"Meu caro amigo me perdoe essa demora". Chico Buarque emociona-se ao receber Prémio Camões

24 abr, 2023 - 17:35 • Ricardo Vieira

Chico Buarque disse que valeu a pena esperar quatro anos para receber o galardão. Disse que o governo "funesto" de Bolsonaro foi derrotado nas urnas, "mas nem por isso nos podemos distrair, pois a ameaça fascista persiste".

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Chico Buarque recebe Prémio Camões, quatro anos depois de Bolsonaro ter recusado assinar
Chico Buarque recebe Prémio Camões, quatro anos depois de Bolsonaro ter recusado assinar

"Meu caro amigo me perdoe essa demora", disse o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na cerimónia de entrega do Prémio Camões de 2019 ao cantor e escritor brasileiro Chico Buarque, realizada esta segunda-feira no Palácio Nacional de Queluz.

Se a língua portuguesa é conhecida como a língua de Camões, também poderia ser "a língua de Chico Buarque", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, que comparou o Prémio Camões ao artista brasileiro com o Nobel da Literatura entregue ao cantautor Bob Dylan.

"E a que português ou lusófono faria impressão usar como equivalente de a Língua de Camões o termo a Língua de Chico Buarque, tendo em conta a altura, a emoção, a ductilidade, a imaginação a que ele levou o portugueses cantado por si e por tantos."

O Presidente da República lamentou o atraso de quatro anos na entrega do Prémio Camões a Chico Buarque, devido à recusa do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

"Se até o 'Everest Dylan' teve os seus detratores, sabemos que aqueles que em diversas instâncias não gostaram do Camões atribuído a Chico se dispensaram do absurdo de alegar deméritos estéticos, contestando em vez disso as ideias e as opiniões do cidadão Francisco Buarque de Holanda que a elas tem inteiramente direito, que por elas deu a cara tanto em liberdade como em ditadura", disse Marcelo Rebelo de Sousa.

Marcelo Rebelo de Sousa comparou a demora na entrega do prémio aos amigos que esperam sempre uns pelos outros e recordou um episódio com exilados brasileiros.

"Em 1976, quando Augusto Bual e outros exilados brasileiros em Lisboa ouviram uma carta cantada enviada por Chico Buarque a canção dizia: 'Meu caro amigo me perdoe por favor se eu não lhe faço uma visita, mas como agora apareceu um portador mando notícias dessa fita'. De Chico Buarque recebemos regulares notícias desde meados dos anos 60, primeiro notícias gravadas, mais tarde em livro e agora que nos faz uma visita quero dizer em português de Portugal: Caro amigo me perdoe essa demora. Muitos parabéns e muito obrigado, de sempre e para sempre", declarou o chefe de Estado.

"Valeu a pena esperar"

Na sua intervenção, Chico Buarque mostrou-se visivelmente emocionado - e com a voz trémula - por receber o Prémio Camões, o maior galardão da Língua Portuguesa.

"Eu estou emocionado porque esta manhã a minha mulher saiu do hotel, desceu a Avenida e foi comprar essa gravata para mim [risos]", brincou o cantor brasileiro.

Chico Buarque lembrou a memória do pai, de quem herdou o amor pela Língua Portuguesa, as suas raízes multiétnicas, disse que descobriu ser descendente de judeus sefarditas e brincou que um dia poderá ter, também, a nacionalidade portuguesa.

O cantautor destacou que recebe o Prémio Camões na véspera do 25 de Abril.

"Valeu a pena esperar por esta cerimónia marcada para a véspera do dia em que os portugueses descem a avenida para celebrar a Revolução dos Cravos", declarou.

Chico Buarque chegou a questionar se alguém se tinha esquecido de lhe entregar o Prémio Camões e recordou os tempos difíceis da pandemia e do Governo de Jair Bolsonaro.

"Foram quatro anos de Governo funesto, duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele Governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso nos podemos distrair, pois a ameaça fascista persiste no Brasil e um pouco por toda a parte", alertou o autor de "Construção".

Chico Buarque dedicou o Prémio Camões a “tantos autores humilhados e ofendidos” nos “últimos anos de estupidez e obscurantismo”.

O músico e escritor deixou mais uma farpa a Jair Bolsonaro: "Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prémio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula".

No início da cerimónia, o presidente do júri do Prémio Camões, o académico Manuel Frias Martins, afirmou que o universo criativo de Chico Buarque “tem sempre uma espécie de reserva de energia para recordar mágoas e equívocos das relações humanas e contrariar a violência, a injustiça e o medo”.

“Que a nossa decisão [do Prémio Camões] sirva para reforçar a união de todas as nações que se entendem em língua portuguesa”, disse, agradecendo ao autor de "Estorvo", "Essa gente" e "Benjamim", “toda a arte e beleza que trouxe ao longo de seis décadas” de carreira.

Na entrega do prémio estiveram os escritores Mia Couto e Manuel Alegre – ambos Prémio Camões -, a presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Rio, a cantora Carminho, a realizadora Teresa Villaverde, o coronel Vasco Lourenço, e o ex-ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, entre dezenas de convidados da área da cultura.

Lula honrado por corrigir "absurdo"

O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, destacou que corrigiu hoje um dos “maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira” ao entregar, finalmente, o Prémio Camões a Chico Buarque de Holanda.

“Finalmente a democracia venceu no Brasil e é por isso que estamos aqui hoje”, declarou o Presidente brasileiro, entre criticas à “extrema-direita”, de Bolsonaro, que disse ter voltado a imprimir “obscurantismo e censura das artes” no país.

“Este prémio é a resposta do talento conta a censura”, sublinhou Lula da Silva, no seu discurso na cerimónia de entrega do prémio, a que presidiu, juntamente com o Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe de Estado brasileiro terminou o discurso num tom mais intimista, dirigindo-se ao “querido Chico” para lhe dar os parabéns e afirmar: “Ninguém merece este prémio mais do que você”, que fez da sua obra “uma declaração de amor à literatura portuguesa”.

Lula da Silva contou ainda, dirigindo-se a Chico Buarque, que quando era criança disse á mãe que queria cantar, escrever peças de teatro, “fazer tudo o que você faz” e ser nisso “o mais importante”.

A mãe respondeu-lhe que não podia ser, porque já tinha nascido um menino, chamado Chico Buarque, que ia ser “o mais importante” e que ele, Lula da Silva, se preparasse porque ia ser Presidente.

Comentários
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  • Joaquim Manuel Ferre
    25 abr, 2023 Gondomar 05:47
    Prémio bem merecido, grande compositor, fiquei emocionado com o discurso de Chico Buarque, e com o Presidente Lula da Silva, e com o nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Parabéns
  • Anónimo
    24 abr, 2023 Lisboa 17:53
    Em 2023 o Brasil voltou a ter um Presidente. Viva Lula! Abaixo a escumalha fascista!

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