Opinião

Tempo de antena eleitoral: faz sentido ou é desperdício de dinheiro dos contribuintes?

Enquanto não medirmos o retorno do gasto com os tempos de antena vamos pagando a fatura, sem percebermos se existem formas de melhorarmos a comunicação dos candidatos e dos partidos, destes chegarem, em igualdade, da melhor forma a mais eleitores, no fundo, de termos mais eficácia com menos custos, menor abstenção e de contribuirmos para uma democracia com mais envolvimento e participação

Na mais recente eleição presidencial, o Estado pagou 1.755.494,00 euros pela emissão televisiva dos tempos de antena eleitorais dos sete candidatos – 395.337,00 euros à RTP, 783.126,00 euros à SIC e 577.031,00 euros à TVI (Despacho n.º 102/2021, Diário da República, 2.ª série, n.º 3, de 6 de janeiro). A aquisição de tempo de antena nos três canais generalistas para cada candidato foi, assim, arredondando para baixo, de 250 mil euros.

O tempo de antena eleitoral é um level playing field, que garante exatamente o mesmo tempo de antena televisivo a cada candidato. A ideia é esta: a cobertura jornalística das televisões – porque é subjetiva, recorre a critérios editoriais diversos, é feita com recursos financeiros e logísticos diferentes e porque segue a lógica das audiências – tenderá a privilegiar certas candidaturas em detrimento de outras. A publicidade, por outro lado, introduziria um fosso comunicacional ainda maior entre os que têm dinheiro para comprar tempo de emissão e os que não têm dinheiro para isso, por isso é proibida a publicidade política eleitoral na televisão em Portugal. Então, o tempo de antena funciona, assim, como um igualador para a comunicação das candidaturas, em que o Estado paga às televisões para que todas as candidaturas tenham exatamente o mesmo tempo de acesso à televisão.

Nesta campanha eleitoral, foi disponibilizado a cada candidato exatamente o mesmo tempo de 34 minutos e 16 segundos. Neste documento da Comissão Nacional de Eleições, pode ver-se como foi feita a distribuição do tempo de antena nos dias em que decorreu a campanha eleitoral, pelos diversos serviços de televisão. Na emissão dos tempos de antena, a liberdade é praticamente total, podendo os candidatos controlar muito amplamente o conteúdo do que é transmitido. Estes podem escolher a roupa, os cenários, adereços, grafismo, testemunhos de terceiros, imagens antigas ou estilizadas, símbolos, música, a forma como apelam ao voto… Não podem, contudo, as candidaturas exibir conteúdos com publicidade comercial ou nos quais incitem à violência, à desordem, ao ódio, etc. O custo de produção desses conteúdos é, financeiramente, da responsabilidade de cada candidatura.

Nestas eleições, como sabemos, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa prescindiu de entregar material audiovisual. Não quis utilizar o tempo de acesso à televisão que a Lei Eleitoral do Presidente da República lhe garante. No entanto, este tempo foi pago, e em seu lugar foram exibidos cartões identificando o candidato, com o seu nome completo, a sua fotografia, e uma mensagem explicando que “a candidatura não facultou o respetivo programa”.

O tempo disponível não foi usado por Marcelo, mas também não pôde ser usado, ou distribuído, pelas outras candidaturas (a lei assim o determina). Marcelo, creio, é o primeiro Presidente recandidato a abdicar deste direito consagrado na Constituição. A notoriedade de Marcelo, é evidente, não é comparável a nenhum dos outros candidatos. Marcelo não precisou de um nivelador de oportunidades. O próprio reconhece que “o seu tempo de antena foram 5 anos”, aludindo à atenção mediática quotidiana que teve ao longo do mandato.

Mas a verdade é que, ao rejeitar ter 34 minutos e 16 segundos de tempo de antena, Marcelo evidenciou que esta forma de assegurar cobertura televisiva às candidaturas está obsoleta, datada, ultrapassada. Os eleitores, hoje, na sua grande maioria, não estão em frente à televisão à espera que os tempos de antena sejam transmitidos. Talvez assim fosse há duas, três ou quatro décadas. Hoje, os hábitos de consumo de informação são diferentes, há uma enorme diversidade de oferta de serviços e programas de televisão, de streaming e, ainda temos a internet e as redes sociais, com ampla penetração na população e nos eleitores.

Certo: a televisão emitida em sinal aberto ainda deverá ser o principal meio através do qual os portugueses acedem a informação, mas já não é o único nem tem o peso e importância que já teve. Por isso, importa perguntar: quantos portugueses, de que idades, em que zonas do país, assistiram aos tempos de antena eleitorais? Que papel desempenhou na informação e esclarecimento aos eleitores? Quantos formaram a sua decisão de voto, e efetivamente votaram, por causa dos tempos de antena? Se juntarmos o valor da compensação atribuído às rádios – que foi de 562 mil euros – o montante que o Estado despendeu nestas eleições – exclusivamente para o exercício do Direito de Antena – eleva-se para 2,3 milhões de euros. O que dá um gasto de 331 mil euros por cada um dos sete candidatos.

É evidente que a democracia tem custos e que os candidatos têm de ter condições, de igualdade, para veicular convenientemente as suas mensagens, sobretudo quando o que está em causa é criar condições para que os cidadãos tenham acesso a informação que lhes permita fazer uma escolha informada e consciente. Mas – e o ponto é este: estamos em 2021, será esta a melhor e mais eficaz maneira de o fazer? Este modelo ainda faz sentido? Vídeos com duração média de três minutos, emitidos ao princípio da noite nos três canais generalistas durante treze dias seguidos, em blocos de 15 minutos durante a semana e de 30 minutos ao fim de semana, sucedendo-se um vídeo ao outro…

O Presidente foi reeleito com 60% dos votos, prescindiu dos seus tempos de antena e quatro dos seis candidatos que o utilizaram ficaram abaixo dos 5%.... Qual é efetivamente a relevância, a eficácia, o peso, o valor criado, pelo tempo de antena no mix de comunicação dos candidatos? Que impacto, verdadeiramente, foi gerado por este gasto de 2,3 milhões de euros do dinheiro dos contribuintes para a comunicação das candidaturas na televisão (e na rádio)?

Enquanto não medirmos e apurarmos o retorno sobre este gasto, vamos pagando a fatura, sem percebermos se existem formas de melhorarmos a comunicação dos candidatos e dos partidos, destes chegarem, em igualdade, da melhor forma a mais eleitores, no fundo, de termos mais eficácia com menos custos, menor abstenção e de contribuirmos para uma democracia com mais envolvimento e participação.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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