Armando Vara ainda não foi ver o seu amigo José Sócrates à cadeia de Évora. Agora, depois de lhe ser aplicada a medida de coação de prisão domiciliária, dificilmente o conseguirá fazer tão cedo. As suas vidas cruzaram-se em muitos pontos; no campo pessoal, no jogo político e poder, agora também na queda em desgraça. Desta vez, o denominador comum chama-se Operação Marquês. E a Justiça quer saber por que razão, quando Sócrates estava no Governo e ele era administrador da Caixa Geral de Depósitos, propôs e viu aceite um empréstimo ao aldeamento algarvio de luxo Vale do Lobo – um negócio ruinoso para o banco público.
Na edição impressa desta semana, a VISÃO dá-lhe pormenores da bela amizade que uniu os dois políticos e recorda que este não é o primeiro ‘caso’ em que Vara se vê envolvido.
A ‘Fundação Vara’
O primeiro sobressalto na carreia de Armando Vara ocorreu em 2001, quando ele se demitiu de ministro da Juventude e Desporto, na sequência do escândalo em torno da Fundação para a Prevenção e Segurança (FPS), por pressão do então Presidente da República, Jorge Sampaio.
Vara criara a FPS, em 1999, quando era secretário de Estado adjunto do ministro da Administração Interna, Alberto Costa. A FPS era uma instituição privada financiada pelo Estado e que tinha como objetivo substituir o Ministério na organização de campanhas de prevenção rodoviária. Dirigida por membros do gabinete de Vara, teve as suas contas auditadas pelo Tribunal de Contas (TC), que se deparou com várias irregularidades, entre elas transferências do Estado num valor de 380 mil contos (1,9 milhões de euros atuais). A FPS foi um “instrumento” para fugir ao controlo do TC e contornar a obrigatoriedade de concursos públicos nas adjudicações. António Guterres não o conseguiu segurar.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito e o Ministério Público investigaram o caso, mas sem quaisquer consequências.
Face oculta com escutas de fora
No final de outubro de 2009, Armando Vara, então vice-presidente do BCP, foi constituído arguido no processo Face Oculta, investigação relacionada com uma rede de corrupção dirigida pelo empresário Manuel Godinho, cujo objetivo seria o de o favorecer em negócios com o Estado e empresas públicas.
Vara terá recebido 25 mil euros, além de outras contrapartidas, para mover influências, junto de titulares de cargos públicos.
Durante a investigação, foram intercetadas conversas telefónicas entre Vara e José Sócrates. Mas como as comunicações de um primeiro-ministro não podem ser escutadas sem autorização do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o presidente deste órgão, à data Noronha do Nascimento, declarou as escutas nulas. O procurador-geral da República da época, Pinto Monteiro, estava em sintonia com ele. Uma concordância rara entre os dois rivais, nomeados já sob o consulado de Sócrates para os respetivos cargos.
Em setembro de 2014, os 36 arguidos foram condenados.Vara, a uma pena de prisão efetiva de cinco anos por três crimes de tráfico de influência. O ex-ministro recorreu
Sócrates, a TVI e a PT
Durante a investigação do Face Oculta foram intercetadas chamadas entre Armando Vara e José Sócrates que alegadamente se relacionaram com a tentativa de compra pela PT de uma posição dominante no capital da empresa detentora da TVI.
Nesse ano eleitoral de 2009, a jornalista Manuela Moura Guedes estragava os fins de semana ao primeiro-ministro com as notícias emitidas, à sexta-feira, no Jornal Nacional, sobre os casos em torno de Sócrates, com destaque para o Freeport.
Segundo os investigadores, existiriam nas escutas indícios da prática de crime de atentado contra o Estado de direito, por parte do primeiro-ministro, por tentativa de controlo da comunicação social, nomeadamente a TVI, acusação que não teve acolhimento. Recorde-se que, na altura, o Estado ainda detinha uma participação qualificada na PT que passaria a controlar a TVI.
O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, mandou arquivar essas escutas e o processo morreu. Depois do escândalo público, Sócrates acabou por não autorizar o negócio da PT. Contudo, Moura Guedes já fora afastada dos ecrãs.
ADN replicado
O caso foi notícia, no início deste ano, na imprensa cor-de-rosa e sensacionalista: testes de ADN revelam que Vara é o pai biológico da filha de Ana Simões – ex-mulher de António José Morais, o antigo professor de José Sócrates na Universidade Independente (na qual o próprio Vara se licenciou, dias antes de assumir um lugar na administração da Caixa Geral de Depósitos). O caso corre nos tribunais com Morais a exigir a Vara e a Ana Simões uma indemnização equivalente ao que diz ter gasto a educar, durante seis anos, uma criança, agora com 11 anos, que não era sua.
Divorciados em 2006, Ana Simões e Morais foram, juntamente com Horácio Silva Carvalho, arguidos no caso do aterro da Cova da Beira. Os três eram sócios da empresa HLC à qual foi adjudicada a obra desse aterro, em 1996, quando José Sócrates era secretário de Estado do Ambiente. Este, aliás, nunca foi ouvido no processo. Vara, por seu turno, estava na secretaria de Estado da Administração Interna, onde era superior hierárquico de Morais, então diretor do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações do Ministério da Administração Interna.
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