Como a primavera ainda está ajudando muito. O pouco sol que aparece é sempre entre nuvens. Para não perder mais tempo, lá vai o procedimento básico para uma impressão com goma bicromatada.

Muito se tem escrito sobre esse processo que, ao lado da cianotipia, é um dos mais simples em termos da química aplicada sobre o papel e pela forma como é “revelada” essa impressão. No entanto é um dos mais desafiadores para o fotógrafo, pois quase sempre exige sua intervenção direta na “revelação” da imagem. E por “direta” eu quero dizer fisicamente.

O Papel

Como em todos os processos onde a fase molhada é intensa, os melhores papeis para uso são aqueles de maior gramatura (300g para mais). Todos os papeis utilizados para as técnicas de aquarela ou guache podem ser usados sem maiores problemas.

O Negativo

Por ser também um processo de contato o negativo tem que, obrigatóriamente ter as mesmas dimensões da imagem final desejada. Como as emulsões com dicromatos são mais lentas, a densidade do negativo deve ser  inferior àquela do negativo usado para cianotipia.

A Química

Somente duas substâncias, além do pigmento, são necessárias para a preparação da solução sensibilizadora.

A primeira é o dicromato de amônia ( na terminologia passada, bicromato). Como foi dito em post anterior, Mungo Ponton descobriu que os dicromatos são fotossensíveis. Quem já trabalhou com silk-screen deve se lembrar do sensibilizante de cor laranja bem forte que era misturado à tinta, pois bem, esse líquido laranja é o dicromato de amônio com uma concentração que varia entre 10 e 15%.

Alguns autores indicam que a solução de dicromato à ser usada deve ser saturada ( para quem matou essa aula de química: uma solução saturada  é  quando o solvente  já dissolveu toda a quantidade possível de soluto, e qualquer quantidade posteriormente adicionada não será dissolvida e ficará no fundo do recipiente). Outros autores, porém, informam que a concentração normalmente encontrada no comércio (10-15%), já é suficiente.

Além do dicromato de amônia pode ser também usado o de potássio ou o de sódio, ambos menos sensíveis do que o de amônio e portanto mais lentos em sua reação com a luz.

ATENÇÃO: O CROMO É UM METAL PESADO. TODOS OS SEUS SAIS, INCLUSIVE OS DICROMATOS, SÃO TÓXICOS E DEVEM SER MANUSEADOS COM OS DEVIDOS CUIDADOS. USE SEMPRE LUVAS AO TRABALHAR COM DICROMATOS.

A segunda substância é a goma-arábica, que é uma resina extraída de alguns tipos da acácias africanas (antes das colas brancas, os correios sempre tinham um pote de goma-arábica no balcão). Sua função é fixar o dicromato ao papel para formar uma camada fotossensível. Apesar de não ser mais tão facilmente encontrada em papelarias, a goma-arábica ainda pode ser achada pronta em lojas de material de pintura. Outra opção é comprar em qualquer loja de produtos químicos a goma em pó e fazer a solução em casa com a adição de água.

A goma não pode ser muito espessa ou escura pois isso atrapalha a ação da luz, especificamente do UV, tornando quase impossível a reação do dicromato.

Finalmente o pigmento. O mais frequentemente usado é a tinta de aquarela, mas também pode ser feito com guache, para um resultado mais opaco, ou anilina ou corantes para alimentação. A aquarela tem como  vantagem transparência e luminosidade na imagem final.

A Preparação da Emulsão

Nada poderia ser mais simples. Uma medida de goma-arábica, a mesma medida de dicromato, mais o pigmento.

Primeiramente dissolve-se todo o pigmento na goma. Se estiver usando tinta de aquarela em tubo, uma tripa de um centimetro já é o suficiente. ATENÇÂO: o pigmento tem que estar completamente dissolvido, sem grumos ou pelotas.

Uma vez feito isso junta-se o dicromato. A mistura final deve ser homogênea e sem bolhas de ar ou espuma.

A preparação de mistura, assim como sua aplicação sobre o papel pode ser feita sob luz incandescente. Nunca trabalhe com iluminação fluorescente pois esta emite UV .

A Sensibilização do Papel

Com um pincel de espuma e sem muita pressão, deve ser aplicada uma camada de emulsão. Essa camada deve ser uniforme, sem deixar riscos ou áreas de maior concentração. A secagem deve ser feita em local abrigado da luz. Caso queira, essa secagem pode ser acelerada com o uso de um secador de cabelos. O jato de ar deve ser morno e não quente, e sua aplicação deve ser feita em constante movimento.

A Exposição

Como em todos os processos alternativos de impressão: “sanduíche” de vidro+papel sensibilizado+negativo+vidro.

Em dias de maior intensidade de UV a exposição direta à luz do sol deve durar entre 3 e 5 minutos. Exposições com tempo superior a 10 minutos não são recomendadas pois tornarão a “revelação” muito difícil se não impossível.

A “Revelação”

Uma vez feita a exposição, o papel deve ser imerso, com a imagem voltada para baixo, em uma bandeja com água ligeiramente morna. Agitada um pouco para liberar qualquer bolha de ar que possa ter se formado e depois deixada por, aproximadamente 10minutos. Esse primeiro banho irá dissolver o excesso de dicromato (facilmente visto pela mudança na cor da água), além de saturar de água e amolecer a goma-arábica.

Depois o papel, agora com a imagem para cima, deve ser transferido para outra bandeja com água limpa. Atenção: cuidado ao fazer a transferência -nesse ponto a emulsão está encharcada e muito frágil.

A temperatura da água nesse segundo banho não é importante.

Nesse ponto é que começa a interferência direta do fotógrafo no processo de revelação.

Com um pincel macio e com o papel ainda no banho, as áreas das altas luzes devem ser liberadas da goma que ainda pode estar aderida ao papel. É um processo delicado que exige uma certa paciência e atenção. Além do pincel, pode ser usado um jato fino de água,  sem muita pressão para não ultrapassar as áreas desejadas. (Normalmente a liberação física da goma se dá nas altas luzes, mas nada impede que, para que se obtenha algum efeito isso não possa ser feito nas áreas de sombra da imagem.)

Sempre com o mesmo cuidado no manuseio, um novo banho de 2 minutos em água limpa com metabissulfito de sódio ( 10g por litro) para liberar o papel de de qualquer resto de dicromato e, finalmente,  mais 5 minutos em novo banho de água limpa.

A secagem é normal podendo usar também o secador de cabelos da mesma forma usada para a secagem da emulsão.

Apesar de sua aparente simplicidade, o processo de impressão pela goma bicromatada é uma tarefa que exige muita atenção e por vezes pode ser extremamente frustrante. Não se iluda pensando que logo na primeira tentativa você vai conseguir uma boa imagem. Muito papel vai terminar na lata de lixo.

Apesar do aviso não precisa desanimar. Quando você conseguir a primeira imagem perfeita a vontade de sair gritando para se beijar no espelho é quase incontrolável.