Viveu entre 1924 e 1986. É descendente de irlandeses. Profissionalmente foi técnico de publicidade. Participou, em 1947, na fundação do Grupo Surrealista de Lisboa. A sua poesia contém uma arte de amor, de angústia e de liberdade. Na melodia dos seus versos experimenta-se a amargura e sonha-se o sensual, ganha-se a irreverência e descobre-se a sensibilidade.
É nesta corrente que publica a sua primeira obra, o volume de colagens «A Ampola Miraculosa», mas o Grupo Surrealista rapidamente se desdobra e acaba. As influências surrealistas permanecem visíveis nas suas obras, que além dos livros e discos de poesia incluem prosa, traduções e antologias. Foi várias vezes preso pela PIDE.
Em 1958, com a edição de No Reino da Dinamarca, Alexandre O’Neill viu ser-lhe concedido algum reconhecimento como poeta. Na década de 1960, provavelmente a mais produtiva a nível literário, foi publicando livros de poesia, antologias de outros poetas e traduções.
Concilia uma atitude de vanguarda, (surrealismo e experiências próximas do concretismo) — que se manifesta no carácter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino, por exemplo).
Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neorrealismo, a que contrapõe a vida mesquinha e a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como protesto.
Temas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se «O Poema Pouco Original do Medo», com a sua figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país — «meu remorso, meu remorso de todos nós».
Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflecte a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopeias ou de neologismos inventados pelo autor.
O melhor da sua poesia é a expressão da sua relação dúplice com Portugal, feita de sobranceria e de troça, mas também de envolvimento atormentado. É uma «patriazinha iletrada» que ele vai interpelar, em vão, numa procura de reconhecimento confrangedora.
A esta voz cada vez mais desalentada, a Pátria responde com a troça, o desdém, a maledicência – e ignora-o enquanto poeta.
Que Vergonha, Rapazes!
Que vergonha, rapazes! Nós praqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no «diz que»
e a desnalgar a fêmea («Vist’? Viii!»)
Que miséria meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão francesa.
Desejo recalcado, com certeza…
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(«O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!»)
e desabafo: – Ó Roque, com franqueza:
Você nunca quis ver outros países?
– Bem queria Sr. O’ Neill! E…as varizes?
*
Daqui desta Lisboa
Daqui, desta Lisboa compassiva,
Nápoles por suíços habitada,
onde a tristeza vil e apagada
se disfarça de gente mais activa;
daqui deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;
daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira de vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,
do ramudo tristôlho que se apaga;
daqui, só paciência, amigos meus!
Peguem lá o soneto e vão com Deus…
*
Aos Vindouros, se os houver
Vós, que trabalhais só duas horas
a ver trabalhar a cibernética,
que não deixais o átomo a desoras
na gandaia, pois tendes uma ética;
que do amor sabeis o ponto e a vírgula
e vos engalfinhais livres de medo,
sem preçários, calendários, Pílula,
jaculatórias fora, tarde ou cedo;
computai, computai a nossa falha
sem perfurar demais vossa memória,
que nós fomos práqui uma gentalha
a fazer passamanes com a história;
que nós fomos (fatal necessidade!)
quadrúmanos da vossa humanidade.
«Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca…».