Sociedade

Maria de Lurdes Rodrigues: “É inaceitável um professor chegar à idade de reforma ainda na categoria de auxiliar”

12 fevereiro 2022 20:35

Maria de Lurdes Rodrigues foi ministra da Educação de um Governo PS entre 2005 e 2009 e a primeira mulher a liderar o ISCTE. A universidade celebra 50 anos

12 fevereiro 2022 20:35

Concretizar a criação de uma nova escola superior em Sintra dedicada às tecnologias digitais, expandindo assim a presença do ISCTE na Área Metropolitana de Lisboa; reforçar as estruturas de investigação e prestação de serviços à comunidade; continuar a lutar para que a Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior seja cumprida e que a instituição deixe de ser a “universidade estatal que recebe menos dinheiro público por aluno”. Estas são algumas das prioridades definidas por Maria de Lurdes Rodrigues, primeira mulher a liderar o ISCTE e esta semana reeleita para um segundo mandato de quatro anos, a que se candidatou sem oposição.

A reeleição coincide com o início de um novo Governo, e junto do próximo Executivo a reitora fará questão de insistir nos temas e agendas que acredita serem fundamentais para a instituição que dirige e para o desenvolvimento do ensino superior. “Há 13 anos que a lei do financiamento não é aplicada. De então para cá, as dotações para as universidades têm sido calculadas usando o histórico dos anos anteriores, independentemente dos critérios da fórmula, que assenta sobretudo no número de alunos. O ISCTE é uma das instituições que tem crescido, mas que tem sido prejudicada face a outras que até perderam estudantes. Se a lei não está bem, tem de ser mudada. Fingir que o problema não existe não o resolve”, critica.

Reformas e maioria absoluta

Além do financiamento, também é indispensável a revisão de várias leis que se mantêm inalteradas há mais de uma década, defende Lurdes Rodrigues. Desde o regime que regula as instituições de ensino até à carreira docente. “Um professor pode chegar à idade de reforma como professor auxiliar (a categoria mais baixa), e isso é inaceitável. Antes, progredir na carreira só dependia do tempo a passar. Mudou-se o paradigma e acabaram os mecanismos de progressão interna. Nos últimos anos, o Governo foi respondendo a este problema com soluções transitórias, permitindo a abertura de concursos internos de progressão. Fizemos um grande esforço no ISCTE para o reconhecimento do mérito dos professores. Mas é preciso avançar com a revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitária.”

Tal como é preciso acabar com a rigidez de regras que impedem a reforma na oferta de ensino que é urgente fazer. Por exemplo, quando os desafios que o mundo enfrenta exigem respostas “pluridisciplinares” e as instituições continuam obrigadas a organizar os seus cursos numa base disciplinar.

“A agência de acreditação do ensino superior não está preparada para reconhecer um curso que seja construído com base nas escolhas espontâneas dos alunos que desejem combinar disciplinas. Quando quisemos criar no ISCTE o primeiro curso de Ciência dos Dados, fundamental para o país, foi uma dificuldade. Porque o ministério dizia que para abrirmos uma nova formação tínhamos de cortar noutra. Depois o diploma das vagas lá mudou. E se queremos trazer mais adultos ao ensino superior — para mestrados, formações mais curtas, seja o que for —, essa oferta também tem de ter uma base interdisciplinar. As universidades têm de ter a possibilidade e os estímulos para o fazer”, apela a reitora, devolvendo a crítica que muitas vezes é feita às universidades. “Diz-se muitas vezes que são conservadoras. A minha experiência diz-me que é o quadro de regras que não são revisitadas há mais de 10 anos que é conservador e que impede a inovação.”

E não há desculpas para nos próximos quatro anos não se fazerem estas reformas, considera. Com o PS a vencer as eleições com maioria absoluta será mais fácil “ultrapassar bloqueios e liderar o processo de revisão de todas estas leis. Haja visão e vontade política”, apela.

Neste novo contexto político, Lurdes Rodrigues espera ainda que o primeiro-ministro não avance com uma hipótese que tem sido falada para cumprir o objetivo de ter um Governo mais “enxuto” e com menos ministérios. “Já tivemos um período em que a Ciência estava na tutela do Planeamento e da Economia. Nessa altura, praticamente não havia política de ciência. Foi Mariano Gago (ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) quem fez a rutura, conquistando um espaço próprio para a ciência. Depois tivemos a junção da Educação com o Ensino Superior feita por Passos Coelho e vimos o que aconteceu, com o sistema científico reduzido a metade. Defendo que é preciso continuar a preservar o espaço e a autonomia da política de ciência, que tem exigências próprias. E se metade da investigação que se faz no país ocorre nas universidades, o que precisamos é de políticas que aprofundem a relação entre ciência e ensino superior.”

Novo edifício, nova escola

Outra questão incluída nas prioridades para os próximos quatro anos prende-se com a construção de residências para os estudantes deslocados. Numa universidade que disponibiliza atualmente um total de 80 camas — que chegam para 3,4% dos alunos deslocados, segundo um levantamento feito em 2018 pelo Ministério do Ensino Superior —, e inserida numa cidade com preços de alojamento elevadíssimos, percebe-se a dimensão do problema.

Lurdes Rodrigues dá o exemplo dos estudantes chineses no ISCTE. Graças a um protocolo com duas universidades, tem neste momento 500 alunos oriundos da China inscritos em formação doutoral na área de gestão. Mas isto só é possível porque o tempo de presença física requerido nos doutoramentos é curto. Mas expandir este fluxo para as licenciaturas ou mestrados e alargá-lo a outros mercados com enorme potencial, como o norte-americano, torna-se inexequível: “Enquanto não resolvermos este problema das residências não é possível internacionalizar mais o ensino superior em Lisboa.”

Para os próximos quatro anos, e com a ajuda das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência, o ISCTE irá avançar com a construção e requalificação de cinco residên­cias, aumentando a capacidade para mais de mil camas. Uma das novas residências ficará em Sintra, concelho onde será construída a nova escola do ISCTE, cuja oferta passará por cursos de tecnolo­gias digitais e aplicadas a diferentes sectores, desde a saúde à educação.

Já as obras no campus do ISCTE junto à Avenida das Forças Armadas, com a requalificação do edifício que juntará no mesmo espaço todas as unidades de investigação, laboratórios e observatórios do instituto, estão em fase final.