A imagem que se estende aos olhos, é de um espaço onde as paredes contam histórias. Pilares antigos, bocados de chão a saltar, cartões castanhos nas janelas com as pontas viradas pelo tempo que indicam as lojas vazias.

Um espaço grande, ocupa um quarteirão. Dois pisos, centenas de barracas que costumavam ser locais de trabalho. O “ganha pão de muitos”.

Degrau a degrau, descendo as escadas sente-se o cheiro a peixe grelhado. Cheira ao… Mercado do Bolhão.
Situado no centro do Porto, o antigo grande mercado era diariamente pisado por centenas de pés apressados em comprar. Antigamente, porque hoje, o silêncio predomina. Ouve-se um passo entre outro, é fácil identificar quem chega por entre as barracas.

Antes, o espaço era pequeno para os 400 comerciantes, hoje sobra. São apenas 80.

“Com licença, deixe-me passar, por favor. Isto é coisa que já não se ouve”, diz uma comerciante no fundo do corredor, ao conversar com uma cliente, que hoje lembra  a agitação que se formava todos os domingos por aqueles corredores.

Agora o espaço dá para alimentar os gatos, que garreiam pela sardinha que a peixeira atirou para o chão. Os pombos, estão consulados das migalhas do pão recesso do dia anterior. O padeiro recusa-se a vendê-lo, afinal, o Bolhão “só pode ter produtos da melhor qualidade, da melhor frescura”, diz Maria a peixeira.

O panorama do que autrora fora frequentado por tantos, hoje já não existe. As pessoas que garreavam umas com as outras pela melhor maçã, pelo melhor pedaço de presunto ou pelo pedaço de peixe que parecia mais fresco, acabou. “Fregueses” faltam por cá.

De vez em quando ouvem-se passos a descer as escadas, aquelas que dão acesso à rua Alexandre de Braga. Ao soar os passos as vozes preparam-se: “ó freguesa quer peixe fresquinho? Olhe que legumes fresquinhos, não quer para o jantar?”. Os comerciantes tentam aliciar por quantas têm, com esperança de hoje vender mais que ontem, afinal “pagamos uma renda alta para não termos clientes, nós não vivemos, sobrevivemos” diz a senhora das flores que vive praticamente para o mercado do bolhão. Dona Olga aparenta ter setenta anos,e em conversa com os fregueses lembra que os pilares velhos do Mercado do Bolhão foram o berço onde nasceu.

Porém, a parte mais triste do Bolhão, é compensada pelas memórias dos vendedores, que recordam o movimento, os gritos de apregoamento, a agitação dos clientes que compravam tudo o quanto podiam. Lembram-se de chegar a comprar em exagero porque sabiam que nunca havia desperdício. São meras recordações que entristecem os olhos destes trabalhadores que agora olham ao redor e apenas vêm corredores quase vazios e lojas fechadas. Mas as caras conhecidas animam o dia “ó Fatinha! Dá me morangos, madurinhos e vermelhinhos!! Olha o meu neto tem tirado boa notas a matemática, a minha filha nem acredita!”. Dona Fátima recorda Amália dos tempos em que ela vinha com a mãe “Amália, está caladinha que eu quase que te mudei as fraldas, respeito é bonito e eu gosto” reclama em tom de brincadeira no fundo do Mercado onde a barraca da fruteira se localiza, quase isolada.

Está previsto um projeto de reabilitação ao mercado, já há mais de duas décadas que se ouve falar destas obras, que deram ares de começo mas que nunca se viu o fim. Os andaimes estão já degradados, espalhados pelo espaço. São a prova da desistência de todos os que se comprometeram a renová-lo.

É considerado um dos edifícios mais emblemáticos da cidade e remonta a 1839 quando a Câmara do Porto decidiu construir uma praça. A origem do nome tem história como a maior parte daquele edifício neoclássico. Antigamente, antes da construção do Mercado, aquele terreno era coberto de lama, e ao chover formavam-se bolhas grandes, o que levou ao nome Bolhão, uma bolha gigante.

Para o próximo ano, dos oitenta comerciantes que restam, apenas ficarão 79. A força destes vendedores começa a escassear “é o meu último ano, custa-me mas não consigo manter-me aqui. Estou cá por amor a isto. Nasci, cresci e envelheci aqui, mas agora estou cansada, no fim deste ano vou embora” refere Olga, em conversa com uma cliente habitual.

E assim o mercado do Bolhão vai perdendo, a pouco e pouco, a alma que tivera. 

Por: Diana Azevedo