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Sexta Selvagem: Planária-da-Nova-Guiné

por Piter Kehoma Boll

Aprendemos semana passada sobre o caracol-gigante-africano e como ele se espalhou pelo mundo, prejudicando diversos ecossistemas. Pelo começo dos anos 1980, o caracol-gigante-africano era uma praga na ilha de Guam, mas subitamente seus números passaram a cair e a causa identificada foi a introdução acidental de outra espécie na ilha, a Planária-da-Nova-Guiné, Platydemus manokwari.

Planária da Nova Guiné na Indonésia. Foto de Franz Anthony.*

Descoberta nas florestas em torno da cidade de Manokwari, na Nova Guiné, mais precisamente na província de Papua Ocidental, Indonésia, a planária-da-Nova-Guiné era a princípio só mais uma planária terrestre como muitas outras encontradas pelas regiões Australásia e Indo-Malaia. Medindo cerca de 60 mm de comprimento, 7 mm de largura e apenas 2 mm de espessura, a planária-da-Nova-Guiné tem um dorso marrom-escuro, quase preto, com uma fina linha mediana amarela, enquanto o lado ventral tem uma cor bege. Pertencendo à tribo Rhynchodemini de planárias terrestres, ela só tem dois olhos na região anterior e eles são consideravelmente grandes comparados aos olhos de planárias terrestres de outras tribos e subfamílias e possuem mesmo uma lente simples sobre o cálice de pigmento, o que significa que elas provavelmente veem melhor que a maioria das planárias.

Extremidade anterior da planária-da-Nova-Guiné. O olho direito é visível como um ponto preto. Créditos a Justine et al. (2014).**

Como todas, ou a maioria das, planária terrestres, a planária-da-Nova-Guiné é um predador e suas presas favoritas parecem ser caracóis, o que a fez se tornar um método de controle bem-sucedido contra o caracol-gigante-africano em Guam. Devido a este sucesso, a planária-da-Nova-Guiné foi deliberadamente introduzida em Bugsuk, uma pequena filha das Filipinas. Cerca de 20 meses após sua introdução, sua população crescera significativamente e a população do caracol-gigante-africano diminuíra drasticamente.

Um espécime em Guam. Foto de Brenden Holland.*

Durante os anos seguintes, o interesse na planária-da-Nova-Guiné cresceu e a espécie foi introduzida deliberada ou acidentalmente em muitas ilhas do Pacífico. Contudo, lá pelos anos 1990, a situação já se tornara um pesadelo. Uma das áreas mais severamente afetadas foram as ilhas Ogasawara no Japão. Estas ilhas costumavam ter uma fauna de caracóis muito rica, mas 10 anos após a introdução da planária-da-Nova-Guiné, a maioria das espécies havia sido extinta. Contudo, apesar de remover a maioria dos caracóis das ilhas, a população da planária-da-Nova-Guiné continuou grande e logo se descobriu que ela pode se alimentar também de minhocas, nemertinos, tatuzinhos-de-jardim e mesmo de outras planárias terrestres. Sua ameaça, portanto, vai muito além dos caracóis.

Apesar de ter se disseminado através de muitas ilhas do Pacífico, a planária-da-Nova-Guiné permaneceu restrita a esta área do mundo por algum tempo, mas as coisas mudaram em 2014 quando ela foi registrada na França. Somente um ano depois, em 2015, ela foi encontrada no sul dos Estados Unidos e no Caribe. Em 2018 ela foi encontrada na Tailândia e, para piorar as coisas, ela se revelou ser também um hospedeiro do nematódeo parasita Angiostrongylus cantonensis, da mesma forma que o caracol-gigante-africano.

Espécime na Flórida, EUA. Foto de  Luca Catanzaro.*

Não é de se surpreender então que a planária-da-Nova-Guiné também é considerada uma das 100 piores espécies invasoras do mundo. Sua disseminação recente pela Europa e pelas Américas significa que uma nova onda de extinções causada por nossa imprudência está prestes a começar.

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Referências:

Chaisiri, K., Dusitsittipon, S., Panitvong, N., Ketboonlue, T., Nuamtanong, S., Thaenkham, U., Morand, S., & Dekumyoy, P. (2018). Distribution of the newly invasive New Guinea flatworm Platydemus manokwari (Platyhelminthes: Geoplanidae) in Thailand and its potential role as a paratenic host carrying Angiostrongylus malaysiensis larvae. Journal of Helminthology, 1–9. https://doi.org/10.1017/S0022149X18000834

Justine, J.-L., Winsor, L., Gey, D., Gros, P., & Thévenot, J. (2014). The invasive New Guinea flatworm Platydemus manokwari in France, the first record for Europe: Time for action is now. PeerJ2, e297. https://doi.org/10.7717/peerj.297

Justine, J.-L., Winsor, L., Barrière, P., Fanai, C., Gey, D., Han, A. W. K., La Quay-Velázquez, G., Lee, B. P. Y.-H., Lefevre, J.-M., Meyer, J.-Y., Philippart, D., Robinson, D. G., Thévenot, J., & Tsatsia, F. (2015). The invasive land planarian Platydemus manokwari (Platyhelminthes, Geoplanidae): Records from six new localities, including the first in the USA. PeerJ3, e1037. https://doi.org/10.7717/peerj.1037

Kawakatsu, M., Oki, I., Tamura, S., Itô, H., Nagai, Y., Ogura, K., Shimabukuro, S., Ichinohe, F., Katsumata, H., & Kaneda, M. (1993). An extensive occurrence of a land planarian, Platydemus manokwari de Beauchamp, 1962, in the Ryûkyû Islands, Japan (Turbellaria, Tricladida, Terricola). 陸水生物学報 (Biology of Inland Waters)8, 5–14.

Muniappan, R., Duhamel, G., Santiago, R. M., & Acay, D. R. (1986). Giant African snail control in Bugsuk island, Philippines, by Platydemus manokwariOléagineux41(4), 183–186.

Ohbayashi, T., Okochi, I., Sato, H., & Ono, T. (2005). Food habit of Platydemus manokwari De Beauchamp, 1962 (Tricladida: Terrricola: Rhynchodemidae), known as a predatory flatworm of land snails in the Ogasawara (Bonin) Islands, Japan. Applied Entomology and Zoology40(4), 609–614. https://doi.org/10.1303/aez.2005.609

Sugiura, S. (2010). Prey preference and gregarious attacks by the invasive flatworm Platydemus manokwariBiological Invasions12(6), 1499–1507. https://doi.org/10.1007/s10530-009-9562-9

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**Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons de Atribuição 4.0 Internacional.

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Planárias cabeça-de-martelo: outrora uma bagunça, agora uma bagunça ainda maior

por Piter Kehoma Boll

Poucas pessoas sabem que planárias terrestres existem, mas quando sabem, elas muito provavelmente conhecem as planárias-cabeça-de-martelo que compreendem a subfamília Bipaliinae.

As planárias-cabeça-de-martelo, ou simplesmente vermes-cabeça-de-martelo, têm esse nome porque suas cabeças possuem expansões laterais que as fazem lembrar um martelo, uma pá ou uma picareta. Dê uma olhada:

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O “verme-cabeça-de-martelo-errante”, Bipalium vagum. Note a cabeça peculiar. Foto do usuário budak do flickr.*

Os chineses conheciam os vermes-cabeça-de-martelo desde pelo menos o século X, o que é compreensível, visto que elas se distribuem do Japão até Madagascar, incluindo todo o sul e sudeste da Ásia, bem como a Indonésia, as Filipinas e outros arquipélagos. O mundo ocidental, no entanto, ouviu primeiro falar delas em 1857, quando William Stimpson descreveu as primeiras espécies e as pôs num gênero chamado Bipalium, do Latim bi- (dois) + pala (pá), devido ao formato da cabeça. Uma delas era a espécie Bipalium fuscatum, uma espécie japonesa que é atualmente considerada a espécie-tipo do gênero.

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Região anterior de Bipalium fuscatum, o “verme-cabeça-de-martelo-amarronzado”. Foto do usuário 根川大橋 da Wikimedia.**

Dois anos depois, em 1859, Ludwig K. Schmarda descreveu mais uma espécie, esta do Sri Lanka, e, sem ter conhecimento do artigo de Stimpson, chamou a espécie de Sphyrocephalus dendrophilus, criando o novo gênero para ela do grego sphȳra (martelo) + kephalē (cabeça).

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Dezenhos por Schmarda de Sphyrocephalus dendrophilus.

No ano seguinte, em 1860, Edward P. Wright fez algo similar e descreveu alguns vermes-cabeça-de-martelo da Índia e da China, criando um novo gênero, Dunlopea, para elas. O nome foi uma homenagem a seu amigo A. Dunlop (seja lá quem for).

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Desenho por Wright de Dunlopea grayia (agora Diversibipalium grayi) da China.

Eventualmente esses erros foram percebidos e todas as espécies foram postas no gênero Bipalium, junto com várias outras descritas nos anos seguintes. Todos os vermes-cabeça-de-martelo eram parte do gênero Bipalium até 1896, quando Ludwig von Graff decidiu melhorar a classificação e os dividiu em três gêneros:

1. Bipalium: com uma cabeça tendo longas “orelhas”, uma cabeça bem desenvolvida.
2. Placocephalus (“cabeça de placa”): com uma cabeça mais semicircular.
3. Perocephalus (“cabeça mutilada”): com uma cabeça mais curta, rudimentar, quase como se tivesse sido cortada fora.

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Compare as cabeças de espécies típicas de Bipalium (esquerda), Placocephalus (centro) e Perocephalus (direita), de acordo com Graff.

Este sistema, no entanto, foi logo abandonado e tudo voltou a ser simplesmente Bipalium e continuou assim por quase um século, mudando de novo apenas em 1998, quando Kawakatsu e seus amigos começaram a mexer com os pênis dos vermes-cabeça-de-martelo.

Primeiro, em 1998, eles criaram o gênero Novibipalium (“novo Bipalium”) para espécies com uma papila penial reduzida ou ausente, e mantiveram em Bipalium aquelas com uma papila penial “bem” desenvolvida. Vale ressaltar, no entanto, que essa papila bem desenvolvida não é muito maior que a papila reduzida de Novibipalium. Em ambos os gêneros o pênis verdadeiro, funcional, é formado por um conjunto de dobras do átrio masculino e não pela papila penial em si como acontece em outras planárias terrestres com papila penial.

Mais tarde, em 2001, Ogren & Sluys separaram mais algumas espécies de Bipalium em um gênero novo chamado Humbertium (homenageando Aloïs Humbert, que descreveu a maioria das espécies desse novo gênero). Elas foram separadas de Bipalium porque os ovovitelodutos (os dutos que conduzem os ovos e os vitelócitos) entram no átrio feminino pela frente, e não por trás como numa Bipalium típica. Essa separação é, na minha opinião, mais razoável que a anterior.

Agora tínhamos três gêneros de vermes-cabeça-de-martelo baseados em sua anatomia interna, mas várias espécies foram descritas sem qualquer conhecimento de seus órgãos sexuais. Assim, em 2002, Kawakatsu e seus amigos criaram mais um gênero, Diversibipalium (“o Bipalium diverso”) para incluir todas as espécies cuja anatomia dos órgãos sexuais era desconhecida. Em outras palavras, é um gênero “cesto de lixo” para colocá-las até que sejam melhor estudadas.

Mas será que esses três gêneros, Bipalium, NovibipaliumHumbertium, como agora definidos, são naturais? Ainda não sabemos, mas eu aposto que não. Uma boa maneira de conferir seria usando filogenia molecular, mas não temos pessoas trabalhando com esses animais em seu habitat natural, assim não temos material disponível para isso. Outra coisa que pode nos dar uma luz é olhar para sua distribuição geográfica. Podemos assumir que espécies geneticamente similares, especialmente de organismos com uma habilidade de dispersão tão baixa quanto planárias terrestres, ocorram todas na mesma região geográfica, certo? Então onde encontramos as espécies de cada gênero? Vamos ver:

Bipalium: Indonésia, Japão, China, Coreia, Índia.

Novibipalium: Japão.

Humbertium: Madagascar, Sri Lanka, Sul da Índia, Indonésia.

Estranho, né? Elas estão completamente misturadas e cobrindo uma enorme área do planeta, especialmente se considerarmos Humbertium. Podemos ver uma tendência, mas nada muito claro.

Felizmente, algumas análises moleculares foram publicadas (veja Mazza et al. (2016) nas referências). Uma, que incluiu as espécies Bipalium kewenseB. nobileB. adventitiumNovibipalium venosumDiversibipalium multilineatum, colocou Diversibipalium multilineatum bem perto de Bipalium nobile, e elas são de fato similares, então acho que podemos transferi-la de Diversibipalium para Bipalium, certo? Similarmente, Novibipalium venosum apaece misturada com as espécies de Bipalium. Acho que isso bagunça as coisas um pouco mais.

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Cabeça de algumas espécies de Bipalium, incluindo as usadas no estudo citado acima. Infelizmente, não consegui encontrar uma foto ou um desenho de Novibipalium venosum. Imagem por mim mesmo, Piter Kehoma Boll.**

Interessantemente, entre as espécies analisadas, a mais divergente foi Bipalium adventitium, cuja cabeça é mais “obtusa” que a das outras. Poderia a cabeça ser a resposta, afinal? Vamos esperar que alguém com os recursos necessários esteja disposto a resolver essa bagunça logo.

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Veja também:

Encontrados e depois perdidos: o lado não tão iluminado da taxonomia.

Eles só se importam se você for fofo. Como o carisma prejudica a biodiversidade.

A fabulosa aventura taxonômica do gênero Geoplana.

Planaria elegans de Darwin: escondida, extinta ou mal identificada?

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Referências:

Graff, L. v. (1896) Über das System und die geographische Verbreitung der Landplanarien. Verhandlungen der Deutschen Zoologischen Gesellschaft6: 61–75.

Graff, L. v. (1899) Monographie der Turbellarien. II. Tricladida Terricola (Landplanarien). Engelmann, Leipzig.

Kawakatsu, M.; Ogren, R. E.; Froehlich, E. M. (1998) The taxonomic revision of several homonyms in the genus Bipalium, family Bipaliidae (Turbellaria, Seriata, Tricladida, Terricola). The Bulletin of Fuji Women’s College Series 236: 83–93.

Kawakatsu, M.; Ogren, R. E.; Froehlich, E. M., Sasaki, G.-Y. (2002) Additions and corrections of the previous land planarians indices of the world (Turbellaria, Seriata, Tricladida, Terricola). The bulletin of Fuji Women’s University. Ser. II40: 162–177.

Mazza, G.; Menchetti, M.; Sluys, R.; Solà, E.; Riutort, M.; Tricarico, E.; Justine, J.-L.; Cavigioli, L.; Mori, E. (2016) First report of the land planarian Diversibipalium multilineatum (Makino & Shirasawa, 1983) (Platyhelminthes, Tricladida, Continenticola) in Europe. Zootaxa4067(5): 577–580.

Ogren, R. E.; Sluys, R. (2001) The genus Humbertiumgen. nov., a new taxon of the land planarian family Bipaliidae (Tricladida, Terricola). Belgian Journal of Zoology131: 201–204.

Schmarda, L. K. (1859) Neue Wirbellose Thiere beobachtet und gesammelt auf einer Reise um die Erde 1853 bis 1857 1. Turbellarien, Rotatorien und Anneliden. Erste Hälfte. Wilhelm Engelmann, Leipzig.

Stimpson, W. (1857) Prodromus descriptionis animalium evertebratorum quæ in Expeditione ad Oceanum, Pacificum Septentrionalem a Republica Federata missa, Johanne Rodgers Duce, observavit er descripsit. Pars I. Turbellaria Dendrocœla. Proceedings of the Academy of Natural Sciences of Philadelphia9: 19–31.

Wright, E. P. (1860) Notes on Dunlopea. Annals and Magazine of Natural History, 3rd ser.6: 54–56.

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Flickr, um paraíso de fotografias de espécies desconhecidas

por Piter Kehoma Boll

Atualmente há cerca de 1,2 milhões de espécies descritas mundialmente e centenas de novas espécies são encontradas e descritas a cada mês. Algumas estimativas preveem que a Terra atualmente contém mais de 10 milhões de espécies, o que significa que ainda conhecemos muito pouco de nossa diversidade. As centenas de espécies descritas por mês podem parecer um enorme progresso, mas na verdade estamos correndo a um passo bem lento, principalmente devido à falta de taxonomistas, mas também por causa dos poucos recursos dedicados à pesquisa em biodiversidade.

A maioria das pessoas pode pensar que no mundo moderno uma espécie nova representa algum animal pequeno e misterioso encontrado nas profundezas de uma floresta tropical inexplorada. Bem, a maioria delas se encaixa nessa descrição, mas na verdade muitas espécies novas são encontradas vivendo entre humanos por décadas ou séculos.

Muitas delas, apesar de desconhecidas para especialistas no grupo, podem ser bem conhecidas pelos povos locais. Um exemplo disso é a anta-pretinha (Tapirus kabomani).

Mas muitas espécies desconhecidas para a ciência são frequentemente avistadas por entusiastas da natureza e fotógrafos da vida selvagem. Fascinados pela beleza das criaturas que encontram, eles tiram algumas fotos dos espécimes e os postam online. E quando algum biólogo reconhece que é provavelmente uma espécie nova, fica empolgado e interessado em ajudar essa espécie a ser conhecida. Um lugar lotado de espécies novas é certamente o flickr. Aqui mostrarei algumas fotos de planárias terrestres, o grupo com o qual trabalho, que encontrei no website e que certamente, ou mais provavelmente, representam espécies novas.

Flatworm

Platyhelminthes, Tricladida, Terricola, Atlantic forest, northern littoral of Bahia, Brazil

(Platyhelminthes: Tricladida)

(Platyhelminthes: Tricladida)

Terrestrial flatworm (Geoplana sp)

Nemertean worm

Simona's 'Slug'

Sem título

Land Planarian

Unidentified Planarian: Loreto, Peru

Unidentified Planarian and Scorpion: Loreto, Peru

Large land flatworm

Land planarian Polycladus sp?

Ah como invejo as pessoas vivendo perto desses lugares! Se ao menos houvesse alguém lá capaz de estudar, descrever e publicar toda essa diversidade.

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Sexta Selvagem: “Caracol-onça-alaranjado”

por Piter Kehoma Boll

Semana passada apresentei uma planária terrestre que se alimenta de caracóis, Obama ladislavii, ou, como eu a chamei, a planária-de-Ladislau. Assim, hoje pensei que seria legal apresentar uma situação similar ocorrendo ao contrário: um caracol que se alimenta de planárias terrestres.

Então deixe-me introduzir este pequeno predador, o caracol Rectartemon depressus. Ele não é uma espécie amplamente conhecida e assim não possui nomes populares, mas por que não chamá-lo de “caracol-onça-alaranjado”? Espécies do gênero Euglandina, que também são caracóis predadores, são chamadas de “caracóis-lobo” em inglês por comparação com um predador comum na América do Norte. Como espécies de Rectartemon são comuns na América do Sul, nós poderíamos chamá-los perfeitamente de “caracóis-onça”, certo?

Rectartemon depressus prestes a capturar uma planária terrestre Obama marmorata. Foto extraída de Lemos et al., 2012

Rectartemon depressus prestes a capturar uma planária terrestre Obama marmorata. Foto extraída de Lemos et al., 2012

Encontrado em áreas de Mata Atlântica no Brasil, o caracol-onça-alaranjado possui um corpo que varia de amarelo a laranja e uma concha esbranquiçada. É listado como uma espécie vulnerável na Lista Vermelha do Brasil, mas não é mencionado na Lista Vermelha da IUCN.

Inicialmente conhecido como um predador de outros gastrópodes terrestres, o caracol-onça-alaranjado revelou um novo item de sua dieta recentemente. Durante tentativas de encontrar itens alimentares da dieta de algumas planárias terrestres do sul do Brasil, o caracol-onça-alaranjado foi oferecido como uma opção de alimento, mas enquanto as expectativas eram de que a planária comeria o caracol, o oposto aconteceu! Após entrar em contato com a planária terrestre, o caracol simplesmente a captura com sua rádula (a língua com dentes do caracol) e a suga muito rapidamente, como se estivesse comendo um macarrão!

O caracol-onça-alaranjado consome avidamente diversas planárias terrestres, tanto espécies nativas quanto exóticas. Isso faz dele um dos primeiros predadores conhecidos de planárias terrestres. Uma de suas presas é a planária-de-Ladislau, de forma que temos um caracol que come uma planária que come caracóis!

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Referências:

Lemos, V., Canello, R., & Leal-Zanchet, A. 2012. Carnivore mollusks as natural enemies of invasive land flatworms. Annals of Applied Biology, 161 (2), 127-131 DOI: 10.1111/j.1744-7348.2012.00556.x

Santos, S. B., Miyahira, I. C., Mansur, M. C. D. 2013. Freshwater and terrestrial molluscs in Brasil: current status of knowledge and conservation. Tentacle, 21, 40-42.

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A planária-da-Nova-Guiné visita a França – uma ameaça

por Piter Kehoma Boll

Desde que a vida existe, ela se espalha. Os organismos se movem (mesmo que somente como gametas ou esporos) e conquistam novos ambientes caso se adaptem. Se não fosse assim, a vida não seria encontrada por todo o planeta. Recentemente, porém, devido à dispersão humana, as espécies conseguem atingir locais bem longe de onde nasceram muito mais facilmente. Consideramos espécies vivendo fora de sua área nativa como sendo exóticas. E há várias delas. Será que existe algum lugar sem espécies exóticas hoje em dia?

No primeiro post deste blog, eu falei sobre como espécies exóticas não são sempre uma ameaça a ecossistemas nativos. Mas muitas são, de fato, perigosas à diversidade local. O ISSG (Invasive Species Specialist Group) lista o que são consideradas as 100 piores espécies invasoras. Estranhamente eles esquecem de mencionar a pior de todas elas, Homo sapiens.

Entre essas 100 espécies, uma bem famosa é o caracol-gigante-africano, Achatina fulica. Nativo da África Oriental, ele foi introduzido por todo o mundo e é uma grande praga em jardins e áreas agrícolas, e também pode ser um hospedeiro intermediário de diversos parasitas que infectam humanos.

O caracol-gigante-africano Achatina fulica. Foto de Eric Guinther*. Extraído de commons.wikimedia.org

O caracol-gigante-africano Achatina fulica. Foto de Eric Guinther*. Extraído de commons.wikimedia.org

Numa tentativa de controlar a população de Achatina fulica, algum “gênio” decidiu introduzir mais uma espécie exótica nas áreas onde A. fulica era uma praga: um predador de caracóis voraz e generalista.

Vamos lutar contra uma praga exótica com outra praga exótica!

Vamos lutar contra uma praga exótica com outra praga exótica!

Como resultado, o caracol predador Euglandina rosea, conhecido como “caracol-lobo-rosado” ou “caracol-canibal” em inglês, foi introduzido em áreas infestadas por A. fulica. Mas E. rosea é nativo da América do Norte, enquanto A. fulica é da África Oriental. De forma a ser efetivo, E. rosea precisava ser um predador generalista, se alimentando de qualquer tipo de caracol. E é isso que ele faz…

O caracol-lobo-rosado Euglandina rosea. Foto de Tim Ross. Extraído de commons.wikimedia.org

O caracol-lobo-rosado Euglandina rosea. Foto de Tim Ross. Extraído de commons.wikimedia.org

Euglandina rosea passou a predar A. fulica, mas… ops! Ele também atacou caracóis nativos e levou diversas espécies à extinção em ilhas do Pacífico. Ele se tornou uma praga ainda pior que o caracol-gigante-africano…

Não satisfeitas com o dano causado por este predador, as pessoas decidiram introduzir mais uma espécie para controlar A. fulica. E a escolha foi outro predador de caracóis voraz e generalista, a planária-da-Nova-Guiné Platydemus manokwari. Como o nome sugere, a planária-de-Nova-guiné é nativa da Nova Guiné, novamente um lugar diferente e, assim, para se alimentar o caracol-gigante-africano, ela precisaria se alimentar de qualquer tipo de caracol. Assim, ela se tornou uma praga tão perigosa quanto a anterior e levou diversas espécies de caracóis à extinção em ilhas do Pacífico.

Até recentemente se pensava que a infestação da planária-da-Nova-Guiné estava restrita à região Indo-Pacífica, não muito longe de casa. Contudo um artigo recente de Justine et al. (2014) registra sua presenta em uma estufa em Caen, no norte da França. Este registro expande significativamente sua ocorrência no mundo e indica que ela pode estar muito mais disseminada do que se pensava anteriormente. Infelizmente, as pessoas estão mais interessadas em preservar seus jardins do que preservar a biodiversidade. Assim estas pragas predadoras provavelmente continuarão sendo introduzidas como controle biológico, mesmo sendo ameaças a ecossistemas.

Bonjour tout le monde! Vim visitar Paris! A planária-da-Nova-Guiné Platydemus manokwari. Foto de Pierre Gros**, extraída de Justine et al., 2014 via commons.wikimedia.org

Bonjour tout le monde! Vim visitar Paris! A planária-da-Nova-Guiné Platydemus manokwari. Foto de Pierre Gros**, extraída de Justine et al., 2014 via commons.wikimedia.org

Felizmente, na França, P. manokwari parece restrista a estufas. Esperemos que ela não seja encontrada em mais nenhum outro lugar.

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Referências:

Albuquerque, F., Peso-Aguiar, M., & Assunção-Albuquerque, M. 2008. Distribution, feeding behavior and control strategies of the exotic land snail Achatina fulica (Gastropoda: Pulmonata) in the northeast of Brazil. Brazilian Journal of Biology, 68 (4), 837-842 DOI: 10.1590/S1519-69842008000400020

ISSG, Invasive Species Specialist Group. 100 of the World’s Worst Invasive Alien Species. Availabe at: < http://www.issg.org/database/species/search.asp?st=100ss >. Access on April 04, 2014.

Justine, J., Winsor, L., Gey, D., Gros, P., & Thévenot, J. 2014. The invasive New Guinea flatworm in France, the first record for Europe: time for action is now. PeerJ, 2DOI: 10.7717/peerj.297

Sugiura, S., Okochi, I., & Tamada, H. 2006. High Predation Pressure by an Introduced Flatworm on Land Snails on the Oceanic Ogasawara Islands. Biotropica, 38(5), 700-703 DOI: 10.1111/j.1744-7429.2006.00196.x

Sugiura, S., & Yamaura, Y. 2008. Potential impacts of the invasive flatworm Platydemus manokwari on arboreal snails. Biological Invasions, 11 (3), 737-742 DOI: 10.1007/s10530-008-9287-1

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Sexta Selvagem: “Planária-de-Ladislau”

ResearchBlogging.org por Piter Kehoma Boll

Hoje apresentarei a vocês outra planária terrestre, e uma que eu particularmente gosto. Seu nome binomial é Obama ladislavii (antigamente Geoplana ladislavii) e, como a maioria das planárias terrestres, ela não tem um nome popular, apesar de eu sugerir que seja “Obama-de-Ladislau” ou “Planária-de-Ladislau”. Agora quem é Ladislau?

Bem, primeiro vamos dar uma olhada em como esta espécie foi primeiramente descrita.

A planária-de-Ladislau foi descrita em 1899 pelo zoólogo Ludwig von Graff em sua famosa monografia, “Monografie der Turbellarien”. Graff a descreveu baseado em espécies enviados a ele do sul do Brasil pelo zoólogo Hermann von Ihering, bem como em outros espécies coletados pelo biólogo Fritz Müller.

Na época em que Ihering e Müller estavam coletando espécimes no Brasil, um botânico chamado Ladislau de Souza Mello Netto era o diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Na verdade foi ele quem contratou os dois como naturalistas viajantes, de forma que podemos dizer que ele foi o responsável por eles terem a possibilidade de coletar espécimes no Brasil.

Como resultado, quando estava descrevendo esta nova espécie de planária, Graff decidiu chamá-la de ladislavii em honra a Ladislau Netto. Ao menos é o que eu acho! Eu não encontrei nenhuma referência a isso, visto que Graff não explicou a etimologia do nome da descrição. Contudo a quem mais ladislavii poderia estar se referindo?

Agora que explicamos o nome, é hora de falar do verme propriamente dito.

A planária-de-Ladislau é encontrada no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina e é facilmente reconhecida por sua cor verde. Os maiores espécimes podem medir mais de 10 cm de comprimento e mais de 1cm de largura enquanto estão reptando, de forma que é uma planária consideravelmente grande para os padrões locais.

Obama ladislavii em toda sua verdejância. Foto por Piter K. Boll

Obama ladislavii em toda sua verdejância. Foto de Piter K. Boll*

A maioria das planárias terrestres são encontradas ou em ecossistemas bem preservados, por exemplo, no interior de florestas não perturbadas, ou em ecossistemas bem perturbados, como jardins e parques urbanos. Já a planária-de-Ladislau pode ser encontrada vivendo muito bem tanto em paraísos naturais no meio de uma floresta densa quanto em pequenos jardins ao lado de uma rua movimentada. Como isso é possível?

A história de vida de muitas espécies de planárias terrestres é completamente desconhecida, de maneira que nem mesmo sabemos o que elas comem. Elas são conhecidas como predadores importantes de outros invertebrados, mas isso não basta, já que ser um predador não significa que você coma qualquer coisa que se move, certo?

Até recentemente, sabíamos muito pouco sobre a planária-de-Ladislau, mas eu comecei a estuda-la junto com outras espécies nos últimos anos e assim agora temos ao menos uma ideia do que ela come, e a resposta é: Gastrópodes, isto é, lesmas e caracóis!

Geralmente encontramos gastrópodes em jardins, parques, plantações e qualquer lugar em que humanos plantam algo, então eles são uma refeição disponível para a planária-de-Ladislau. Ela se alimenta de muitas daquelas pragas incômodas que você pode encontrar no seu jardim, incluindo o caracol-de-jarim (Helix aspersa), o caracol-dourado (Bradybaena similaris) e a lesma-das-verduras (Deroceras laeve).

Obama ladislavii and one of its snacks, the snail Bradybaena similaris

Obama ladislavii e um dos seus petiscos, o caracol Bradybaena similaris. Foto de Piter K. Boll*

A planária-de-Ladislau pode seguir o rastro de muco deixado pelo gastrópode de maneira a encontrar e capturá-lo. A forma mais eficiente para a planária subjugar a presa é contornando-a com o corpo e usando força muscular, não muito diferente do que faz uma cobra constritora.

Levando em conta seu gosto por pragas, a planária-de-Ladislau parece ser um bom item a ter em seu jardim, certo? Sim, mas só se você morar no sul do Brasil. Exportá-la para outras áreas pode levar a resultados catastróficos.

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Referências:

Boll, P., & Leal-Zanchet, A. (2014). Predation on invasive land gastropods by a Neotropical land planarian Journal of Natural History, 1-12 DOI: 10.1080/00222933.2014.981312

Graff, L. v. 1899. Monographie der Turbellarien. II. Tricladida Terricola. Engelmann, Leipzig, 574 p.

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A fabulosa aventura taxonômica do gênero Geoplana

por Piter Kehoma Boll

Planárias aquáticas são animais relativamente bem conhecidos por seu formato de flecha e dois olhinhos vesgos fofos. Planárias terrestres estão longe de terem toda a fama de suas primas aquáticas e muitas pessoas sequer sabem que elas existem. Talvez em parte isso seja resultado de estudos mais aprofundados sobre o mundo natural terem se originado na Europa, um continente onde planárias terrestres quase não existem. O primeiro destes animaizinhos a ser conhecido foi descrito em 1774 pelo naturalista dinamarquês Otto Friedrich Müller. Ele chamou o pequeno verme de Fasciola terrestris, pois pensou que se tratava de uma versão terrestre do verme parasita. Tratava-se de um pequeno verme cilíndrico, de dorso escuro e dois pequenos olhos na região anterior.

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Em 1788, o naturalista Johann Friedrich Gmelin transferiu a espécie para o gênero Planaria, descrito em 1776 por Müller. O verme agora se chamava, portanto, Planaria terrestris. O gênero, neste período, incluía tudo o que hoje se conhece como planária: vermes cuja boca se localiza no ventre, perto da região central do corpo. Provavelmente o termo se espalhou neste período e assim continua até hoje como um nome geral para estes animais.

Planaria_terrestris

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Planárias com muitos olhos foram transferidas em 1831 pelo naturalista Christian Gottfried Ehrenberg para um gênero novo, Polycelis. O termo significa “muitos pontos” e se refere aos pontos escuros que os olhos representam sobre o corpo.

Planaria_terrestris2

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Durante a viagem de Charles Darwin ao redor do mundo a bordo do Beagle, ele desembarcou na Mata Atlântica brasileira e encontrou várias espécies de planárias terrestres. Ele as classificou no gênero Planaria, mas salientou que formariam uma seção dentro do gênero pelo fato de serem terrestres, terem corpos mais convexos e muitas vezes com faixas coloridas. A primeira espécie nova listada por ele foi chamada de Planaria vaginuloides e foi coletada nas florestas do Rio de Janeiro. O epíteto vaginuloides foi escolhido porque Darwin as achou parecidas com lesmas do gênero Vaginulus.

Planaria_vaginuloides

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Um ano depois, em 1845, o naturalista Émile Blanchard encontrou uma espécie no Chile e a chamou de Polycladus gayi. O nome do gênero, Polycladus, faz referência ao intestino muito ramificado destes animais, enquanto o epíteto gayi homenageia o naturalista Claudio Gay. Só que Blanchard cometeu um erro grave: ele confundiu as extremidades anterior e posterior do animal e assim pensou que a abertura genital se encontrava na frente da boca!

Polycladus_gayi

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Em 1850, o naturalista Karl Moriz Diesing transferiu as planárias terrestres de Darwin para o gênero Polycelis pelo fato de elas possuírem vários olhos. Planaria vaginuloides agora era Polycelis vaginuloides.

Polycelis_vaginuloides

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Em 1851 o zoólogo Joseph Leidy encontrou outra espécie de planária terrestre na Europa, também pequena, cilíndrica e com dois olhos. Ele a chamou de Rhynchodemus sylvaticus. O termo Rhynchodemus significa algo como “corpo em forma de bico”. Ele sugeriu também a transferência de Planaria terrestris para o novo gênero, passando então a ser Rhynchodemus terrestris. As espécies de Darwin e Blanchard seguiram como Polycelis e Polycladus.

Rhynchodemus

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Então em 1857 uma coisa engraçada aconteceu: Uma nova revisão de planárias foi feita por William Stimpson. Ele, pela primeira vez, separou as planárias terrestres das aquáticas e as dividiu em duas famílias:

  1. Polycladidae: compreendendo apenas o gênero Polycladus pelo fato de ainda se pensar, nesta época, que o orifício genital ficava antes da boca.
  2. Geoplanidae: com o resto das planárias terrestres. As espécies nesta família foram divididas em três gêneros:
  • Rhynchodemus: espécies com dois olhos;
  • Bipalium: um gênero para espécies recentemente descobertas que possuem a cabeça em forma de meia-lua ou martelo. O nome vem do latim bi-, dois e pala, pá.
  • Geoplana: espécies com vários olhos. A palavra veio de uma junção de geo, terra e plana, pelo formato plano destes bichos, além de uma referência direta ao gênero Planaria, agora restrito a espécies aquáticas. A espécie Polycelis vaginuloides se tornou Geoplana vaginuloides. Chegamos, assim, ao gênero central desta história.

Geoplana_vaginuloides1

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Por uma coincidência gigantesca, neste mesmo ano de 1857, o naturalista Max Schultze, baseado em informações da literatura e das novas espécies coletadas no Brasil pelo naturalista Fritz Müller, também decidiu separar as planárias terrestres em outro gênero e também escolheu o nome Geoplana! Quais são as chances de isso acontecer? As publicações de Stimpson e de Schultze tinha algumas semanas de diferença e tudo indica que Schultze não tinha conhecimento da publicação de Stimpson. A diferença principal entre as duas é que Schultze ignorava o conhecimento das espécies classificadas como Bipalium. Ele também transferiu todas as planárias terrestres para Geoplana, de forma que Polycladus gayi, Rhynchodemus sylvaticus e Rhynchodemus terrestris eram agora Geoplana gayi, Geoplana sylvatica e Geoplana terrestris.

Geoplana_vaginuloides2

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O sistema de Stimpson, no entanto, prevaleceu, e os quatro gêneros seguiram em uso: Rhynchodemus, Bipalium, Geoplana e Polycladus. Entre as espécies descritas por Schultze e Müller estava Geoplana subterranea, uma espécie albina e sem olhos encontrada dentro da terra, que se alimenta de minhocas. Em 1861, Diesing decidiu separar esta espécie num gênero próprio, Geobia. Tínhamos agora 5 gêneros: Rhynchodemus, Bipalium, Geoplana, Geobia, Polycladus.

Geobia

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Em 1877, Henry Nottidge Moseley descreveu uma série de espécies da Oceania e do sudeste asiático. Boa parte delas foram incluídas no gênero Geoplana, mas algumas delas foram por ele inseridas em dois novos gêneros:

  1. Dolichoplana (“plana comprida”): espécies bastante compridas e estreitas com dois olhos como em Rhynchodemus;
  2. Caenoplana (“plana recente”): espécies que ele considerou serem intermediárias entre Geoplana e Dolichoplana pelo corpo ser mais alongado e os numerosos olhos serem restritos às laterais do corpo.

Caenoplana

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Dez anos depois, em 1887, J. J. Fletcher e A. G. Hamilton estudaram planárias terrestres australianas e concluíram que não havia necessidade de as espécies chamadas de Caenoplana por Moseley formarem um gênero separado e as uniram a Geoplana.

Geoplana

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Durante a década seguinte, o naturalista Arthur Dendy descreveu diversas espécies novas da Austrália e da Nova Zelândia, classificando todas no gênero Geoplana. O gênero ia crescendo, passando a compreender dezenas de espécies. Nos últimos anos do século XIX, diversos gêneros novos foram criados, muitos deles pelos trabalhos do zoólogo Ludwig von Graff.  Estes gêneros novos foram criados para espécies que possuíam características bem peculiares da anatomia, como uma cabeça diferenciada, por exemplo. Mesmo assim, o gênero Geoplana continuava crescendo. Qualquer planária achatada com muitos olhos que não possuísse uma característica bem distinta era jogada neste gênero. Este sistema seguiu por boa parte do século XX. Dezenas de espécies novas foram descritas pela zoóloga Libbie Hyman e por dois casais de zoólogos: os Marcus – Ernst Marcus e Eveline du Bois-Reymond Marcus – e os Froehlich – Claudio Gilberto Froehlich e Eudóxia Maria Froehlich. Estas espécies novas foram em sua maioria incluídas em Geoplana. O gênero nesta época era amplamente distribuído na América do Sul e na Austrália.

Geoplana2

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Durante este tempo, E. M. Froehlich definiu que Geoplana vaginuloides seria a espécie-tipo do gênero Geoplana. Talvez você agora esteja se perguntando “que é uma espécie-tipo?”. Bem, em taxonomia, quando um gênero novo é criado, uma das espécies do gênero precisa ser considerada a espécie-tipo, que é a espécie “modelo” do gênero. É ela quem determina o que o gênero é. Uma vez que uma espécie se torna o tipo do gênero, ela não pode jamais passar para outro gênero, a não ser que o gênero inteiro deixe de existir. Afinal, ela é a espécie na qual a existência do gênero é baseada. Acontece que nos séculos XVIII e XIX não existia ainda essa política da espécie-tipo, a qual foi só posteriormente introduzida nas regras para a nomenclatura de organismos. Assim, Stimpson, ao criar o gênero Geoplana, não definiu uma espécie-tipo. E. M. Froehlich optou por definir Geoplana vaginuloides como a espécie-tipo porque era a primeira espécie na lista de Stimpson e a proposta foi aceita pela comunidade científica. Voltemos então ao assunto central. Como dito, o gênero Geoplana foi acumulando mais e mais espécies ao longo do século XX, tornando-se enorme. Então em 1990, os zoólogos Robert Ogren e Masaharu Kawakatsu decidiram pôr ordem na casa. Através de análises da anatomia interna das planárias, eles excluíram do gênero Geoplana todas as espécies da Oceania e proximidades, pois estas têm testículos localizados na região ventral do corpo, diferente das espécies da América do Sul, que os têm na região dorsal. Mesmo assim, deixar todo o pacote da América do Sul dentro de Geoplana ainda mantinha a bagunça. Assim, eles quebraram o gênero em vários gêneros menores. Os quatro gêneros principais foram definidos a partir de duas características do aparelho copulador: 1) Presença ou ausência de papila penial, isto é, pênis. Existem planárias que possuem pênis e outras que não possuem. 2) Posição dos ovidutos, isto é, os canais que levam os ovos dos ovários até uma cavidade chamada átrio feminino. Os ovidutos podem desembocar no átrio feminino pelo lado dorsal ou pelo lado ventral. A classificação destas duas características leva a quatro combinações possíveis:

  1. Espécies com papila penial e ovidutos desembocando dorsalmente. Estas espécies continuaram no gênero Geoplana, porque essa é a combinação que ocorre em Geoplana vaginuloides.
  2. Espécies com papila penial e ovidutos desembocando ventralmente. Estas espécies passaram para o gênero Gigantea.
  3. Espécies sem papila penial e ovidutos desembocando dorsalmente. Estas foram chamadas de Notogynaphallia.
  4. Espécies sem papila penial e ovidutos desembocando ventralmente. O extremo oposto do que é encontrado em Geoplana, estas espécies passaram para um gênero chamado Pasipha.

Geoplana3

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As coisas estavam começando a ficar mais ordenadas. Apesar de ainda ter mais de cem espécies, o gênero Geoplana era um pouco mais homogêneo agora. Mas no início do século XXI, estudos mais detalhados da anatomia interna das planárias demonstraram que outras partes do corpo também tinham importância taxonômica. Além disso, estudos moleculares agora eram disponíveis e o gênero foi posto à prova na filogenia molecular. O resultado já esperado foi confirmado. Um estudo de filogenia molecular realizado por Fernando Carbayo e colaboradores em 2013 revelou que o gênero Geoplana como definido por Ogren e Kawakatsu se mantinha sendo uma bagunça. As espécies se separaram em diversos grupos que precisaram ganhar seus próprios gêneros. Estes gêneros novos saídos de Geoplana foram: Barreirana, Cratera, Matuxia, Obama e Paraba.

Geoplana4

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No final a espécie-tipo, Geoplana vaginuloides, ficou quase sozinha. A única outra espécie que se agrupou com ela foi Geoplana chita. O gênero Geoplana, outrora com centenas de espécies espalhadas pelo mundo inteiro, agora só tem duas espécies restritas à Mata Atlântica entre o Rio de Janeiro e o Paraná. E adivinhem qual destes gêneros novos ficou com a maior parte das espécies outrora em Geoplana?

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Obama

Yes, we can!

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Referências:

Carbayo, F.; Álvarez-Presas, M.; Olivares, C. T.; Marques, F. P. L.; Froehlich, E. M.; Riutort, M. 2013. Molecular phylogeny of the Geoplaninae (Platyhelminthes) challenges current classification: proposal of taxonomic actions. Zoologica Scripta, 42: 508-528.

Darwin, C. 1844. Brief description of several terrestrial planariae, and of some remarkable marine species, with an account of their habits. Annals and Magazine of Natural History, Annales de Sciences Naturelles, 14: 241-251.

Diesing. K. M. 1850. Systema helminthum. Academia Caesareae Scientiarium.

Fletcher, J. J.; Hamilton, A. G. 1887. Notes on Australian land-planarians, with descriptions of some new species. Part I. Proceedings of the Linnean Society of New South Wales, 2: 349-374.

Froehlich, E. M. 1955. Sôbre espécies brasileiras do gênero GeoplanaBoletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Série Zoologia, 19: 289-339.

Gay, Claudio. 1849. Historia fisica y politica de Chile. Vol. 3.

Gmelin, O. F. 1788. Systema Naturae. Moseley, H. N. 1877. Notes on the structure of several forms of land planarians with a description of two new genera and several new species, and a list of all species at present known. Quarterly Journal of Microscopical Sciences, 17: 274-292.

Ogren, R.; Kawakatsu, M. 1990. Index to the species of the family Geoplanidae (Turbellaria, Tricladida, Terricola) Part I: Geoplaninae. Bulletin of Fuji Women’s College, 28: 79-166.

Schultze, M.; Müller, F. 1857. Beiträge zur Kenntnis der Landplanarien. Abhandlungen der Naturforschenden Gesellschaft zu Halle, 4: 61-74.

Stimpson, W. 1857. Prodromus descriptionis animalium evertebratorum quae in expeditione ad Oceanum, Pacificum Septentrionalem a Republica Federata missa Johanne Rodgers Duce, observavit et descripsit. Pars I. Turbellaria Dendrocoela. Proceedings of the Academy of Natural Sciences of Philadelphia, 19-31.

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O que na Terra é Leimacopsis terricola? Um mistério platelmíntico.

por Piter Kehoma Boll

Ah, os velhos tempos…

Os séculos XVIII e XIX foram bem marcados por expedições mundiais de naturalistas a bordo de navios viajando ao redor do mundo. Charles Darwin é certamente o mais famoso deles, mas ele não foi o único.

Um destes naturalistas foi Karl Ludwig Schmarda, nascido em 1819. Ele estudou em Viena e foi posteriormente um professor em Graz, Áustria. De 1853 a 1857, ele viajou ao redor do mundo investigando várias localidades e coletando primariamente invertebrados. Depois de seu retorno, ele publicou um trabalho entitulado Neue wirbellose Thiere beobachtet und gesammelt auf einer Reise um die Erde 1853 bis 1857 (Novos animais invertebrados observados e amostrados em uma viagem ao redor da Terra, 1853 a 1857).

Entre os incontáveis animais que ele descreveu havia um verme que ele chamou de Prostheceraeus terricola. A descrição é como segue:

Prostheceraeus terricola. Schmarda.
Taf. VI. Fig. 69.

Char. : Corpus oblongo-lanceolatum. Dorsum convexum viride. Fascia mediana et margo purpureus. Tentacula subuliformia.

Der Körper ist weniger flach als in andern Planarien, länglich, hinten lanzettförmig zugespitzt, vorne beinahe quer abgeschnitten. Die Fühler sind kurz und pfriemenförmig zugespitzt. Der Rücken ist stark convex, fast grasgrün, mit einer purpurrothen Längslinie nach seinem ganzen Verlaufe. Der Rand nicht wellenförmig, purpurroth gesäumt. Die Hauchfläche ist grünlichgrau. Die Länge 20mm, grösste Breite 5mm. Die Augen sind am innern Rande und der Basis der Fühler. Die Gruppe im Nacken, habe ich nicht beobachtet. Die Mundöffnung ist im vordern Drittel. Die Geschlechtsöffnungen habe ich nicht aufgefunden.
Der Grund meiner unvollständigen Kenntniss dieser Thierform ist der Umstand, dass ich nur ein Exemplar in dem obern Theile des Quindiu-Passes ober der Region der Bergpalmen gefunden hatte, welches ich in Gallego skizzirte, das aber schon zu Grunde gegangen war, als ich es in meiner Abendstation in Tocho einer wiederholten nähern Prüfung unterziehen wollte.

Em português:

Corpo oblongo-lanceolado. Dorso convexo verde. Listras mediana e marginais roxas. Tentáculos em forma de furador.

O corpo é menos achatado que em outras planárias, alongado, atrás pontudo e lanceolado, na frente quase transversalmente cortado. Os sensores são curtos e em formato de furador. O dorso é fortemente convexo, quase verde-grama com uma linha roxa correndo completamente ao longo dele. Margem não ondulada e colorida de roxo. A superfície ventral é cinza esverdeado. Comprimento de 20 mm, largura máxima 5 mm. Os olhos são na borda interna e na base dos sensores. O grupo no pescoço em não observei. A abertura da boca é no terço anterior. A abertura sexual eu não encontrei.
A razão do meu conhecimento incompleto desta forma animal é devido à circunstância de encontrar apenas um espécime na parte superior da passagem Quindiu acima da região das palmeiras das montanhas, o qual rascunhei em Gallego, visto que ele já estava se deteriorando, para fazer uma revisão ao voltar para a estação em Tocho.

Aqui você pode ver um desenho do animal:

Desenho de Prostheceraeus terricola por Schmarda, 1859

Desenho de Prostheceraeus terricola por Schmarda, 1859

Schmarda pôs outros vermes no mesmo gênero, todos eles marinhos. O gênero é válido até hoje para espécies marinhas e elas são classificadas como pertencendo a Polycladida, aqueles belos platelmintos marinhos.

De fato, este animal na verdade se parece um pouco com um policladido, mas Schmarda o encontrou no topo das montanhas! Isso é bem incomum, e infelizmente ele encontrou somente um espécime.

Prostheceraeus giesbrechtii, outra espécie descrita por Schmarda (1859). Foto de Parent Géry.

Prostheceraeus giesbrechtii, outra espécie descrita por Schmarda (1859). Foto de Parent Géry.

Mais tarde, em 1862, K. M. Diesing fez uma revisão de turbelários e definiu que, como a criatura vivia na terra, ela certamente era uma coisa diferente de um policladido e a mudou para um novo gênero que ele chamou de Leimacopsis (semelhante a lesma):

XVIII. LEIMACOPSIS DIESING.
Prostheceraei spec. Schmarda.

Corpus elongato-lanceolatum, supra convexum. Caput corpore continuum antice truncatum, tentaculis duobus genuinis frontalibus. Ocelli numerosi tentaculorum. Os ventrale antrorsum situm, oesophago… Apertura genitalis. . . Terrestres, Americae tropicae.

1. Leimacopsis terricola DIESING.
Corpus elongato-lanceolatum, supra convexum, viride, vitta mediana corpori aequilonga et marginibus haud undulatis purpureis, subtus viridi-cinereum. Tentacula subuliformia, brevia. Ocelli ad marginem internum et ad basim tentaculorum. Os in anteriore corporis tertia parte. Longit. 10′”, latit. 2 1/3 “.
Prostheceraeus terricola Schmarda: Neue wirbell. Th. I. 1. 30. Tab. VI. 69.
Habitaculum. In parte superiore transitus Andium Quindiu, supra regionem Palmarum montanarum (Bergpalmen), specimen unicum (Schmarda).

É basicamente uma repetição da descrição de Schmarda e baseada somente nela. Parece que mais nenhum outro espécime fora encontrado até este tempo.

Anos mais tarde, em 1877, H. N. Moseley publicou um catálogo de todas as planárias terrestres conhecidas até o momento. Ele incluiu Leimacopsis terricola com a seguinte descrição:

Family. — Leimacopsidæ, Diesing.

Genus Leimacopsis. — Diesing, Revision der Turbellarien, Abtheilung Dendrocoelen, Sitzbt. Akad. Wiss., Wien, 1861, p. 488.
Leimacopsis terricola.—Diesing, 1. c.
Prostheraceus terricola. — Schmarda, ‘Neue Wirbellose Thiere,’ Th. 1, 1—30, Tab. VI, fig. 69.
With a pair of true frontal tentacles beset with numerous eyes. Occurs high up in the Andes at the pass of Quindiu, above the region of mountain palms.

Como pode-se ver, é novamente uma simples repetição da descrição de Schmarda baseada naquele único espécie de 20 anos antes, mas a partir de Diesing o animal passou a ser considerado uma planária terrestre em vez de um policladido.

Depois em 1899, Ludwig von Graff publicou sua grande monografia dos turbelários e eu estou certo de ter visto algo sobre Leimacopsis lá. Infelizmente nunca encontrei uma versão digital e não tenho uma cópia física de fácil acesso, mas de acordo com Ogren (1992), é só uma repetição de Schmarda. Graff, contudo, trocou a ortografia para Limacopsis, mas isso não é válido de acordo com o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica.

Em 1914, finalmente um novo artigo, por O. Fuhrmann, foi publicado sobre planárias terrestres da Colômbia. Ele começa comentando que havia somente três espécies conhecidas para o país para esse momento, um deles sendo Limacopsis [sic] terricola. Contudo a espécie não foi encontrada de novo nessa ocasião…

Os anos se passaram e nada mudou. Em 1991, Ogren & Kawakatsu, em parte de seu índice de espécies de planárias terrestres, comentam que vários pesquisadores, incluindo E. M. Froehlich e L. H. Hyman, consideravam Leimacopsis terricola como sendo possivelmente uma lesma.

Em 1992, Robert Ogren escreveu uma revisão excelente desta espécie, a qual apresenta toda a informação que dei aqui e muito mais. Ele concluiu que o organismo é uma species inquerenda (que necessita de mais investigação) e nomen dubium (nome duvidoso). Não é possível considerar o animal nem como planária nem como molusco, ou qualquer outra coisa devido à falta de informação. Ogren o considerou como “claramente pertencendo ao mundo da criptozoologia”.

Como podemos ver, os criptídeos não precisam ser animais grandes como dinossauros ou pés-grandes. Mesmo pequenos vermes parecidos com lesmas dos Andes podem servir.

Leimacopsis terricola é certamente um organismo interessante. O que ele era realmente? Ele era real? Talvez uma pesquisa extensiva na árvore pudesse revelar algo… ou não. Vamos esperar… ou quem sabe… que tal ir para uma aventura na região andina colombiana em busca desta misteriosa criatura?

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Referências:

Diesing, K. M. 1862. Revision der Turbellarien. Abtheilung: Dendrocoelen. Keiserlich-Königlichen Hof- und Staatsdruckerei DOI: 10.5962/bhl.title.2108

Fuhrmann, O. 1914. Planaires terrestres de Colombie. In: Fuhrmann & Mayor (eds.) Voyage d’Exploration Scientifique en Colombie. Mémoires de la Société des sciences naturelles de Neuchâtel, 5 (2), 748-792

Moseley, H. 1874. On the Anatomy and Histology of the Land-Planarians of Ceylon, with Some Account of Their Habits, and a Description of Two New Species, and with Notes on the Anatomy of Some European Aquatic Species. Philosophical Transactions of the Royal Society of London, 164, 105-171 DOI: 10.1098/rstl.1874.0005

Ogren, R. E. 1992. The systematic position of the cryptic land organism, Leimacopsis terricola (Schmarda, 1859)(olim Prostheceraeus)(Platyhelminthes). Journal of The Pennsylvania Academy of Science, 66 (3), 128-134

Ogren, R. E. & Kawakatsu, M. 1991. Index to the species of the family Geoplanidae (Turbellaria, Tricladida, Terricola) Part II: Caenoplaninae and Pelmatoplaninae. Bulletin of Fuji Women’s College, 29, 35-58

Schmarda, L. K. 1859. Thiere beobachtet und gesammelt auf einer Reise um die Erde 1853 bis 1857. Lepizig: W. Engelmann. DOI: 10.5962/bhl.title.14426

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Sexta Selvagem: Planária-amarela-listrada-abundante

por Piter Kehoma Boll

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Hoje nosso Sexta Selvagem é sobre uma espécie quase desconhecida de um grupo quase desconhecido: Luteostriata abundans (antigamente Notogynaphallia abundans) é uma planária terrestre (um platelminto) encontrado no sul do Brasil, principalmente em áreas urbanas. É comum encontrá-la em jardins e parques escondida sob folhas, pedras e troncos.

Duas planárias Luteostriata abundans, chamadas por mim de Pierre e Marie (não se esqueça de que elas são hermafroditas, no entanto). Foto por Piter Kehoma Boll.
Duas planárias Luteostriata abundans, chamadas por mim de Pierre e Marie (não se esqueça de que elas são hermafroditas, no entanto). Foto por Piter Kehoma Boll.

A maioria das planárias terrestres são muito pouco conhecidas, mesmo sendo reconhecidas como bons bioindicadores de conservação. Contudo há um artigo publicado sobre os hábitos alimentares de L. abundans (Prasniski & Leal-Zanchet, 2009). Atualmente só se sabe que se alimenta de tatuzinhos-de-jardim, mas visto que é uma espécie bem comum em áreas perturbadas, sua dieta provavelmente inclui mais alguma coisa. (Estou estudando o comportamento predatório desta e outras espécies, mas não encontrei outra presa para ela ainda…)

Aqui no IPP (Instituto de Pesquisa de Planárias), também estamos fazendo pesquisa sobre a regeneração de L. abundans. Todos sabem como planárias aquáticas se regeneram bem quando cortadas em vários pedaços. Planárias terrestres não parecem ser tão habilidosas, mas muito pouco é conhecido sobre elas também neste assunto!

Outro fato interessante que notamos sobre L. abundans é sua habilidade de escapar de quase qualquer recipiente em que é colocada. Precisamos selar a tampa dos recipientes plásticos com fita adesiva e mesmo assim elas às vezes conseguem escapar.

Ainda há muito para se saber sobre estas planárias. Como predadoras, elas são essenciais para equilibrar o tamanho populacional de suas presas em áreas conservadas e para aquelas espécies conhecidas por viver bem em lugares urbanos, o conhecimento de seus hábitos alimentares é importante para avaliar sua chance de se tornar uma espécie invasora.

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Referências:

Carbayo, F. 2010. A new genus for seven Brazilian land planarian species, split off from Notogynaphallia(Platyhelminthes, Tricladida) Belgian Journal of Zoology, 140 (Suppl.), 91-101

Prasniski, M. E. T. & Leal-Zanchet, A. M. 2009. Predatory behavior of the land flatwormNotogynaphallia abundans (Platyhelminthes: Tricladida) Zoologia, 26, 606-612 DOI: 10.1590/S1984-46702009005000011

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Encontrados e depois perdidos: o lado não tão iluminado da taxonomia

por Piter Kehoma Boll

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Uma das grandes questões sem resposta em nosso conhecimento do mundo é “Quantas espécies há na Terra?” e nós estamos longe de ter ao menos uma aproximação do número real. Há, é claro, milhares de especulações, variando enormemente entre si, mas poderíamos dizer que o valor médio seria de cerca de dez milhões de espécies, enquanto atualmente conhecemos somente cerca de 1,5 milhão. E esse é exatamente o ponto no qual eu estou interessado em focar aqui: o número de espécies que conhecemos atualmente. Temos certeza de que tudo o que consideramos espécies de fato o são?

Provavelmente todo mundo já ouviu falar sobre a situação onde um grupo de organismos outrora considerados uma única espécie eram de fato duas distintas, como os elefantes africanos Loxodonta africanaL. cyclotis, onde o segundo só foi classificado como uma espécie distinta em 2010.

Elefante-da-savana, Loxodonta africana (esquerda) e elefante-da-floresta Loxodonta cyclotis (direita). Fotos por uhammad Mahdi Karim (esquerda), de http://www.micro2macro.net, e Peter H. Wredge (direita), extraída da Wikipedia.
Elefante-da-savana, Loxodonta africana (esquerda) e elefante-da-floresta Loxodonta cyclotis (direita). Fotos por uhammad Mahdi Karim (esquerda), de http://www.micro2macro.net, e Peter H. Wredge (direita), extraída da Wikipedia.

Quanto às pessoas no geral, se você lhes pedir para que digam o nome de um animal, elas provavelmente dirão o nome de um mamífero, ou talvez de uma ave, um réptil ou, se você tiver sorte, dirão “borboleta” ou “aranha” e isso é tudo. Bem, não há nada de errado com isso, mas eu acho que as pessoas deveriam se dar conta de que esses animais, como leões ou elefantes, são apenas uma partícula pequena de todo o mundo de espécies.

Eu no momento tenho uma bolsa de iniciação científica na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), onde trabalho no IPP (Instituto de Pesquisa de Planárias) com ecologia, fisiologia e comportamento de planárias terrestres.

Para aqueles que não as conhecem (e eu sei que há muitas pessoas que não), planárias terrestres são vermes achatados terrestres, pertencentes ao filo Platyhelminthes, no grupo Tricladida. Elas geralmente são encontradas sob rochas ou troncos em áreas de floresta, mas também em jardins ou outros lugares. Muitas delas são muito sensíveis à luz, a altas temperaturas ou a extremos  de seca e umidade, de forma que sua presença costuma indicar uma área mais conservada.

Dois espécies de Luteostriata abundans (Graff, 1899), uma planária terrestre do sul do Brasil. Foto por Piter K. Boll.
Dois espécimes de Luteostriata abundans (Graff, 1899), uma planária terrestre do sul do Brasil. Foto por Piter K. Boll.
Geoplana rubidolineata Baptista & Leal-Zanchet, 2006. Foto por Fernando Carbayo, extraída de Baptista & Leal-Zanchet, 2006.
Geoplana rubidolineata Baptista & Leal-Zanchet, 2006. Foto por Fernando Carbayo, extraída de Baptista & Leal-Zanchet, 2006.

Planárias terrestres são um grupo ainda muito pouco conhecido e, apesar de um grande número de espécies ter sido descrito nas últimas décadas, muitas mais ainda precisam ser, e aquelas já descritas não são muito compreendidas no que condiz à sua ecologia e ao seu comportamento.

As primeiras planárias terrestres descritas foram definidas baseadas somente em características externas, principalmente forma do corpo, cor e disposição dos olhos. Mas Ludwig von Graff, em seu trabalho de 1986 “Über die Morphologie des Geschlechtesapparates der Landplanarien” (Sobre a morfologia do aparelho reprodutor das planárias terrestres) já percebia a importância da morfologia interna, principalmente a do aparelho copulador, para uma identificação mais precisa ao nível de espécie.

Reconstrução sagital do aparelho copulador de Rhynchodemus scharffi Graff, 1896. Extraído de Graff, 1896.
Reconstrução sagital do aparelho copulador de Rhynchodemus scharffi Graff, 1896. Extraído de Graff, 1896.

Apesar disso, os anos seguintes ainda foram marcados por publicações considerando somente aspectos externos, como o trabalho de Schirch (1929). Somente pelos anos 1950 um foco real passou a ser dado à estrutura de órgãos masculinos e femininos. A maioria dos trabalhos sobre a descrição de planárias terrestres, como os dos casais Marcus e Froehlich, focaram-se no aparelho copulador juntamente com características externas, dando assim uma descrição mais confiável de novas espécies. Nessa época, estruturas reprodutivas se tornaram essenciais para a classificação de novas espécies e eventualmente levaram à criação de novos gêneros.

Desenhos de várias planárias terrestres. Extraído de Schirch, 1929.
Desenhos de várias planárias terrestres. Extraído de Schirch, 1929.
Desenhos de estruturas internas e externas de várias planárias terrestres. Extraído de Marcus, 1951.
Desenhos de estruturas internas e externas de várias planárias terrestres. Extraído de Marcus, 1951.

Em 1990, Ogren e Kawakatsu publicaram um índice de todas as espécies de planárias terrestres conhecidas para a família Geoplanidae naquela época. Eles perceberam que muitas espécies ainda classificadas no gênero Geoplana, como as descritas por Schirch, nunca foram revistas e ainda eram conhecidas apenas por características externas, de forma que sua posição dentro de Geoplana poderia não estar correta. Para evitar essa classificação errônea, eles criaram um novo “gênero temporário”, o qual chamaram de Pseudogeoplana (falsa Geoplana) e puseram todas essas espécies duvidosas nele até que alguém as revisse e pudesse colocá-las no gênero correto, ou Geoplana ou algum outro.

Mas adivinhem? Ogren e Kawakatsu fizeram isso em 1990 e agora estamos em 2012 e a situação continua a mesma. Essas pobres espécies de planárias ainda estão esperando nesse abrigo taxonômico até que alguém as mova para o local a qual pertencem.

Assim como podemos ter certeza sobre qualquer coisa a respeito dessas espécies? Elas foram descritas em 1929, quase um século atrás, e ninguém se importou com elas desde então. E eu aposto que o mesmo ocorre em outros grupos menos fofos e atraentes, então enquanto descrevemos centenas ou milhares de espécies novas todo ano, outras centenas e milhares são deixadas para trás, esquecidas em vidros empoeirados de museus de zoologia pelo mundo.

Eu só espero que isso mude algum dia.

Obrigado por ler.

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Referências:

Baptista, V., & Leal-Zanchet, A. 2005. Nova espécie de Geoplana Stimpson (Platyhelminthes, Tricladida, Terricola) do sul do Brasil Revista Brasileira de Zoologia, 22 (4), 875-882 DOI: 10.1590/S0101-81752005000400011

Du Bois-Reymond Marcus, E. 1951. On South American Geoplanids. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Série Zoologia, 16, 217-256.

Froehlich, E. M. 1955. Sobre Espécies Brasileiras do Gênero Geoplana. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Série Zoologia, 19, 289-339.

Graff, L. v. 1896. Über die Morphologie des Geschlechtsapparates der Landplanarien. Verhandlungen der Deutschen Zoologischen Gesellschaft, 73-95.

Marcus, E. 1951. Turbellaria Brasileiros. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Série Zoologia, 16, 5-215.

Mora, C., Tittensor, D., Adl, S., Simpson, A., & Worm, B. 2011. How Many Species Are There on Earth and in the Ocean? PLoS Biology, 9 (8) DOI: 10.1371/journal.pbio.1001127

Ogren, R. E. & Kawakatsu, M. 1990. Index to the species of the family Geoplanidae (Turbellaria, Tricladida, Terricola) Part I: Geoplaninae. Bulletin of Fuji Women’s College, 28, 79-166.

Rohland, N., Reich, D., Mallick, S., Meyer, M., Green, R., Georgiadis, N., Roca, A., & Hofreiter, M. 2010. Genomic DNA Sequences from Mastodon and Woolly Mammoth Reveal Deep Speciation of Forest and Savanna Elephants PLoS Biology, 8 (12) DOI: 10.1371/journal.pbio.1000564

Schirch, P. F. 1929. Sobre as planarias terrestres do Brasil. Boletim do Museu Nacional, 5, 27-38.

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