MOSAICOS ROMANOS DE PORTUGAL - DA TRANSPOSIÇÃO À CONSERVAÇÃO IN SITU
Dá-se a conhecer o estado e as condições de conservação e apresentação actual dos mosaicos
romanos no território português que foram alvo de remoção do seu contexto arqueológico
original.
Explica-se a situação dos mosaicos cujas acções de levantamento - fosse no sentido de os
coleccionar, fosse como medida indispensável de os salvaguardar - tiveram início nos finais do
séc. XIX e principio do séc. XX, quer as dos mosaicos que, particularmente nas décadas de 50 e
60 - sobretudo com o objectivo de promover a sua consolidação e apresentação pública foram removidos e transferidos para novo suporte e aqueles que, aproximadamente desde os
anos 80 até aos nossos dias, têm vindo a ser removidos.
Divulga-se consequências e resultados obtidos nos mosaicos objecto de levantamento face à
conservação, manutenção e protecção de mosaicos in situ e, finalmente, preconiza-se um
modelo de acção e uma proposta estratégica que se nos afigura indispensável e sustentável
por via a que sejam executados procedimentos e medidas adequadas concretas, que
contribuam decididamente para mitigar e prevenir os riscos de deterioração, desagregação e
perda do património musivo português.
1
Circunstâncias de conservação dos mosaicos romanos portugueses
Embora, segundo a ética e o código deontológico de conservação e restauro de mosaicos, ser
consensual entre a comunidade de técnicos do património que, no processo de decisão, se
deve evitar até ao limite a opção pelo levantamento de mosaicos em sítios arqueológicos,
verifica-se que em locais recentemente escavados, esta prática é levada a cabo
frequentemente.
Como medida geral de preservação, a intervenção de levantamento de mosaicos continua a
ser um procedimento regular de conservação e restauro. Mesmo nos sítios arqueológicos com
mosaico onde, por escolha ou oportunidade de vária ordem, não se procedeu a processo de
levantamento, poucos são os casos em que esta operação não foi executada, pelo menos
parcialmente.
De facto, escassos mosaicos pós escavação se encontram em bom estado de conservação e
que não necessitam de consolidação e outras medidas de protecção. Actualmente, a não ser
em casos muito excepcionais, por questões de risco e segurança devido, entre outras causas, a
condições geológicas adversas ou perigo de abandono, os mosaicos devem ser conservados
sem os destacar dos seus suportes originais1.
Relativamente aos mosaicos que se encontram expostos em sítios arqueológicos pode-se
assinalar duas das seguintes condições: mosaicos in situ, dispostos em suporte original,
assentes nas camadas de preparação do pavimento (residualmente segundo o modelo
apontado por Vitrúvio, ou seja por estratos bem definidos) e mosaicos que no seu todo ou em
parte, paulatinamente ou por necessidade emergente, foram removidos, receberam novos
suportes e restituídos à fonte.
No caso português os mosaicos regressados ao contexto original são em grande parte aqueles
consolidados em camada de betão armado, num processo desencadeado desde finais da
década de 40, donde se pode destacar um conjunto de mosaicos de Torre de Palma2, a partir
de 1948, os mosaicos de Conimbriga3 desde 1951, e de Villa Cardilio4 que teve inicio em 1964.
Um número muito significativo de mosaicos e fragmentos receberam igualmente suporte de
betão, principalmente aqueles extraídos na região do Algarve5, alguns levantados no final do
século XIX e, muitos dos quais, receberam caixilho de madeira. Este processo de transposição
para suportes em betão, salvo duas excepções conhecidas6, terminou na década de 80.
Em 1976 foi levantado e transferido para suporte ligeiro leve o mosaico do Oceano de Faro 7, o
primeiro cujo projecto de conservação e restauro deu inicio a uma nova metodologia – a
transposição para suporte ligeiro. No presente século foram cinco os mosaicos levantados e
transferidos para suportes em resinas sintéticas, designadamente o mosaico do Paço das
Escolas de Coimbra8 (o primeiro mosaico romano identificado na cidade), o mosaico da MeiaPraia de Lagos9, o mosaico da Coriscada em Mêda10 e dois mosaicos do Paço dos Vasconcellos
1
Nardi, R. e Zizola, C. (2001, 16-23); Bejaoui, F. (2008, 260-264)
Heleno, M. (1962, 318-338); Blazquez, J.M. (1980, 125-150)
3
Heleno, M. (1956, 253-255); DGEMN (1964)
4
Paço, A. (1964, 81-87).
5
Santos Rocha, A. (1896); Estácio da Veiga, S. (1910, 211); Ferrajota, J., Paço, A. (1966, 87); Machado, J. (1970);
Oliveira, C. (2010).
6
O osai o do po ui ho de Co i
iga 1 4 i Po te, “. Relató io t a alhos a ueológi os (1986), Museu
Monográfico de Conimbriga, p.2; e parte de um mosaico do Rabaçal
7
Beloto, C. (1978); Lancha, J. (1985, 15-75).
8
Catarino, H. e Filipe, S. (2001); Sales, P. (2001).
9
Ângelo, M. (2008, 79-85).
2
2
em Santiago da Guarda11, colocados na vertical em dois panos de parede do edifício medieval,
confinantes aos achados. Executado o levantamento e aguardar transposição para suportes de
resina, encontram-se os mosaicos da Abicada12 do concelho de Portimão.
De uma forma geral os mosaicos removidos do seu contexto original sofreram vicissitudes de
vário grau, desde logo, a segmentação, a perda de porções do tesselato, profundas alterações
de ordem estrutural e, por vezes, separação e extravio das fracções arrancadas. Contudo, a
grande parte, é constituída por fragmentos de mosaico com tesselatos de superfície inferior a
½ m² removidos dos sítios arqueológicos identificados, na sua maioria depositados no Museu
Nacional de Arqueologia e, muitos outros ex situ, nos vários museus com colecções de
arqueologia distribuídos por todo o país13.
Um caso paradigmático é a situação de dois mosaicos que se encontram à entrada das ruínas
de Conímbriga. Removidos durante as escavações realizadas sobre o benefício da rainha D.
Amélia em 1899, foram consolidados pelo tardoz com gesso e estopa e colocados no antigo
Museu de Arqueologia do Instituto de Coimbra. Em 1912 passaram para o Museu Nacional de
Machado de Castro onde sofreram alterações dimensionais para adequação ao espaço
expositivo. Regressaram a Conimbriga em 1961, receberam novo suporte de betão armado e
foram instalados, um numa parede e outro no chão, numa sala do novo museu, inaugurado
em 1962. Com a remodelação deste, em 1986, passaram a enquadrar a área de entrada do
sítio arqueológico. Actualmente aguardam recolocação no seu contexto de origem mais
próximo que, no caso de um deles, aponta ser um cubículo da casa de Cantaber, onde se
identificou um fragmento do mesmo14. Finalmente, parte deste mosaico foi oferecido à rainha,
fracção esta que se encontra no Palácio Nacional da Ajuda15.
Outro caso sintomático, da crónica relativa à volubilidade de intervenção de que sofrem alguns
dos mosaicos romanos nacionais, configura-se nos mosaicos da villa de Torre de Palma. Parte,
praticamente a que apresenta os motivos figurativos, foi consolidada e transposta para
suporte ligeiro leve e está armazenada no Museu Nacional de Arqueologia. Parte, com motivos
geométricos, encontra-se em Conimbriga em processo de transposição para novo suporte.
Outra parte mantém-se in situ e uma porção dos pavimentos, ainda com suporte de betão,
está exposta na Capela de Monforte16.
Do nosso ponto de vista os mosaicos romanos apresentados em contexto original enquadramse em dois tipos de situação: os mosaicos in situ e os, normalmente descritos como mosaicos
recolocados in situ , que preferimos designar por mosaicos in loco17. Referimos os primeiros
como sendo aqueles que nunca foram objecto de remoção e, invariavelmente,
intervencionados directamente no local do achado. Consideramos os segundos como aqueles
levantados e que, após objecto de profunda intervenção estrutural, foram recolocados no seu
contexto de origem.
10
Sales, P. (2007)
Pereira, R., Correia, V.H., Sales, P. (2002)
12
Vasconcelos, J.L. (1918, 128); Formosinho, J. (1942, 107-110); Kremer, M. (2007); Sales, P. (2008)
13
Abraços, F. (2005); idem (2008, 69-74); ibídem (2008a, 223-227); Oliveira, C. (2010); Pessoa, M. (2005, 363-401)
14
Correia, V.H. (2013, 176)
15
Oleiro, B. (1973, 67-158)
16
Lancha, J. e Beloto, C. (1994); Carvalho, A. et al (2003, 379-383)
17
Sales, P. (2006, 14)
Vi os i s eve -nos, e não possível averiguar, in loco, se traz dentro varão ou fêmea, isto sem falar da não
desde hável p o a ilidade du a i hada de gé eos do es o ou de a os os sexos.
in Saramago, J. O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Ed. Círculo de Leitores, p. 57
11
3
Uma circunstância de mosaicos in situ é, por exemplo, a daqueles achados sob reedificado ou
edifício pós-implantado e, aí, tratados, conservados e apresentados. Geralmente, dispõem-se
em ambientes de interior mas fundados sobre camada freática que, quando os regimes
pluviais são de maior intensidade, coloca problemas graves quanto à sua conservação.
Reconheça-se o caso dos mosaicos no interior do Museu D. Diogo de Sousa em Braga18, o
mosaico da Casa do Infante no Porto19, o caso dos mosaicos sob o edifício medieval de
Santiago da Guarda, concelho de Ansião20, ainda o mosaico que se encontra no interior da casa
rural do sitio de Milreu no concelho de Faro21 ou, apresentado desde há mais tempo em
condições de ambiente interior sob edifício pombalino, o mosaico da rua dos Correeiros22 em
Lisboa (recentemente em concurso para propostas de levantamento e recolocação). Estes
mosaicos estão in situ, sofreram intervenções de conservação e restauro e, nas estruturas
arquitectónicas da envolvente, foram implantadas diferentes medidas de contenção do
fenómeno cíclico das inundações, com resultados desconformes.
Os sítios arqueológicos com maior número de mosaicos romanos expostos ao público situamse em Conimbriga e nas uillae romanas do Rabaçal (Penela, Coimbra)23, Santiago da Guarda
(Ansião, Leiria)24, Cardílio (Torres Novas, Santarém)25, Torre de Palma (Monforte, Portalegre)26,
Milreu (Estói, Faro)27, Pisões (Santiago Maior, Beja)28 e Cerro da Vila (Vilamoura, Loulé)29 e,
excluindo a maior parte dos mosaicos com suportes produzidos em betão armado cuja
estratégia de intervenção previa o seu regresso ao contexto original e reutilização funcional,
na sua maioria, podemos afirmar na sua totalidade, mosaicos consolidados em suportes
ligeiros rígidos de resinas sintéticas não regressaram ao seu local de origem30. Os mosaicos
assim tratados integraram ou integram exposições e estão sempre condicionados a ambiente
de interior em museus ou reservas, por isso ex situ.
Apesar de terem sido realizados experiências que atestam a estabilidade mecânica e físicoquímica destes novos suportes em condições de exposição em ambiente museológico
exterior31, não existem dados suficientes para aferir dos resultados a longo prazo que
permitam concluir que o sistema de suporte ligeiro com resinas sintéticas, mesmo bem
executado, pode ter um bom desempenho face às acções dos agentes de deterioração mais
presentes nos sítios arqueológicos, sobretudo aos factores humanos, aos atmosféricos e
climáticos, às variações térmicas, ao sol, à água, à luz e à vegetação, entre outros.
Por outro lado, passadas mais de seis décadas sobre as primeiras recolocações, há uma
avaliação acumulada sobre o comportamento dos pavimentos de mosaico com suporte de
betão aplicados in loco. Exceptuando algumas deficiências de execução, de um modo geral
esta metodologia de consolidação de mosaicos romanos introduzida em Portugal por uma
equipa do Opificio delle Pietre Dure de Florença nos finais dos anos 40, permitiu conservar
18
Silva, I., Guimarães, C. (1994, 61-66)
Azevedo, R. (1960, 264-290)
20
Correia, V.H. e Sales, P. (2002)
21
Vasconcelos, J. L. (1917, 125); Hauschild, T. (1984, 94–104); Braga, P. (2000, 164-177)
22
Caetano, M.T. (2006, 23-35)
23
Pessoa, M., Ponte, S. (1984, 113-115)
24
Pereira, R., Correia, V., Sales, P. (2002)
25
Paço, A. (1964, 81-87)
26
Heleno, M. (1962, 318-338)
27
Estácio da Veiga, S. (2005)
28
Ribeiro, F. (1972, 45-61); Costa, M. (1983, 95-122)
29
Chaves, L. (1936, 55-60 e 83-88); Matos, J. (1971, 201-214)
30
Excepto os mosaicos do peristilo de villa Cardilio, por colocar.
31
Beloto, C. (1993, 103-106)
19
4
muitos mosaicos32. Os mais emblemáticos, desde os anos 80, têm sido objecto de intervenção
no sentido de substituir aquele tipo de suporte por novo suporte ligeiro.
Os danos que ocorrem em consequência da aplicação de placas de betão em mosaicos
expostos in loco são bem observáveis no tesselato, designadamente, o surgimento de
eflorescências salinas, a formação de manchas negras, a colonização biológica e o
desenvolvimento de outros fenómenos de superfície, como, por exemplo, a dissolução dos
calcários, ou outras reacções físico-quimicos nos xistos, nos cerâmicos ou nos vítreos. O betão
que os sustenta degrada-se pelo efeito químico da carbonatação do cimento que, por sua vez,
contribui para acelerar o processo de oxidação das armaduras metálicas internas, originando
fenómenos de mecânicos de fissuração e fragmentação, entre outros factores que contribuem
para à profunda alteração estrutural do pavimento de mosaico33.
Mosaicos in situ padecem igualmente de problemas de ordem estrutural, como deslocamentos
diferenciais do estrato de assentamento, gelifluxão e outros movimentos dos solos, ora
relacionados com insuficiente drenagem de águas pluviais e escoamento de águas residuais,
pelos agentes climatéricos ou pelo desenvolvimento de vegetação e por factor humano, por
exemplo, excessivo impacto turístico. A deterioração dos substratos de assentamento resulta
na fragmentação e descoesão do tesselato e na perda de tesselas, sobretudo nas fiadas
periféricas a áreas lacunares que os mosaicos apresentem, em cada caso34.
Gestão e medidas de intervenção nos mosaicos romanos de Portugal
Neste momento, no panorama do património musivo português, coloca-se a situação
problemática de um grande número de mosaicos levantados se encontrar em diversas
circunstâncias. Uns armazenados em condições precárias a aguardar intervenção, uma parte
substancial encontra-se in loco em suportes de betão e um número extenso de mosaicos
mantêm-se in situ35.
Já não é suficiente a preocupação com a conservação dos mosaicos in situ há, agora, a
necessidade de se intervir nos mosaicos que foram levantados, alguns dos quais cujo historial
de intervenções percorreu mais de um século.
Vão ser descobertos novos mosaicos e as estratégias para a sua conservação depende das
decisões tomadas entre os arqueólogos e as entidades políticas e administrativas responsáveis
pelas tutelas dos sítios. Assim, para não serem retirados estes elementos formais e
construtivos do seu contexto arqueológico é necessário planear medidas de manutenção
eficazes, e sustentáveis, de forma a levar a cabo a sua conservação in situ36.
Contudo, no campo da conservação de mosaicos, um dos maiores problemas com que se
depara esta área e com o qual, cada vez mais, se irá confrontar, reverte das intervenções
realizadas no passado, principalmente devido ou levantamento dos pavimentos e à sua
colocação em suportes de betão.
Portanto, para além de ter que se intervir nos mosaicos in situ, tem que se investir num plano
de acção que aponte para a execução de operações de remoção do betão aplicado,
equacionando na medida das possibilidades, a sua recolocação sobre camadas de base
32
Beloto, C. (1986, 261-273)
Sales, P. (2006, 95-97)
34
Idem, 88-95
35
Abraços, F. (2005)
36
Sease, C. (2003); Piqué, F. et al (2003, 445-456); Kökten, H. (2009, 983-986)
33
5
tradicionais com argamassas de cal, in situ. Seguidamente, estes mosaicos, de novo no seu
contexto original, podem ser preservados através de técnicas de reenterramento ou de
cobertura directa, conseguindo-se assim a sua protecção a longo termo37.
É verdade que se trata de uma questão muito controversa negar ao público a observação
destes mosaicos cobertos, mas não parece haver outra alternativa assim não queiramos a sua
perda para sempre.
Por outro lado, a condição mais presente na gestão e conservação do nosso património,
especialmente do musivo, é a falta de recursos financeiros para recrutar os meios técnicos e
humanos para cobrir esta especialidade. Por sua vez, em Portugal, o número de pessoas
treinadas para levar a cabo acções de manutenção com regularidade é quase nulo.
As condições de trabalho em ruínas arqueológicas são difíceis, exige-se disponibilidade pessoal
que, muitas vezes, inibe o recrutamento de operacionais, especialmente quanto à execução de
metodologias de conservação e restauro. As diferentes tutelas dos sítios com mosaico têm
feito algum esforço no sentido de captar voluntários ou promover estágios, acções e
workshops, para colmatar a necessidade de se realizar procedimentos e tarefas simples de
manutenção dos mosaicos in situ e, nalguns casos, já se tem recorrido ao concurso de
empresas privadas para a execução de projectos de conservação e restauro, contudo, mais ou
menos bem sucedidas, estas iniciativas não resolvem o verdadeiro problema, que é emergente
no processo de gestão do nosso património arqueológico.
Além da Escola Profissional de Arqueologia de Freixo no concelho de Marco de Canavezes, que
forma assistentes de conservação em arqueologia38, não existe nenhum tipo de ensino
vocacionado exclusivamente para o exercício da actividade de Conservação e Restauro de
Mosaicos e os operacionais anteriormente formados nesta área (como o caso dos saídos do
curso de Conimbriga que decorreu entre 1987 e 1989) não encontraram emprego e apoio uma
vez a sua formação concluída. O esforço desta formação limitou-se a uma experiência que não
perdurou devido à falta de investimento e de uma abordagem positiva na gestão do
património arqueológico a longo prazo, especialmente no musivo.
Não haja dúvida que, enquanto não existirem os recursos necessários para realizar uma boa
gestão de conservação dos mosaicos romanos em Portugal, tem que se limitar drasticamente o
seu levantamento e estimular uma atitude que tenda para o reenterramento dos mosaicos in
situ, evidentemente, após se proceder à sua estabilização e ao seu estudo, devendo essas
acções serem realizadas no espaço de tempo mais curto.
Os sistemas de cobertura com agregados inertes têm-se revelado eficazes às solicitações mais
exigentes no sentido de protecção e conservação dos mosaicos, permite, por facilidade de
remoção, observar o seu estado de conservação, proceder ao seu estudo e diagnóstico e a
outras acções esporádicas ou periódicas, como intervenções de limpeza e consolidação.
A manutenção de mosaicos sob acção de camadas estratificadas de agregados inertes, com ou
sem material separador, seja geotextil seja tela plástica, junto com a manutenção do próprio
sistema de cobertura, possibilita assegurar a protecção e a conservação dos mosaicos por
longo período de tempo até ser concebido um plano fundamentado para a sua conservação,
37
38
6
Mannuci, V. e Martines, G. (1985, 199-205)
Dias, L.T. (2000)
valorização e fruição pelos públicos. De facto esta técnica garante a coesão dos tesselatos e
em grande medida do seu suporte original ou novo39.
Nos sítios escavados sem projecto de concepção para a sua apresentação pública, o
reenterramento é a única técnica que garante a preservação das estruturas e dos mosaicos.
Nestes sítios arqueológicos devem ser consideradas medidas dissuasoras à escavação
clandestina como, por exemplo, projectar e implantar espaços verdes de lazer que, apenas
com necessidades de limpeza e controlo vegetativo, estima-se ser uma medida sustentável
com custos de segurança e manutenção mínimos40.
Uns melhor outros pior, uns públicos outros privados, com vários graus de classificação, outros
por classificar, todos os sítios carecem de um plano de acção e condições efectivas para
realizar a preservação dos mosaicos que contêm. De facto, muitos mosaicos estão em elevado
risco de perda e, se nada fôr feito para contrariar essa tendência, em duas ou três gerações o
nosso património musivo exposto poderá desaparecer.
Reduzir a extensão do património musivo exposto, reenterrando ou cobrindo os mosaicos, é
uma medida preventiva eficaz que contribui significativamente para diminuir a sua exposição
aos agentes de deterioração e, logo, aumentar o seu tempo de vida41.
A aplicação de sistemas de cobertura de protecção directa sobre a superfície dos mosaicos
expostos em sítios arqueológicos parece-nos o passo certo para a preservação deste
património integrado se permanecer um compromisso que inclua um programa de
manutenção das mesmas, seja para efectuar limpezas, controlo vegetativo, ou substituir os
materiais de cobertura que se encontram em fim de utilização.
Por outro lado, a técnica de protecção directa de acordo com um plano de aplicação e
desmontagem periódico, em intervalos de tempo de dois, três, quatro, ou, melhor, cinco anos,
configura uma atitude lógica de boa gestão de um sítio arqueológico, que é perfeitamente
compatível com o exercício da investigação, da monitorização e da conservação dos mosaicos,
quer com a necessidade de os apresentar ao público.
Delinear programas para uma apresentação selectiva e calendarizada dos mosaicos, que
normalmente se encontram expostos ao ar livre, através da implantação de um sistema
rotativo e faseado de desmontagem dos sistemas de cobertura que os protege, estabelece
oportunidades para prestar os cuidados necessários à sua manutenção e, se planeadas, a
execução de metodologias de conservação. Por outro lado, medidas como estas podem
suscitar o interesse do público em revisitar o sítio, de forma a observar as áreas que estavam
sob acção do reenterramento temporário42.
Parece claro que uma barreira física que actue face aos elementos atmosféricos e à
solarização, que faculte a passagem dos fluxos hidrotérmicos e a evapotranspiração dos solos,
que reduza a retenção das águas pluviais e residuais, que iniba a crioclastia, que trave o
desenvolvimento biológico e que facilite o seu controlo e, simultaneamente, ofereça boas
condições para execução de procedimentos regulares de manutenção, pode mitigar em
grande escala os efeitos dos agentes de deterioração nos mosaicos.
39
Podany, J., Neville, A., Demas, M. (1994, 1-20)
Zizola, C. (2009, 283-289)
41
Martinelli, A. (1994, 21-30)
42
Nardi, R. (2003, 45-52)
40
7
Assim, num quadro de falta de recursos que atinge a conservação do património musivo
nacional, realizar, na medida do possível, a monitorização, o registo e mapeamento dos danos,
as acções de manutenção, consolidação, conservação e restauro dos mosaicos, a par da
aplicação de sistemas de cobertura directa estratificada, trata-se de um atitude coerente e
defensável no que diz respeito à conservação e protecção de mosaicos. Isto exige diálogo,
compromisso, planeamento e persistência.
Estratégia para a conservação dos mosaicos romanos de Portugal
A defesa do património arqueológico português enquadra-se numa importante função social
do estado, por isso, o desenvolvimento de novas categorias de pessoal neste sector e um
compromisso financeiro dos governos e das entidades responsáveis pelos sítios arqueológicos
com mosaico romano, é obrigatório. Com vontade política e maior consciência social, a
salvaguarda deste património único e insubstituível pode ser sustentável, noutro caso irá
deteriorar-se à medida da maior ou menor indiferença das tutelas. A indisponibilidade de
fundos é um limite, mas não pode ser uma justificação43.
Do nosso ponto de vista, uma estratégia que defina e implante as medidas essenciais à
protecção e conservação do património musivo nacional, passa pela fundação de um centro de
estudos, conservação, restauro e apresentação de mosaico romano, com instalações próprias,
uma missão institucional e um corpo de técnicos dedicado, em condições para formar e treinar
equipas de intervenção e meios para executar planos de acção calendarizados, entre e em
coordenação com as entidades que gerem os sítios.
Dotar essas instalações de uma área de reserva que concentre e disponha acessíveis, nas
melhores condições de acondicionamento, a parte possível dos vários painéis de mosaico
dispersos no território português, funcionando como espaço fiel depositário deste acervo de
valor histórico, técnico e artístico, para além de constituir o procedimento de conservação
preventiva mais adequado, organizaria a forma apropriada de facultar a pesquisa e o estudo
sistematizado e integrado dos mosaicos, quer à investigação e ao ensino, quer, de uma
maneira geral, à sociedade e aos cidadãos.
Pela sua centralidade territorial, por ser o sítio arqueológico com maior extensão de mosaicos,
o maior número deles expostos em suporte de betão, deter uma longa prática de manutenção
e conservação e restauro de mosaicos, uma experiência de formação única em Portugal, uma
tradição e um espólio documental importante, Conimbriga continua a ser o local óbvio para
um novo ponto de partida de uma verdadeira estratégia de gestão para a salvaguarda e
conservação do património musivo português44.
Assim, numa das várias escolas da região envolvente a Conimbriga, designadamente ao
concelho de Condeixa (cuja biblioteca municipal dispõe já de um importante fundo
bibliográfico sobre o tema do mosaico), deve ser promovido, pelo menos, um curso técnicoprofissional especialmente vocacionado para a Conservação e Restauro do património
arqueológico, especialmente do musivo, cujos alunos seriam exercitados no proposto centro
de Conservação e Restauro de mosaicos, complementando a sua formação pelo treino com
estágios curriculares e profissionais, constituir equipas de trabalho e brigadas de intervenção,
serem captados para outros sítios arqueológicos e fixarem-se em empresas de arqueologia45.
43
Guichen, G. e Nardi, R. (2008, 9-14)
Alarcão, A. e Correia V.H. (2004, 120-128)
45
Roby, T. et al (2008)
44
8
Evidentemente, procurar estabelecer parcerias e vias de colaboração com centros
internacionais congéneres da mesma área do saber, como o de Arles, o de Ravenna, Saint
Romain en Gal, o de Florença entre outros, e com as instituições que regulam e conduzem as
boas práticas de Conservação e Restauro de mosaicos seja o ICROM, o ICCM o Getty Institute,
et …, além das associações de temática assente no mosaico romano, como a AIEMA, AISCOM
e outras relevantes.
Uma estrutura centralizada e dedicada numa base sustentável consolidaria as competências e
as responsabilidades fundamentais à gestão e conservação e restauro do património musivo
romano em Portugal.
9