O Céu e o Inferno - 156 anos

por Hiram Vieira Sampaio

“A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória”

Existe o céu e o inferno? De onde surgiram esses conceitos ao longo da nossa história?

Em primeiro lugar é necessário esclarecer que a ideia de céu e inferno como visão dualista do mundo, tal qual concebemos hoje, foi difundida tipicamente no médio oriente, nos países próximos ao mediterrâneo e ao golfo pérsico e depois trazido ao mundo ocidental.

Desde as eras mais remotas, o homem primitivo tentava compreender de onde veio e qual era o seu papel no mundo. Incapaz de abranger na sua mente, naquele momento, a cosmologia do universo como a entende a astrofísica moderna, tentava explicar empiricamente os acontecimentos, com base na sua visão limitada. Assim, impressionado pela visão do sol que lhe trazia diariamente luz e calor, força e vida, passou a adorá-lo como um grande deus do céu.

Desta mesma forma, todos os povos primitivos passaram a criar seus deuses. Observavam que os animais geravam outros animais, que o ser humano gerava outros seres humanos e, portanto, alguém deveria ter gerado tudo o que existe no universo. Deveria haver um ser todo poderoso responsável pela geração de todas as coisas. Assim surgiram os conceitos ou modelos de Deus.

A partir de, aproximadamente, 3.000 a.C., toda organização social dos povos antigos foi baseadas na força e no poder. A pessoa mais poderosa era o senhor feudal que era o rei e que estava no topo da pirâmide social. Abaixo dele, mantinha um exército poderoso que lhe garantia o poder e a dominação e, na base da pirâmide, estava o povo que era explorado, pois deveriam trabalhar para o rei e ainda pagar pesados impostos. O rei era ao mesmo tempo, o legislador e o juiz dentro da sua jurisdição.

Dessa maneira, esses povos do oriente médio, construíram um modelo de Deus, baseado na estrutura social que conheciam, ou seja, o de um Deus semelhante a um Imperador que, das alturas governava toda a Terra através de um poder ilícito e possuía um exército de anjos para manter tudo funcionando de acordo com a sua vontade divina.

Cada povo ou nação possuía então o seu Deus particular e, durante as guerras e as batalhas, cada um invocava o seu Deus para dar-lhes coragem e protegê-los, pois, na sua visão, esse Deus os ajudava a derrotar o inimigo. Era um Deus muito parcial, que defendia um povo em detrimento de outro. Quando um exército derrotava o outro, acreditava-se que o Deus do exército vencedor era mais forte do que o Deus do exército derrotado.

Apesar de haver concebido um modelo de Deus, perfeito, todo poderoso, bondoso, protetor, quando olhava para o mundo,  enxergava guerras, morte, dor, doenças, pestes,  e então passa a ponderar que Deus sendo bondoso e perfeito não poderia ser o responsável por todos esses infortúnios. Desta forma, foi necessário criar uma figura antagônica que fosse rotulada por todo o mal, miséria e degradação existente na Terra. Surge assim o demônio como modelo do mal e culpado por todo o sofrimento humano. Ele instiga o homem a perpetuar-se no mal e está em constante conflito com Deus.

Na sua visão materialista do mundo, o homem acreditava que Deus, como um imperador, deveria morar em algum lugar perfeito, feliz e onde nada faltaria, como eram os palácios dos imperadores.

Tomando como referência a superfície do planeta onde vivia, definiu que acima dela estava o céu e abaixo estava a terra. Deus, portanto, deveria morar no céu que é limpo, iluminado, gerador de força e vida. Mas em contrapartida, o demônio também deveria morar em algum lugar e esse lugar seria o inferno. Como o céu acima da superfície da terra era a morada de Deus, concluíram por questões geográficas, que o inferno, morada do demônio, deveria estar localizada abaixo da superfície terrestre. Observaram ainda que, das entranhas da terra, os vulcões expeliam lavas, fogo, fumaça e cheiro de enxofre, e deduziram que o inferno era constituído destes materiais. Desta forma, tudo o que existe no céu seria belo e pacífico e tudo o que existe no inferno seria feio e mau cheiroso.

Como a reencarnação não fazia parte de suas crenças, Deus, assim como um rei, seria o legislador e o juiz que absolve ou condena eternamente as almas dos seus súditos, em virtude da sua conduta durante a vida.

Em certos casos esse Deus assumia características humanas, ou seja, era vingativo, pois se alguém contrariava a sua vontade ou não cumpria as suas leis, Ele o punia e o condenava eternamente.

Os egípcios foram um dos primeiros povos a defender a imortalidade da alma, embora ainda de uma maneira rudimentar. O julgamento final, na concepção egípcia, é retratado na lendária história do Tribunal de Osíris, responsável pelo julgamento dos mortos e foi uma das fontes de inspiração para a criação da ideia do “juízo final” entre os judeus e os cristãos.

Quando se concebeu este universo dualista, ou seja, o bem contra o mal e a contemplação contra a condenação eterna, era óbvio que o homem não desejava ser condenado eternamente. É ai que os sacerdotes antigos criaram uma forma de dominação, vendendo a ideia de salvação através da religião, e escravizando psicologicamente os fiéis pelo medo do inferno ou pela promessa do paraíso.

Essas filosofias religiosas atravessaram gerações e engendraram guerras e conflitos ideológicos através dos tempos, como por exemplo, as cruzadas e os confrontos com os muçulmanos, que deixaram rastros de morte e destruição,  em nome da religião.

O homem, não podendo compreender a natureza íntima de Deus pela falta de um sentido, criou um modelo humano do Criador. Portanto, fomos nós que O criamos a nossa imagem e semelhança, dentro dos nossos conceitos ainda deficientes. E aqueles a quem chamamos de demônios nada mais são do que irmãos espirituais que ainda caminham no limiar da evolução a preencher de virtudes os seus corações ainda carentes do bem, mas que um dia chegarão à perfeição dos arcanjos, pela misericórdia divina.

Allan Kardec evidenciou a lei de causa e efeito, propagada como um dos pilares da Doutrina Espírita e reforçada na obra da codificação intitulada O Céu e o Inferno – a justiça divina, segundo o Espiritismo. Existe uma colheita pessoal e intransferível, consequência lógica que se origina de toda ação humana, seja boa ou má. Jesus reforça estes conceitos quando afirma: “A cada um será dado, segundo as suas obras” (Mt 16:27).

Este ano, comemoramos 156 anos do lançamento do livro “O Céu e o Inferno”, publicado pela primeira vez em agosto de 1865, que ratifica os conceitos milenares sobre a justiça divina, dentro de uma perspectiva mais justa e imparcial, em consonância com a infinita bondade do Criador. Acrescenta, ainda, as experiências vividas no além-túmulo pelos que nos antecederam, servindo de luz e roteiro para as nossas escolhas durante a vida.

É uma obra de um espetacular conteúdo reflexivo e lógico, apresentando uma colaboração valorosa pelo ensino libertador que encerra e que nos responsabiliza pela nossa própria trajetória evolutiva diante da lei de ação e reação e das infinitas possibilidades de recomeço que o Pai nos concede.

 

Hiram Vieira Sampaio é voluntário no Centro Espírita Batuíra.

O Autor assume inteira responsabilidade pelo conteúdo dos textos de sua autoria.
Sua opinião não necessariamente expressa a visão do CENTRO ESPÍRITA BATUÍRA.
O Céu e o Inferno – 156 anos
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Uma ideia sobre “O Céu e o Inferno – 156 anos

  • 8 de agosto, 2021 em 11:15 am
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    muito bom mesmo.
    bem esclarecedor, texto muito rico e conhecimento essencial
    para nossos estudos

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