Lenço de Namorados | The Scarf of LOVERS

Coluna escrita por Rafaela Norogrando e Ana Cristina Broega [*]

para a Revista dObra[s] nº12: O LENÇO DE NAMORADOS

Era uma vez, há muito tempo atrás, em uma terra cheia de sol e mar, uma jovem portuguesa, em “idade casadoira”,[1] sentada a bordar…

A história do Lenço de Namorados é uma narrativa cheia de simbolismos relacionados ao amor, ao casamento e ao imaginário de jovens moças refletido em sua habilidade de transformar, com agulhas e carinho, linhas em desenhos e texturas.

Há́ quem diga que essa história teve início no século XVIII (ou XIX, consoante as versões), quando algumas raparigas[2] começaram a imitar os “Lenços dos Fidalgos”, que, por sua utilização, passaram a ser conhecidos como “Lenços de Namorados”, “Lenços de Pedidos”, “Lenços de Namoro”, ou ainda, “Lenços de Amor”.

No norte de Portugal, na região do Minho, onde esses Lenços apresentam maior peso na vida íntima e social, está a região que parece ser a única onde ainda são produzidos. No entanto, os Lenços e suas práticas sociais não eram exclusivos dessa região, pois há notícia da sua presença em outras partes do país, como no Douro Litoral, Trás-os-Montes, Beira-Alta, Alentejo e nos Açores.

Também vem do Minho a tradicional e mais conhecida “roupa portuguesa”[3]: mulher de lenço vermelho na cabeça, filigranas[4] e correntes de ouro a tilintar em compasso com seus tamancos de madeira. Vale lembrar que o lenço bordado fazia parte do traje de festa feminino minhoto, sendo usado ao pescoço com o nó para a frente, preso do lado direito da cintura ou, mais recentemente, em bico sobre o avental, ou metido na algibeira com as pontas de fora ou simplesmente na mão, levado pelas noivas e pelas mordomas[5] a envolver o ramo ou a base da vela votiva.[6]

O Lenço de Namorados geralmente é um quadrado (50 a 60 cm) de linho (ou algodão) branco, bordado simetricamente do centro para as pontas. Os mais tradicionais eram feitos em ponto cruz e em uma única cor de linha. As opções de cores eram, primeiro, o preto, depois, o azul ou o vermelho.[7]

Figura 1: Lenço da Carroça (original)
Fonte: Cooperativa Aliança Artesanal, Vila Verde.

Há também um mais popular, feito com pontos mais simples e com “restinhos” de fios, assim, é uma composição completamente diferente, e em alguns, dada a profusão de cores e mesmo alegorias, a simetria se perde.

Figura 2: Lenço dos Cravos
Fonte: Cooperativa Aliança Artesanal, Vila Verde.

Subjacente ao “Lenço de Namorados”, como o próprio nome indica, estava a conquista do pretendido amado: a moça “casadoira”, ou seja, aquela que estava próxima da idade de casar, confeccionava o lenço bordado num pano de linho fino que porventura possuía ou em um lenço de algodão, os chamados lenços de “tropa”, que adquiria na feira. Para realizar essa obra, a rapariga utilizava os conhecimentos que possuía da arte de bordar adquiridos já na infância.

Depois de bordado, o lenço era enviado ao “namorado” ou “conversado”. Se o pretendido rapaz aceitasse a prova de amor e ostentasse o lenço ao pescoço, no bolso do fato domingueiro, ao ombro para pousar o andor do padroeiro ou na mão para segurar a vara do pálio em dia de festa, o enlace estava feito, o namoro, oficializado, e o casamento… Com mais tempo, agendado!

Em caso contrário, o lenço era devolvido, e o sonho da romântica rapariguinha, desmoronado… Mas, por sorte, não era bordado o nome do amado! Assim, o lencinho não ficava borrado, não se desfaziam os pontos pelas lágrimas, e, quem sabe esse não seguia para outro adorado?!

Uma das características a considerar nos lenços é sua peculiar linguagem gramatical. Muitas das moças não tinham o conhecimento das letras, eram mestras em outras artes e no bordado expressavam seus sentimentos da maneira como lhes vinham do coração e da poesia popular portuguesa de tradição oral. Dessa maneira, encontramos os versos escritos sem a concordância ou combinação que a gramática portuguesa requer. Há troca de letras, reflexos óbvios da pronúncia regional, algumas faltam e outras estão a mais! Mesmo assim, nada se perdia do simbolismo, e as palavras eram acompanhadas de desenhos. No bordado em ponto cruz, eles são mais tradicionais, mas a mensagem é sempre a mesma, em um estilo ou outro, os simbolismos são explorados e repetidos.

Dos desenhos encontrados nos lenços, podemos falar da ligação de amor (casal de namorados, silva, chave, corações), sobre fidelidade (pomba e cão) e o casamento (símbolos religiosos: cruz, vaso, cibório, custódia, candelabro).

Há também aqueles que vão além do amor entre namorados e falam do sentimento de amizade. Assim, o lenço ganha outras atuações, mas mantém-se como emissário e regalo de carinho. No entanto, outros registros foram encontrados, e verifica-se que o lencinho é sim registro de sentimento e memória, mas seus temas acabam por ser muito mais variados do que a relação entre namorados. O que significa que ele também é bordado pela vida de trabalho agrícola, principalmente nas vindimas (cesta, escada, cântaro, pipo), ou ainda, registra pela agulha críticas sociais ou faz referências sobre a emigração (navio, pomba com carta etc.), situação marcante na vida da população portuguesa.

Por vezes, os lenços eram motivo de uma simples brincadeira, quando, nas festas, os rapazes tiravam os lenços das raparigas, simulando uma ligação amorosa, o que era, muitas vezes, motivo de desavença entre suas próprias namoradas e aquela de quem o lenço tinha sido roubado.

Nos versos de alguns lenços encontrados, há uma linguagem mais agressiva, que são consideradas respostas a amores não correspondidos, ou ainda outras interpretações são discutidas.

O Lenço de Namorados, como cultura material de produção artesanal, teve sua certificação e regulamentação de produção, matérias-primas, processos técnicos e decorativos pelo âmbito do Programa para a Promoção dos Ofícios e das Microempresas Artesanais (IEFP), em vigor desde 2001 / 2002.[8]

Atualmente, há diversos profissionais a trabalhar com o Lenço de Namorados, seja pela maneira tradicional, a promover a memória, tal como a Cooperativa Aliança Artesanal,[9] Aboim da Nóbrega,[10] entre outros. Ou também, a buscar nos lenços inspiração, assim, profissionais e empresas debruçam-se sobre estes com o intuito de recriá-los na produção de coleções variadas. Para exemplificar, apresentamos alguns casos.

A Vista Alegre[11] – a mais que centenária indústria de cerâmica – lançou a Coleção Vila Verde (mesa/porcelana/clássico) inspirada naqueles lenços bem coloridos. Depois, acabou por inspirar outras empresas e coleções de mesa de custo inferior.

Há também produtos mais simples confeccionados para a CTT[12] – os correios de Portugal –, que, na loja virtual ou nos postos de atendimento, vende de um tudo. Encontram-se os bordados replicados graficamente em leques, lenços e outros objetos fáceis de servir como “lembrança” (souvenir).

A moda também não se fez de rogada e trouxe os bordados de amor para as passarelas, com as coleções portuguesas de Nuno Baltazar, Anabela Baldaque, Filipe Faísca e outros. Também não ficou só na moda nacional, atravessou as divisas e foi falar de amor através da estilista espanhola Agatha Ruiz de La Prada.

Com o Brasil, a relação está gravada, em um país e noutro, na cultura, na história, na política, nas idas e vindas, nas famílias, memórias ou nas quadras:

Aqui tens meu coração

E a chabe pró abrir

Num tenho mais que te dar

Nem tu mais que me pedir

Bai carta feliz buando

Nas asas dum passarinho

Cando bires o meu amor

Dále um abraço e um veijinho

Meu Manel bai pró Brasil

Eu também bou no Bapor

Guardada no coração

Daquele quê meu amor [13]

Figura 3: Lenço das Quadras.
Fonte: Cooperativa Aliança Artesanal, Vila Verde.

E o coração que no Brasil atracou, que versos de amor bordou?



NOTAS

[*] Ana Cristina Broega é Doutora em Engenharia Têxtil – Física Têxtil (Ramo: Conforto) e Mestre em Design e Marketing Têxtil pela Universidade do Minho; É professora auxiliar da Universidade do Minho, atuando nos cursos de 1º ciclo em Design e Marketing da Moda e no Mestrado em Design e Marketing nas disciplinas: Design de Vestuário, Design de Acessórios de Moda (Calçado), Preparação de Coleções e Conforto e Fisiologia de Vestuário. É investigadora do Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil da Universidade do Minho desde 1997.

[1] Termo popular em Portugal para falar da “idade de casar”.

[2] A palavra rapariga significa moça, mulher nova. No Brasil, ganhou conotação pejorativa (amante, prostituta) dado o contexto histórico-social em que foi empregada centenas de anos atrás. Aqui, fazemos uso da palavra por sua origem morfológica.

[3] Para mais detalhes sobre o traje do Minho, consultar: MEDEIROS, António; PEREIRA, Benjamim; BOTELHO, João Alpuim. Uma imagem da nação: traje à vianesa. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2009. Sobre trajes tradicionais portugueses, veja: DUARTE, Cristina L. Trajes regionais: gosto popular, cores e formas. Portugal: CTT Correios, 2007.

[4] Filigranassão joias, tradicionalmente de ouro, feitas pela técnica que confere o nome, cujo resultado é uma peça delicada formada por diversos fios muito finos a compor uma forma. Tradicional do Minho, a filigrana de coração compõe a indumentária tradicional e avança no tempo com interpretações mais minimalistas.

[5] Mordoma: encarregada ou contribuinte de uma festa de igreja, promove a romaria ou a festa do Santo venerado na terra em que vivem. Mais detalhes e imagens disponíveis em: <http://trajesdeportugal.blogspot.co.uk/2006/11/traje-de-mordoma-e-noiva-do-minho.html&gt;. Acesso em: 15 jun. 2012.

[6] Velas Votivas ou Velas de Mordoma são símbolos da pureza, muito exigida antigamente, para desempenhar a função de mordomia (mordomas são as moças, e mordomos, os rapazes). Essas velas costumam ser enfeitadas com flores de papel metalizado, a formar “silvas”. O uso da vela votiva vem de uma tradição muito antiga, ainda hoje explorada no Alto Minho.

[7] Para saber mais, veja o vídeo no YouTube: Lenço de Namorados Parte I [e Parte II]. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-A3i2VSKYFU&gt;.Acesso em: 10 jun. 2012. Para aqueles que pretendem se aprofundar no assunto, vale considerar o estudo de: GOMES, Cristina Santos Rodrigues. Minho, Portugal, 2006. A intervenção do design no artesanato: aplicação aos “lenços de namorados”. Dissertação (Mestrado em Design e Marketing) – Departamento de Engenharia Têxtil, Universidade do Minho.

[8] COSTA, Paulo Ferreira da. Os “lenços de namorados”: frentes e versos de um produto artesanal no tempo da sua certificação. Etnográfica [on-line], vol.13, nº 1, 2009, p. 231-232. Disponível em: <http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-65612009000100016&lng=pt&nrm=iso&gt;. Acesso em: 01 jul. 2012.

[9] Veja: <http://www.aliancartesanal.pt&gt;.Acesso em: 10 jun. 2012

[10] Veja: Lenço de Namorados de Aboim da Nóbrega. Disponível em: <http://lencosdenamorados.no.sapo.pt&gt;.Acesso em: 10 jun. 2012.

[11] Disponível em: <http://www.vistaalegreatlantis.com&gt;. Acesso em: 10 jun. 2012.

[12] Disponível em: <http://www.ctt.pt&gt;.Acesso em: 10 jun. 2012.

[13] Versos extraídos do Lenço das Quadras. Disponível em: <http://www.aliancartesanal.pt&gt;.Acesso em: 10 jun. 2012.

OBS.: A “Figura 1” não foi publicada na edição da revista e as outras estão em P&B.

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