Rio

Pernas de pau, uma mania que está em alta no Rio

Prática virou hobby e é adotada até por profissionais contra o estresse
O coletivo PernAlta oferece aulas para ensinar a usar o brinquedo Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
O coletivo PernAlta oferece aulas para ensinar a usar o brinquedo Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Em campo, “pernas de pau” são aqueles indivíduos sem qualquer habilidade com os pés. Já nas ruas, praças e parques da cidade, eles provam o contrário. A arte de se equilibrar sobre estacas de madeira deixou o universo do circo para invadir o carnaval carioca, arrebatando fãs de todas as idades. A brincadeira, que era marca registrada de blocos como Escravos da Mauá e Gigantes da Lira, esteve em vários desfiles em fevereiro e acabou ganhando (muitos) novos adeptos para além da festa momesca.

No Parque do Flamengo, não é raro encontrar homens e mulheres com alturas sobrenaturais se divertindo nos fins de semana. É lá que os integrantes do Coletivo PernAlta, um dos responsáveis pela popularização da brincadeira, se encontram. O grupo é parceiro da Orquestra Voadora, que ensaia ali aos domingos durante a temporada pré-carnavalesca e contou com 75 pernas de pau no desfile deste ano. A oficina Pernas Voadoras, oferecida pelo coletivo no Circo Voador, na Lapa, tem recebido novos alunos a cada semana, e acaba de ganhar uma versão em Niterói.

— No Rio, já é quase comum ver alguém na rua carregando um par de pernas de pau. Costumo comparar com o pilates: há 15 anos, quem fazia eram os fisioterapeutas ou atletas de ponta. Hoje, você vê de dona de casa a lutador de jiu-jitsu praticando — compara o pernalta Ricardo Gadelha, um dos criadores do coletivo. — Na primeira semana da oficina depois do carnaval, tivemos oito novos alunos. A cada dia, respondo a no mínimo três pessoas interessadas em aprender.

A MODA DAS PERNAS DE PAU

Além da Orquestra Voadora, blocos tradicionais como Cacique de Ramos e Monobloco tiveram pernaltas nos desfiles deste ano. Outros que entraram para a moda de sambar nas alturas foram Cordão do Boitatá, Carmelitas e Amigos da Onça. Em todos eles, uma moça era presença certa: Raquel Potí. A dançarina e atriz ganhou o prêmio Serpentina de Ouro na categoria destaque por sua atuação no carnaval carioca. A cada cortejo, lá estava ela, do alto de quase três metros, apesar de seus módico 1,60m, vestida de índia, beija-flor, egípcia…

— Hoje, muitos blocos de carnaval e companhias de teatro estão usando a perna de pau, o que faz com que as pessoas vejam e se interessem — constata Raquel, que também dá oficinas para quem quer arriscar os primeiros passos em Botafogo, Laranjeiras e no Aterro do Flamengo. — Nas primeiras aulas, os alunos ficam encantados. A partir de um novo brinquedo, eles descobrem habilidades que nem sabiam que tinham.

Mais do que uma brincadeira para os dias de folia, o uso de pernas de pau tem se tornado hobby de muitos cariocas que não têm qualquer relação com o meio artístico. É o caso de Luiz Espanha, que trabalha como chefe de produção de uma multinacional e descobriu na atividade uma válvula de escape para o estresse. Há dois anos e recém-divorciado, ele encontrou na oficina de “dança nas alturas”, da Companhia Brasileira de Mystérios e Novidades, que fica na Gamboa, uma nova motivação.

— Estava de baixo astral na época, foram as pernas de pau que me colocaram pro alto, elevaram a minha auto-estima. Nunca imaginei que pudesse fazer aquilo, achava que seria impossível para mim — lembra Luiz, que seis meses depois levou a filha Julia, de 11 anos, para brincar também. — Ela está apaixonada, já participou do desfile do Escravos da Mauá duas vezes. Ela é tímida, mas adora, já anda muito melhor do que eu.

OFICINA EXISTE NO RIO HÁ 15 ANOS

A oficina onde Luiz aprendeu os mistérios dos pernaltas foi a pioneira a introduzir, no Rio, a atividade para além dos espetáculos circenses. Fundada há 15 anos pela atriz e dançarina Lígia Veiga, a companhia ensina uma técnica desenvolvida pelo italiano Ludovico Muratori. Lígia explica que o uso mais conhecido desse instrumento, feito pelo circo, é mínimo se comparado a todas as suas possibilidades. Ela explica que as pernas como são palcos individuais, em que as pessoas podem explorar diversas habilidades, como o teatro e a dança.

— Além de ser uma coisa lúdica, é uma maneira de tornar mais artística essa saída à rua. É uma arte pública. O que está acontecendo é que as pessoas estão mais voltadas a isso. Não apenas à perna de pau, mas a essa vontade de estar se manifestando na rua — comenta Lígia.

Foram os integrantes da Cia. de Mystérios os primeiros a criar uma comissão de frente pernalta em um bloco de carnaval. A parceria com o Escravos da Mauá, que sai na região do Porto, perto de onde fica a companhia, começou em 2010 e acabou se tornando uma marca do desfile. Rita Fernandes, presidente da associação que reúne blocos de Santa Teresa, Centro e Zona Sul, a Sebastiana, também vê os pernaltas como parte de um movimento maior na cidade.

— Teve um primeiro movimento que era o pessoal fazendo escola de percussão. Agora o mesmo fenômeno acontece em função das escolas de circo. Isso tem a ver com o interesse das pessoas em ir para a rua. A rua tá na moda — afirma.

OS PRIMEIROS PASSOS

Em uma segunda-feira de março, a oficina Pernas Voadoras, do Coletivo PernAlta, tinha cinco novos alunos — entre eles, a repórter desta matéria, que resolveu experimentar a brincadeira por interesses jornalísticos. Todos os outros novatos estavam ali pelo mesmo motivo: viram os foliões gigantes durante o carnaval, e resolveram arriscar.

— Sempre quis participar de um bloco, mas não era boa em nenhum instrumento, então achei que seria uma boa aprender a andar de perna de pau. Além disso, gosto de coisas lúdicas. Acho que a gente já vive uma rotina séria demais para perder tempo dentro de uma academia — explica a estatística Joana Siqueira, de 25 anos, em seu segundo dia como pernalta.

Para um calouro, os primeiros minutos em cima da perna de pau podem ser desesperadores. Com 70 centímetros a mais, é preciso encontrar equilíbrio e, principalmente, encarar o medo. O apoio fica por conta de um instrutor, que te dá as mãos. Os joelhos tremem, as mãos suam, é preciso fixar o olhar em um ponto. Mas, superada a insegurança inicial, a experiência de dar os primeiros passos (ainda que sem sair do lugar) sobre um perna de pau é incrível. Pronto, o Rio acaba de ganhar mais um pernalta.