Entrevista com Maria João Nogueira

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Entrevista

Rodrigo Moita de Deus Director-geral da Nextpower Consumer Generated Marketing

“Os portugueses queixam-se muito mas reclamam pouco, fazem pouco uso dos seus direitos e mecanismos existentes. Eu própria aprendi bastante à conta deste processo”, declara Maria João Nogueira, a bloguista do Jonasnuts que esteve na origem de uma revolta nas redes sociais contra a Ensitel

Maria João Nogueira, bloguista do Jonasnuts

Ramon de Melo

Queixamo-nos muito mas reclamamos pouco

Briefing I Começo com uma pergunta simples, ao que parece tacticamente, a Ensitel assumiu a sua culpa e retirou o processo. Sente-se vingada? Maria João Nogueira I Não houve uma vingança. Houve sim um conflito de consumo. Não fiquei 14

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“Eu não sou jornalista nem conheço os códigos deontológicos, contudo, esta questão baseia-se na sensibilidade e bom senso”

satisfeita com a decisão do tribunal mas o assunto ficou terminado naquele momento. Briefing I Imagine-se consultora da Ensitel, como teria lidado com o caso? MJN I Simplesmente ligava para a O agregador do marketing.


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cliente em questão e perguntava sobre a melhor forma de ultrapassar o mal-estar existente. Briefing I Subentende-se que tenha sido um problema de comunicação e não de qualidade de serviço. MJN I O conflito de consumo engloba um problema de qualidade de serviço, no entanto, em relação aos posts e à sua remoção colocase aí uma questão de falta de comunicação.

Entrevista

“Não fiz chantagem nenhuma. Coloquei apenas a minha opinião e dei oportunidade de resposta à Ensitel de me contactar, possivelmente se o tivessem feito de forma conciliadora ter-me-iam ganho como cliente, na hora”

Briefing I Invocou a liberdade de expressão mas a verdade é que existiu uma providência cautelar. Não sente que ultrapassou os limites? MJN I Não. Na verdade quando o tribunal se envolveu respeitei sempre a sua decisão. Neste segundo caso o problema não chegou a esse ponto. Briefing I Não lhe parece perigoso abrir este caminho para que um consumidor consiga fazer chantagem com as marcas e empresas? MJN I Referindo-me ao início de 2009, não fiz chantagem nenhuma. Coloquei apenas a minha opinião e dei oportunidade de resposta à Ensitel de me contactar, possivelmente se o tivessem feito de forma conciliadora ter-me-iam ganho como cliente, na hora. Briefing I A verdade é que a maior parte dos consumidores em Portugal não dá grande importância a este tipo de conflito de consumo. Onde é que a Maria João é diferente? MJN I Os portugueses queixamse muito mas reclamam pouco, fazem pouco uso dos seus direitos e mecanismos existentes. Eu própria aprendi bastante à conta deste processo. Briefing I Neste sentido, de um blogue ser uma espécie de meio de Comunicação Social, ter posts publicados não é uma forma de pressão sobre a Ensitel? MJN I Tanto quanto me pareceu, a Ensitel não tinha conhecimento sobre os meus posts. O agregador do marketing.

Briefing I Mas era dos primeiros resultados do Google. MJN I Há dois anos, sim. Briefing I Há dois anos que eram. MJN I Nos últimos dois anos, no início esteve bem colocado mas com o passar do tempo, e não voltando a escrever sobre a Ensitel, o blogue veio a descer e seguiu ultrapassado por outras notícias. Briefing I Os bloguistas não deviam estar sujeitos às mesmas regras que os jornalistas, como por exemplo o direito de resposta? MJN I Teria dado e com igual destaque se a Ensitel me tivesse contactado de forma cordial. Não o tivesse feito através de uma carta de um escritório de advogados, num tom ameaçador. Ninguém gosta desse tipo de atitude, logo não me passaria pela cabeça retirar os posts, a menos se fosse por ordem do tribunal.

“Nunca foi um problema de tribunais, mas sim uma crise de comunicação e imagem, e a providência cautelar já não fazia sentido pois os meus posts foram replicados por todo lado, por parte da comunidade”

Briefing I Mas a verdade, e no que toca às redes sociais as empresas não têm esse tipo de mecanismos. MJN I Não têm, mas deviam ter. Briefing I Os bloguistas são inimputáveis? MJN I Não, ninguém é inimputável. A Ensitel tardou mas adoptou a estratégia correcta de retirar a queixa. No entanto, nunca foi um problema de tribunais, mas >>>

Cronologia da crise Fevereiro 2009: Compra de telemóvel na Ensitel, reclamação e início dos posts no blogue por Maria João Nogueira. Março 2009: Blogue http://jonasnuts.blogs.sapo.pt/ aparece na primeira página de pesquisas por Ensitel. Abril 2009: Exposição do caso no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa. Maio de 2009: Julgamento que dá razão à marca Ensitel. 22 Dezembro 2010: Ensitel move acção judicial para que Maria João Nogueira apague todos os posts sobre a marca no seu blogue. 27 Dezembro 2010: Post no blogue que inicia “onda” contra Ensitel nas redes sociais. 31 Dezembro 2010: Comunicado da Ensitel a reconhecer postura inadequada e a comunicar que retirará acção judicial. Pedido de desculpa a Maria João Nogueira por email. >>> Janeiro de 2011

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Edição vídeo desta entrevista em www.briefing.pt

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sim uma crise de comunicação e imagem, e a providência cautelar já não fazia sentido pois os meus posts foram replicados por todo lado, por parte da comunidade. Briefing I Onde é que as empresas e as marcas se podem refugiar? MJN I Na sensibilidade e no bom senso, acho que com bom senso 99,9 por cento dos casos são resolvidos.

“O caso tornou-se incontrolável, deixou completamente de estar nas minhas mãos. Recebi imensas mensagens de apoio, mesmo dinheiro de pessoas que não sabem quem eu sou”

Briefing I Mesmo no caso de uma consumidora mais teimosa? MJN I Da mesma maneira que um jornal online tem lá os seus artigos de opinião de há vários anos, neste caso é exactamente a mesma coisa. Tenho noção que a maioria das pessoas não se iria chatear com este assunto, mas existem pessoas um pouco mais teimosas, no fundo foi a atitude de ameaça. Briefing I Estando na posição de uma jornalista teria procedido da mesma maneira? MJN I Não sei, depois deste episódio todo é difícil de especular. No entanto, eu não sou jornalista nem conheço os códigos deontológicos, contudo esta questão baseia-se na sensibilidade e bom senso. Briefing I Sendo uma pessoa atenta a esta área, consegue explicar o que se passou? MJN I Resumidamente surgiu uma conversa no Twitter com duas pessoas, uma destas agarrou a conversa e começou a fazer barulho, foi como uma “bola de neve”. O caso tornou-se incontrolável, deixou completamente de estar nas minhas mãos. Recebi imensas mensagens de apoio, mesmo dinheiro de pessoas que não sabem quem eu sou. Briefing I Não lhe parece demasiado poder para estar nas mãos de uma só pessoa? MJN I Não foi só uma pessoa. Briefing I Duas no caso, foi uma conversa. MJN I Sozinha, não teria conse-

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guido nada. Muita gente veio ter comigo a congratular-me, mas na realidade quem teve o verdadeiro mérito foi a comunidade, essa sim deve ver reconhecido o seu poder. Briefing I As marcas e as empresas estão preparadas para lidar com o poder dos consumidores? MJN I Ainda não. Algumas já começam a fazer algum caminho, mas a grande maioria não está. Briefing I Isto é um acaso, ou é uma entrada numa nova era? MJN I Existem países que já entraram nesta nova era, certamente lembra-se do conhecido caso do Jeff Jarvis e do Hell Dell, há cinco ou seis anos atrás nos EUA. Contudo, eu não sou o Jeff Harvis nem a Ensitel é a Dell, embora terminem da mesma maneira. Com esta dimensão foi a primeira vez que aconteceu em Portugal, no entanto é necessário que as empresas estejam sensibilizadas para estas questões, preparando-se, desde já, do ponto de vista de comunicação, com pessoas competentes

que as aconselhem nesta área. Faz assim sentido e é rentável ligar para o relações públicas ou o social media consultant. Briefing I Mas tem consciência que causou danos irreparáveis a uma marca? MJN I Irreparáveis não. No entanto, se a empresa for inteligente como penso que é, já terá contratado alguém competente para gerir estas questões. E a partir daí, fazer deste episódio um ponto de partida para conseguir algo de muito interessante. Briefing I Quer dizer que a crise é uma oportunidade? MJN I Neste caso, é claramente uma oportunidade de sair disto melhor do que quando entraram. Briefing I Já tem um telemóvel que funcione? MJN I Desde Maio de 2009 que tenho o telemóvel em causa. Cumprindo a sentença do tribunal mandei-o arranjar. Continua assim a ser o meu telemóvel ao fim destes dois anos.

PERFIL

Uma mulher de causas O nome Maria João Nogueira pode ser pouco familiar. Mas o nickname Jonas, às vezes nuts, é um dos mais conhecidos e reconhecidos por quem anda nos meios online. Os 1700 seguidores no Twitter e os pouco mais de 300 leitores diários no seu blogue pessoal não impressionam o leitor mais incauto. Mas Maria João Nogueira, aliás Jonas, descobriu a internet e as redes sociais em 1993. Foi então que se tornou numa das primeiras profissionais da área. Foi responsável pelo projecto Terràvista e em 2000 aceita o desafio do Sapo para gerir aquela que se tornaria a maior comunidade de blogues do país. E, neste meio, poucos são aqueles que nunca se cruzaram com o seu nome. Profissional, atenciosa, acessível, amiga dos seus amigos. Crente nos princípios da participação electrónica é também uma mulher de causas, como se vai lendo no seu blogue. Do consumo ao Benfica tudo tem lugar naquele seu diário. Tudo. Quase tudo. Raramente fala de política. http://jonasnuts.blogs.sapo.pt/

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