Cantigas, Sem categoria, Vídeos

D. Afonso X e “As Cantigas de Santa Maria”

D. Afonso X, rei de Leão e Castela, é tido pelos historiadores como um grande incentivador da cultura na Península Ibérica no século XIII, um mecenas de sua época. Sob seu auspício ocorreu uma grande revolução cultural no Reino de Castela. Sob seu mecenato foram impulsionados os conhecimentos de sua época em várias áreas do saber, recebendo em seu scriptórium , em Toledo, sábios e artistas de diferentes procedências e das três culturas então reinantes na Península Ibérica: a cristã, a judaica e a muçulmana. A Afonso X creditam-se obras jurídicas, históricas, científicas ou pseudocientíficas, assim como obras sobre técnicas e lazeres, escritas em prosa castelhana. Mas também lhe são atribuídas obras literárias, ou melhor, poéticas, escritas em galego-português. Não admira, pois, que por toda parte se tenha atribuído a tão erudito monarca o cognome de “O Sábio”, reconhecido no Ocidente europeu.

As Cantigas de Santa Maria

Descrição

As Cantigas de Santa Maria são um conjunto de 427 composições em galaico-português, que no século xiii era a língua fundamental da lírica culta em Castela. Foram patrocinadas por Afonso X o Sábio, o rei de Castela e Leão de 1252 até 1284. Ele próprio escreveu algumas cantigas e compôs alguns acompanhamentos deste cancioneiro sobre os prodígios e milagres da Virgem.
Dividem-se em dois grupos: as Cantigas de Nossa Senhora, que são um conjunto de histórias e milagres, e as Cantigas de louvor e elogio, cujo número é múltiplo de dez, e que são mais semelhantes à hinos sagrados, poemas de reflexão sobre a Virgem. Na sua qualidade de mãe de Jesus, e com a sua figura humana mais perto de nós do que pode estar a Trindad, tem um papel de intercessão e perdoa os pecados.
Atualmente, as Cantigas encontram-se em quatro lugares: um manuscrito na Biblioteca Nacional da Espanha que fica em Toledo, um no Escorial, perto de Madrid, e dois em Florença, na Itália.
Códices

Das Cantigas de Santa Maria há quatro códices conservados, procedentes todos eles da própria corte do rei Afonso X.
O Códice Toledano, que pertenceu à Catedral de Toledo até 1869 e que agora se conserva na Biblioteca Nacional de Madrid (ms. 10069), é a primeira coleção saída do escritório do rei, após 1257. Contém 128 composições com notação musical. São 160 folhas de pergaminho a duas colunas, em letra francesa do século XIII. Foram transcritas e reproduzidas em 1922 pelo musicólogo Julián Ribera.
O segundo códice, o mais rico, conserva-se na Biblioteca de El Escorial (códice J. b. 2), e contém 417 cantigas, ilustradas com 40 iluminuras, e leva notação musical. São 361 folhas de pergaminho escritas em duas colunas com letra francesa do século XIII.
Também se conserva no Escorial outro códice (J. b. 1) com 198 cantigas, notação musical e 1275 iluminuras agrupadas em lâminas de seis quadros, que dão à obra um grande valor iconográfico e pictórico. São 256 folhas de pergaminho escritas em duas colunas com letra francesa do século XIII.
O códice de Florença, conservado na Biblioteca Nacional desta cidade, contém 104 cantigas, das quais duas não aparecem nos outros códices e outras oferecem variantes de certo interesse. Está incompleto, faltando estrofes, ficando por desenhar muitas vinhetas e com as linhas de notação musical em branco. São 131 folhas escritas com letra gótica do século XIII e geralmente em duas colunas.

A FUNÇÃO POLÍTICA DAS CANTIGAS DE SANTA MARIA NO REINO DE AFONSO X

“A sensorialidade presente nas Cantigas de Santa Maria vai de encontro ao controle dos sentidos – através dos dogmas cristãos – empreendido neste século XIII, que marca a consolidação do movimento reurbanizador iniciado nos séculos precedentes e uma irrupção do maravilhoso 4, recuperado justamente pela literatura. Deste modo uma ligação afetiva entre rei e súditos se forja por esse viés da mirabilia – o próprio rei é um monstro. O rei encarna o trovador, numa tradição cavalheiresca cristianizada. O castelo se torna o locus de poder, com a tradição de festas, luxo, estética e narrativa; enfim, a vida cortesã em plena efervescência.
Daí as Cantigas de Santa Maria serem consideradas uma catedral – grande símbolo do rei e da cidade – do saber. O século XIII é o auge do gótico, que traz uma apologia da individuação e da regionalização. É a afetividade espiritual, expressa através da luz e da ideia cristocêntrica cuja imagem mais próxima é justamente a do rei. No caso de Afonso X a humanização gótica se expressa nos louvores à Maria, que se faz humana diante dos fiéis, assim como seus opositores – os infiéis, que ganham nítido cariz, que será analisado posteriormente.
Em sua tese de doutorado, Bernardo Monteiro de Castro (2006) tem como hipótese central a classificação das CSM como uma obra literária inserida no estilo gótico. Porém, adota uma postura essencialista ao analisar o movimento, dizendo que ele não é “imune a influências morais e ideológicas, mas é fruto de um impulso criador espontâneo e autônomo, traduzindo a necessidade ontológica de se representar as novas percepções que se adquirem”. (CASTRO, 2006, p.27). Ele assume a arte como inovadora, espontânea e subjetiva, mas sem levar em consideração o peso que as demandas sociais tiveram neste processo.
Não se pretende aqui fazer uma correlação automática entre arte e sociedade, mas o contexto social de produção artística não pode ser de modo algum colocado em segundo plano. O mesmo ocorre com as CSM, que não serão vistas aqui como mera obra literária de grande vulto à sua época – até porque o conceito de arte é discutível para o período; ao contrário, ela será dissecada como ponte dialogal entre um projeto de centralização política em concomitância com a marginalização de determinado grupo étnico na sociedade castelhana-leonesa do século XIII.
Ainda que possua características escolásticas como os versos metrificados e ritmados, “argumentação de testemunhos, garantindo a veracidade dos milagres relatados, unindo fé e razão, e a compartimentação lógica e explanatória das iluminuras e das ementas de cada cantiga cuidando da clareza dos fatos”, Castro relembra a influência pagã e folclórica na obra afonsina, incluindo as CSM, em que “as estruturas estróficas são claramente identificadas no padrão árabe do zejel”; além da abordagem em si de Afonso X aos feitos marianos, menos moralista que as religiosas. (CASTRO, 2006, p.41-42).”

http://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/9854/5702 – Tese completa sobre as funções políticas em relação as Cantigas de Santa Maria no reinado de D. Afonso X.

Por Johny Andrade

Deixe um comentário