A Beleza das Pequenas Coisas

Marta Rebelo: "Salazar dizia: 'Fado, Futebol e Fátima' e a mentalidade dos políticos não mudou neste Mundial do Catar"

Tornou-se conhecida enquanto deputada do PS, entre 2005 e 2009, mas nos últimos anos, após superar uma grande depressão, tem-se dedicado a alertar a opinião pública para a urgência dos cuidados das doenças mentais. Marta Rebelo recorda nesta conversa as várias discriminações que sofreu no Parlamento, e afirma que tem um “desamor à carneirada” e ao “preconceito mansinho à portuguesa”. A propósito da reportagem de investigação da SIC “Quando o ódio veste farda”, deixa o recado: "Os poderes públicos estão a falhar na seleção e formação das pessoas para as forças de segurança. Um polícia tem a função de manter a segurança de todos os portugueses, com neutralidade. E alguns comportam-se como bandidos".” Ouçam-na no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, com Bernardo Mendonça

Marta Rebelo: "Salazar dizia: 'Fado, Futebol e Fátima' e a mentalidade dos políticos não mudou neste Mundial do Catar"

Nuno Fox

Fotojornalista

Marta Rebelo é uma rebelde com muitas causas. A maior delas foi assumir ter passado uma longa depressão, com mais de uma década de existência, vivida num doloroso e infernal silêncio, o que a fez chegar a dois “burnouts” e ao limite de querer desistir da vida.

Atualmente, esta “ex-deprimida e ansiosa ocasional” - como ela própria se descreve - é uma ativista pelos cuidados da saúde mental, que a pandemia escancarou como um dos grandes problemas da atualidade, ainda com poucas soluções à vista no SNS.

Marta assume aqui que odeia carneirada e não tem medo da diferença. E, como ela própria diz, “é do medo incomensurável da diferença, dos diferentes, que nascem todos os preconceitos do mundo.” E deixa claro que os diferentes de si têm-lhe ensinado “muito mais” do que os iguais a si. Afirma-se esperançosa com as novas gerações, mas igualmente preocupada com o mundo polarizado, de extremos. E de uma grande massa de gente em cima do muro, que não se envolve, nem toma posições, e que pode ser seduzida por uma das partes.

"O mundo está extremado. E há as pessoas do meio que pensam pouco nas coisas, mas são determinantes para escolher Presidentes e outros representantes políticos. Essas pessoas do centrão serão determinantes para o mundo que se segue, e provavelmente escolherão o lado menos barulhento. Importa passar a mensagem, alertá-los para os perigosos, sem gritar.

Feminista, e defensora dos direitos humanos e dos animais, Marta não suporta o que chama de “bundões-de-sofá”. Ou seja, ativistas de café e abstencionistas. E considera que todas as pessoas têm o dever de mudar para melhor alguma coisa no mundo que os rodeia.

Licenciada em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-Económicas, trabalhou como assistente universitária, assinou livros jurídicos e artigos científicos, foi adjunta, consultora e chefe de gabinete no Governo e aqui deixa claro que não sente saudades dos quatro anos em que foi deputada pelo PS. E desse tempo diz ter ganho “crosta”, assume ter sido alvo de machismo, mesmo por parte de deputadas de esquerda, e que perdeu naqueles assentos toda a ingenuidade que tinha.

"Há todo um conjunto de ideias feitas sobre mulheres novas, com determinada aparência, e ali na AR era um caldeirão perfeito. Se era miúda e gira 'tinha' que ter dormido com alguém para ali chegar. Alguém acha que um homem dormiu com alguém para ser deputado?" E foi precisamente neste capítulo da sua vida em que viveu a fase de maior desesperança, mergulhada num “buraco negro”, sem perspetiva de um melhor amanhã.

“Tentei pôr fim à vida quando ainda era deputada. As pessoas que se suicidam, ou tentam suicidar, não querem necessariamente morrer. Só não querem viver nos termos em que vivem. Querem parar de sofrer.”

Atualmente, Marta Rebelo trabalha como consultora de comunicação digital, é cronista da Visão e afirma-se uma mulher livre, com poucos arrependimentos. Por isso mesmo há uma palavra pela qual tem um ódio de estimação: A palavra “culpa” (com todas as suas raízes judaico-cristãs) que atira para a fogueira da vergonha e do estigma as pecadoras e pecadores que saem do guião da família tradicional e das regras do patriarcado. Uma culpa que teima em penalizar e fazer arder mais as mulheres e outras minorias.

Nesta conversa em podcast Marta Rebelo ainda lê um poema, revela algumas das músicas que a acompanham, e partilha outros episódios e reflexões sobre si, o país e o mundo.

Como sabem, o genérico é uma criação original da Joana Espadinha, com mistura de João Firmino (vocalista dos Cassete Pirata). Os retratos desta vez são da autoria de Nuno Fox. A sonoplastia deste podcast é do João Martins e do João Luís Amorim.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: BMendonca@expresso.impresa.pt

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