exposição
Fernando Brízio
e Artes Aplicadas, abolindo o entendimento
ticas autorais. Práticas que não só dão conta da
dos como design. Durante a primeira metade
FERNANDO BRÍZIO
hierárquico herdado do século XIX e dá ori
necessidade de comunicar diferentes pontos de
da década de 90, anos em que desenvolve o
gem ao conceito modernista de design.
POR RITA FERRÃO
Rita Ferrão – apis_apis@hotmail.com
vista perante a resolução do mesmo problema,
seu percurso académico no Curso de Design
A ideia de que o design não resolve neces
como também, ao carregarem de signiicados
de Equipamento da FBAUL, predomina no
sariamente problemas e mesmo quando os re
os objectos, contribuem decisivamente para
contexto que o envolve abundante informação
solve é inevitavelmente responsável pela cria
a criação de relações emocionais e afectivas
e interesse pela arte contemporânea, tornando
ção de outros só é inteiramente assumida no
com os seus utilizadores.
esta área de acção particularmente estimulan
pós-modernismo. Em 1975, na revista Icono
A obra do designer português Fernando Brí
te. No início da sua carreira, chega a participar
graphic, o designer e teórico Victor Papanek
zio tem-se airmado, nos panoramas nacional
com algumas peças de instalação em exposi
analisa, com alguma ironia, um conjunto de
e internacional, como geradora de discussões
ções de artes plásticas, evidenciando uma ób
ideias preconcebidas, enunciando dez mitos
em torno da deinição de design. A sua abor
via proximidade às linguagens artísticas. Estas
associados ao design. Entre estes, constam já
dagem à criação de objectos está, para alguns,
experiências terão contribuído para uma toma
o mito de que o design soluciona problemas ou
muito mais próxima da criação artística do que
da de consciência sobre qual o lugar a ocupar
O problema da indeinição de fronteiras en-
o mito de que o design satisfaz necessidades,
da actividade de designer. A reabilitação dos
enquanto autor – “Eu quero criar objectos que
tre práticas artísticas atravessa o século XX.
revelando a consciência de que as práticas têm
problemas identiicados pelo Arts and Crafts
possam ser usados pelas pessoas e que possam
A necessidade de criar uma nomenclatura or-
consequências que extravasam largamente os
no inal do século XIX, faz-se na actualidade
ser produzidos industrialmente.”
ganizativa para as artes, não só por questões
seus pressupostos teóricos. Através de uma
perante a produção em massa de objectos a
metodológicas, mas também pela perpetuação
perspectiva crítica, Papanek, defensor de um
baixo custo e de pobre qualidade, que chegam
dos estatutos de poder que lhe estão associa-
design social e ecologica
nominando-se
dos, está na origem de vários equívocos ao
mente responsável, dava-
- assume um valor deter
longo da história das artes. O diálogo entre
nos uma antevisão do que
minante na deinição da
as Belas Artes e as chamadas Artes Aplica-
viria a ser o panorama do
obra de Brízio. Através
das foi maioritariamente dominado por uma
design na actualidade. Na
da subjugação da disci
visão hierárquica, suportada por um sistema
obra “Artista e Desig
plina/design a um iltro
valorativo, que, durante o século XIX, com o
ner”, onde Bruno Munari
pós-duchampiano,
processo de industrialização, será inevitavel-
pretendeu
monstra que a obra está,
mente redeinido.
O problema da classiicação - designer ou
artista que age no campo do design auto-de
sistematizar
designer
de
uma distinção entre as
em primeiro lugar, depen
Desde os primórdios do seu aparecimento,
duas disciplinas, sendo
dente das escolhas clas
o conceito de design está associado à melho-
ele praticante de ambas,
siicativas do seu autor.
ria das condições de vida, insistindo na “cor-
dirá: “Actualmente, as
A aceitação exterior vem
recção” dos objectos que a povoam. Com as
confusões neste campo
posteriormente, ainda que
teorias de John Ruskin e William Morris na
são frequentes, não sen
origem do movimento Arts and Crafts, nasce
do ainda clara a transição, que na nossa época
diariamente ao continente europeu, vindos do
abertura de um espaço anteriormente desco
um aparente conlito entre o mundo dos ob-
tem lugar, de valores subjectivos para valores
Oriente. Brízio acredita que a única forma da
nhecido. A sua posição conigura uma espécie
jectos comuns, dominados pela produção in-
objectivos. Numa sociedade avançada já não
Europa fazer frente a esta invasão é criar pe
de teimosia apostada em conquistar para o de
dustrial, a que todos temos acesso e usamos,
existem valores subjectivos (o «como eu vejo
quenos sistemas de produção de objectos par
sign valores humanos por vezes insondáveis
e o mundo dos objectos “desenhados”, consi-
o mundo»), mas valores objectivos que ten
ticulares, construídos com materiais e manu
num sistema dominado pela tecnologia. Estes
derados perfeitos e possuidores de qualidades
dem a predominar, até porque o método sub
factura de qualidade. O papel desempenhado
valores não são do domínio da antropometria
especiais, a que só alguns têm acesso. Este
jectivo não leva muito longe. (…) A primeira
pelos autores é o de promover a criação destes
ou da ergonomia, são do domínio do pensa
conlito perpetua-se, extravasando o contex-
diferença que ressalta desta análise é que o ar
pequenos sistemas de produção, de modo a
mento e da emoção, para Brízio a única possi
to socioeconómico. Com o advento dos mo-
tista trabalha de um modo subjectivo, para si
servir a sua visão de cada objecto. Só assim
bilidade de atingir o conforto.
vimentos modernos, torna-se um fenómeno
próprio e para uma elite, enquanto o designer
se poderá agradar não às massas, mas a cada
político e ético, a insistência em corrigir o que
trabalha em grupo para toda a comunidade,
indivíduo em particular, sobrevivendo de uma
Brízio encena uma
está errado toma a forma de airmação de po-
com o im de melhorar a produção, quer no
multiplicidade de nichos de público.
tema a absorver um corpo estranho, a pedra
der pela implementação de modelos que criam
01
diiculdades de adaptação, fomentando muitas
sentido prático quer no sentido estético. E, por
para isso seja necessária a
Para Fernando Brízio, a diferença entre a sua
Ao percorrer naturalmente o seu caminho,
, conduzindo o sis
passa a fazer parte do sapato. Esta espécie de
consequência, os dois métodos de trabalho são
atitude autoral e a de um artista reside sobre
estratégia humorística assenta na aceitação do
vezes um sentimento de infelicidade no uti-
de entender todas as formas e necessidades:
aplicação metodológica do saber, que parecia
diversos.” Esta perspectiva, certamente válida
tudo na escolha do campo de acção. Esta deci
erro como parte integrante do processo criati
lizador. O arquitecto alemão Walter Gropius,
não por ser um prodígio, mas porque sabe
potenciar a resolução de todos os problemas
no pós-guerra, será contrariada por boa parte
são, a escolha de actuar no espaço atribuído ao
vo, atribuindo-lhe um valor determinante na
fundador da Bauhaus, airma: “O designer é
como abordar as necessidades dos homens de
da vida moderna, traz consigo uma visão utó-
da produção de design contemporâneo, que
design, foi tomada em função de um interesse
deinição da condição de humano. Na peça
uma nova espécie de artista, um criador capaz
acordo com um método bem deinido.” Esta
pica, preconiza a uniicação entre Belas Artes
evidencia a subjectividade decorrente das prá
por dispositivos tradicionalmente classiica
Inhabited Drawing Video (2007), Brízio es
10
DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL
e Artes Aplicadas, abolindo o entendimento
ticas autorais. Práticas que não só dão conta da
dos como design. Durante a primeira metade
hierárquico herdado do século XIX e dá ori-
necessidade de comunicar diferentes pontos de
da década de 90, anos em que desenvolve o
gem ao conceito modernista de design.
vista perante a resolução do mesmo problema,
seu percurso académico no Curso de Design
A ideia de que o design não resolve neces-
como também, ao carregarem de signiicados
de Equipamento da FBAUL, predomina no
sariamente problemas e mesmo quando os re-
os objectos, contribuem decisivamente para
contexto que o envolve abundante informação
solve é inevitavelmente responsável pela cria-
a criação de relações emocionais e afectivas
e interesse pela arte contemporânea, tornando
ção de outros só é inteiramente assumida no
com os seus utilizadores.
esta área de acção particularmente estimulan-
pós-modernismo. Em 1975, na revista Icono-
A obra do designer português Fernando Brí-
te. No início da sua carreira, chega a participar
graphic, o designer e teórico Victor Papanek
zio tem-se airmado, nos panoramas nacional
com algumas peças de instalação em exposi-
analisa, com alguma ironia, um conjunto de
e internacional, como geradora de discussões
ções de artes plásticas, evidenciando uma ób-
ideias preconcebidas, enunciando dez mitos
em torno da deinição de design. A sua abor-
via proximidade às linguagens artísticas. Estas
associados ao design. Entre estes, constam já
dagem à criação de objectos está, para alguns,
experiências terão contribuído para uma toma-
o mito de que o design soluciona problemas ou
muito mais próxima da criação artística do que
da de consciência sobre qual o lugar a ocupar
O problema da indeinição de fronteiras en
o mito de que o design satisfaz necessidades,
da actividade de designer. A reabilitação dos
enquanto autor – “Eu quero criar objectos que
tre práticas artísticas atravessa o século XX.
revelando a consciência de que as práticas têm
problemas identiicados pelo Arts and Crafts
possam ser usados pelas pessoas e que possam
A necessidade de criar uma nomenclatura or
consequências que extravasam largamente os
no inal do século XIX, faz-se na actualidade
ser produzidos industrialmente.”
ganizativa para as artes, não só por questões
seus pressupostos teóricos. Através de uma
perante a produção em massa de objectos a
O problema da classiicação - designer ou
metodológicas, mas também pela perpetuação
perspectiva crítica, Papanek, defensor de um
baixo custo e de pobre qualidade, que chegam
artista que age no campo do design auto-de-
dos estatutos de poder que lhe estão associa
design social e ecologica-
nominando-se
dos, está na origem de vários equívocos ao
mente responsável, dava-
- assume um valor deter-
longo da história das artes. O diálogo entre
nos uma antevisão do que
minante na deinição da
as Belas Artes e as chamadas Artes Aplica
viria a ser o panorama do
obra de Brízio. Através
das foi maioritariamente dominado por uma
design na actualidade. Na
da subjugação da disci-
visão hierárquica, suportada por um sistema
obra “Artista e Desig-
plina/design a um iltro
valorativo, que, durante o século XIX, com o
ner”, onde Bruno Munari
pós-duchampiano,
processo de industrialização, será inevitavel
pretendeu
sistematizar
monstra que a obra está,
mente redeinido.
uma distinção entre as
em primeiro lugar, depen-
duas disciplinas, sendo
dente das escolhas clas-
o conceito de design está associado à melho
ele praticante de ambas,
siicativas do seu autor.
ria das condições de vida, insistindo na “cor
dirá: “Actualmente, as
A aceitação exterior vem
recção” dos objectos que a povoam. Com as
confusões neste campo
posteriormente, ainda que
teorias de John Ruskin e William Morris na
são frequentes, não sen-
origem do movimento Arts and Crafts, nasce
do ainda clara a transição, que na nossa época
diariamente ao continente europeu, vindos do
abertura de um espaço anteriormente desco-
um aparente conlito entre o mundo dos ob
tem lugar, de valores subjectivos para valores
Oriente. Brízio acredita que a única forma da
nhecido. A sua posição conigura uma espécie
jectos comuns, dominados pela produção in
objectivos. Numa sociedade avançada já não
Europa fazer frente a esta invasão é criar pe-
de teimosia apostada em conquistar para o de-
dustrial, a que todos temos acesso e usamos,
existem valores subjectivos (o «como eu vejo
quenos sistemas de produção de objectos par-
sign valores humanos por vezes insondáveis
e o mundo dos objectos “desenhados”, consi
o mundo»), mas valores objectivos que ten-
ticulares, construídos com materiais e manu-
num sistema dominado pela tecnologia. Estes
derados perfeitos e possuidores de qualidades
dem a predominar, até porque o método sub-
factura de qualidade. O papel desempenhado
valores não são do domínio da antropometria
especiais, a que só alguns têm acesso. Este
jectivo não leva muito longe. (…) A primeira
pelos autores é o de promover a criação destes
ou da ergonomia, são do domínio do pensa-
conlito perpetua-se, extravasando o contex
diferença que ressalta desta análise é que o ar-
pequenos sistemas de produção, de modo a
mento e da emoção, para Brízio a única possi-
to socioeconómico. Com o advento dos mo
tista trabalha de um modo subjectivo, para si
servir a sua visão de cada objecto. Só assim
bilidade de atingir o conforto.
vimentos modernos, torna-se um fenómeno
próprio e para uma elite, enquanto o designer
se poderá agradar não às massas, mas a cada
Ao percorrer naturalmente o seu caminho,
político e ético, a insistência em corrigir o que
trabalha em grupo para toda a comunidade,
indivíduo em particular, sobrevivendo de uma
Brízio encena uma blague, conduzindo o sis-
está errado toma a forma de airmação de po
com o im de melhorar a produção, quer no
multiplicidade de nichos de público.
tema a absorver um corpo estranho, a pedra
Desde os primórdios do seu aparecimento,
der pela implementação de modelos que criam
01
diiculdades de adaptação, fomentando muitas
designer
de-
para isso seja necessária a
sentido prático quer no sentido estético. E, por
Para Fernando Brízio, a diferença entre a sua
passa a fazer parte do sapato. Esta espécie de
consequência, os dois métodos de trabalho são
atitude autoral e a de um artista reside sobre-
estratégia humorística assenta na aceitação do
vezes um sentimento de infelicidade no uti
de entender todas as formas e necessidades:
aplicação metodológica do saber, que parecia
diversos.” Esta perspectiva, certamente válida
tudo na escolha do campo de acção. Esta deci-
erro como parte integrante do processo criati-
lizador. O arquitecto alemão Walter Gropius,
não por ser um prodígio, mas porque sabe
potenciar a resolução de todos os problemas
no pós-guerra, será contrariada por boa parte
são, a escolha de actuar no espaço atribuído ao
vo, atribuindo-lhe um valor determinante na
fundador da Bauhaus, airma: “O designer é
como abordar as necessidades dos homens de
da vida moderna, traz consigo uma visão utó
da produção de design contemporâneo, que
design, foi tomada em função de um interesse
deinição da condição de humano. Na peça
uma nova espécie de artista, um criador capaz
acordo com um método bem deinido.” Esta
pica, preconiza a uniicação entre Belas Artes
evidencia a subjectividade decorrente das prá-
por dispositivos tradicionalmente classiica-
Inhabited Drawing Video (2007), Brízio es-
11
DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL
exposição
Fernando Brízio
tabelece uma ligação directa ao universo de
em série, tirando partido das suas potenciali-
que, no protótipo, as patas do banco foram pa-
na-se fundamental encontrar algum conforto,
uma visão particularmente actual sobre a dei
sobre lápis, interferem com o espaço preexis
Buster Keaton, o lendário comediante de ros-
dades para fazer os seus objectos chegarem
cientemente esculpidas pelo autor ao longo de
um espaço onde se possa preservar a individu
nição da individualidade. Na obra de Brízio, o
tente, deixando um rasto/risco à medida que
to impassível. Numa passagem do ilme “The
a um maior número de pessoas. No entanto,
vários meses, tendo por modelo um presunto
alidade, escapando à aniquilação.
valor do corpo na sua relação com os objectos,
vão traçando o seu próprio percurso até atin
High Sign” (1921), Keaton pinta na parede um
este número de pessoas não se pretende muito
pata negra que o acompanhava diariamente
A Casa é para ambos os autores a mais po
tem vindo a ganhar peso ao longo do tempo.
girem o local que lhes foi destinado. Apesar
cabide onde de imediato pendura o chapéu.
alargado, apenas aquelas que manifestem real
nas suas viagens de carro para a oicina e com
derosa representação de conforto, imagem
Os aspectos lúdicos e a criação de diferen
do traçado, previsto no projecto inicial, não se
Seguidamente Brízio entra em cena e pinta
ciados níveis de signiicação já estavam cla
ter concretizado devido a problemas de pro
Keaton atingiu com os seus gags uma espé-
de tal, que, uma vez inalizado o projecto, foi
legiado de intervenção. Keaton cria um uni
ramente visíveis no banco Male and Female
dução, o projecto incompleto foi continuado
interesse em possuir cada objecto.
um banco, pousando sobre ele a mesma lata
de tinta usada antes por Keaton.
o qual estabeleceu uma relação de proximida-
e símbolo, é simultaneamente espaço privi
cie de automatismo, à época muito admirado
particularmente difícil desfazer-se do presun-
verso fascinante de cenários que se transfor
(1999) ou em Eaten Plate (2000), prato mor
pelo designer, dando origem a HB Drawing
Será interessante analisar esta entrada na obra
pelos performers avant-garde, que, assente
to, que acabou por icar “ergonomicamente”
mam e adereços fora de escala, com os quais
dido pelo autor. Mais recentemente em peças
Shelf (2005), pequena consola que dá a ilusão
do outro, identiicando nas posturas dos dois
numa aparente ausência de emoções, dá a ilu-
guardado dentro de uma caixa de guitarra até
o humano se relaciona de modo a solucionar
de vestir como Restarted Dress (2005-2008)
de traçar na parede o seu caminho até atingir
autores um discurso humorístico de carácter
são do não reconhecimento da máquina. A an-
se tornar insuportável. Esta relação particular
os seus problemas, ainda que de forma provi
ou nas saias que lhe dão origem, Clothes
a localização certa, ou Sketching Door (2007)
subversivo perante o mundo industrializado.
tropomorização do inanimado foi largamen-
e pessoal com os objectos que utiliza quotidia-
sória, também aqui as soluções originam uma
Makeup (2005), o corpo físico ou as funções
que transforma a parede numa enorme página
O trabalho de Keaton centra-se no retrato de
te explorada pelos cineastas do modernismo
namente está na base da sua acção enquanto
quantidade de outros problemas. A Casa, lar
corporais tomam maior peso metafórico, con
pautada, riscando-a sempre que é aberta ou fe
personagens esmagadas pela
designer, suportando um espí-
de intimidade e de rotinas, é explorada como
ferindo evidência à leitura sexual, já latente de
chada. No trabalho de Brízio, o traçado de um
complexidade da sociedade
rito crítico sediado num rei-
espaço simbólico, o lugar da acção. O come
forma subtil em muitas das peças anteriores.
percurso é muitas vezes relector do processo
moderna, particularmente por
nado sentido de humor, e re-
diante leva esta ideia ao limite em “One Week”
Retomando Inhabited Drawing Video, encon
criativo. A obra que melhor traduz esta ideia
máquinas que parecem desu-
lecte, ainda que de forma não
(1920), onde a casa assume o protagonismo
tramos referências à obra de Helena Almeida,
é Journey (2005), onde um conjunto de peças
manizar a existência humana
premeditada, o seu posiciona-
do ilme. Para Fernando Brízio, a casa cons
nas séries Pinturas e Desenhos Habitados da
em porcelana fresca é transportado de carro,
sob o pretexto de a facilita-
mento perante a máquina que
titui o primeiro reduto de
tomando forma nas defor
rem. Ninguém funde melhor
o envolve. De Keaton, conta
acção e acaba por condi
mações provocadas pela
as ameaças e as promessas do
o biógrafo Rudi Blesh que
cionar tanto a escala dos
acidentada viagem, no im
mundo industrializado, umas
construiu dentro do seu bun-
objectos como determina
da qual, durante a coze
vezes vítima, outras vitorio-
galow na MGM um aparelho
a sua escolha. Nas peças
dura, adquirem conigura
so, Keaton, tal como Brízio,
absurdo (parente próximo dos
Window, apresentadas em
ção deinitiva. Em Sound
lida com este ambiente inu-
cartoons de Rube Goldberg)
2005, no Pavilhão Branco
system (2003), o designer
manamente organizado. Em-
chamado “O Quebra-nozes”,
do Museu da Cidade em
deine um processo de
bora nenhum dos dois autores
em que uma noz era transpor-
Lisboa, Brízio materiali
trabalho que, no limite, se
tenha manifestado posições
tada através de uma multipli-
za um jogo cenográico
adequaria a todas as situa
políticas, as suas obras sus-
cidade de mecanismos até ser
que poderia integrar um
ções. Como num passe de
tentam visões críticas sobre o
inalmente esmagada por uma
ilme de Keaton,
mágica, bastaria pronun
mundo mecanizado, ou uma
empilhadora. Para Blesh, a
sociedade dominada por siste-
leitura é simples, “O Quebra-
surpreendentes
mas digitais no caso de Brízio,
nozes” representava o pode-
para os jardins. Em 1997,
um mundo em que o homem
roso estúdio americano e a
no candeeiro Casa, uma pequena casa vis
década de 70. O desenho materializa a acção
pondente às palavras
tem que reaprender a mover-
noz era Buster Keaton. Atra-
ta de fora, iluminada por dentro, com toda a
do corpo no espaço, desta vez não na tela ou
aos objectos equivalentes construídos em cha
se, trabalhar, pensar e amar
vés dos seus ilmes, Keaton
signiicação que acarreta, Brízio revela-nos a
no papel, mas no espaço fílmico, abrindo-o ao
pa de alumínio recortada e a palavra bombom
segundo um novo ritmo, de
projecta não a liberdade cria-
visão daquele que será por excelência o seu
exterior. Brízio considera esta peça uma me
ao objecto construído em chocolate. De todas
modo a manter-se em sintonia
ilusórios emolduram
ciar a palavra e teríamos
janelas
a formulação do objecto.
O gráico de som corres
deu origem
tiva, mas sim a luta do homem
espaço operativo, recriando posteriormente
táfora para a função do desenho no processo
as suas obras, talvez esta seja a que melhor
com organismos desadequados às exigências
russo e alemão durante os Anos Vinte, criando
moderno para tentar encontrar, entre o caos do
muitos dos objectos que tradicionalmente o
de design, dar matéria à ideia, ou melhor, ao
preigura uma estratégia subversiva assente
humanas. O interesse pela desmontagem do
uma nova dramaturgia em que objectos e má-
trânsito em movimento e da maquinaria de-
habitam: copos, garrafas, pratos, mesas, toa
desejo de concretizar. O valor do desenho no
no humor. A multiplicidade de hipóteses é in
sistema com a intenção de o conhecer permi-
quinas passam a representar papéis principais.
moníaca, um espaço onde esteja a salvo. Não
lhas, bancos, etc. Na relação com os objectos
processo criativo, bem como o do corpo que
inita, línguas, sotaques e entoações diversas
tindo a sua subversão é comum tanto a Brízio
Num contexto temporal e com objectivos dife-
sabemos como resolveria Brízio o problema
surge o corpo, habitante primordial da casa,
o habita e lhe confere sentido, toma forma
produziriam milhares de objectos cuja forma
como a Keaton. Desmontando os mecanismos
rentes, também na obra de Brízio encontramos
da noz, ou sequer se resolveria, mas decerto
assumindo a função de mediador, torna-se o
em várias outras peças, através da utilização
dependeria da intensidade do desejo ou da
cinematográicos, o cineasta encontra o seu
vários exemplos de humanização dos objectos:
encontraria uma escapatória inesperada que
único elemento físico que dominamos na re
do lápis como parte integrante e actuante do
emoção expressas pela palavra. O processo
lugar criando uma linguagem própria, estuda
personiicação, em Tableshirt (2000), a mesa
nos faria sorrir, “Eu considero o sorriso um
lação com o exterior. Também em Keaton o
objecto. Ao conceber o núcleo Seduz da ex
criativo não dá origem ao objecto, transforma-
o modo de funcionar da câmara, utilizando-a
“veste a camisa branca”, ou animismo, em
critério de qualidade, é uma emoção visível,
corpo é primordial, as suas personagens ten
posição Catalysts! A Força Cultural do Design
se ele próprio em objecto.
como elemento fundamental na construção da
Pata Negra (2005), o banco assume persona-
uma reacção física que me agrada”, airma em
tam sobreviver dentro de um sistema raciona
de Comunicação, para Experimentadesign
Para Brízio, a valorização do processo cria
acção e não apenas como dispositivo de regis-
lidade animal através das suas formas e quase
entrevista à revista “Intramuros” em 2003. A
lizado, partindo de princípios não racionais, o
2005 no Centro Cultural de Belém em Lis
tivo em detrimento do objecto, ou a criação
to do desempenho teatral. Já Brízio ultrapassa
podemos imaginá-lo a correr pelo campo. A
procura da salvação através do riso é comum
corpo do comediante funciona como elemento
boa, Brízio propõe uma solução em que os
de objectos que evidenciem o processo que
os constrangimentos criativos da produção
propósito de Pata Negra, é interessante referir
aos dois autores. Num ambiente adverso, tor-
dominado e potenciador da acção, revelando
módulos expositores, aparentemente assentes
lhes deu origem, é fundamental - “O objecto
12
DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL
tabelece uma ligação directa ao universo de
em série, tirando partido das suas potenciali
que, no protótipo, as patas do banco foram pa
na-se fundamental encontrar algum conforto,
uma visão particularmente actual sobre a dei-
sobre lápis, interferem com o espaço preexis-
Buster Keaton, o lendário comediante de ros
dades para fazer os seus objectos chegarem
cientemente esculpidas pelo autor ao longo de
um espaço onde se possa preservar a individu-
nição da individualidade. Na obra de Brízio, o
tente, deixando um rasto/risco à medida que
to impassível. Numa passagem do ilme “The
a um maior número de pessoas. No entanto,
vários meses, tendo por modelo um presunto
alidade, escapando à aniquilação.
valor do corpo na sua relação com os objectos,
vão traçando o seu próprio percurso até atin-
High Sign” (1921), Keaton pinta na parede um
este número de pessoas não se pretende muito
pata negra que o acompanhava diariamente
A Casa é para ambos os autores a mais po-
tem vindo a ganhar peso ao longo do tempo.
girem o local que lhes foi destinado. Apesar
cabide onde de imediato pendura o chapéu.
alargado, apenas aquelas que manifestem real
nas suas viagens de carro para a oicina e com
derosa representação de conforto, imagem
Os aspectos lúdicos e a criação de diferen-
do traçado, previsto no projecto inicial, não se
o qual estabeleceu uma relação de proximida
e símbolo, é simultaneamente espaço privi-
ciados níveis de signiicação já estavam cla-
ter concretizado devido a problemas de pro-
de tal, que, uma vez inalizado o projecto, foi
legiado de intervenção. Keaton cria um uni-
ramente visíveis no banco Male and Female
dução, o projecto incompleto foi continuado
cie de automatismo, à época muito admirado
particularmente difícil desfazer-se do presun
verso fascinante de cenários que se transfor-
(1999) ou em Eaten Plate (2000), prato mor-
pelo designer, dando origem a HB Drawing
pelos
to, que acabou por icar “ergonomicamente”
mam e adereços fora de escala, com os quais
dido pelo autor. Mais recentemente em peças
Shelf (2005), pequena consola que dá a ilusão
Seguidamente Brízio entra em cena e pinta
um banco, pousando sobre ele a mesma lata
de tinta usada antes por Keaton.
Será interessante analisar esta entrada na obra
interesse em possuir cada objecto.
Keaton atingiu com os seus
uma espé
, que, assente
do outro, identiicando nas posturas dos dois
numa aparente ausência de emoções, dá a ilu
guardado dentro de uma caixa de guitarra até
o humano se relaciona de modo a solucionar
de vestir como Restarted Dress (2005-2008)
de traçar na parede o seu caminho até atingir
autores um discurso humorístico de carácter
são do não reconhecimento da máquina. A an
se tornar insuportável. Esta relação particular
os seus problemas, ainda que de forma provi-
ou nas saias que lhe dão origem, Clothes
a localização certa, ou Sketching Door (2007)
subversivo perante o mundo industrializado.
tropomorização do inanimado foi largamen
e pessoal com os objectos que utiliza quotidia
sória, também aqui as soluções originam uma
Makeup (2005), o corpo físico ou as funções
que transforma a parede numa enorme página
O trabalho de Keaton centra-se no retrato de
te explorada pelos cineastas do modernismo
namente está na base da sua acção enquanto
quantidade de outros problemas. A Casa, lar
corporais tomam maior peso metafórico, con-
pautada, riscando-a sempre que é aberta ou fe-
personagens esmagadas pela
designer, suportando um espí
de intimidade e de rotinas, é explorada como
ferindo evidência à leitura sexual, já latente de
chada. No trabalho de Brízio, o traçado de um
complexidade da sociedade
rito crítico sediado num rei
espaço simbólico, o lugar da acção. O come-
forma subtil em muitas das peças anteriores.
percurso é muitas vezes relector do processo
moderna, particularmente por
nado sentido de humor, e re
diante leva esta ideia ao limite em “One Week”
Retomando Inhabited Drawing Video, encon-
criativo. A obra que melhor traduz esta ideia
máquinas que parecem desu
lecte, ainda que de forma não
(1920), onde a casa assume o protagonismo
tramos referências à obra de Helena Almeida,
é Journey (2005), onde um conjunto de peças
manizar a existência humana
premeditada, o seu posiciona
do ilme. Para Fernando Brízio, a casa cons-
nas séries Pinturas e Desenhos Habitados da
em porcelana fresca é transportado de carro,
sob o pretexto de a facilita
mento perante a máquina que
titui o primeiro reduto de
tomando forma nas defor-
rem. Ninguém funde melhor
o envolve. De Keaton, conta
acção e acaba por condi-
mações provocadas pela
as ameaças e as promessas do
o biógrafo Rudi Blesh que
cionar tanto a escala dos
mundo industrializado, umas
construiu dentro do seu
objectos como determina
vezes vítima, outras vitorio
“E ENTÃO VEDES QUE, POR VEZES,
PARA MINAR A FALSA AUTORIDADE
DE UMA PROPOSIÇÃO ABSURDA QUE
REPUGNA À RAZÃO,
TAMBÉM O RISO PODE SER UM
INSTRUMENTO JUSTO. “
acidentada viagem, no im
da qual, durante a coze-
na MGM um aparelho
a sua escolha. Nas peças
absurdo (parente próximo dos
Window, apresentadas em
lida com este ambiente inu
de Rube Goldberg)
2005, no Pavilhão Branco
manamente organizado. Em
chamado “O Quebra-nozes”,
do Museu da Cidade em
bora nenhum dos dois autores
em que uma noz era transpor
Lisboa, Brízio materiali-
tenha manifestado posições
tada através de uma multipli
za um jogo cenográico
políticas, as suas obras sus
cidade de mecanismos até ser
que poderia integrar um
tentam visões críticas sobre o
inalmente esmagada por uma
ilme de Keaton, sidebo-
mundo mecanizado, ou uma
empilhadora. Para Blesh, a
ards ilusórios emolduram
sociedade dominada por siste
leitura é simples, “O Quebra-
surpreendentes
mas digitais no caso de Brízio,
nozes” representava o pode
para os jardins. Em 1997,
um mundo em que o homem
roso estúdio americano e a
no candeeiro Casa, uma pequena casa vis-
década de 70. O desenho materializa a acção
pondente às palavras lamp e vase deu origem
tem que reaprender a mover-
noz era Buster Keaton. Atra
ta de fora, iluminada por dentro, com toda a
do corpo no espaço, desta vez não na tela ou
aos objectos equivalentes construídos em cha-
se, trabalhar, pensar e amar
vés dos seus ilmes, Keaton
signiicação que acarreta, Brízio revela-nos a
no papel, mas no espaço fílmico, abrindo-o ao
pa de alumínio recortada e a palavra bombom
segundo um novo ritmo, de
projecta não a liberdade cria
visão daquele que será por excelência o seu
exterior. Brízio considera esta peça uma me-
ao objecto construído em chocolate. De todas
so, Keaton, tal como Brízio,
modo a manter-se em sintonia
janelas
UMBERTO ECO, “O NOME DA ROSA”
dura, adquirem coniguração deinitiva. Em Sound
system (2003), o designer
deine um processo de
trabalho que, no limite, se
adequaria a todas as situações. Como num passe de
mágica, bastaria pronunciar a palavra e teríamos
a formulação do objecto.
O gráico de som corres-
tiva, mas sim a luta do homem
espaço operativo, recriando posteriormente
táfora para a função do desenho no processo
as suas obras, talvez esta seja a que melhor
com organismos desadequados às exigências
russo e alemão durante os Anos Vinte, criando
moderno para tentar encontrar, entre o caos do
muitos dos objectos que tradicionalmente o
de design, dar matéria à ideia, ou melhor, ao
preigura uma estratégia subversiva assente
humanas. O interesse pela desmontagem do
uma nova dramaturgia em que objectos e má
trânsito em movimento e da maquinaria de
habitam: copos, garrafas, pratos, mesas, toa-
desejo de concretizar. O valor do desenho no
no humor. A multiplicidade de hipóteses é in-
sistema com a intenção de o conhecer permi
quinas passam a representar papéis principais.
moníaca, um espaço onde esteja a salvo. Não
lhas, bancos, etc. Na relação com os objectos
processo criativo, bem como o do corpo que
inita, línguas, sotaques e entoações diversas
tindo a sua subversão é comum tanto a Brízio
Num contexto temporal e com objectivos dife
sabemos como resolveria Brízio o problema
surge o corpo, habitante primordial da casa,
o habita e lhe confere sentido, toma forma
produziriam milhares de objectos cuja forma
como a Keaton. Desmontando os mecanismos
rentes, também na obra de Brízio encontramos
da noz, ou sequer se resolveria, mas decerto
assumindo a função de mediador, torna-se o
em várias outras peças, através da utilização
dependeria da intensidade do desejo ou da
cinematográicos, o cineasta encontra o seu
vários exemplos de humanização dos objectos:
encontraria uma escapatória inesperada que
único elemento físico que dominamos na re-
do lápis como parte integrante e actuante do
emoção expressas pela palavra. O processo
lugar criando uma linguagem própria, estuda
personiicação, em Tableshirt (2000), a mesa
nos faria sorrir, “Eu considero o sorriso um
lação com o exterior. Também em Keaton o
objecto. Ao conceber o núcleo Seduz da ex-
criativo não dá origem ao objecto, transforma-
o modo de funcionar da câmara, utilizando-a
“veste a camisa branca”, ou animismo, em
critério de qualidade, é uma emoção visível,
corpo é primordial, as suas personagens ten-
posição Catalysts! A Força Cultural do Design
se ele próprio em objecto.
como elemento fundamental na construção da
Pata Negra (2005), o banco assume persona
uma reacção física que me agrada”, airma em
tam sobreviver dentro de um sistema raciona-
de Comunicação, para Experimentadesign
Para Brízio, a valorização do processo cria-
acção e não apenas como dispositivo de regis
lidade animal através das suas formas e quase
entrevista à revista “Intramuros” em 2003. A
lizado, partindo de princípios não racionais, o
2005 no Centro Cultural de Belém em Lis-
tivo em detrimento do objecto, ou a criação
to do desempenho teatral. Já Brízio ultrapassa
podemos imaginá-lo a correr pelo campo. A
procura da salvação através do riso é comum
corpo do comediante funciona como elemento
boa, Brízio propõe uma solução em que os
de objectos que evidenciem o processo que
os constrangimentos criativos da produção
propósito de Pata Negra, é interessante referir
aos dois autores. Num ambiente adverso, tor
dominado e potenciador da acção, revelando
módulos expositores, aparentemente assentes
lhes deu origem, é fundamental - “O objecto
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exposição
Fernando Brízio
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01) Painting a fresco with Giotto #3 (2005)
02) Pata Negra (2005)
03) Eaten Plate (2000)
04) Tableshirt (2000)
04
deve relectir o processo, o erro pode ser um
pictórica, que transpõe para múltiplos objec-
na escultura permite a reprodução em série,
elemento catalisador do processo criativo.”
tos, fazendo-os parecer o que não são. É o
ainda que limitada, dando signiicado à ironia
Esta assunção do erro domina a obra do autor,
caso do banco em trompe l’oeil Alice (2007),
da perpetuação do imprevisto.
dando consistência a uma construção humo-
em que a percepção que temos da peça varia
O humor apresenta-se como estratégia de
rística que assenta, muitas vezes, na memória
conforme o ponto de vista. As pernas do banco
sobrevivência e intervenção, não que o traba-
vivencial do espectador. Memórias de acções,
parecem dobrar-se, esticar ou encolher, con-
lho de Brízio conigure uma piada ou anedota,
comportamentos ou imagens contribuem para
forme o espectador se movimenta. Este jogo
mas porque o humor é usado como forma de
criar situações em que o utilizador projecta
de percepção deve-se à colocação de folhas
libertação, expressando algo de essencial ao
afectividade no objecto que escolhe utilizar,
metálicas na base do objecto que relectem as
ser humano. Tratando de forma subtil as qua-
a escolha é preferencialmente fundamentada
terminações das pernas produzindo uma ilusão
lidades anamóricas dos objectos triviais que
nessa afectividade. Por exemplo, em Restarted
de óptica. Humidity painting - invisible lands-
nos rodeiam, acaba por libertar as inerentes
Dress ou Painting a Fresco with Giotto (2005),
cape (2000), tela feita de um material sensível
qualidades emocionais que lhes atribuímos.
a memória pessoal do autor, de quando dese-
à humidade e à temperatura, que muda de cor
Nos seus objectos, encontramos imagens ou
nhava em casa da mãe e deixava um marcador
em função das alterações climáticas, remete-
sugestões que podem ser relacionadas com
destapado em cima da toalha de mesa pro-
nos para a tradição da pintura de paisagem, o
situações familiares da vida quotidiana, trans-
duzindo uma mancha, é acoplada à memória
registo romântico da natureza ou as superfí-
cendendo a banalidade da sua própria exis-
colectiva da história da pintura. No caso de
cies monocromáticas do minimalismo e da co-
tência ao serem investidos de signiicado. No
Painting a Fresco with Giotto, de forma mais
lorield painting. Em Vase with roots (2007),
sideboard Presence (2005), um pano do pó,
especíica, cria uma analogia entre o proces-
raízes de bronze, um dos materiais clássicos
accionado por um íman, desliza sobre o tampo
so de construção da peça e a pintura a fresco,
da escultura, extravasam um vaso de desenho
cada vez que se abrem ou fecham as portas de
ironizando com o uso das pontas de feltro da
puramente racional. O erro é tomado pelo seu
correr, repetindo uma acção quotidiana. A pre-
marca Giotto. As referências à história da arte
valor representativo, criando um paradoxo si-
sença humana é quase fantasmagórica, a peça
são abundantes na obra de Brízio, sobretudo
multaneamente irónico e poético. Nesta peça,
toma um valor representativo. Usa a estraté-
pela construção ilusória típica da linguagem
o sistema de moldes usado tradicionalmente
gia tradicional da piada, em que a percepção
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05) Window (2005)
06) Viagem (2005)
07 e 08) HB Drawing Shelf
(2005)
09) Sketching door
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deve relectir o processo, o erro pode ser um
pictórica, que transpõe para múltiplos objec
na escultura permite a reprodução em série,
elemento catalisador do processo criativo.”
tos, fazendo-os parecer o que não são. É o
ainda que limitada, dando signiicado à ironia
Esta assunção do erro domina a obra do autor,
caso do banco em trompe l’oeil Alice (2007),
da perpetuação do imprevisto.
dando consistência a uma construção humo
em que a percepção que temos da peça varia
rística que assenta, muitas vezes, na memória
conforme o ponto de vista. As pernas do banco
sobrevivência e intervenção, não que o traba
vivencial do espectador. Memórias de acções,
parecem dobrar-se, esticar ou encolher, con
lho de Brízio conigure uma piada ou anedota,
comportamentos ou imagens contribuem para
forme o espectador se movimenta. Este jogo
mas porque o humor é usado como forma de
criar situações em que o utilizador projecta
de percepção deve-se à colocação de folhas
libertação, expressando algo de essencial ao
afectividade no objecto que escolhe utilizar,
metálicas na base do objecto que relectem as
ser humano. Tratando de forma subtil as qua
a escolha é preferencialmente fundamentada
terminações das pernas produzindo uma ilusão
lidades anamóricas dos objectos triviais que
nessa afectividade. Por exemplo, em Restarted
de óptica. Humidity painting - invisible lands
nos rodeiam, acaba por libertar as inerentes
Dress ou Painting a Fresco with Giotto (2005),
cape (2000), tela feita de um material sensível
qualidades emocionais que lhes atribuímos.
a memória pessoal do autor, de quando dese
à humidade e à temperatura, que muda de cor
Nos seus objectos, encontramos imagens ou
nhava em casa da mãe e deixava um marcador
em função das alterações climáticas, remete-
sugestões que podem ser relacionadas com
destapado em cima da toalha de mesa pro
nos para a tradição da pintura de paisagem, o
situações familiares da vida quotidiana, trans
duzindo uma mancha, é acoplada à memória
registo romântico da natureza ou as superfí
cendendo a banalidade da sua própria exis
colectiva da história da pintura. No caso de
cies monocromáticas do minimalismo e da
tência ao serem investidos de signiicado. No
Painting a Fresco with Giotto, de forma mais
lorield painting. Em Vase with roots (2007),
sideboard Presence (2005), um pano do pó,
especíica, cria uma analogia entre o proces
raízes de bronze, um dos materiais clássicos
accionado por um íman, desliza sobre o tampo
so de construção da peça e a pintura a fresco,
da escultura, extravasam um vaso de desenho
cada vez que se abrem ou fecham as portas de
ironizando com o uso das pontas de feltro da
puramente racional. O erro é tomado pelo seu
correr, repetindo uma acção quotidiana. A pre
marca Giotto. As referências à história da arte
valor representativo, criando um paradoxo si
sença humana é quase fantasmagórica, a peça
são abundantes na obra de Brízio, sobretudo
multaneamente irónico e poético. Nesta peça,
toma um valor representativo. Usa a estraté
pela construção ilusória típica da linguagem
o sistema de moldes usado tradicionalmente
gia tradicional da piada, em que a percepção
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O humor apresenta-se como estratégia de
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Fernando Brízio
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da incongruência entre as expectativas e o que realmente acontece faz
nascer o sorriso. Para que essa incongruência se veriique, a construção
humorística deve basear-se numa situação congruente com comporta
mentos estabelecidos, neste caso a rotina de limpar o pó.
Como airma Umberto Eco, o riso é um sinal de razão, na medida
em que permite aceder a um conhecimento mais profundo. Quando a
comédia se apresenta através de charadas intelectuais ou metáforas, em
que a realidade nos é mostrada segundo formas que normalmente não
17
aparenta, obriga-nos a olhar mais de perto e questionar o que observa
mos, acabando por surpreender-nos com a verdade. Pondo em evidên
cia a arbitrariedade dos rituais ou papéis sociais adquiridos, o humor
21
dá-nos o distanciamento necessário a uma maior clarividência do real,
potenciando mudanças. Liberta a vontade e o desejo de mudar a situa
ção, proporcionando uma alteração signiicativa, ainda que transitória,
do modo como vemos a realidade. Ao desempenhar esta função, altera
efectivamente o convencionado, basta que nos mostre algo que des
conhecíamos sobre nós próprios. A obra de Fernando Brízio revela a
profundidade do que partilhamos uns com os outros, não através de
10) Vase with roots (2007)
11) Restarted dress 2005/ 2008
12 e 13) Sound system (2003)
14) Humidity painting
invisible landscape (2000)
15) Lamp Casa (1997)
16) HB Drawing Shelf (2005)
17) Inhabited Drawing Video (2007)
uma proposição teórica, mas inteligentemente através da utilização do
humor. De forma calma, prática, discreta e ilosóica, convida-nos a
sermos espectadores das nossas próprias vidas.
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18) Stool in trompe l´oeil,
“Alice“ (2007)
19) Clothes MakeUp
20) Painting with Giotto
21) Presence (2005)
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Peças X, Y e Z Cortesia da Galeria ABCD
da incongruência entre as expectativas e o que realmente acontece faz
nascer o sorriso. Para que essa incongruência se veriique, a construção
humorística deve basear-se numa situação congruente com comportamentos estabelecidos, neste caso a rotina de limpar o pó.
Como airma Umberto Eco, o riso é um sinal de razão, na medida
em que permite aceder a um conhecimento mais profundo. Quando a
comédia se apresenta através de charadas intelectuais ou metáforas, em
que a realidade nos é mostrada segundo formas que normalmente não
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aparenta, obriga-nos a olhar mais de perto e questionar o que observamos, acabando por surpreender-nos com a verdade. Pondo em evidência a arbitrariedade dos rituais ou papéis sociais adquiridos, o humor
dá-nos o distanciamento necessário a uma maior clarividência do real,
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potenciando mudanças. Liberta a vontade e o desejo de mudar a situação, proporcionando uma alteração signiicativa, ainda que transitória,
do modo como vemos a realidade. Ao desempenhar esta função, altera
efectivamente o convencionado, basta que nos mostre algo que desconhecíamos sobre nós próprios. A obra de Fernando Brízio revela a
profundidade do que partilhamos uns com os outros, não através de
uma proposição teórica, mas inteligentemente através da utilização do
humor. De forma calma, prática, discreta e ilosóica, convida-nos a
sermos espectadores das nossas próprias vidas.
Fernando Brízio - www.site
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