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exposição Fernando Brízio e Artes Aplicadas, abolindo o entendimento ticas autorais. Práticas que não só dão conta da dos como design. Durante a primeira metade FERNANDO BRÍZIO hierárquico herdado do século XIX e dá ori necessidade de comunicar diferentes pontos de da década de 90, anos em que desenvolve o gem ao conceito modernista de design. POR RITA FERRÃO Rita Ferrão – apis_apis@hotmail.com vista perante a resolução do mesmo problema, seu percurso académico no Curso de Design A ideia de que o design não resolve neces como também, ao carregarem de signiicados de Equipamento da FBAUL, predomina no sariamente problemas e mesmo quando os re os objectos, contribuem decisivamente para contexto que o envolve abundante informação solve é inevitavelmente responsável pela cria a criação de relações emocionais e afectivas e interesse pela arte contemporânea, tornando ção de outros só é inteiramente assumida no com os seus utilizadores. esta área de acção particularmente estimulan pós-modernismo. Em 1975, na revista Icono A obra do designer português Fernando Brí te. No início da sua carreira, chega a participar graphic, o designer e teórico Victor Papanek zio tem-se airmado, nos panoramas nacional com algumas peças de instalação em exposi analisa, com alguma ironia, um conjunto de e internacional, como geradora de discussões ções de artes plásticas, evidenciando uma ób ideias preconcebidas, enunciando dez mitos em torno da deinição de design. A sua abor via proximidade às linguagens artísticas. Estas associados ao design. Entre estes, constam já dagem à criação de objectos está, para alguns, experiências terão contribuído para uma toma o mito de que o design soluciona problemas ou muito mais próxima da criação artística do que da de consciência sobre qual o lugar a ocupar O problema da indeinição de fronteiras en- o mito de que o design satisfaz necessidades, da actividade de designer. A reabilitação dos enquanto autor – “Eu quero criar objectos que tre práticas artísticas atravessa o século XX. revelando a consciência de que as práticas têm problemas identiicados pelo Arts and Crafts possam ser usados pelas pessoas e que possam A necessidade de criar uma nomenclatura or- consequências que extravasam largamente os no inal do século XIX, faz-se na actualidade ser produzidos industrialmente.” ganizativa para as artes, não só por questões seus pressupostos teóricos. Através de uma perante a produção em massa de objectos a metodológicas, mas também pela perpetuação perspectiva crítica, Papanek, defensor de um baixo custo e de pobre qualidade, que chegam dos estatutos de poder que lhe estão associa- design social e ecologica nominando-se dos, está na origem de vários equívocos ao mente responsável, dava- - assume um valor deter longo da história das artes. O diálogo entre nos uma antevisão do que minante na deinição da as Belas Artes e as chamadas Artes Aplica- viria a ser o panorama do obra de Brízio. Através das foi maioritariamente dominado por uma design na actualidade. Na da subjugação da disci visão hierárquica, suportada por um sistema obra “Artista e Desig plina/design a um iltro valorativo, que, durante o século XIX, com o ner”, onde Bruno Munari pós-duchampiano, processo de industrialização, será inevitavel- pretendeu monstra que a obra está, mente redeinido. O problema da classiicação - designer ou artista que age no campo do design auto-de sistematizar designer de uma distinção entre as em primeiro lugar, depen Desde os primórdios do seu aparecimento, duas disciplinas, sendo dente das escolhas clas o conceito de design está associado à melho- ele praticante de ambas, siicativas do seu autor. ria das condições de vida, insistindo na “cor- dirá: “Actualmente, as A aceitação exterior vem recção” dos objectos que a povoam. Com as confusões neste campo posteriormente, ainda que teorias de John Ruskin e William Morris na são frequentes, não sen origem do movimento Arts and Crafts, nasce do ainda clara a transição, que na nossa época diariamente ao continente europeu, vindos do abertura de um espaço anteriormente desco um aparente conlito entre o mundo dos ob- tem lugar, de valores subjectivos para valores Oriente. Brízio acredita que a única forma da nhecido. A sua posição conigura uma espécie jectos comuns, dominados pela produção in- objectivos. Numa sociedade avançada já não Europa fazer frente a esta invasão é criar pe de teimosia apostada em conquistar para o de dustrial, a que todos temos acesso e usamos, existem valores subjectivos (o «como eu vejo quenos sistemas de produção de objectos par sign valores humanos por vezes insondáveis e o mundo dos objectos “desenhados”, consi- o mundo»), mas valores objectivos que ten ticulares, construídos com materiais e manu num sistema dominado pela tecnologia. Estes derados perfeitos e possuidores de qualidades dem a predominar, até porque o método sub factura de qualidade. O papel desempenhado valores não são do domínio da antropometria especiais, a que só alguns têm acesso. Este jectivo não leva muito longe. (…) A primeira pelos autores é o de promover a criação destes ou da ergonomia, são do domínio do pensa conlito perpetua-se, extravasando o contex- diferença que ressalta desta análise é que o ar pequenos sistemas de produção, de modo a mento e da emoção, para Brízio a única possi to socioeconómico. Com o advento dos mo- tista trabalha de um modo subjectivo, para si servir a sua visão de cada objecto. Só assim bilidade de atingir o conforto. vimentos modernos, torna-se um fenómeno próprio e para uma elite, enquanto o designer se poderá agradar não às massas, mas a cada político e ético, a insistência em corrigir o que trabalha em grupo para toda a comunidade, indivíduo em particular, sobrevivendo de uma Brízio encena uma está errado toma a forma de airmação de po- com o im de melhorar a produção, quer no multiplicidade de nichos de público. tema a absorver um corpo estranho, a pedra der pela implementação de modelos que criam 01 diiculdades de adaptação, fomentando muitas sentido prático quer no sentido estético. E, por para isso seja necessária a Para Fernando Brízio, a diferença entre a sua Ao percorrer naturalmente o seu caminho, , conduzindo o sis passa a fazer parte do sapato. Esta espécie de consequência, os dois métodos de trabalho são atitude autoral e a de um artista reside sobre estratégia humorística assenta na aceitação do vezes um sentimento de infelicidade no uti- de entender todas as formas e necessidades: aplicação metodológica do saber, que parecia diversos.” Esta perspectiva, certamente válida tudo na escolha do campo de acção. Esta deci erro como parte integrante do processo criati lizador. O arquitecto alemão Walter Gropius, não por ser um prodígio, mas porque sabe potenciar a resolução de todos os problemas no pós-guerra, será contrariada por boa parte são, a escolha de actuar no espaço atribuído ao vo, atribuindo-lhe um valor determinante na fundador da Bauhaus, airma: “O designer é como abordar as necessidades dos homens de da vida moderna, traz consigo uma visão utó- da produção de design contemporâneo, que design, foi tomada em função de um interesse deinição da condição de humano. Na peça uma nova espécie de artista, um criador capaz acordo com um método bem deinido.” Esta pica, preconiza a uniicação entre Belas Artes evidencia a subjectividade decorrente das prá por dispositivos tradicionalmente classiica Inhabited Drawing Video (2007), Brízio es 10 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL e Artes Aplicadas, abolindo o entendimento ticas autorais. Práticas que não só dão conta da dos como design. Durante a primeira metade hierárquico herdado do século XIX e dá ori- necessidade de comunicar diferentes pontos de da década de 90, anos em que desenvolve o gem ao conceito modernista de design. vista perante a resolução do mesmo problema, seu percurso académico no Curso de Design A ideia de que o design não resolve neces- como também, ao carregarem de signiicados de Equipamento da FBAUL, predomina no sariamente problemas e mesmo quando os re- os objectos, contribuem decisivamente para contexto que o envolve abundante informação solve é inevitavelmente responsável pela cria- a criação de relações emocionais e afectivas e interesse pela arte contemporânea, tornando ção de outros só é inteiramente assumida no com os seus utilizadores. esta área de acção particularmente estimulan- pós-modernismo. Em 1975, na revista Icono- A obra do designer português Fernando Brí- te. No início da sua carreira, chega a participar graphic, o designer e teórico Victor Papanek zio tem-se airmado, nos panoramas nacional com algumas peças de instalação em exposi- analisa, com alguma ironia, um conjunto de e internacional, como geradora de discussões ções de artes plásticas, evidenciando uma ób- ideias preconcebidas, enunciando dez mitos em torno da deinição de design. A sua abor- via proximidade às linguagens artísticas. Estas associados ao design. Entre estes, constam já dagem à criação de objectos está, para alguns, experiências terão contribuído para uma toma- o mito de que o design soluciona problemas ou muito mais próxima da criação artística do que da de consciência sobre qual o lugar a ocupar O problema da indeinição de fronteiras en o mito de que o design satisfaz necessidades, da actividade de designer. A reabilitação dos enquanto autor – “Eu quero criar objectos que tre práticas artísticas atravessa o século XX. revelando a consciência de que as práticas têm problemas identiicados pelo Arts and Crafts possam ser usados pelas pessoas e que possam A necessidade de criar uma nomenclatura or consequências que extravasam largamente os no inal do século XIX, faz-se na actualidade ser produzidos industrialmente.” ganizativa para as artes, não só por questões seus pressupostos teóricos. Através de uma perante a produção em massa de objectos a O problema da classiicação - designer ou metodológicas, mas também pela perpetuação perspectiva crítica, Papanek, defensor de um baixo custo e de pobre qualidade, que chegam artista que age no campo do design auto-de- dos estatutos de poder que lhe estão associa design social e ecologica- nominando-se dos, está na origem de vários equívocos ao mente responsável, dava- - assume um valor deter- longo da história das artes. O diálogo entre nos uma antevisão do que minante na deinição da as Belas Artes e as chamadas Artes Aplica viria a ser o panorama do obra de Brízio. Através das foi maioritariamente dominado por uma design na actualidade. Na da subjugação da disci- visão hierárquica, suportada por um sistema obra “Artista e Desig- plina/design a um iltro valorativo, que, durante o século XIX, com o ner”, onde Bruno Munari pós-duchampiano, processo de industrialização, será inevitavel pretendeu sistematizar monstra que a obra está, mente redeinido. uma distinção entre as em primeiro lugar, depen- duas disciplinas, sendo dente das escolhas clas- o conceito de design está associado à melho ele praticante de ambas, siicativas do seu autor. ria das condições de vida, insistindo na “cor dirá: “Actualmente, as A aceitação exterior vem recção” dos objectos que a povoam. Com as confusões neste campo posteriormente, ainda que teorias de John Ruskin e William Morris na são frequentes, não sen- origem do movimento Arts and Crafts, nasce do ainda clara a transição, que na nossa época diariamente ao continente europeu, vindos do abertura de um espaço anteriormente desco- um aparente conlito entre o mundo dos ob tem lugar, de valores subjectivos para valores Oriente. Brízio acredita que a única forma da nhecido. A sua posição conigura uma espécie jectos comuns, dominados pela produção in objectivos. Numa sociedade avançada já não Europa fazer frente a esta invasão é criar pe- de teimosia apostada em conquistar para o de- dustrial, a que todos temos acesso e usamos, existem valores subjectivos (o «como eu vejo quenos sistemas de produção de objectos par- sign valores humanos por vezes insondáveis e o mundo dos objectos “desenhados”, consi o mundo»), mas valores objectivos que ten- ticulares, construídos com materiais e manu- num sistema dominado pela tecnologia. Estes derados perfeitos e possuidores de qualidades dem a predominar, até porque o método sub- factura de qualidade. O papel desempenhado valores não são do domínio da antropometria especiais, a que só alguns têm acesso. Este jectivo não leva muito longe. (…) A primeira pelos autores é o de promover a criação destes ou da ergonomia, são do domínio do pensa- conlito perpetua-se, extravasando o contex diferença que ressalta desta análise é que o ar- pequenos sistemas de produção, de modo a mento e da emoção, para Brízio a única possi- to socioeconómico. Com o advento dos mo tista trabalha de um modo subjectivo, para si servir a sua visão de cada objecto. Só assim bilidade de atingir o conforto. vimentos modernos, torna-se um fenómeno próprio e para uma elite, enquanto o designer se poderá agradar não às massas, mas a cada Ao percorrer naturalmente o seu caminho, político e ético, a insistência em corrigir o que trabalha em grupo para toda a comunidade, indivíduo em particular, sobrevivendo de uma Brízio encena uma blague, conduzindo o sis- está errado toma a forma de airmação de po com o im de melhorar a produção, quer no multiplicidade de nichos de público. tema a absorver um corpo estranho, a pedra Desde os primórdios do seu aparecimento, der pela implementação de modelos que criam 01 diiculdades de adaptação, fomentando muitas designer de- para isso seja necessária a sentido prático quer no sentido estético. E, por Para Fernando Brízio, a diferença entre a sua passa a fazer parte do sapato. Esta espécie de consequência, os dois métodos de trabalho são atitude autoral e a de um artista reside sobre- estratégia humorística assenta na aceitação do vezes um sentimento de infelicidade no uti de entender todas as formas e necessidades: aplicação metodológica do saber, que parecia diversos.” Esta perspectiva, certamente válida tudo na escolha do campo de acção. Esta deci- erro como parte integrante do processo criati- lizador. O arquitecto alemão Walter Gropius, não por ser um prodígio, mas porque sabe potenciar a resolução de todos os problemas no pós-guerra, será contrariada por boa parte são, a escolha de actuar no espaço atribuído ao vo, atribuindo-lhe um valor determinante na fundador da Bauhaus, airma: “O designer é como abordar as necessidades dos homens de da vida moderna, traz consigo uma visão utó da produção de design contemporâneo, que design, foi tomada em função de um interesse deinição da condição de humano. Na peça uma nova espécie de artista, um criador capaz acordo com um método bem deinido.” Esta pica, preconiza a uniicação entre Belas Artes evidencia a subjectividade decorrente das prá- por dispositivos tradicionalmente classiica- Inhabited Drawing Video (2007), Brízio es- 11 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL exposição Fernando Brízio tabelece uma ligação directa ao universo de em série, tirando partido das suas potenciali- que, no protótipo, as patas do banco foram pa- na-se fundamental encontrar algum conforto, uma visão particularmente actual sobre a dei sobre lápis, interferem com o espaço preexis Buster Keaton, o lendário comediante de ros- dades para fazer os seus objectos chegarem cientemente esculpidas pelo autor ao longo de um espaço onde se possa preservar a individu nição da individualidade. Na obra de Brízio, o tente, deixando um rasto/risco à medida que to impassível. Numa passagem do ilme “The a um maior número de pessoas. No entanto, vários meses, tendo por modelo um presunto alidade, escapando à aniquilação. valor do corpo na sua relação com os objectos, vão traçando o seu próprio percurso até atin High Sign” (1921), Keaton pinta na parede um este número de pessoas não se pretende muito pata negra que o acompanhava diariamente A Casa é para ambos os autores a mais po tem vindo a ganhar peso ao longo do tempo. girem o local que lhes foi destinado. Apesar cabide onde de imediato pendura o chapéu. alargado, apenas aquelas que manifestem real nas suas viagens de carro para a oicina e com derosa representação de conforto, imagem Os aspectos lúdicos e a criação de diferen do traçado, previsto no projecto inicial, não se Seguidamente Brízio entra em cena e pinta ciados níveis de signiicação já estavam cla ter concretizado devido a problemas de pro Keaton atingiu com os seus gags uma espé- de tal, que, uma vez inalizado o projecto, foi legiado de intervenção. Keaton cria um uni ramente visíveis no banco Male and Female dução, o projecto incompleto foi continuado interesse em possuir cada objecto. um banco, pousando sobre ele a mesma lata de tinta usada antes por Keaton. o qual estabeleceu uma relação de proximida- e símbolo, é simultaneamente espaço privi cie de automatismo, à época muito admirado particularmente difícil desfazer-se do presun- verso fascinante de cenários que se transfor (1999) ou em Eaten Plate (2000), prato mor pelo designer, dando origem a HB Drawing Será interessante analisar esta entrada na obra pelos performers avant-garde, que, assente to, que acabou por icar “ergonomicamente” mam e adereços fora de escala, com os quais dido pelo autor. Mais recentemente em peças Shelf (2005), pequena consola que dá a ilusão do outro, identiicando nas posturas dos dois numa aparente ausência de emoções, dá a ilu- guardado dentro de uma caixa de guitarra até o humano se relaciona de modo a solucionar de vestir como Restarted Dress (2005-2008) de traçar na parede o seu caminho até atingir autores um discurso humorístico de carácter são do não reconhecimento da máquina. A an- se tornar insuportável. Esta relação particular os seus problemas, ainda que de forma provi ou nas saias que lhe dão origem, Clothes a localização certa, ou Sketching Door (2007) subversivo perante o mundo industrializado. tropomorização do inanimado foi largamen- e pessoal com os objectos que utiliza quotidia- sória, também aqui as soluções originam uma Makeup (2005), o corpo físico ou as funções que transforma a parede numa enorme página O trabalho de Keaton centra-se no retrato de te explorada pelos cineastas do modernismo namente está na base da sua acção enquanto quantidade de outros problemas. A Casa, lar corporais tomam maior peso metafórico, con pautada, riscando-a sempre que é aberta ou fe personagens esmagadas pela designer, suportando um espí- de intimidade e de rotinas, é explorada como ferindo evidência à leitura sexual, já latente de chada. No trabalho de Brízio, o traçado de um complexidade da sociedade rito crítico sediado num rei- espaço simbólico, o lugar da acção. O come forma subtil em muitas das peças anteriores. percurso é muitas vezes relector do processo moderna, particularmente por nado sentido de humor, e re- diante leva esta ideia ao limite em “One Week” Retomando Inhabited Drawing Video, encon criativo. A obra que melhor traduz esta ideia máquinas que parecem desu- lecte, ainda que de forma não (1920), onde a casa assume o protagonismo tramos referências à obra de Helena Almeida, é Journey (2005), onde um conjunto de peças manizar a existência humana premeditada, o seu posiciona- do ilme. Para Fernando Brízio, a casa cons nas séries Pinturas e Desenhos Habitados da em porcelana fresca é transportado de carro, sob o pretexto de a facilita- mento perante a máquina que titui o primeiro reduto de tomando forma nas defor rem. Ninguém funde melhor o envolve. De Keaton, conta acção e acaba por condi mações provocadas pela as ameaças e as promessas do o biógrafo Rudi Blesh que cionar tanto a escala dos acidentada viagem, no im mundo industrializado, umas construiu dentro do seu bun- objectos como determina da qual, durante a coze vezes vítima, outras vitorio- galow na MGM um aparelho a sua escolha. Nas peças dura, adquirem conigura so, Keaton, tal como Brízio, absurdo (parente próximo dos Window, apresentadas em ção deinitiva. Em Sound lida com este ambiente inu- cartoons de Rube Goldberg) 2005, no Pavilhão Branco system (2003), o designer manamente organizado. Em- chamado “O Quebra-nozes”, do Museu da Cidade em deine um processo de bora nenhum dos dois autores em que uma noz era transpor- Lisboa, Brízio materiali trabalho que, no limite, se tenha manifestado posições tada através de uma multipli- za um jogo cenográico adequaria a todas as situa políticas, as suas obras sus- cidade de mecanismos até ser que poderia integrar um ções. Como num passe de tentam visões críticas sobre o inalmente esmagada por uma ilme de Keaton, mágica, bastaria pronun mundo mecanizado, ou uma empilhadora. Para Blesh, a sociedade dominada por siste- leitura é simples, “O Quebra- surpreendentes mas digitais no caso de Brízio, nozes” representava o pode- para os jardins. Em 1997, um mundo em que o homem roso estúdio americano e a no candeeiro Casa, uma pequena casa vis década de 70. O desenho materializa a acção pondente às palavras tem que reaprender a mover- noz era Buster Keaton. Atra- ta de fora, iluminada por dentro, com toda a do corpo no espaço, desta vez não na tela ou aos objectos equivalentes construídos em cha se, trabalhar, pensar e amar vés dos seus ilmes, Keaton signiicação que acarreta, Brízio revela-nos a no papel, mas no espaço fílmico, abrindo-o ao pa de alumínio recortada e a palavra bombom segundo um novo ritmo, de projecta não a liberdade cria- visão daquele que será por excelência o seu exterior. Brízio considera esta peça uma me ao objecto construído em chocolate. De todas modo a manter-se em sintonia ilusórios emolduram ciar a palavra e teríamos janelas a formulação do objecto. O gráico de som corres deu origem tiva, mas sim a luta do homem espaço operativo, recriando posteriormente táfora para a função do desenho no processo as suas obras, talvez esta seja a que melhor com organismos desadequados às exigências russo e alemão durante os Anos Vinte, criando moderno para tentar encontrar, entre o caos do muitos dos objectos que tradicionalmente o de design, dar matéria à ideia, ou melhor, ao preigura uma estratégia subversiva assente humanas. O interesse pela desmontagem do uma nova dramaturgia em que objectos e má- trânsito em movimento e da maquinaria de- habitam: copos, garrafas, pratos, mesas, toa desejo de concretizar. O valor do desenho no no humor. A multiplicidade de hipóteses é in sistema com a intenção de o conhecer permi- quinas passam a representar papéis principais. moníaca, um espaço onde esteja a salvo. Não lhas, bancos, etc. Na relação com os objectos processo criativo, bem como o do corpo que inita, línguas, sotaques e entoações diversas tindo a sua subversão é comum tanto a Brízio Num contexto temporal e com objectivos dife- sabemos como resolveria Brízio o problema surge o corpo, habitante primordial da casa, o habita e lhe confere sentido, toma forma produziriam milhares de objectos cuja forma como a Keaton. Desmontando os mecanismos rentes, também na obra de Brízio encontramos da noz, ou sequer se resolveria, mas decerto assumindo a função de mediador, torna-se o em várias outras peças, através da utilização dependeria da intensidade do desejo ou da cinematográicos, o cineasta encontra o seu vários exemplos de humanização dos objectos: encontraria uma escapatória inesperada que único elemento físico que dominamos na re do lápis como parte integrante e actuante do emoção expressas pela palavra. O processo lugar criando uma linguagem própria, estuda personiicação, em Tableshirt (2000), a mesa nos faria sorrir, “Eu considero o sorriso um lação com o exterior. Também em Keaton o objecto. Ao conceber o núcleo Seduz da ex criativo não dá origem ao objecto, transforma- o modo de funcionar da câmara, utilizando-a “veste a camisa branca”, ou animismo, em critério de qualidade, é uma emoção visível, corpo é primordial, as suas personagens ten posição Catalysts! A Força Cultural do Design se ele próprio em objecto. como elemento fundamental na construção da Pata Negra (2005), o banco assume persona- uma reacção física que me agrada”, airma em tam sobreviver dentro de um sistema raciona de Comunicação, para Experimentadesign Para Brízio, a valorização do processo cria acção e não apenas como dispositivo de regis- lidade animal através das suas formas e quase entrevista à revista “Intramuros” em 2003. A lizado, partindo de princípios não racionais, o 2005 no Centro Cultural de Belém em Lis tivo em detrimento do objecto, ou a criação to do desempenho teatral. Já Brízio ultrapassa podemos imaginá-lo a correr pelo campo. A procura da salvação através do riso é comum corpo do comediante funciona como elemento boa, Brízio propõe uma solução em que os de objectos que evidenciem o processo que os constrangimentos criativos da produção propósito de Pata Negra, é interessante referir aos dois autores. Num ambiente adverso, tor- dominado e potenciador da acção, revelando módulos expositores, aparentemente assentes lhes deu origem, é fundamental - “O objecto 12 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL tabelece uma ligação directa ao universo de em série, tirando partido das suas potenciali que, no protótipo, as patas do banco foram pa na-se fundamental encontrar algum conforto, uma visão particularmente actual sobre a dei- sobre lápis, interferem com o espaço preexis- Buster Keaton, o lendário comediante de ros dades para fazer os seus objectos chegarem cientemente esculpidas pelo autor ao longo de um espaço onde se possa preservar a individu- nição da individualidade. Na obra de Brízio, o tente, deixando um rasto/risco à medida que to impassível. Numa passagem do ilme “The a um maior número de pessoas. No entanto, vários meses, tendo por modelo um presunto alidade, escapando à aniquilação. valor do corpo na sua relação com os objectos, vão traçando o seu próprio percurso até atin- High Sign” (1921), Keaton pinta na parede um este número de pessoas não se pretende muito pata negra que o acompanhava diariamente A Casa é para ambos os autores a mais po- tem vindo a ganhar peso ao longo do tempo. girem o local que lhes foi destinado. Apesar cabide onde de imediato pendura o chapéu. alargado, apenas aquelas que manifestem real nas suas viagens de carro para a oicina e com derosa representação de conforto, imagem Os aspectos lúdicos e a criação de diferen- do traçado, previsto no projecto inicial, não se o qual estabeleceu uma relação de proximida e símbolo, é simultaneamente espaço privi- ciados níveis de signiicação já estavam cla- ter concretizado devido a problemas de pro- de tal, que, uma vez inalizado o projecto, foi legiado de intervenção. Keaton cria um uni- ramente visíveis no banco Male and Female dução, o projecto incompleto foi continuado cie de automatismo, à época muito admirado particularmente difícil desfazer-se do presun verso fascinante de cenários que se transfor- (1999) ou em Eaten Plate (2000), prato mor- pelo designer, dando origem a HB Drawing pelos to, que acabou por icar “ergonomicamente” mam e adereços fora de escala, com os quais dido pelo autor. Mais recentemente em peças Shelf (2005), pequena consola que dá a ilusão Seguidamente Brízio entra em cena e pinta um banco, pousando sobre ele a mesma lata de tinta usada antes por Keaton. Será interessante analisar esta entrada na obra interesse em possuir cada objecto. Keaton atingiu com os seus uma espé , que, assente do outro, identiicando nas posturas dos dois numa aparente ausência de emoções, dá a ilu guardado dentro de uma caixa de guitarra até o humano se relaciona de modo a solucionar de vestir como Restarted Dress (2005-2008) de traçar na parede o seu caminho até atingir autores um discurso humorístico de carácter são do não reconhecimento da máquina. A an se tornar insuportável. Esta relação particular os seus problemas, ainda que de forma provi- ou nas saias que lhe dão origem, Clothes a localização certa, ou Sketching Door (2007) subversivo perante o mundo industrializado. tropomorização do inanimado foi largamen e pessoal com os objectos que utiliza quotidia sória, também aqui as soluções originam uma Makeup (2005), o corpo físico ou as funções que transforma a parede numa enorme página O trabalho de Keaton centra-se no retrato de te explorada pelos cineastas do modernismo namente está na base da sua acção enquanto quantidade de outros problemas. A Casa, lar corporais tomam maior peso metafórico, con- pautada, riscando-a sempre que é aberta ou fe- personagens esmagadas pela designer, suportando um espí de intimidade e de rotinas, é explorada como ferindo evidência à leitura sexual, já latente de chada. No trabalho de Brízio, o traçado de um complexidade da sociedade rito crítico sediado num rei espaço simbólico, o lugar da acção. O come- forma subtil em muitas das peças anteriores. percurso é muitas vezes relector do processo moderna, particularmente por nado sentido de humor, e re diante leva esta ideia ao limite em “One Week” Retomando Inhabited Drawing Video, encon- criativo. A obra que melhor traduz esta ideia máquinas que parecem desu lecte, ainda que de forma não (1920), onde a casa assume o protagonismo tramos referências à obra de Helena Almeida, é Journey (2005), onde um conjunto de peças manizar a existência humana premeditada, o seu posiciona do ilme. Para Fernando Brízio, a casa cons- nas séries Pinturas e Desenhos Habitados da em porcelana fresca é transportado de carro, sob o pretexto de a facilita mento perante a máquina que titui o primeiro reduto de tomando forma nas defor- rem. Ninguém funde melhor o envolve. De Keaton, conta acção e acaba por condi- mações provocadas pela as ameaças e as promessas do o biógrafo Rudi Blesh que cionar tanto a escala dos mundo industrializado, umas construiu dentro do seu objectos como determina vezes vítima, outras vitorio “E ENTÃO VEDES QUE, POR VEZES, PARA MINAR A FALSA AUTORIDADE DE UMA PROPOSIÇÃO ABSURDA QUE REPUGNA À RAZÃO, TAMBÉM O RISO PODE SER UM INSTRUMENTO JUSTO. “ acidentada viagem, no im da qual, durante a coze- na MGM um aparelho a sua escolha. Nas peças absurdo (parente próximo dos Window, apresentadas em lida com este ambiente inu de Rube Goldberg) 2005, no Pavilhão Branco manamente organizado. Em chamado “O Quebra-nozes”, do Museu da Cidade em bora nenhum dos dois autores em que uma noz era transpor Lisboa, Brízio materiali- tenha manifestado posições tada através de uma multipli za um jogo cenográico políticas, as suas obras sus cidade de mecanismos até ser que poderia integrar um tentam visões críticas sobre o inalmente esmagada por uma ilme de Keaton, sidebo- mundo mecanizado, ou uma empilhadora. Para Blesh, a ards ilusórios emolduram sociedade dominada por siste leitura é simples, “O Quebra- surpreendentes mas digitais no caso de Brízio, nozes” representava o pode para os jardins. Em 1997, um mundo em que o homem roso estúdio americano e a no candeeiro Casa, uma pequena casa vis- década de 70. O desenho materializa a acção pondente às palavras lamp e vase deu origem tem que reaprender a mover- noz era Buster Keaton. Atra ta de fora, iluminada por dentro, com toda a do corpo no espaço, desta vez não na tela ou aos objectos equivalentes construídos em cha- se, trabalhar, pensar e amar vés dos seus ilmes, Keaton signiicação que acarreta, Brízio revela-nos a no papel, mas no espaço fílmico, abrindo-o ao pa de alumínio recortada e a palavra bombom segundo um novo ritmo, de projecta não a liberdade cria visão daquele que será por excelência o seu exterior. Brízio considera esta peça uma me- ao objecto construído em chocolate. De todas so, Keaton, tal como Brízio, modo a manter-se em sintonia janelas UMBERTO ECO, “O NOME DA ROSA” dura, adquirem coniguração deinitiva. Em Sound system (2003), o designer deine um processo de trabalho que, no limite, se adequaria a todas as situações. Como num passe de mágica, bastaria pronunciar a palavra e teríamos a formulação do objecto. O gráico de som corres- tiva, mas sim a luta do homem espaço operativo, recriando posteriormente táfora para a função do desenho no processo as suas obras, talvez esta seja a que melhor com organismos desadequados às exigências russo e alemão durante os Anos Vinte, criando moderno para tentar encontrar, entre o caos do muitos dos objectos que tradicionalmente o de design, dar matéria à ideia, ou melhor, ao preigura uma estratégia subversiva assente humanas. O interesse pela desmontagem do uma nova dramaturgia em que objectos e má trânsito em movimento e da maquinaria de habitam: copos, garrafas, pratos, mesas, toa- desejo de concretizar. O valor do desenho no no humor. A multiplicidade de hipóteses é in- sistema com a intenção de o conhecer permi quinas passam a representar papéis principais. moníaca, um espaço onde esteja a salvo. Não lhas, bancos, etc. Na relação com os objectos processo criativo, bem como o do corpo que inita, línguas, sotaques e entoações diversas tindo a sua subversão é comum tanto a Brízio Num contexto temporal e com objectivos dife sabemos como resolveria Brízio o problema surge o corpo, habitante primordial da casa, o habita e lhe confere sentido, toma forma produziriam milhares de objectos cuja forma como a Keaton. Desmontando os mecanismos rentes, também na obra de Brízio encontramos da noz, ou sequer se resolveria, mas decerto assumindo a função de mediador, torna-se o em várias outras peças, através da utilização dependeria da intensidade do desejo ou da cinematográicos, o cineasta encontra o seu vários exemplos de humanização dos objectos: encontraria uma escapatória inesperada que único elemento físico que dominamos na re- do lápis como parte integrante e actuante do emoção expressas pela palavra. O processo lugar criando uma linguagem própria, estuda personiicação, em Tableshirt (2000), a mesa nos faria sorrir, “Eu considero o sorriso um lação com o exterior. Também em Keaton o objecto. Ao conceber o núcleo Seduz da ex- criativo não dá origem ao objecto, transforma- o modo de funcionar da câmara, utilizando-a “veste a camisa branca”, ou animismo, em critério de qualidade, é uma emoção visível, corpo é primordial, as suas personagens ten- posição Catalysts! A Força Cultural do Design se ele próprio em objecto. como elemento fundamental na construção da Pata Negra (2005), o banco assume persona uma reacção física que me agrada”, airma em tam sobreviver dentro de um sistema raciona- de Comunicação, para Experimentadesign Para Brízio, a valorização do processo cria- acção e não apenas como dispositivo de regis lidade animal através das suas formas e quase entrevista à revista “Intramuros” em 2003. A lizado, partindo de princípios não racionais, o 2005 no Centro Cultural de Belém em Lis- tivo em detrimento do objecto, ou a criação to do desempenho teatral. Já Brízio ultrapassa podemos imaginá-lo a correr pelo campo. A procura da salvação através do riso é comum corpo do comediante funciona como elemento boa, Brízio propõe uma solução em que os de objectos que evidenciem o processo que os constrangimentos criativos da produção propósito de Pata Negra, é interessante referir aos dois autores. Num ambiente adverso, tor dominado e potenciador da acção, revelando módulos expositores, aparentemente assentes lhes deu origem, é fundamental - “O objecto 13 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL exposição Fernando Brízio 03 05 06 01) Painting a fresco with Giotto #3 (2005) 02) Pata Negra (2005) 03) Eaten Plate (2000) 04) Tableshirt (2000) 04 deve relectir o processo, o erro pode ser um pictórica, que transpõe para múltiplos objec- na escultura permite a reprodução em série, elemento catalisador do processo criativo.” tos, fazendo-os parecer o que não são. É o ainda que limitada, dando signiicado à ironia Esta assunção do erro domina a obra do autor, caso do banco em trompe l’oeil Alice (2007), da perpetuação do imprevisto. dando consistência a uma construção humo- em que a percepção que temos da peça varia O humor apresenta-se como estratégia de rística que assenta, muitas vezes, na memória conforme o ponto de vista. As pernas do banco sobrevivência e intervenção, não que o traba- vivencial do espectador. Memórias de acções, parecem dobrar-se, esticar ou encolher, con- lho de Brízio conigure uma piada ou anedota, comportamentos ou imagens contribuem para forme o espectador se movimenta. Este jogo mas porque o humor é usado como forma de criar situações em que o utilizador projecta de percepção deve-se à colocação de folhas libertação, expressando algo de essencial ao afectividade no objecto que escolhe utilizar, metálicas na base do objecto que relectem as ser humano. Tratando de forma subtil as qua- a escolha é preferencialmente fundamentada terminações das pernas produzindo uma ilusão lidades anamóricas dos objectos triviais que nessa afectividade. Por exemplo, em Restarted de óptica. Humidity painting - invisible lands- nos rodeiam, acaba por libertar as inerentes Dress ou Painting a Fresco with Giotto (2005), cape (2000), tela feita de um material sensível qualidades emocionais que lhes atribuímos. a memória pessoal do autor, de quando dese- à humidade e à temperatura, que muda de cor Nos seus objectos, encontramos imagens ou nhava em casa da mãe e deixava um marcador em função das alterações climáticas, remete- sugestões que podem ser relacionadas com destapado em cima da toalha de mesa pro- nos para a tradição da pintura de paisagem, o situações familiares da vida quotidiana, trans- duzindo uma mancha, é acoplada à memória registo romântico da natureza ou as superfí- cendendo a banalidade da sua própria exis- colectiva da história da pintura. No caso de cies monocromáticas do minimalismo e da co- tência ao serem investidos de signiicado. No Painting a Fresco with Giotto, de forma mais lorield painting. Em Vase with roots (2007), sideboard Presence (2005), um pano do pó, especíica, cria uma analogia entre o proces- raízes de bronze, um dos materiais clássicos accionado por um íman, desliza sobre o tampo so de construção da peça e a pintura a fresco, da escultura, extravasam um vaso de desenho cada vez que se abrem ou fecham as portas de ironizando com o uso das pontas de feltro da puramente racional. O erro é tomado pelo seu correr, repetindo uma acção quotidiana. A pre- marca Giotto. As referências à história da arte valor representativo, criando um paradoxo si- sença humana é quase fantasmagórica, a peça são abundantes na obra de Brízio, sobretudo multaneamente irónico e poético. Nesta peça, toma um valor representativo. Usa a estraté- pela construção ilusória típica da linguagem o sistema de moldes usado tradicionalmente gia tradicional da piada, em que a percepção 14 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL 07 08 09 03 05 06 05) Window (2005) 06) Viagem (2005) 07 e 08) HB Drawing Shelf (2005) 09) Sketching door 04 deve relectir o processo, o erro pode ser um pictórica, que transpõe para múltiplos objec na escultura permite a reprodução em série, elemento catalisador do processo criativo.” tos, fazendo-os parecer o que não são. É o ainda que limitada, dando signiicado à ironia Esta assunção do erro domina a obra do autor, caso do banco em trompe l’oeil Alice (2007), da perpetuação do imprevisto. dando consistência a uma construção humo em que a percepção que temos da peça varia rística que assenta, muitas vezes, na memória conforme o ponto de vista. As pernas do banco sobrevivência e intervenção, não que o traba vivencial do espectador. Memórias de acções, parecem dobrar-se, esticar ou encolher, con lho de Brízio conigure uma piada ou anedota, comportamentos ou imagens contribuem para forme o espectador se movimenta. Este jogo mas porque o humor é usado como forma de criar situações em que o utilizador projecta de percepção deve-se à colocação de folhas libertação, expressando algo de essencial ao afectividade no objecto que escolhe utilizar, metálicas na base do objecto que relectem as ser humano. Tratando de forma subtil as qua a escolha é preferencialmente fundamentada terminações das pernas produzindo uma ilusão lidades anamóricas dos objectos triviais que nessa afectividade. Por exemplo, em Restarted de óptica. Humidity painting - invisible lands nos rodeiam, acaba por libertar as inerentes Dress ou Painting a Fresco with Giotto (2005), cape (2000), tela feita de um material sensível qualidades emocionais que lhes atribuímos. a memória pessoal do autor, de quando dese à humidade e à temperatura, que muda de cor Nos seus objectos, encontramos imagens ou nhava em casa da mãe e deixava um marcador em função das alterações climáticas, remete- sugestões que podem ser relacionadas com destapado em cima da toalha de mesa pro nos para a tradição da pintura de paisagem, o situações familiares da vida quotidiana, trans duzindo uma mancha, é acoplada à memória registo romântico da natureza ou as superfí cendendo a banalidade da sua própria exis colectiva da história da pintura. No caso de cies monocromáticas do minimalismo e da tência ao serem investidos de signiicado. No Painting a Fresco with Giotto, de forma mais lorield painting. Em Vase with roots (2007), sideboard Presence (2005), um pano do pó, especíica, cria uma analogia entre o proces raízes de bronze, um dos materiais clássicos accionado por um íman, desliza sobre o tampo so de construção da peça e a pintura a fresco, da escultura, extravasam um vaso de desenho cada vez que se abrem ou fecham as portas de ironizando com o uso das pontas de feltro da puramente racional. O erro é tomado pelo seu correr, repetindo uma acção quotidiana. A pre marca Giotto. As referências à história da arte valor representativo, criando um paradoxo si sença humana é quase fantasmagórica, a peça são abundantes na obra de Brízio, sobretudo multaneamente irónico e poético. Nesta peça, toma um valor representativo. Usa a estraté pela construção ilusória típica da linguagem o sistema de moldes usado tradicionalmente gia tradicional da piada, em que a percepção 07 09 O humor apresenta-se como estratégia de 08 15 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL exposição Fernando Brízio 12 13 18 14 19 15 10 11 20 16 da incongruência entre as expectativas e o que realmente acontece faz nascer o sorriso. Para que essa incongruência se veriique, a construção humorística deve basear-se numa situação congruente com comporta mentos estabelecidos, neste caso a rotina de limpar o pó. Como airma Umberto Eco, o riso é um sinal de razão, na medida em que permite aceder a um conhecimento mais profundo. Quando a comédia se apresenta através de charadas intelectuais ou metáforas, em que a realidade nos é mostrada segundo formas que normalmente não 17 aparenta, obriga-nos a olhar mais de perto e questionar o que observa mos, acabando por surpreender-nos com a verdade. Pondo em evidên cia a arbitrariedade dos rituais ou papéis sociais adquiridos, o humor 21 dá-nos o distanciamento necessário a uma maior clarividência do real, potenciando mudanças. Liberta a vontade e o desejo de mudar a situa ção, proporcionando uma alteração signiicativa, ainda que transitória, do modo como vemos a realidade. Ao desempenhar esta função, altera efectivamente o convencionado, basta que nos mostre algo que des conhecíamos sobre nós próprios. A obra de Fernando Brízio revela a profundidade do que partilhamos uns com os outros, não através de 10) Vase with roots (2007) 11) Restarted dress 2005/ 2008 12 e 13) Sound system (2003) 14) Humidity painting invisible landscape (2000) 15) Lamp Casa (1997) 16) HB Drawing Shelf (2005) 17) Inhabited Drawing Video (2007) uma proposição teórica, mas inteligentemente através da utilização do humor. De forma calma, prática, discreta e ilosóica, convida-nos a sermos espectadores das nossas próprias vidas. 08 16 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL 12 13 18 14 19 15 10 11 20 18) Stool in trompe l´oeil, “Alice“ (2007) 19) Clothes MakeUp 20) Painting with Giotto 21) Presence (2005) 16 Peças X, Y e Z Cortesia da Galeria ABCD da incongruência entre as expectativas e o que realmente acontece faz nascer o sorriso. Para que essa incongruência se veriique, a construção humorística deve basear-se numa situação congruente com comportamentos estabelecidos, neste caso a rotina de limpar o pó. Como airma Umberto Eco, o riso é um sinal de razão, na medida em que permite aceder a um conhecimento mais profundo. Quando a comédia se apresenta através de charadas intelectuais ou metáforas, em que a realidade nos é mostrada segundo formas que normalmente não 17 aparenta, obriga-nos a olhar mais de perto e questionar o que observamos, acabando por surpreender-nos com a verdade. Pondo em evidência a arbitrariedade dos rituais ou papéis sociais adquiridos, o humor dá-nos o distanciamento necessário a uma maior clarividência do real, 21 potenciando mudanças. Liberta a vontade e o desejo de mudar a situação, proporcionando uma alteração signiicativa, ainda que transitória, do modo como vemos a realidade. Ao desempenhar esta função, altera efectivamente o convencionado, basta que nos mostre algo que desconhecíamos sobre nós próprios. A obra de Fernando Brízio revela a profundidade do que partilhamos uns com os outros, não através de uma proposição teórica, mas inteligentemente através da utilização do humor. De forma calma, prática, discreta e ilosóica, convida-nos a sermos espectadores das nossas próprias vidas. Fernando Brízio - www.site 08 17 DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL