escolaridade. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: ArtMed, 1999.

SILVA, E. A. História da Educação escolar indígenas em Roraima, 2012. Trabalho de Conclusão de Curso da Licenciatura Intercultural. Universidade Federal de Roraima. Boa Vista, 2012.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. São Paulo: Martins Fontes. (1991).

WALSH, Catherine. Pedagogizaciones desde las grietas decoloniales. I Congreso Internacional de educación para o desarrollo em perspectiva Latino Americana. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=e5XXKN5CM9Y&t=33s Acesso em: 10 de outubro de 2018.

Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R