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O guia completo da Doença de Parkinson | Colunistas

o-guia-completo-da-doença-de-parkinson-Cássia Bassetto Lorenzoni

Índice

Introdução

A Doença de Parkinson (DP) é de instalação lenta e, fatalmente, progressiva. Está presente assiduamente na clínica neurológica: trata-se da segunda doença neurodegenerativa mais comum em todo o mundo, perdendo apenas para o Alzheimer. Portanto, diz respeito a uma temática indispensável na pauta médica.  

Etiologia e patogenia

Estritamente, o que ocorre é a morte celular dos neurônios dopaminérgicos da substância nigra no mesencéfalo por um processo apoptótico mediado por sinais. 

Em torno de 80 a 95% dos casos são esporádicos, isto é, de base desconhecida. Tanto na forma hereditária quanto na esporádica, todavia, a etiologia parece estar atrelada ao acúmulo intracelular de α-sinucleína, proteína que, quando agregada, forma os corpos de Lewy. 

Acredita-se que os corpos de Lewy são o substrato patológico da DP. Eles acumulam-se no SNC e promovem o desarranjo dos neurônios do tronco cerebral (núcleo motor dorsal do vago, no bulbo inicialmente, e ascende até as áreas corticais).

Fisiopatologia 

  • Trata-se do acometimento do sistema extrapiramidal, que compreende: Substância nigra, núcleo estriado (putâmen + caudado), núcleo subtalâmico e globo pálido interno e externo;
  • Existe modulação glutamatérgica do córtex cerebral para o estriado;
  • Também há modulação dopaminérgica da substância negra para o estriado (essa via é a que degenera não doença de Parkinson, os neurônios entram em morte celular). A dopamina, nas células do estriado, encontra receptores principalmente do tipo D1 e D2;
  • A Dopamina tem uma ação excitatória no D1 (na via direta, ligado à proteína Gs) e inibitória no D2 (na via indireta, ligado à proteína Gi);
  • O estriado é canal para duas outras vias: ele faz conexão com o GPi (via direta excitatória, inibição GABAérgica do GPi pelo estriado, irá reduzir a ação GABAérgica do GPi sobre o tálamo, culminando em excitação talâmica) e GPe (via indireta inibitória: GPe > GABA (-) > núcleo subtalâmico > glutamato (+) > GPi > GABA (-) > tálamo. Há, aqui, potencialização da inibição talâmica). Ambas recebem todas as influências e as direcionam para o tálamo e, finalmente, o córtex motor;
  • O tálamo é predominantemente excitatório sobre o córtex. Em um indivíduo normal predomina a influência excitatória do tálamo. Na ausência de dopamina, o núcleo subtalâmico (última instância da via indireta antes do GPi) fica hiperfuncionante, estimulando o GPi que, por sua vez, inibe o tálamo.
Fonte: COSTANZO, Linda S. Fisiologia, 2014.

Diagnóstico Diferencial

A DP é a forma mais comum de apresentação de parkinsonismos (75% dos casos). O seu diagnóstico é essencialmente clínico e medido, atualmente, parkinsonismo associado a tremor de repouso, assimetria e boa resposta a levodopa.

O exame de imagem raramente é necessário na prática de rotina, mas podem ser úteis em diagnósticos difíceis para descartar possibilidades, como a de hidrocefalia, por exemplo.

As características clínicas clássicas da DP são listadas abaixo:

Características de base: outras ocorrências motoras: Sintomatologia não motora:
Bradicinesia Micrografia Anosmia
Tremor de repouso Fáscies em máscara (hipomínia) Distúrbios sensoriaisDor, p. ex.
Rigidez Diminuição do piscar dos olhos Distúrbios do sono
Instabilidade postural Hipofonia (voz baixa) Distúrbios autonômicosHipotensão posturalde ordem gastrointestinal, genitourinária ou sexual
Congelamento da marcha Deficiência cognitiva

Assim, via de regra, o diagnóstico diferencial da DP incluirá:

Parkinsonismos Atípicos Parkinsonismos  Secundários Distúrbios Neurodegenerativos
Atrofia multissistêmica Induzido por fármaco Doença de Wilson
Tipo cerebelar (ASM – c) Tumor Doença de Huntington
Tipo parkinson (ASM – p) Infecção Acúmulo de Fe++ no cérebro
Paralisia supranuclear progressiva Vascular Ataxia espinocerebelar
Degeneração ganglionar corticobasal Hidrocefalia normobárica Ataxia relacionada ao X frágil-tremor-parkinsonismo
Demência frontotemporal Traumatismo Doença priônica
Insuficiência hepática Distonia-parkinsonismo
Toxinas Doença de Alzheimer com parkinsonismo
Demência com corpúsculo de Lewy

Estágios de Braak

A partir de 2003, após as contribuições de Braak et al. sobre o estagiamento neuropatológico da doença, foram postulados 6 estágios da sua instalação.

Isto é, vários anos antes da doença derradeira há alterações inespecíficas que culminam, no estágio 3, na sintomatologia motora parkinsoniana. 

A fase inicial do estagiamento diz respeito a um discreto infiltrado de corpos de Lewy, neuríticos e/ou globulares na porção caudal do tronco cerebral. 

Nesse sentido, a evolução de um estágio para o outro se dá mediante o aumento do número desses corpos, bem como pelo sua ascensão a novas estruturas, além da degeneração neuronal que provocam.

Assim, a partir dos achados macro e microscópicos, foi possível traçar a relação anátomo-clínica do desenvolvimento da DP, transcrito na tabela a seguir.

Tratamento

Os fármacos mais comumente usados para tratamento da DP e suas respectivas doses típicas são: 

Levodopa 200 a 1.000 mg 2 a 4 vezes ao dia; Associações: Agonistas da dopamina Inibidores da COMT Inibidores da MAO-B
levodopa/carbidopa Pramipexol 0,25 a 1,0 mg 3 x/dia Entacapona 200 mg com cada dose de l-dopa Selegilina 5 mg 2 vezes ao dia
levodopa/benserazida Pramipexol LP 1 a 3 mg/dia Tolcapona 100 a 200 mg 3 vezes ao dia Rasagilina 1,0 mg diariamente pela manhã
Levodopa LC/carbidopa Ropinirol 6 a 24 mg/dia
Levodopa MDS/benserazida Ropinirol LP 6 a 24 mg/dia
Parcopa Rotigotina adesivos transdérmicos de 2; 4; 6 mg
Levodopa/carbidopa/entacapona Apomorfina SC 2 a 8 mg

A terapia é de reposição, isto é, não espera-se interferência no prognóstico da doença. Considerações importantes acerca da farmacologia da DP:

  • Em geral, o início da terapêutica é dado por prescrição de inibidor da MAO B em pacientes levemente acometidos;
  • Pramipexol é o agonista dopaminérgico mais utilizado em manejo de pacientes jovens para reduzir o risco de complicações motoras;
  • Levodopa é a primeira escolha em pacientes com doença avançada, idosos ou com acometimento cognitivo;
  • Levodopa/agonista da dopamina/inibidor da COMT/inibidor da MAO-B são a combinação de fármacos adotada para aumentar o tempo de ‘liga’* e, ao mesmo tempo, reduzir a discinesia em quadros mais avançados.
  • Estimulação cerebral profunda pode amenizar significativamente os sintomas. Nesse caso, atravessa-se uma corrente elétrica no núcleo subtalâmico, inibindo-o temporariamente;
  • A Palidotomia (intervenção cirúrgica) ainda é utilizada quando o tratamento farmacológico não é capaz de fornecer o controle adequado.
  • A terapia gênica, fatores tróficos e transplante de células dopaminérgicas feitas da substância negra ou neurônio dopaminérgico derivado de células tronco destacam-se como tratamentos cirúrgicos experimentais atualmente.
  • Com base em estudos laboratoriais e clínicos, alguns fármaco são potencialmente neuroprotetores, como é o caso da rasagilina 1mg/dia, coenzima Q10 1.200 mg/dia, agonistas da dopamina ropinirol e pramipexol.
  • A terapia não farmacológica inclui: exercício físico e grupos de apoio para pacientes e cuidadores.
  • Haloperidol e clorpromazina (fármacos empregados no tratamento da esquizofrenia) são antagonistas dopaminérgicos não seletivos; portanto atuam, também, na via nigroestrial, bloqueando os receptores dopaminérgicos dessa região. Assim, o paciente pode cursar com parkinsonismo secundário induzido por fármacos. Nesses casos, recomenda-se a substituição por quetiapina ou clozapina (antipsicóticos atípicos) que não atuam na via nigroestrial.

* Nos estados mais avançados da DP, os pacientes podem entrar em um ciclo de períodos de ‘liga’ (on) – que podem ser complicados por discinesias incapacitantes (efeito clínico excede a janela terapêutica), seguido de período de ‘desliga’ (off), no qual apresentam parkinsonismo grave. Ainda podem apresentar “discinesias difásicas” que significa dizer que as doses de levodopa passam a exacerbar o seu efeito e, em seguida, regride. Além disso, com o tratamento continuado, a janela terapêutica para essa droga estreita-se e a duração do benefício de uma dose individual torna-se progressivamente mais curta, até igualar-se a meia-vida do fármaco (efeito wear-off)

Fonte: KASPER, Dennis L et al. Medicina interna de Harrison, 2013.

Conclusão

Doença progressiva caracterizada clinicamente por bradicinesia, rigidez muscular, tremor de repouso e anormalidade postural. Os sintomas da DP refletem a depleção gradual do neurotransmissor dopamina da substância nigra mesencefálica provocada pelo acúmulo de corpúsculos de Lewy no SNC. Seu diagnóstico é fundamentalmente clínico e o tratamento é baseado na contenção dos sintomas. 

Autora: Cássia Bassetto Lorenzoni

Instagram: @cassialorenzoni

Referências

COSTANZO, Linda S.. Fisiologia. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.

KASPER, Dennis L et al. Medicina interna de Harrison. 18 ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2013.

MACHADO, Angelo B. M.. Neuroanatomia funcional. 2 ed. São Paulo: Atheneu Editora, 2007.

ROSSO, Ana Lucia Zuma, et al. Correlações Anatomoclínicas na Doença de Parkinson. Revista Brasileira de Neurologia. Disponível em: <http://files.bvs.br/upload/S/0101-8469/2008/v44n4/a41-47.pdf> Acesso em 09/04/22

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