Fanzine: uma tradição do futebol inglês

Falamos com os editores de alguns dos fanzines mais legais da Inglaterra para saber como são esses projetos feitos pelos fãs

Bruno Rodrigues
Futebol Café

--

Quatro fanzines de quatro clubes diferentes, enviados para o Futebol Café (Crédito: Futebol Café)

Existem certas tradições que o futebol inglês carrega há muito tempo, como os jogos espremidos entre o Natal e o Ano Novo, as finais de Copas em Wembley e os pênaltis para o Manchester United sempre e toda vez que o clube tiver necessidade. Outra tradição que data de tempos em que Arsène Wenger ainda não era técnico do Arsenal é a tradição dos fanzines, pequenas revistas feitas por torcedores com textos de opinião e conteúdo variado sobre o que acontece no campo, nas tribunas e nos bastidores do clube de coração desses fãs.

Como a própria palavra em inglês sugere, “fanzine” é a combinação de “fan” (fã) + “zine” (publicação), ou seja, uma publicação feita pelos fãs. Sua origem, contudo, não está no futebol. A pesquisa a respeito do tema dá como início da prática a década de 30, quando fanáticos por ficção-científica criaram os primeiros títulos dessa modalidade de revista caseira nos Estados Unidos. Mas a época de ouro dos zines foi a década de 70, com o surgimento de várias publicações sobre música, especialmente de punk-rock, com o estilo “faça você mesmo” e que continham textos opinativos, entrevistas, guias de shows e de bandas. Algumas dessas publicações, inclusive, revelaram alguns dos grandes jornalistas e escritores de cultura pop das décadas seguintes.

A entrada dos fanzines no mundo do futebol remete à década de 80, período difícil para os torcedores ingleses. No auge do hooliganismo, o governo de Margaret Thatcher promoveu uma verdadeira caça aos fãs de futebol, encontrando apoio em alguns veículos de massa como por exemplo o tabloide The Sun. Eles eram vistos como marginais, assim como os punks. Uma das formas que encontraram de se expressar e se unir contra a perseguição do thatcherismo foi passar a produzir e se reunir em torno dos fanzines que eram vendidos nas portas de estádio. Feitos por torcedores, falavam — e ainda falam — a língua dos fãs de futebol, o idioma das tribunas. Seu surgimento, portanto, foi também um movimento de resistência diante da imagem que se construiu dos torcedores ingleses não só no país, mas na Europa. Com os fanzines, os torcedores ganharam uma voz.

Dos anos 80 para cá, muita coisa mudou no futebol inglês e também na forma como os fanzines foram produzidos. Antes feitas à mão e com a ajuda de máquinas de xerox, essas revistas evoluíram e hoje já são muito mais modernas. Com o avanço da tecnologia e novas maneiras de se imprimir esse tipo de material, os fanzines ficaram mais profissionais, com um ganho visível no design. O conteúdo, entretanto, segue sendo o principal ativo dos projetos, com textos que atingem os torcedores e que expõem suas frustrações e demandas sem que haja qualquer tipo de compromisso com a comunicação institucional do clube. Apenas com a paixão desses fãs por seus times.

O Futebol Café conversou com editores de quatro fanzines ingleses diferentes, cada um relacionado a um clube: Leeds United, Chester FC, Doncaster Rovers e Watford. Mais do que isso, contamos com um gesto de enorme gentileza por parte deles todos, que enviaram exemplares de seus zines para o blog. Confira na entrevista com os editores as ideias por trás de alguns dos fanzines mais legais de futebol da Inglaterra. Cheers!

The Square Ball

Clube: Leeds United
Ano de fundação: 1989
Site: https://www.thesquareball.net/
Preço: £2

— Entrevista com Paul O’Dowd, editor do The Square Ball desde 2009 —

De onde surgiu a ideia de fundar o fanzine?

The Square Ball começou em 1989 e foi editado por Ian Dobson até 2008/2009 quando ele decidiu que não poderia continuar. Naquela época, (o fanzine) estava ligado ao nosso próprio fórum de internet, mas havia se tornado um pequeno espaço de conversas ao invés de um espaço de artigos e entrevistas. Com o crescimento dos fóruns, pouca gente encontrou tempo para seguir (com o zine), e então Ian achou difícil manter.

Eu vinha escrevendo para o The Square Ball desde 1993 e conheci bem o Ian — ambos fomos velhos punks — então compartilhávamos gostos musicais parecidos. Eu sabia que ele tinha menos tempo para se dedicar à produção da revista à medida que assumiu o papel de cuidar de seu pai doente. No verão de 2009, Dan e Michael (hoje integrantes do projeto) vieram até mim perguntar se era possível assumir The Square Ball. Levei isso ao Ian, que adorou a ideia de mantermos ele funcionando, mas nos avisou que tomaria conta de nossas vidas!

Dan e Michael tinham alguns escritores na manga e assim que fui trabalhar na impressão, fui ver os preços para saber se poderíamos realmente produzi-lo. Em agosto de 2009 produzimos a edição 1 — com uma modesta tiragem de 300 cópias — e se esgotou (Nota: o fanzine iniciou em 1989 e teve uma interrupção em 2009, quando a nova equipe assumiu o projeto. Por isso, a partir de agosto daquele ano, começaram a contar as edições do zero). Continuamos, ainda que algumas vezes tenhamos colocado nosso próprio dinheiro para pagar as contas e seguir imprimindo — mas, essencialmente, as pessoas queriam aquela revista em papel para ler.

Trouxemos Daniel Chapman e com um time de quatro pessoas, sentimos que poderíamos todos ter funções distintas e manter a produção viável — ao contrário de Ian, que cuidava de tudo sozinho. As vendas cresceram, o que permitiu que fôssemos de uma revista em papel A5 de 28 páginas (com capa colorida), para 36 páginas, depois para 48, para 64 e agora para 80 páginas totalmente coloridas. Nossa primeira revista totalmente colorida foi a edição 10, em nossa segunda temporada, e ficamos muito orgulhosos de atingir isso.

Mas Ian estava certo, pois mesmo com quatro de nós (e agora somos um time de cinco), realmente toma conta da sua vida!

Qual é a inspiração por trás do projeto? Só o amor pelo Leeds ou há outras revistas e zines nos quais vocês se inspiram?

Havia algumas revistas quando The Square Ball começou, mas um grupo de caras viu potencial em começar uma revista baseada no Leeds. Ian se tornou o editor quase que naturalmente, mas ele cresceu a ponto de se tornar um dos melhores no país.

Quando estávamos por assumir, nossa inspiração estava no fato de que o Leeds tinha um terrível dono/presidente na época e nós vimos The Square Ball como algo vital para criarmos consciência do que estava acontecendo. Era Ken Bates, que estava no Chelsea (vendeu o clube a Roman Abramovich em 2003) e assumiu o Leeds em 2005.

Era um homem terrível que deixou um rastro de destruição atrás dele em sua vida corporativa. Levantamos uma série de histórias sobre ele e sentimos que era importante responsabilizá-lo por tudo isso.

Geralmente, quando ouvimos sobre zines, a imagem que se tem é a de algo feito à mão, um produto mais focado no conteúdo que no formato. Square Ball e outros zines “modernos” tentam trazer algo diferente em relação ao design e à forma. Como você vê esse movimento em direção a produtos mais completos que são trazidos pelos zines hoje em dia?

Os primeiros fanzines punk eram crus em design e os primeiros fanzines de futebol também. Era um caso de gente criando algo com as ferramentas que tinham à mão. Com o passar dos anos, editar digitalmente significou que mais ferramentas de design pudessem ser acessadas por mais gente e, portanto, os níveis de qualidade subiram.

Imprimir se tornou mais fácil também, e até fanzines que produzem tiragens pequenas podem fazer de forma barata atualmente — já que a impressão colorida é tão avançada e acessível. Há inclusive alguns zines que têm aquele look “old school” — impressos em preto e branco e básicos no design — , mas isso não significa que o conteúdo é menos importante.

Nós temos muita, muita sorte que não temos apenas um núcleo de escritores de qualidade nesses últimos 2, 3 anos, mas também ilustradores de qualidade se juntaram a nós. A qualidade das ilustrações alçou The Square Ball a outro nível.

Em 2011, a Federação dos Torcedores de Futebol lançou uma noite de premiação para fãs de futebol, em que ajuda a reconhecer o esforço dos torcedores e dos clubes que são atenciosos com esses fãs. Eles também lançaram o prêmio de “Melhor Fanzine” — nós ganhamos — e o evento anual se tornou um grande evento de mídia em Londres. Fomos nominados todos os anos — o único fanzine a alcançar essa marca — e ganhamos de novo em 2015.

A Inglaterra tem a tradição dos zines de futebol, algo que outros países não têm. O Brasil é um deles, nem sequer uma cultura de revistas oficiais dos clubes. Se você fosse dar qualquer tipo de dica para fãs que querem iniciar um projeto similar ao seu, qual seria o conselho?

Eu encorajaria a fazer!

Se não há coisas similares no Brasil, tenho certeza que as pessoas iriam comprar a ideia. Todo mundo parece ocupado com mídias online/digitais, mas nós descobrimos que as pessoas ainda querem uma revista física para ler.

Há muito de relações públicas nas revistas oficiais dos clubes, então para que os fãs possam ler o que outros fãs pensam, penso que seria bem-vindo.

The Blue & White

Clube: Chester FC
Ano de fundação: 2011
Site: http://theblueandwhitefanzine.co.uk/
Preço: £2

— Entrevista com Richard Bellis, editor e fundador do The Blue & White —

De onde surgiu a ideia de fundar o fanzine?

Comecei a escrever sobre futebol durante meu primeiro ano na universidade, em 2010. O Chester FC ressurgiu das cinzas do Chester City durante o verão, mas ainda que eu fosse torcedor, não fazia muita coisa sobre o tema (Nota: extinto em 2010, o Chester City, clube da cidade homônima, foi refundado por torcedores com o nome de Chester FC e hoje joga as ligas regionais da Inglaterra, abaixo da quarta divisão. O clube é administrado pelos próprios fãs). Gostava de blogar inicialmente, mas me cansei de sua natureza transitória e passei a me interessar por fanzines. Eventualmente falei com meu irmão Neil a respeito e decidimos criar um fanzine dedicado ao nosso time no verão de 2011.

Isso foi depois de uma temporada de sucesso para o reformado Chester FC na qual jogamos e vencemos a liga em que estávamos. Então de certa forma fomos tomados pela euforia, mas também tínhamos esse histórico de blogs que foi importante para iniciar nossa trajetória.

Qual é a inspiração por trás do projeto? Só o amor pelo Chester ou há outras revistas e zines nos quais vocês se inspiram?

Somos ambos (eu e meu irmão) grandes fãs do clube — você realmente deve ser para fazer um fanzine! Mas é claro, temos várias inspirações. Quando estávamos criando (o zine) nós dois líamos uma série de blogs, os mais importantes sendo provavelmente “Two Hundred Percent” e “In Bed With Maradona”, mas as maiores influências para nós foram, definitivamente, “When Saturday Comes” e “The Blizzard”. “When Saturday Comes”, que é simplesmente a melhor revista de futebol por aí, e “The Blizzard”, que era relativamente nova à época, foram ambas muito encorajadoras no sentido de uma publicação própria e pareciam ótimas — além de terem ótimos artigos.

Acredito que a influência tanto dos blogs como das revistas é visivelmente óbvia no fanzine. Nós também demos uma olhada no que outros fanzines estavam fazendo, e há vários ótimos fanzines na Inglaterra. O primeiro que nós lemos foi “Red All Over the Land” (Liverpool), que nosso irmão mais velho assinou por um tempo, depois outros como “Derek I’m Gutted!!!” (Port Vale) e “The Square Ball” (Leeds), que são muito diferentes em termos de aparência e conteúdo, mas todos os fanzines têm um tom que é específico de seus clubes. Tenho uma grande caixa de fanzines de praticamente todos os clubes ingleses minimamente decentes, e todos têm sua voz própria. Não acho que sejamos diferente nesse aspecto, mesmo absorvendo boa parte de nossa influência de fora do mundo dos fanzines.

Geralmente, quando ouvimos sobre zines, a imagem que se tem é a de algo feito à mão, um produto mais focado no conteúdo que no formato. Blue & White e outros zines “modernos” tentam trazer algo diferente em relação ao design e à forma. Como você vê esse movimento em direção a produtos mais completos que são trazidos pelos zines hoje em dia?

Eu não diria que o produto é mais completo agora, apenas que é muito diferente. Você ainda pode fazer zines em fotocópia e grampeados, mas agora, por conta do vasto acesso a softwares de design gráfico, você não precisa fazer mais isso. Porém, ao mesmo tempo que isso tem sido ótimo para a aparência e a pegada dos fanzines, houve também o aumento de blogs de internet e fóruns. Então muito do conteúdo tradicional de fanzines — o que fãs achavam dos jogadores e dos jogos — virou online. Mas acho que isso é algo relativamente positivo.

No The Blue & White tentamos ser mais considerados pelo que falamos, e realmente focamos na qualidade e na longevidade dos artigos. Nós tentamos publicar artigos que as pessoas vão querer ler novamente em algum momento. Isso pode parecer um pouco ambicioso, mas acho que nosso formato físico ajuda nisso. Pense no seguinte: quantos posts de blog você lê de novo? E quantos livros?

A Inglaterra tem a tradição dos zines de futebol, algo que outros países não têm. O Brasil é um deles, nem sequer uma cultura de revistas oficiais dos clubes. Se você fosse dar qualquer tipo de dica para fãs que querem iniciar um projeto similar ao seu, qual seria o conselho?

Acho que primeiramente e mais importante, você precisa ter paixão por seu clube, e depois por publicar. Ambos são vitais e se você não está realmente a fim de fazer a melhor revista que puder sobre o seu clube, então você está condenado.

Outra coisa: mantenha os custos baixos (impressão é o maior gasto, então preencha as folhas com um par de declarações), peça ajuda (o zine “The Mudhutter”, do Wigan, foi muito legal com a gente quando começamos e pudemos retornar o favor em algumas ocasiões), esteja certo de que você pode usar o software que você precisa (temos uma designer maravilhosa, Charlotte Walker, quem assumiu no lugar de Michael Kinlan, que é uma lenda para nós), seja feliz em incomodar as pessoas por artigos, e com gastar muito de seu tempo no computador para terminar o zine.

Quando você estiver vendendo seus zines, se acostume a gritar “FANZINE” e responder “não, não é o programa” (Nota: “programa” é como os ingleses chamam a revista oficial dos clubes). E finalmente, sempre, sempre se assegure de manter os fanzines e você mesmo em algo à prova d’água, não importa quão lindo o dia estiver.

Golden Pages

Clube: Watford
Ano de fundação: 2015
Site: https://goldenpagesfanzine.com/
Preço: £2

— Entrevista com David Anderson, fundador e editor do Golden Pages —

De onde surgiu a ideia de fundar o fanzine?

Sendo eu um torcedor do Watford FC, estava pesquisando sobre a história do clube em 2015 quando encontrei alguns velhos fanzines do Watford dos anos 80. Eu amei como fãs criavam lá atrás uma revista física e cuidavam do design assim como do conteúdo. A sensação era como se tudo fosse pensado, ao contrário de hoje em que as pessoas externam suas opiniões impulsivamente no Twitter. Eu percebi que não havia nenhum fanzine do Watford sendo produzido regularmente, então pensei: “por que não começar eu mesmo um?”.

Qual é a inspiração por trás do projeto? Só o amor pelo Watford ou há outras revistas e zines nos quais vocês se inspiram?

Os velhos fanzines do Watford serviram de enorme inspiração, assim como os fanzines de outros clubes que ainda estão aí hoje em dia. Eu observei o que tipos como “Five Year Plan” (Crystal Palace), “Beesotted” (Brentford) e “The Gooner” (Arsenal) estavam fazendo, e tentei emular isso. Eu também quis pegar inspiração de outras revistas que eu lia, como “FourFourTwo” e “When Saturday Comes”. Elas cobrem o futebol sob diferentes perspectivas e queria que fosse uma revista criada para os fãs do Watford, por fãs do Watford.

Geralmente, quando ouvimos sobre zines, a imagem que se tem é a de algo feito à mão, um produto mais focado no conteúdo que no formato. Golden Pages e outros zines “modernos” tentam trazer algo diferente em relação ao design e à forma. Como você vê esse movimento em direção a produtos mais completos que são trazidos pelos zines hoje em dia?

É inquestionavelmente muito mais fácil criar um fanzine hoje em dia do que na época em que se tornaram populares, nos anos 70 e 80. Editores costumavam colocar juntos pedaços de texto e imagens de forma manual antes de fotocopiar as páginas e grampeá-las juntas, mas programas como o Adobe Indesign fazem a parte técnica muito simples atualmente — você ordena tudo num computador e então manda para serem impressos. Alguns podem argumentar que esse método moderno é menos criativo e impessoal, mas na verdade permite uma liberdade criativa muito maior.

Nós levamos o design de Golden Pages muito a sério e queremos que as pessoas guardem como um souvenier e não que leiam uma vez e depois joguem fora. Em cada edição, temos um diferente ilustrador que desenha um jogador ou técnico para a capa, e dentro geralmente temos cartoons ou imagens editadas em Photoshop para adicionar humor à publicação.

Dito isso, o conteúdo escrito ainda é de vital importância. Até porque as pessoas não se importariam em ler algo ruim só porque é bonito.

A Inglaterra tem a tradição dos zines de futebol, algo que outros países não têm. O Brasil é um deles, nem sequer uma cultura de revistas oficiais dos clubes. Se você fosse dar qualquer tipo de dica para fãs que querem iniciar um projeto similar ao seu, qual seria o conselho?

Conte com ajuda! Começar uma revista do zero pode ter uma perspectiva assustadora, mas quanto mais pessoas se envolvem, mais fácil será. Um clube de futebol é como uma comunidade e você nunca sabe que tipos de habilidades diferentes os fãs podem trazer para dentro. Quando tive a ideia de Golden Pages, postei no Twitter para ver se as pessoas se interessariam em ler ou contribuir e muita gente entrou em contato. Havia fãs do Watford que eram escritores, ilustradores, designers gráficos, revisores… O que você pensar! Todo mundo se juntou por uma causa comum e foi isso que fez Golden Pages funcionar.

Popular STAND

Clube: Doncaster Rovers
Ano de fundação: 1998
Site: https://popularstand.wordpress.com/
Preço: (mínimo de) £1

— Entrevista com Glen Wilson, editor do Popular STAND desde 2011 —

De onde surgiu a ideia de fundar o fanzine?

O Popular STAND foi fundado em 1998. Na época, o Doncaster Rovers estava na lanterna da quarta divisão do futebol inglês, e o dono do clube estava tentando efetivamente levá-lo à ruína. Ele já tinha tentado fazer dinheiro com o estádio ao tentar vendê-lo — ainda que não fosse dele para colocar à venda — e também pedindo para que alguém colocasse fogo no estádio.

Havia um número de outros fanzines do Doncaster na época, mas os editores originais — Liam Clayton e Sean O’Keefe — estavam frustrados por eles não estarem fazendo perguntas suficientes para o dono do clube ou colocando pressão suficiente sobre ele. Como ninguém parecia estar do lado dos fãs, eles escolheram fazê-lo, e iniciaram seu próprio fanzine, Popular STAND. Ele toma emprestado o nome da tribuna popular do velho estádio do clube, “a Popular Stand”, e também é um jogo de palavras já que os fãs desejavam tomar uma posição contra o clube (Nota: “to make a stand”, em inglês, significa “tomar uma posição”, “uma atitude”, por isso o jogo de palavras no nome do fanzine).

Qual é a inspiração por trás do projeto? Só o amor pelo Doncaster ou há outras revistas e zines nos quais vocês se inspiram?

De vinte anos pra cá, a inspiração por trás é basicamente a mesma. Quero fornecer uma plataforma — independente do clube e de outros grupos — que permite aos torcedores falarem sobre o clube de forma aberta e articulada e que sejam considerados. Portanto sim, acredito que o amor pelo Doncaster esteja no coração disso tudo, mas nós também usamos o fanzine para arrecadar dinheiro. O fanzine não visa o lucro, então qualquer dinheiro que ganhamos a partir dele, nós doamos para instituições de caridade da cidade. Nos sete anos em que sou o editor, nós doamos mais de 7 mil libras.

Em termos de revistas que nos inspiramos, há outros fanzines já estabelecidos que apreciamos — “The City Gent” (Bradford City), “The Square Ball” (Leeds United), “Dial M for Merthyr” (Merthyr Town) — e também um fanzine relativamente novo, “West Stand Bogs” (Barnsley), pelo que eles fazem por sua comunidade.

Geralmente, quando ouvimos sobre zines, a imagem que se tem é a de algo feito à mão, um produto mais focado no conteúdo que no formato. Popular STAND e outros zines “modernos” tentam trazer algo diferente em relação ao design e à forma. Como você vê esse movimento em direção a produtos mais completos que são trazidos pelos zines hoje em dia?

Eu não concordo com isso. Primeiro que Popular STAND não é um fanzine moderno — este é o nosso vigésimo ano. E segundo que o meu foco, como editor, é especialmente no conteúdo. Desde que assumi fiz de tudo que pude para que a qualidade do material escrito do fanzine fosse a melhor possível. Nós temos alguns escritores extremamente talentosos em nosso time, e é isso o que faz o nosso fanzine. Sim, eu tento fazer com que fique bonito também, mas se eu não estivesse orgulhoso dos textos do fanzine, eu desistira imediatamente — é disso que estamos falando. Somos “old school”, impressos de forma barata em papel barato, vendidos do lado de fora do estádio em dias de jogos.

Pessoalmente, acho que qualquer coisa movendo na direção de um produto mais completo não é um fanzine — é uma revista produzida por fãs, e há uma grande diferença nisso. Eu vi novos fanzines sendo criados nos últimos anos por gente jovem que os usa como um projeto ou como vitrine para suas habilidades na esperança de alcançar algum outro lugar. Se é isso o que eles querem, ótimo. Mas não é o que nós somos, não é o que eu penso que um verdadeiro fanzine é. Fanzines como o nosso, “The Square Ball” e até “United We Stand” (Manchester United) já mostraram como você pode usar coisas modernas como redes sociais para complementar o que você faz, mas crucial para a nossa respectiva longevidade é que nós todos mantivemos nosso “ethos” original no coração do que nós fazemos.

A Inglaterra tem a tradição dos zines de futebol, algo que outros países não têm. O Brasil é um deles, nem sequer uma cultura de revistas oficiais dos clubes. Se você fosse dar qualquer tipo de dica para fãs que querem iniciar um projeto similar ao seu, qual seria o conselho?

É diferente agora. Quando os fanzines começaram no Reino Unido nos anos 80 e 90, não havia mídias sociais, não havia internet e nem muita cobertura positiva do futebol por parte da imprensa. Então os fanzines foram criados para preencher essa lacuna e dar aos fãs uma voz. Talvez essa lacuna não existisse no Brasil, não sei. Acredito que apenas os seus leitores é que saberão por que não existem coisas assim.

Se você quer começar um fanzine, comece. Mas tenha claro o que você está tentando fazer. Se seu objetivo é levantar dinheiro, então fanzines não são para você. Se a ideia é fornecer uma plataforma para que fãs falem e você só quer cobrir os custos, então você terá mais sucesso. Apenas tenha claro o que você quer fazer, seja honesto com seus torcedores e tenha paciência. É raro que um fanzine decole do dia pra noite. Eu comecei a escrever para o fanzine quando ainda estava na escola, agora tenho 35 anos e ainda é parte da minha vida. Você precisa ter compromisso.

--

--