Comportamento

Por Izabel Gimenez


Março começou com novidade no setor de cosméticos e vitória para a causa animal. Por decisão do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), testes de laboratório em vertebrados estão proibidos no Brasil.

A regra vale para a fabricação de itens de higiene pessoal, cosméticos e fragrâncias com ingredientes e compostos que já possuem segurança e eficácia comprovadas cientificamente. As empresas têm dois anos para se adequar ao formato.

Coelhos e roedores são comumente usados em testes de produtos de beleza — Foto: Canva/ Creative Commoms
Coelhos e roedores são comumente usados em testes de produtos de beleza — Foto: Canva/ Creative Commoms

Pensando na repercussão do caso, o Vida de Bicho conversou com especialistas e ativistas, e buscou vídeos e histórias que revelam a realidade dos animais de laboratórios. As cenas e os depoimentos comprovam como políticas públicas voltadas para o bem-estar da fauna se mostram cada vez mais urgentes. Confira!

Em uma das situações mais recentes, em 2022, 4 mil beagles foram resgatados em um laboratório de testagem, em Virginia, nos Estados Unidos. Eles se alimentavam em potes de ração mofados com larvas, e as mães lactantes estavam desnutridas. A ação foi coordenada pela The Humane Society of the United States, organização que luta contra a violência animal.

Em 2019, o grupo realizou outra investigação com infiltrados em farmacêuticas do país que também usavam a raça canina em testagens, e registraram o tratamento dos bichos com exclusividade. Na época, 36 cães foram resgatados.

Assista ao vídeo:

Segundo o farmacêutico Ibrain Júnior, estes cachorros costumam ser usados na segunda etapa de segurança do processo de criação de um fármaco, quando os testes precisam ser refeitos em uma espécie semelhante aos humanos.

“O uso de beagles é comum por ser uma raça pura, com comportamento dócil, pouca variabilidade genética e bom porte.”

A que custo estes produtos chegam às prateleiras?

Antoniana Ottoni, especialista em assuntos governamentais da Humane Society International (HSI), organização que lidera um esforço global pela proibição desses testes, pontua que a realidade vivenciada pelos animais é degradante e brutal.

"Eles passam grande parte da vida aprisionados em gaiolas pequenas e sozinhos. São forçados a ingerir substâncias tóxicas ou as terem aplicadas em seus olhos e pele de forma violenta."

A campanha Salve O Ralph, idealizada pela HSI em 2021, já ilustrava tudo isso. De forma lúdica, Ralph se apresenta como o protagonista de um curta sobre testagem em animais e mostra as consequências do 'trabalho' de um coelho de laboratório.

“Os roedores são selecionados, porque há uma menor crítica ética e social, comparando com o uso de cachorros. Fora isso, são pequenos, o que demanda uma estrutura de biotério menor, a procriação é rápida, assim como seu ciclo de vida, e já existem muitos reagentes para essas espécies”, aponta Antoniana.

Infelizmente, estas não são as únicas vítimas. Peixes, aves, primatas, porcos, bois, também podem servir a laboratórios, a depender do objetivo da pesquisa.

Em outra investigação sigilosa, ativistas se infiltraram em centros de pesquisas em Hamburgo, na Alemanha, com o apoio das organizações internacionais Cruelty Free International e Soko Tierschutz para denunciar os métodos usados ali dentro.

Os registros mostraram a rotina de macacos, cães e gatos em situações degradantes. “Eles estão destinados, contra a própria vontade, a executar tarefas de reprodução excessiva. Não há respeito algum ou qualidade de vida. Não há higiene, a alimentação é precária e o nível de estresse é altíssimo,”, afirma Ibrain.

Veja a reportagem da EuroNews com mais detalhes sobre o 'laboratório dos horrores':

Nos laboratórios, os animais são forçados a se alimentar e injetar substâncias potencialmente nocivas, têm seus órgãos e tecidos removidos de maneira violenta, inalam gases tóxicos e são submetidos a traumas para desenvolverem ansiedade e depressão.

“O objetivo dos testes é avaliar como o bicho reage quando exposto a uma determinada substância, tratamento, situação de privação ou excesso. Ou seja, é quase sempre uma circunstância de intenso sofrimento”, esclarece Karynn Capilé, coordenadora de bioética do Fórum Animal.

A profissional ainda pontua que a situação normaliza e reforça as relações de abuso, infelizmente, ainda predominantes mundialmente, fazendo com que os animais permaneçam nestas situações.

“Animais nascidos em laboratórios são vulneráveis. Eles certamente sentirão dor por procedimentos invasivos, infecções induzidas, inoculações de um vírus ou qualquer outra condição sabidamente nociva”, completa Karynn.

O que dizem os números?

Infelizmente, há poucos dados oficiais sobre o assunto. Em 2018, a Comissão Europeia estimou que 12,3 milhões de experimentos foram realizados em animais em toda a UE.

No contexto mundial, um dos últimos levantamentos foi realizado em 2015, pela Cruelty Free International. Na época, acreditava-se que 190 milhões de animais eram usados para fins científicos, sendo 42% deles em experimentos.

A pesquisa apontava o Brasil como 8º país que mais realiza testes em animais no mundo, atrás apenas de China, Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Coreia do Sul e Reino Unido.

Avanços tecnológicos diminuem a necessidade do uso de animais em exames laboratoriais  — Foto: Canva/ Creative Commoms
Avanços tecnológicos diminuem a necessidade do uso de animais em exames laboratoriais — Foto: Canva/ Creative Commoms

Quais alternativas existem para evitar testes em animais?

Antoniana defende que as novas tecnologias possibilitaram o surgimento de alternativas seguras que substituem o uso dos animais e não oferecem riscos aos humanos.

“A produção de medicamentos, cosméticos, saneantes, agrotóxicos e químicos, em geral, utiliza animais em diversas etapas, incluindo os testes toxicológicos necessários para o registro desses produtos. Porém, já existem métodos alternativos validados e reconhecidos internacionalmente.”

Desde 2014, no Brasil, mais de 20 alternativas capazes de substituir animais em laboratório foram reconhecidas pelo Concea, todas aprovadas em países como Japão, Canadá, Estados Unidos e na União Europeia. A grande maioria envolve ensaios in vitro e simulações de interações moleculares em computadores.

Os métodos podem ser usados para comprovar que os produtos não irritam ou corroem a pele ou os olhos, não têm impactos negativos ao serem expostos ao sol, não provocam sensibilização cutânea, toxicidade aguda, alterações no material genético ou toxicidade reprodutiva.

Há também a possibilidade de investir nestas ferramentas para compreender os efeitos endócrinos, androgênicos e estrogênicos dos cosméticos.

Como saber se o produto está livre de crueldade animal?

Grande parte dos estados brasileiros não autoriza a fabricação de itens de higiene e perfumaria que foram testados em animais. Por isso, na visão de Karynn, descobrir onde a sede das empresas está localizada facilita compreender qual é o processo de fabricação dos cosméticos.

A advogada também sugere acompanhar ONGs e ativistas que publicam listas de marcas veganas, além de criar o hábito de conferir os rótulos, contatando os números fornecidos pelas empresas para questionar sobre natureza e procedência dos componentes.

Produtos livres de crueldade animal são identificados por selos — Foto: Canva/ Creative Commoms
Produtos livres de crueldade animal são identificados por selos — Foto: Canva/ Creative Commoms

Os selos costumam ser uma alternativa mais prática para garantir compras conscientes e livres de crueldade animal. Você, possivelmente, já cruzou com alguns deles em itens do seu banheiro. Ainda que cada empresa tenha seu próprio método de produção, organizações buscam supervisioná-las, oferecendo transparência ao comprador final.

Atualmente, seis selos mais comuns cumprem este papel e certificam que não houve testagem em animais em nenhuma das etapas do processo de fabricação, seja direta ou indiretamente.

Selos livre de crueldade

O termo Cruelty Free, em português, significa 'livre de crueldade animal' — Foto: Divulgação/ PETA, Choose Cruelty Free, Cruelty Free International
O termo Cruelty Free, em português, significa 'livre de crueldade animal' — Foto: Divulgação/ PETA, Choose Cruelty Free, Cruelty Free International

  • Cruelty Free: o selo da organização PETA (Pessoas para o Tratamento Ético de Animais), maior organização de direitos dos animais do mundo;
  • Not Tested on Animals: selo concedido pela organização australiana Choose Cruelty Free;
  • Leaping Bunny: considerado um dos símbolos de maior credibilidade do mercado, os detentores do selo da Cruelty Free International passam por vistorias periódicas e auditorias a cada três anos.

Selos veganos

Em tese, um produto vegano deveria ser livre de crueldade. Entretanto, alguns destes selos abaixo se concentram especificamente na fórmula do produto para compreender se há ingredientes de origem animal.

Os selos ficam dispostos na embalagem de itens de higiene pessoal e beleza — Foto: Divulgação/ Vegan Action, The Vegan Society e PETA
Os selos ficam dispostos na embalagem de itens de higiene pessoal e beleza — Foto: Divulgação/ Vegan Action, The Vegan Society e PETA

  • Certified Vegan: a emissão fica sob responsabilidade da ong americana Vegan Action, mediante apresentação de contratos e documentos que comprovem a produção vegana;
  • Vegan: a certificação é concedida pela iniciativa britânica The Vegan Society. Atualmente, mais de 61 mil produtos possuem o selo;
  • Cruelty Free and Vegan: garantia de fórmula 100% vegana pela PETA, incluindo composição e processo de produção.

Enquanto algumas marcas possuem mais de uma certificação em suas embalagens para se posicionar no mercado, infelizmente, outras burlam o sistema e utilizam selos sem autorização devida ou criam novos carimbos, induzindo o consumidor ao erro.

“A tática é mais uma ramificação do green washing para promover discursos sustentáveis que não se sustentam na prática. Além disso, as certificadoras que atuam por checagem também podem apresentar certa fragilidade na condução dos selos”, opina Patrycia Sato, Diretora técnica e Presidente da Alianima, organização brasileira de proteção animal e ambiental.

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