Graça Saraiva, a rainha das caracoletas assadas

Graça Saraiva, a rainha das caracoletas assadas


Quando abriu, a cervejaria Germano só servia sandes e pouco mais. Os donos viviam na parte debaixo da casa, mas com o tempo tudo mudou. Um clássico de Lisboa, no que a petiscos diz respeito.


É conhecida como a rainha das caracoletas assadas, mas Graça Saraiva, de 57 anos, é muito mais do que isso. Uma figura incontornável de todos os que gostam de caracóis e petiscos, além dos seus famosos e elogiados bitoques. O dia de Graça começa cedo, já que não prescinde de continuar a servir pequenos-almoços à clientela antiga da zona, nem que para isso trabalhe quase 15 horas. As marcas das queimadelas dos tachos e dos grelhadores – onde faz as famosas caracoletas – nos braços e nas mãos não deixam dúvidas: ao fogão, é ela a comandante. Se o dia começa cedo, antes das nove, já quando termina é mais difícil de determinar, mas muitas vezes acaba depois da uma da manhã. Nunca antes de cear com os empregados, onde não faltam caracóis à mesa.

A cervejaria Germano fica na rua do Vale Formoso de Cima, a mesma do Filho do Menino Júlio dos Caracóis, sendo considerada a meca dos caracóis. Há alguma rivalidade, apesar de o Filho do Menino Júlio dos Caracóis ser um porta-aviões e ser do Sporting, enquanto o_Germano é a casa do Benfica. Abriu portas em 1981, quando Germano Saraiva encontrou uma loja no número 127B, onde fez do primeiro piso um café que servia sandes e pouco mais. Da cave fez a sua casa e da mulher que, entretanto, tinha chegado da terra. O sucesso não demorou muito a chegar depois dos caracóis começarem a fazer parte da ementa, e com ele a fuga da cave como habitação. Em 2004 Germano Saraiva, um benfiquista ferrenho, morreu no Estádio do União de Leiria quando caiu da bancada. Aí, entrou em ação a filha Liliana que tem sempre acompanhado a mãe na gestão da casa. Há outra filha que faz uma perninha, mas que seguiu outra profissão.

Aqui fica a entrevista a Graça e Liliana, mãe e filha.

 

Onde nasceu? Não é de Lisboa…

Sou de Pinhel, Lameiras, no distrito da Guarda.

E quando é que vieram para Lisboa?

O meu marido estava cá desde os 13 anos, eu vim para cá com 20, quando casei.

Em que ano abriram a cervejaria Germano?

Em 1981.

O que vendiam nessa altura?

Sandes, cafés, bolos…

Não vendiam caracóis ainda?

Nada.

Quando é que começaram a apostar nos caracóis?

Em 1983 ou 1984.

Nessa altura já vendia muitos caracóis?

Não, muito poucos.

Nessa época o Filho do Menino Júlio dos caracóis já era o rei da rua e de Lisboa…

Era.

Quando começa a tornar-se famosa no mundo dos caracóis?

Mãe: Fui vendendo caracóis, não sei.

Filha: Foi o passa palavra.

Ao princípio era só cá em cima com muito poucas mesas? Quando é que há o grande ‘boom’?

No início só tínhamos o balcão e pouco mais. Mas depois quando começámos a fazer caracóis… Estivemos cinco anos só aqui em cima, pois estivemos cinco anos a morar lá em baixo. Vivíamos só os dois. Quando a minha Liliana nasceu já estava na casa aqui ao lado.

Então saíam lá de baixo e vinham cá para cima trabalhar.

Era.

Como era viver na cave, com poucas condições, e vir trabalhar cá para cima?

Às vezes, o meu marido era jovem, estava aqui também uma malta jovem nesta zona. Estes prédios nem existiam, isto não era nada assim. Então, às vezes, eu ia lá para baixo para dormir e eles ficavam aqui em cima a beber minis e tinha de vir cá acima mandá-los calar.

Para quem vem aqui hoje, imagina que sempre vendeu toneladas de caracóis. Mas nem sempre foi assim. Quantos quilos de caracóis vendiam ao princípio?

Não sei, só vendia uns tachinhos pequeninos.

E hoje quantos são?

Hoje são tachões grandes.

Quantos quilos de caracóis vendem por semana?

Aos sábados e domingos vendo 15 sacos por dia, cada saco tem cinco quilos.

Quando entram as famosas caracoletas assadas?

Começaram a entrar logo. Só que andámos algum tempo a fazer a experiência do molho.

Foi a D. Graça que criou o molho…

Fui. Eu e o meu marido.

Tentam copiar a vossa receita?

Filha: Claro que tentam. Já nos tentaram copiar no molho das caracoletas muitas vezes, mas não conseguem chegar lá.

Vêm cá pessoas conhecidas, incluindo chefes como o Ljubomir. Não descobrem quais são os ingredientes?

Filha: Eu acho que não, descobrem a maior parte, mas todos não.

E o segredo dos caracóis?

Mãe: O molho dos caracóis não tem segredo nenhum. Não há nada de especial.

Filha: O segredo é a mão.

Como é feita a cozedura dos caracóis?

Primeiro lavamos os caracóis aqui de manhã e ficam no frigorífico em água.

Mas não há nenhum segredo para os caracóis?

Filha: A qualidade. A qualidade é um grande segredo.

E os ingredientes?

É a cebola, o alho, a pimenta, o picante, o sal e os orégãos. Pomos pimenta preta e um pouquinho de malagueta. Têm que cozer em lume brando.

As cozinheiras ajudantes que passam por aqui não ficam com o segredo das caracoletas?

Uma ficou.

E já está a fazer o molho em algum lado?

Não.

Como é que consegue esconder às suas ajudantes os segredos das famosas caracoletas assadas?

Filha: Ela faz da parte da manhã quando não está cá ninguém.

Mãe: As pessoas, mesmo que tentem fazer, não fazem igual.

Filha: O meu marido, quando pedia caracoletas e se fossem feitas pela empregada que conhecia o segredo, dizia que não eram iguais e queria que fosse a minha mãe a fazer. Era diferente.

Mãe: É o trabalho, veja como é que eu tenho as mãos [cheias de queimaduras].

Depois também se torna famosa com o bitoque muito elogiado por diversas pessoas em diferentes revistas e jornais. Uma rápida pesquisa no Google e logo aparece a referência ao bife no prato…

É verdade, o famoso bitoque.

A carne vem de algum lado em especial?

Não, o talho que uso é o mesmo há 30 e tal anos, desde que vim para aqui.

Entretanto foram introduzindo novas iguarias que chamaram mais pessoas…

Depois começámos a fazer cada vez mais petiscos e decidimos apostar no choco frito, nos pica-paus, nas ameijoas, etc.

Tenho a ideia que o molho das caracoletas também é usado nos pica-paus, não é?

Não é bem igual, mas é parecido.

Há pessoas famosas que são ‘doidas por isto’. Quem é que vem cá muitas vezes?

Rita Ribeiro, Maria João Bastos, Sofia Aparício, Ljubomir… Há muitos famosos que vêm cá.

O sucesso da cervejaria foi abalado pela morte do seu marido. Em que ano morreu?

Filha: Em 2004. No Estádio do União de Leiria. Na inauguração. Caiu da bancada.

Porque mantêm este fanatismo pelo Benfica?

Filha: A minha mãe foi desde que o meu pai faleceu, ate aí não ligava muito ao futebol. O meu pai faleceu e ela ficou maluca. Temos lugar cativo, sempre tivemos. E a minha mãe, a partir daí, decidiu ficar com o lugar do meu pai. Ainda temos o mesmo lugar.

Mãe: Andei uns bons tempos que não ligava. E a partir daí comecei a gostar.

Quando é que a Liliana começa a ajudar aqui?

Filha: Foi quando o meu pai morreu. Tinha 18 anos.

Tirando os caracóis e as caracoletas, qual é o prato que sai mais?

O choco, atualmente é o choco.

E ao almoço?

Bitoque e bifinhos.

Não há histórias curiosas de pessoas que venham cá comer que odiavam, por exemplo, caracoletas e começaram a gostar?

Há, muitas, imensa gente. Vêm aí pessoas que não comiam caracoletas e depois de provarem passaram a adorar. Uma dessas pessoas é o meu genro. Agora adora.

Nunca lhes pediram para fazer caracóis para levarem para o estrangeiro?

Filha: No outro dia levaram caracóis para a Escócia.

Já cozidos?

Filha: Sim, sim. Estavam na dúvida se os caracóis podiam ir com o molho mas levaram. E já têm vindo pedir para levar para o Luxemburgo, Suíça, Açores…

E levam como? Congelam?

Não, vai num baldinho, numa geleira. Chegam lá e aquecem.

E há episódios insólitos que tenham acontecido aqui?

Já cá passei tanta coisa que nem me lembro.

A época começa normalmente em abril e acaba em agosto, setembro. Depois como é viver com essa diferença tão grande de pessoas, já que são muito menos?

Sim, muito menos pessoas. Temos mais descanso, mas eu gosto mais do verão. Adoro trabalhar muito, adoro ter a casa cheia.

E como é que as pessoas gostam mais dos caracóis?

Filha: Alguns gostam mais do início da panela, outros gostam mais do fim.

Mãe: Eu gosto mais do início da panela.

No fim da panela estão mais apurados, mais moles, mas eu gosto deles rijos.

Já alguma vez a chamaram a rainha dos caracóis?

Já, mas chamam-me mais a rainha das caracoletas. Alguns clientes chamavam, mas eu até nem gostava.

Vende muitas?

Sim, este fim de semana fartei-me de vender caracoletas. Desde que abri, às 17h00 e desisti às 22h e pouco. Foram muitas doses. Este domingo vendi para aí uns seis sacos, de cinco quilos cada um.

Filha: Sim, e aqui não há rivalidades nas caracoletas porque são mesmo únicas. Não é por nada, mas é verdade.

Qual a melhor expressão que os clientes já usaram para definir as caracoletas?

Dizem sempre que são divinais. E os comentários no Facebook são muito bons.

Mãe: No sábado vieram cá quatro senhores. Um já cá costuma vir e os outros três vieram cá pela primeira vez. E um deles, que já não era muito novo, disse-me que os melhores que caracóis que já comeu foi aqui.

Filha: Acho que aqui há uma coisa importante que é o facto de os caracóis aqui nunca estarem muito tempo cozinhados, cozidos. São lavados no próprio dia e isso também conta. Se forem lavados no dia anterior ficam cheios de água. Também tem a ver com a qualidade. Não só com o tempero, mas também com a forma de preparação.

Há muitas pessoas que ficam alérgicas aos caracóis de repente. Nunca ninguém se tornou alérgico à vossa frente?

Não, felizmente não. Aqui nunca aconteceu.

Filha: Uma coisa engraçada é que já nos pediram para fazer caracóis sem glúten. E dá para fazer porque a única coisa que pode ter glúten são os caldos Knorr que  usamos só um bocadinho. Tudo o resto são ingredientes naturais. Mas vamos ter de começar a fazer porque agora há muitas pessoas que pedem.

 

Cervejaria Germano
R. do Vale Formoso de Cima 127 B,
1950-266 Lisboa
Horário: Aberto até às 22:30, fecha à terça-feira. Encerrado no mês de setembro
Telefone: 21 859 6634