Gérard Castello-Lopes

Vichy, 1925 – Paris, 12.02.2011

Gérard Castello-Lopes pertence a uma geração de fotógrafos que, na década de 1950, não alinharam a sua imagem pela estética da fotografia salonista, dominante nos fotoclubes da altura (Grupo Câmara em Coimbra, Fotoclube 6x6 em Lisboa, Associação Fotográfica do Porto), interessando-se mais por uma expressão que tomou por referência a fotografia humanista do pós-guerra. Após um interregno nas décadas de 60 e 70, nos anos 80 retoma a atividade fotográfica, passando, então, a preocupar-se sobretudo com o paradoxo das aparências, adotando um olhar demorado, atento à composição da imagem.

As viagens entre França, país onde nasceu, e Portugal, permitiram a Castello-Lopes não só um olhar comparativo e crítico sobre a realidade portuguesa – subjugada na altura a um regime ditatorial –, como também lhe facilitaram uma leitura informada da fotografia internacional da altura, em revistas que assinava (Popular Photography, Modern Photography, Life, Paris Match) e publicações que adquiria em França.

 

Através de concursos temáticos que organizava, reuniu um grupo de amigos em torno da fotografia, passando esta a ser uma atividade pessoal mais empenhada a partir de 1956. Nesta altura, o que lhe interessava era «fotografar a tristeza, a miséria, a opressão a que todos estávamos condenados».* São testemunhos (como Dafundo, na coleção do CAM) que Castello-Lopes deixou em imagens inspiradas por aquele que considerou sempre ser o seu mestre, Henri Cartier-Bresson (1908-2004).

 

Porém, ele próprio confessou que sentia alguma dificuldade em fotografar pessoas que não o desejavam: «faltava-me uma justificação moral que dissociasse claramente o meu papel de testemunha do de um paparazzo. Porque à força de apontar a Leica às pessoas, na rua, nos bairros pobres, nos campos ou nas fábricas, era claro para mim que elas se sentiam agredidas […] [R]estava-me evidentemente a via real do fotojornalismo. Fazer como os meus heróis, Cartier-Bresson, Eugene Smith, Duncan ou Burrows, testemunhar a guerra, a miséria mundial, os grandes cataclismos […]. Eu [porém] não tinha talvez o talento, nem a idade, nem a determinação de abandonar tudo para iniciar tamanha aventura. Deste modo meti o meu sonho na mala.»**

 

Esta fase da fotografia de cariz humanista de Castello-Lopes, que teve especial ênfase no final da década de 50, durou apenas dez anos, até 1966. Nesta altura, afirmou sentir algum desalento neste tipo de abordagem, deixando de fotografar de uma forma consequente. Apesar da sua atividade intensa nos anos 50, a sua imagem não deixou qualquer marca ou influência na fotografia portuguesa da altura, já que as suas fotografias não foram expostas ou publicadas no nosso país. Apenas em 1961 aparece uma imagem sua publicada no Photography Yearbook, em Londres, numa edição da Condé Nast, e em 1970 tem um conjunto de trinta imagens expostas no pavilhão português da Exposição Internacional de Osaka.

 

Dedicando-se nos anos 60 e 70 a um conjunto de atividades ligadas à imagem (distribuição de filmes, assistente de realização, crítica cinematográfica, membro fundador do Centro Português de Cinema) e a outras de carácter político (missões de representação de Portugal no estrangeiro), o retomar da fotografia com um novo fôlego vem apenas nos anos 80, depois de António Sena ter organizado a exposição Fotografias de 1956 a 1982, na sua Galeria Ether – a primeira exposição individual de Gérard Castello-Lopes, que contava já com 57 anos de idade.

 

A influência de Gérard Castello-Lopes em António Sena e deste na carreira daquele foram determinantes. Para o primeiro, esta exposição foi não só o reconhecimento de um percurso na fotografia que estava esquecido, mas também o estímulo para novamente se dedicar à fotografia, agora de uma maneira mais reflexiva e madura. Por sua vez, foi o encontro com a fotografia de Castello-Lopes nos anos 70 que estimulou António Sena a estudar a história da imagem fotográfica em Portugal. Estes estudos resultaram na publicação de Uma História de Fotografia em 1991, aquando da mostra Europália, e numa edição mais definitiva e completa em 1998, com o título História da Imagem Fotográfica em Portugal – 1839-1997, ainda hoje uma referência incontornável neste domínio. A esta mútua influência não foi indiferente o conhecimento que ambos tinham um do outro, estabelecida em encontros na infância de António Sena, quando os pais deste, no fim dos anos 50 e inícios de 60, se contavam no círculo de amigos que frequentavam a casa de Castello-Lopes.

 

No retomar da atividade fotográfica, Castello-Lopes deixa de se preocupar com as questões humanistas, encontrando no paradoxo das aparências o seu olhar demorado, que tem no seu fascínio pela água um dos seus temas privilegiados. Veja-se, da coleção do CAM, Epcot U.S.A., 1984, ou Escócia, 1985. Contrastando com as images à la sauvette dos anos 50, agora a composição é fundamental. A linha, o contraste, o reflexo, o jogo de sombras, os planos da imagem, tudo deve estar perfeitamente determinado. É no ato de fotografar que exerce o seu escrutínio visual para definir as escolhas necessárias que lhe permitem o rigor da ampliação do negativo integral, mantendo-se fiel ao formato de 35mm da sua Leica.

 

A edição do livro Perto da Vista, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, em 1984, na sequência da exposição na Galeria Ether, bem como a sua presença em exposições individuais nos VI Encontros de Fotografia em Coimbra (1985) e na Fundação Calouste Gulbenkian (1986), ou na colectiva Fotoporto na Fundação de Serralves (1988), entre outras exposições, revitalizaram na década de oitenta a sua imagem. Revelaram não só a sua importância histórica na abordagem humanista da década de 50, mas também um rumo diferenciado no seu trabalho após o longo interregno de 16 anos.

 

Tal como nos anos cinquenta, a sua fotografia continuou a ser itinerante, mas sempre com uma necessidade de fixar o local específico e o ano em que foi feita. Local e data são as únicas indicações na legenda de cada imagem, rejeitando o sentido de título que, na sua opinião, limita a apreciação da obra. Um título é, para Castello-Lopes, um «filtro literário», enquanto «o essencial da imagem é emoção que deve ser sentida de uma maneira livre e espontânea.»

 

Paralelamente exerceu, a partir de 1982, uma reflexão sobre a fotografia e os processos fotográficos através da escrita em jornais, revistas e conferências. Esta actividade poderá ter tido o seu ponto de partida na tradução que fez do texto Ontologie de l´Image Photographique (1945), de André Bazin, publicado na revista O Tempo e o Modo em 1966.

 

Nos anos 90, a sua imagem foi valorizada e internacionalizada em variadas exposições apoiadas institucionalmente (Europália, Instituto Camões, Fundação Calouste Gulbenkian). A sua obra agora faz parte de numerosas colecções privadas e públicas.

 

Contudo, apesar do trabalho de toda uma vida ligada à imagem, refere num dos seus textos: «Quem me conhece, sabe que considero a fotografia como uma arte menor e a poesia, irmã da música, como o mais alto expoente da criação do homem». Esta afirmação talvez venha ao encontro da sua imagem mais apaziguada da segunda fase, em que as referências de um Cartier-Bresson deram espaço à poética de um Minor White ou Weston, «fotógrafos de seixos», como lhes chamou, de que de algum modo se veio a sentir mais próximo.

 

 

Nota: Os textos de Gérard Castello-Lopes foram compilados em Reflexões Sobre Fotografia – Eu, a Fotografia, os Outros (Lisboa: Assírio e Alvim, 2004). Com exceção de outras fontes indicadas, todas as citações são desta obra.

 

 

* DIAS, Luísa Costa (2003). “Uma Conversa com Gérard Castello-Lopes” in Gérard Castello-Lopes – Oui Non [catálogo de exposição, 2004], Lisboa: Fundação Centro Cultural de Belém, p.17.

 

** CASTELLO-LOPES, Gérard (1994). “Partager Un Regard” in  Gérard Castello-Lopes – Photographie, Paris: Centre Culturel Portugais de la Fondation Calouste Gulbenkian, s. p. (tradução do autor).

 

 

José Oliveira

Setembro de 2011

 

 

 

Atualização em 10 março 2016

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