Urbano Tavares Rodrigues (isto não é um obituário)

708urbtavrodriguesHoje será um rodopio de artigos, entrevistas, citações e demais parafernália carpideira em torno da morte de Urbano Tavares Rodrigues. É o correcto, o esperado, o justo, mas não é o que encontrarão aqui. Deixemos as obituações para o olhar mundano e voemos um pouco para cima e para o lado. Vamos antes falar de o ler.

Li pouca coisa de Urbano. Dois ou três contos, muitas crónicas jornalísticas, o início de um romance. Quase nada comparado com o imenso legado escrito que nos deixou. É uma falha? Certamente. Mas como em tanta coisa literária (e não só), o problema não está em não conhecer ou não saber; o problema é não querer. Desconfio que muitos nunca lerão Urbano por causa das suas opiniões politicas, ou por não ser novo, ou qualquer das várias desculpas que todos os que não amam as letras pela arte costumam dar. O problema será sempre deles. Por mim, que amo ler na minha língua materna, sei e sempre soube que ler Urbano era um acidente à espera de acontecer. E hoje, aí estão os livros dele a arder na minha estante, chamando-me.

Há muitas razões para lermos um livro ou um autor e a morte é apenas uma delas. Mas é um poderoso motor, mesmo que tardio. E que melhor altura para ler do que o presente, embrulhado no saber-do-agora? Não é um “mais vale tarde que nunca”, é um querer conhecer, um querer saber e isto – como a própria literatura – é imortal e belo. Retiro da estante aqui ao lado uma colectânea de contos, A Última Colina e um pequeno romance ou novela O Eterno Efémero. Agradam-me, o toque suave das páginas o aroma calmo que exalam. Talvez não sejam as escolhas mais correctas ou sensatas, mas são as mais oportunas e por isso importantes. São as minhas escolhas and all is well.

Sento-me na varanda. O calor de Agosto entra-me no rosto e nas mãos, os ruídos da cidade murmuram acamando os sentidos. Um escritor morreu e eu vou ler a sua obra. Não para espantar a morte, mas para lhe sentir a vida. Porque (e cito aqui de memória os Upanishades) «O eterno no homem não pode matar, o eterno no homem não pode morrer». E desconfio que Urbano teria gostado disto.

_ n. fonseca

Comentar