O guarda-roupas da rainha Vitória: o curioso estilo da famosa soberana inglesa!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Uma curiosidade sobre as figuras de muitas soberanas do passado é a forma como elas construíram sua imagem, numa época em que o espaço público era majoritariamente ocupado pelo poder masculino. Ao se pensar no estilo das consortes de notórios monarcas, por exemplo, a maioria dos leitores certamente conseguirá evocar com facilidade a lembrança de Maria Antonieta, que na segunda metade do século XVIII encabeçou uma verdadeira transformação no guarda-roupa real. Juntamente com seus modistas, ela usou de muita criatividade para desenvolver um padrão próprio, referenciando por estilistas até os dias de hoje. Porém, o jeito extravagante com que a esposa de Luís XVI usava a moda lhe valeu comentários bem negativos por parte de cortesãos mais velhos e da população francesa, que passava fome e arcava com altos impostos enquanto sua soberana usava farinha para empoar o cabelo. A despeito disso, o interessante é observar como Antonieta utilizou laços, fitas, plumas e demais adereços para se expressar politicamente e passar sua mensagem ao restante da Europa. Quase um século depois, as casas reais optaram por um estilo mais sóbrio, na contramão de todo aquele exagero que marcou a caracterização dos reis e rainhas de antes. É o que podemos observar a partir de uma análise mais detida das peças de vestuário que pertenceram a Vitória I do Reino Unido.

O famoso vestido branco de noiva da rainha Vitória, utilizado por ela no seu casamento com o príncipe Albert. Ao lado, tela de Franz Winterhalter.

Vestido utilizado por Vitória, então princesa de Kent, entre os anos de 1831-2. É a peça mais antiga do guarda-roupas da rainha (Royal Collection Trust).

Petticoat que pertenceu à rainha Vitória nos anos 1840. Era usado por baixo dos vestidos (Historic Royal Palaces).

Certamente uma das soberanas mais famosas do mundo, Vitória reinou durante um importante período da história inglesa, marcado pela Revolução Industrial e pelo Imperialismo. A chamada Era Vitoriana, que vai da ascensão da monarca ao trono em 1837 até sua morte, em 1901, deixou contribuições significativas nas mais diversificadas áreas do conhecimento, criando convenções e condutas que passaram a ser adotadas em várias partes do ocidente. Na frente disso tudo, a caracterização da pequena rainha chamava a atenção, como uma espécie de figura de proa de uma grande embarcação. Mas, diferentemente de outras mulheres da realeza de seu tempo, como a imperatriz Eugénia de Montijo ou Elisabeth da Áustria (Sissi), o estilo da soberana inglesa era algo que preocupava bastante seus cortesãos. Nem mesmo o famoso pintor Franz Winterhalter, que a retratou em inúmeras ocasiões, conseguiu disfarçar os traços provincianos de Vitória, apesar de toda a pompa e aparatos da realeza com que ela se cercava. Sua dama, Charlotte Canning, certa vez comentou sobre a pouca importância que ela parecia dar ao vestuário: “sua camarista nunca parava de suspirar e erguia as mãos e os olhos o tempo todo em que eu os via, lamentando o quão pouco ela [Vitória] se importava com seu vestido”.

Com efeito, o testemunho de Canning é um tanto quanto curioso, uma vez que se atribui a Vitória verdadeiras inovações na moda feminina da época, principalmente no que se refere ao estilo das noivas, que passaram a dar preferência ao branco depois de tomarem conhecimento do vestido de casamento da rainha. Para a ocasião, seus trajes tinham sido escolhidos com todo o esmero, dando-se preferência a tecidos e rendas produzidas na própria Inglaterra, para demonstrar o patriotismo da soberana. Até então, o branco não era uma cor convencional para as noivas. Vitória o escolheu para ressaltar a delicadeza do rendado, embora muitos o associassem depois a ideais de pureza e castidade. Constantemente posta em exibição nos palácios reais ingleses, a roupa de casamento da rainha possui um desenho delicado, com corte caído nos ombros, que deixava à mostra a pele do peito. A silhueta de Vitória, comprimida em espartilhos para caber em trajes como este, acabou engrossando pouco tempo depois de casada, deixando-a levemente corpulenta. Suas damas de companhia e a dama camarista passavam grande sufoco para fazer com que sua senhora coubesse nas roupas. Tanto que a romancista Charlotte Bronte, que viu a passar de carruagem em Bruxelas, registrou: “uma senhora corpulenta e vivaz, muito bem vestida, sem muita pompa ou pretensão”.

Vestido usado pela rainha Vitória em reuniões com o Conselho Privado no início do seu reinado (Palácio de Kensington).

O vestido utilizado pela rainha Vitória no baile Stuart, ocorrido em 13 de julho de 1851. A peça ficou em exibição no palácio de Buckingham no ano passado.

Roupas que pertenceram à rainha Vitória e ao príncipe Albert, expostas no palácio de Kensington.

O desapego de Vitória ao luxo e exuberância que marcaram a tendência de outras rainhas de seu tempo dava-lhe um ar de mulher burguesa, fazendo com que Charlotte Canning exclamasse: “parecia uma velha senhora”. Em 1855, quando a soberana e seu marido fizeram uma visita ao imperador Napoleão III e à sua esposa, Eugénia, os franceses se divertiram ao compara-la com a elegante imperatriz. Usando chapéus considerados antiquados, gorros e bonés, a rainha da Inglaterra era vista pra cima e pra baixo usando uma grande bolsa de cetim bordada com fios de ouro em um dos braços e um cachorrinho poodle no outro. O general Canrobert, por sua vez, achou o seu vestido, que era decorado com um motivo de gerânio bordado, muito excêntrico. Na opinião do militar, aquela roupa branca embelezada com babados da mesma cor, era bem inadequada para o calor escaldante do verão. Para piorar a situação, a soberana usava “um enorme chapéu de seda branca… com serpentinas atrás e um tufo de penas de marabu no topo”.

Por outro lado, havia um traje de Vitória que era muito admirado pelos franceses: seu hábito de montaria, confeccionado em veludo verde escuro. Apesar de ter aproximadamente 1,50m, ela era considerada uma exímia amazona e fazia uma figura imponente montada num cavalo, como quando passou em revista as tropas da Guerra da Criméia em 1856, usando uma túnica militar escarlate com padrões dourados trançados, botões de latão e uma faixa carmesim. Uma saia azul marinho e um chapéu de feltro branco com plumas completavam esse quadro. Já para a sua procissão de coroação, em junho de 1838, a jovem e solteira Vitória usou um corpete de cetim branco e um vestido de veludo vermelho. Durante a cerimônia, ela trocou o hábito por um manto vermelho debruado de arminho, com uma longa cauda de veludo. Depois os substituiu por uma roupa de linho e uma túnica dourada.

Com efeito, a camareira alemã de Vitória, Frieda Arnold, disse que ela gostava bastante de vestidos nas cores rosa e azul, confeccionados com camadas de tule sobre seda e enfeitados com babados e renda. As peças ainda era bordadas com os padrões florais preferidos da monarca, geralmente orquídeas, rosas, lilases e jasmins. Para as ocasiões mais solenes, pedrarias também podiam ser costuradas nas roupas, como foi o caso do vestido usado por ela no famoso baile Stuart de 13 de julho de 1851, exibido recentemente numa exposição do Palácio de Buckingham, dedicada à rainha. Outra ocasião em que Vitória teve a oportunidade de exibir seus diamantes e esmeraldas foi na grande exposição universal de ciências, ocorrida em 1851.

Robe utilizado pela rainha Vitória na sua coroação.

Vestido utilizado pela rainha Vitória na Grande Exposição de 1851.

Vestido formal para a noite, usado pela rainha Vitória em 1851.

Vestido de luto que pertenceu à rainha Vitória. Depois da morte do príncipe Albert, a soberana foi ficando cada vez mais corpulenta.

Contudo, após a morte do príncipe Albert, em 14 de dezembro 1861, a soberana abandou os vestidos em tons pastéis e passaria a usar pesados trajes de luto pelos próximos quarentas anos de sua vida. A visão de uma rainha em sedas negras, usando chapéus com covinhas no estilo Mary Stuart (que lembravam os hábitos das freiras), com xales e sapatos de cetim da mesma cor, passou a predominar em fotografias e retratos oficiais. Essa imagem acabou por se sobressair às outras representações de Vitória, durante sua juventude e vida conjugal, criando também uma nova tendência na época. Muitos perceberam que ela parecia mais confortável naqueles trajes do que nos vestidos de outrora. Até mesmo suas damas de companhia deveriam utilizar o preto quando estivessem ao seu lado, em sinal de respeito à eterna viuvez de sua senhora. Apenas durante o Jubileu de Ouro, em 1887, quando o reinado de Vitória completou 50 anos, a monarca foi convencida a utilizar o prata e algumas rendas brancas. Falecida em 21 de janeiro de 1901, a “viúva de Windsor” deixou para trás uma grande coleção de trajes acumulados durante toda a sua vida, contendo vestidos, chapéus, luvas, mantas, entre outros adereços, incluindo o famoso vestido de noiva e o hábito da coroação. A maior parte destes itens pode ser vista em museus e galerias da própria Inglaterra, bem como dos Estados Unidos e da França.

Referências Bibliográficas:

BAIRD, Julia. Vitória, a rainha: a biografia íntima da mulher que comandou um império. Tradução de Denise Bottman. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

RAPPAPORT, Helen. Queen Victoria’s dress sense – or rather, lack of it. Acesso em 27 de abril de 2020.

STRACHEY, Lytton. Rainha Vitória. Tradução de Luciano Trigo. Rio de Janeiro: Record, 2001.

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