Introdução
A Doença de Parkinson (DP) é de instalação lenta e, fatalmente, progressiva. Está presente assiduamente na clínica neurológica: trata-se da segunda doença neurodegenerativa mais comum em todo o mundo, perdendo apenas para o Alzheimer. Portanto, diz respeito a uma temática indispensável na pauta médica.
Etiologia e patogenia
Estritamente, o que ocorre é a morte celular dos neurônios dopaminérgicos da substância nigra no mesencéfalo por um processo apoptótico mediado por sinais.
Em torno de 80 a 95% dos casos são esporádicos, isto é, de base desconhecida. Tanto na forma hereditária quanto na esporádica, todavia, a etiologia parece estar atrelada ao acúmulo intracelular de α-sinucleína, proteína que, quando agregada, forma os corpos de Lewy.
Acredita-se que os corpos de Lewy são o substrato patológico da DP. Eles acumulam-se no SNC e promovem o desarranjo dos neurônios do tronco cerebral (núcleo motor dorsal do vago, no bulbo inicialmente, e ascende até as áreas corticais).
Fisiopatologia
- Trata-se do acometimento do sistema extrapiramidal, que compreende: Substância nigra, núcleo estriado (putâmen + caudado), núcleo subtalâmico e globo pálido interno e externo;
- Existe modulação glutamatérgica do córtex cerebral para o estriado;
- Também há modulação dopaminérgica da substância negra para o estriado (essa via é a que degenera não doença de Parkinson, os neurônios entram em morte celular). A dopamina, nas células do estriado, encontra receptores principalmente do tipo D1 e D2;
- A Dopamina tem uma ação excitatória no D1 (na via direta, ligado à proteína Gs) e inibitória no D2 (na via indireta, ligado à proteína Gi);
- O estriado é canal para duas outras vias: ele faz conexão com o GPi (via direta excitatória, inibição GABAérgica do GPi pelo estriado, irá reduzir a ação GABAérgica do GPi sobre o tálamo, culminando em excitação talâmica) e GPe (via indireta inibitória: GPe > GABA (-) > núcleo subtalâmico > glutamato (+) > GPi > GABA (-) > tálamo. Há, aqui, potencialização da inibição talâmica). Ambas recebem todas as influências e as direcionam para o tálamo e, finalmente, o córtex motor;
- O tálamo é predominantemente excitatório sobre o córtex. Em um indivíduo normal predomina a influência excitatória do tálamo. Na ausência de dopamina, o núcleo subtalâmico (última instância da via indireta antes do GPi) fica hiperfuncionante, estimulando o GPi que, por sua vez, inibe o tálamo.
Diagnóstico Diferencial
A DP é a forma mais comum de apresentação de parkinsonismos (75% dos casos). O seu diagnóstico é essencialmente clínico e medido, atualmente, parkinsonismo associado a tremor de repouso, assimetria e boa resposta a levodopa.
O exame de imagem raramente é necessário na prática de rotina, mas podem ser úteis em diagnósticos difíceis para descartar possibilidades, como a de hidrocefalia, por exemplo.
As características clínicas clássicas da DP são listadas abaixo:
Características de base: | outras ocorrências motoras: | Sintomatologia não motora: |
Bradicinesia | Micrografia | Anosmia |
Tremor de repouso | Fáscies em máscara (hipomínia) | Distúrbios sensoriaisDor, p. ex. |
Rigidez | Diminuição do piscar dos olhos | Distúrbios do sono |
Instabilidade postural | Hipofonia (voz baixa) | Distúrbios autonômicosHipotensão posturalde ordem gastrointestinal, genitourinária ou sexual |
Congelamento da marcha | Deficiência cognitiva |
Assim, via de regra, o diagnóstico diferencial da DP incluirá:
Parkinsonismos Atípicos | Parkinsonismos Secundários | Distúrbios Neurodegenerativos |
Atrofia multissistêmica | Induzido por fármaco | Doença de Wilson |
Tipo cerebelar (ASM – c) | Tumor | Doença de Huntington |
Tipo parkinson (ASM – p) | Infecção | Acúmulo de Fe++ no cérebro |
Paralisia supranuclear progressiva | Vascular | Ataxia espinocerebelar |
Degeneração ganglionar corticobasal | Hidrocefalia normobárica | Ataxia relacionada ao X frágil-tremor-parkinsonismo |
Demência frontotemporal | Traumatismo | Doença priônica |
Insuficiência hepática | Distonia-parkinsonismo | |
Toxinas | Doença de Alzheimer com parkinsonismo | |
Demência com corpúsculo de Lewy |
Estágios de Braak
A partir de 2003, após as contribuições de Braak et al. sobre o estagiamento neuropatológico da doença, foram postulados 6 estágios da sua instalação.
Isto é, vários anos antes da doença derradeira há alterações inespecíficas que culminam, no estágio 3, na sintomatologia motora parkinsoniana.
A fase inicial do estagiamento diz respeito a um discreto infiltrado de corpos de Lewy, neuríticos e/ou globulares na porção caudal do tronco cerebral.
Nesse sentido, a evolução de um estágio para o outro se dá mediante o aumento do número desses corpos, bem como pelo sua ascensão a novas estruturas, além da degeneração neuronal que provocam.
Assim, a partir dos achados macro e microscópicos, foi possível traçar a relação anátomo-clínica do desenvolvimento da DP, transcrito na tabela a seguir.
Tratamento
Os fármacos mais comumente usados para tratamento da DP e suas respectivas doses típicas são:
Levodopa 200 a 1.000 mg 2 a 4 vezes ao dia; Associações: | Agonistas da dopamina | Inibidores da COMT | Inibidores da MAO-B |
levodopa/carbidopa | Pramipexol 0,25 a 1,0 mg 3 x/dia | Entacapona 200 mg com cada dose de l-dopa | Selegilina 5 mg 2 vezes ao dia |
levodopa/benserazida | Pramipexol LP 1 a 3 mg/dia | Tolcapona 100 a 200 mg 3 vezes ao dia | Rasagilina 1,0 mg diariamente pela manhã |
Levodopa LC/carbidopa | Ropinirol 6 a 24 mg/dia | ||
Levodopa MDS/benserazida | Ropinirol LP 6 a 24 mg/dia | ||
Parcopa | Rotigotina adesivos transdérmicos de 2; 4; 6 mg | ||
Levodopa/carbidopa/entacapona | Apomorfina SC 2 a 8 mg |
A terapia é de reposição, isto é, não espera-se interferência no prognóstico da doença. Considerações importantes acerca da farmacologia da DP:
- Em geral, o início da terapêutica é dado por prescrição de inibidor da MAO B em pacientes levemente acometidos;
- Pramipexol é o agonista dopaminérgico mais utilizado em manejo de pacientes jovens para reduzir o risco de complicações motoras;
- Levodopa é a primeira escolha em pacientes com doença avançada, idosos ou com acometimento cognitivo;
- Levodopa/agonista da dopamina/inibidor da COMT/inibidor da MAO-B são a combinação de fármacos adotada para aumentar o tempo de ‘liga’* e, ao mesmo tempo, reduzir a discinesia em quadros mais avançados.
- Estimulação cerebral profunda pode amenizar significativamente os sintomas. Nesse caso, atravessa-se uma corrente elétrica no núcleo subtalâmico, inibindo-o temporariamente;
- A Palidotomia (intervenção cirúrgica) ainda é utilizada quando o tratamento farmacológico não é capaz de fornecer o controle adequado.
- A terapia gênica, fatores tróficos e transplante de células dopaminérgicas feitas da substância negra ou neurônio dopaminérgico derivado de células tronco destacam-se como tratamentos cirúrgicos experimentais atualmente.
- Com base em estudos laboratoriais e clínicos, alguns fármaco são potencialmente neuroprotetores, como é o caso da rasagilina 1mg/dia, coenzima Q10 1.200 mg/dia, agonistas da dopamina ropinirol e pramipexol.
- A terapia não farmacológica inclui: exercício físico e grupos de apoio para pacientes e cuidadores.
- Haloperidol e clorpromazina (fármacos empregados no tratamento da esquizofrenia) são antagonistas dopaminérgicos não seletivos; portanto atuam, também, na via nigroestrial, bloqueando os receptores dopaminérgicos dessa região. Assim, o paciente pode cursar com parkinsonismo secundário induzido por fármacos. Nesses casos, recomenda-se a substituição por quetiapina ou clozapina (antipsicóticos atípicos) que não atuam na via nigroestrial.
* Nos estados mais avançados da DP, os pacientes podem entrar em um ciclo de períodos de ‘liga’ (on) – que podem ser complicados por discinesias incapacitantes (efeito clínico excede a janela terapêutica), seguido de período de ‘desliga’ (off), no qual apresentam parkinsonismo grave. Ainda podem apresentar “discinesias difásicas” que significa dizer que as doses de levodopa passam a exacerbar o seu efeito e, em seguida, regride. Além disso, com o tratamento continuado, a janela terapêutica para essa droga estreita-se e a duração do benefício de uma dose individual torna-se progressivamente mais curta, até igualar-se a meia-vida do fármaco (efeito wear-off)
Conclusão
Doença progressiva caracterizada clinicamente por bradicinesia, rigidez muscular, tremor de repouso e anormalidade postural. Os sintomas da DP refletem a depleção gradual do neurotransmissor dopamina da substância nigra mesencefálica provocada pelo acúmulo de corpúsculos de Lewy no SNC. Seu diagnóstico é fundamentalmente clínico e o tratamento é baseado na contenção dos sintomas.
Autora: Cássia Bassetto Lorenzoni
Instagram: @cassialorenzoni
Referências
COSTANZO, Linda S.. Fisiologia. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.
KASPER, Dennis L et al. Medicina interna de Harrison. 18 ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2013.
MACHADO, Angelo B. M.. Neuroanatomia funcional. 2 ed. São Paulo: Atheneu Editora, 2007.
ROSSO, Ana Lucia Zuma, et al. Correlações Anatomoclínicas na Doença de Parkinson. Revista Brasileira de Neurologia. Disponível em: <http://files.bvs.br/upload/S/0101-8469/2008/v44n4/a41-47.pdf> Acesso em 09/04/22
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