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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CLAUDIA MENDES SINGULAR E PLURAL Roger Mello e o livro ilustrado Rio de Janeiro 2011 CLAUDIA MENDES SINGULAR E PLURAL Roger Mello e o livro ilustrado Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (Imagem e cultura), Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Artes Visuais (Imagem e Cultura). Orientador: Dr. Amaury Fernandes Rio de Janeiro 2011 M538 Mendes, Claudia Singular e plural: Roger Mello e o livro ilustrado / Claudia Mendes. 2011. 224 f. : il; 29,7 cm. Orientador: Amaury Fernandes. Dissertação (mestrado) – UFRJ/EBA, Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, 2011. 1. Ilustração de livros. 2. Mello, Roger. I. Fernandes, Amaury. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Belas Artes. III. Título. IV. Roger Mello e o livro ilustrado. CDD 741.6 CLAUDIA MENDES SINGULAR E PLURAL Roger Mello e o livro ilustrado Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (Imagem e cultura), Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Artes Visuais (Imagem e Cultura). Aprovada em Dr. Amaury Fernandes Universidade Federal do Rio de Janeiro Dr. Rogério Medeiros Universidade Federal do Rio de Janeiro Dra. Nilma Lacerda Universidade Federal Fluminense Para minha avó Antonietta, que me contava histórias da imaginação e da vida, Para minha mãe Hortência, que me deu livros lindos e entendeu minha fome de arte, Para minha filha Juliana, que embarcou no meu amor pelas histórias contadas, escritas e desenhadas Para minhas netas que um dia virão, a quem contarei histórias como as da minha avó... AGRADECIMENTOS  Antes de mais nada, agradeço ao PPGAV, especialmente à linha de pesquisa Imagem e Cultura, pelo ambiente acolhedor e estimulante para tantas pesquisas que, como a minha, situam-se em zonas limítrofes. Ao meu orientador Amaury Fernandes Jr., por acreditar no meu projeto quando ele ainda era um sonho, e aos demais membros da banca de qualificação, professores Nilma Lacerda e Rogério Medeiros, sempre tão atenciosos e gentis. Aos professores Margareth Mattos e William Braga, pelos comentários incentivadores quando este projeto começou a tomar forma. Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro, que permitiu uma dedicação intensa à pesquisa e a ida a congressos internacionais que muito a enriqueceram. Aos meus queridos colegas de curso, pela convivência afetuosa, democrática e fecunda entre mestrandos e doutorandos, em especial à Elaine, que comigo compartilhou aventuras e desventuras de orientação. A todos os que me apoiaram compartilhando conversas, carinhos, livros, pesquisas, especialmente Teresa Kikuchi, que generosamente disponibilizou seu trabalho de conclusão de curso. À querida Ninfa Parreiras e todas as Letras Falantes, pela alegria do convívio que se mantém mesmo à distância, um estímulo constante. Ao Roger Mello, o melhor “objeto de pesquisa” que pode existir. À querida Bete, sem cujo apoio cotidiano eu não poderia me dedicar aos estudos. Ao Cadu, pelos caminhos compartilhados “na alegria e na tristeza” que muito me têm feito crescer. Ilustração de Jessie Willcox Smith para A Child’s Garden of Verses, de Robert Louis Stevenson, 1905.  Era uma vez uma garotinha curiosa que adorava livros, cresceu e foi estudar design gráfico, na faculdade foi colega de um artista “da pá virada”, trabalhou muito, virou mãe, contou histórias, resolveu estudar mais, conheceu mais gente “da pá virada” e agora vai contar a história desta história... RESUMO  MENDES, Claudia. Singular e plural: Roger Mello e o livro ilustrado. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em artes Visuais). Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. Esta pesquisa examina os livros ilustrados de Roger Mello, um artista que se destaca entre o grupo de ilustradores contemporâneos que vêm afirmando a autonomia artística da ilustração brasileira. Escritor, ilustrador, designer, em seus livros ilustrados nota-se uma fértil interação entre as narrativas verbais e visuais. Investiga-se a natureza e constituição de suas próprias emoções, pensamentos e sensibilidades; os signos que emprega para expressá-las – principalmente os visuais, sem perder de vista sua “convergência intersemiótica” com os signos verbais, característica singular dos livros ilustrados; como suas propostas comunicam-se com outras pessoas – principalmente os leitores em formação, sem deixar de considerar os adultos, mediadores que facilitam o acesso aos livros; e finalmente como esta comunicação ultrapassa os limites da expressão pessoal para construir uma sensibilidade social. As bases teóricas privilegiadas para lidar com o objeto desta pesquisa são a antropologia (especialmente a etnografia), a semiótica e a sociologia da arte, que permitem 1) considerando a ilustração como uma forma de arte e como um sistema cultural, analisá-la para falar da sociedade e 2) considerando a ilustração como uma linguagem – ou seja, um sistema de signos duplamente articulados que exprimem pensamentos – analisar os signos visuais e as mensagens por eles veiculadas. Palavras-chave: Roger Mello, livro ilustrado, ilustração. ABSTRACT  MENDES, Claudia. Singular e plural: Roger Mello e o livro ilustrado. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em artes Visuais). Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. This research deals with picturebooks created by Roger Mello, an outstanding artist among contemporary illustrators that have been affirming the artistic autonomy of Brazilian illustration. Writer, illustrator, designer, he shows in his books a fertile interaction between verbal and visual narratives. Here are investigated the nature and constitution of his own emotions, thoughts and sensibilities; the signs he uses to express them – mainly the visual ones, keeping in mind its “semiotic convergence” with verbal ones, a singular characteristic of picturebooks; how his proposals communicate with other people – mainly young readers, though not forgetting adults that mediate their access to books; and finally, how this communication surpasses the limits of personal expression to constitute a social sensitiveness. The theoretical references used are anthropolgy (mainly ethnography), semiotics and sociology of art, that allow: 1) regarding illustration as an art form and as a cultural system, analyse it to talk about society and 2) regarding illustration as a language – that is, a system of double articulated signs that express thoughts – analyse visual signs and the messages they convey. Keywords: Roger Mello, picturebooks, illustration. LISTA DE ILUSTRAÇÕES  Capítulo 1 Figura 1. Figura 2. Figura 3. Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Capítulo 3 Figura 8. Figura 9. Figura 10. Figura 11. Figura 12. Figura 13. Figura 14. Figura 15. Figura 16. Figura 17. Figura 18. Figura 19. Figura 20. Figura 21. Figura 22. Figura 23. Figura 24. Figura 25. Figura 26. Figura 27. Figura 28. Figura 29. Figura 30. Certidão de nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Carteira de identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Passaporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Páginas de Songs of Innocence and Experience. William Blake, 1789 . . . . . . . . . . 54 Capas americana e brasileira e ilustração de Lenda da Carnaubeira, de Paulo Werneck, 1939. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Tomás Santa Rosa. Capas de livros e estudo para cenário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Caderno de desenhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 Livros ilustrados por ano / tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Livros ilustrados por década / tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Livros premiados por tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106 Capas distribuídas por ano da 1ª edição, reproduzidas em 1/8 do tamanho original (12,5%), mostrando variação de tamanhos e formatos . . . . . 109 Obras constantes do corpus conforme classificação do autor para o prêmio HCA 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 Predominância de texto ou imagem nos cinco livros mais importantes, escolhidos pelo autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 Jardins. Sobrecapa vazada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Jardins. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Jardins. 2ª capa e página 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Jardins. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 Jardins. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 Jardins. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 Meninos do mangue. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 Meninos do mangue. 2ª capa e página 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 Meninos do mangue. Folha de rosto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 Meninos do mangue. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 Meninos do mangue. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 Nau Catarineta. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 Nau Catarineta. 2ª capa e página 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Nau Catarineta. Página do miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Figura 31. Figura 32. Figura 33. Figura 34. Figura 35. Figura 36. Figura 37. Figura 38. Figura 39. Figura 40. Figura 41. Figura 42. Figura 43. Figura 44. Figura 45. Figura 46. Figura 47. Figura 48. Figura 49. Figura 50. Figura 51. Figura 52. Figura 53. Figura 54. Figura 55. Figura 56. Figura 57. Figura 58. Figura 59. Figura 60. Figura 61. Figura 62. Figura 63. Figura 64. Figura 65. Figura 66. Figura 67. Figura 68. Figura 69. Figura 70. Figura 71. Figura 72. João por um fio. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 João por um fio. Guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 João por um fio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 João por um fio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 João por um fio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 Carvoeirinhos. Lâmina em pop up no miolo do livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 Carvoeirinhos. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 Carvoeirinhos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 A flor do lado de lá. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 A flor do lado de lá. Miolo, página em pb . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 A flor do lado de lá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 A flor do lado de lá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 O gato Viriato. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 O gato Viriato. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 O próximo dinossauro. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 O próximo dinossauro. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 Maria Teresa. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Maria Teresa. Falsa guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150 Maria Teresa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150 Bumba meu boi Bumbá. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 Bumba meu boi Bumbá. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 Viriato e o leão. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 Viriato e o leão. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 Viriato e o leão. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 Cavalhadas de Pirenópolis. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 Cavalhadas de Pirenópolis. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 Figura 73. Cavalhadas de Pirenópolis. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 Figura 74. Cavalhadas de Pirenópolis. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 Figura 75. Griso, o unicórnio. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 Figura 76. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 Figura 77. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 Figura 78. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 Figura 79. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 Figura 80. Griso, o unicórnio. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 Figura 81. A pipa. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Figura 82. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Figura 83. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Figura 84. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Figura 85. A pipa. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Figura 86. Todo cuidado é pouco. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 Figura 87. Todo cuidado é pouco. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 Figura 88. Todo cuidado é pouco. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 Figura 89. Vizinho, vizinha. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 Figura 90. Vizinho, vizinha. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 Figura 91. Vizinho, vizinha. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 Figura 92. Desertos. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Figura 93. Desertos. Guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Figura 94. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Figura 95. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Figura 96. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Figura 97. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Figura 98. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172 Figura 99. Desertos. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172 Figura 100. Zubair. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 Figura 101. Zubair. Capa aberta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 Figura 102. Zubair. Orelha com 2 dobras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 Figura 103. Zubair. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 Figura 104. Zubair. 4ª capa dobrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 Figura 105. Zoo. Dobraduras do miolo abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Figura 106. Zoo. Luva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Figura 107. Zoo. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Figura 108. Zoo. Aba esquerda aberta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Figura 109. Zoo. Quatro abas abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Figura 110. Ossos do ofício. Capa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Figura 111. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Figura 112. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Figura 113. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Figura 114. Ossos do ofício. Miolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Sumário  PRÓLOGO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 CAPÍTULO 1 – ROGER MELLO, UM ARTISTA INQUIETO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 1.1 Modos de estar no mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 1.1.1 Brasília, o início de tudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 1.1.2 Rio de Janeiro: primeira estação para ganhar o Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 1.1.3 Carimbando o passaporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 1.2 1.3 “Quero ser um generalista”: questões do seu tempo e lugar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 A ilustração: um olhar emocionado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 CAPÍTULO 2 – O LIVRO (INFANTIL?) ILUSTRADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 2.1 2.2 2.3 2.4 De objeto pedagógico a objeto estético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 Era uma vez no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Mercado editorial e os três níveis da cultura (popular, oficial, de massa) . . . . . . . . . . . 81 Comunicação visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 2.4.1 Ilustração: uma linguagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 2.4.2 Projeto gráfico: um corpo para a alma do livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 CAPÍTULO 3 – NARRATIVAS VISUAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 3.1 3.2 Catalogação da obra (1990-2009) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 Classificação das narrativas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 3.2.1 Quanto ao tipo de autoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 3.2.2 Quanto à interação palavra/imagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 3.2.3 Quanto à temática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 3.3 Repertório visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.4 3.3.5 3.3.6 3.4 Signos icônicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Signos plásticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Referências visuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Técnicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tipografia: a “imagem das palavras” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Projeto gráfico: o livro como objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 111 113 113 114 114 Análise do corpus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187 GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196 APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 ANEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212 14 Prólogo  Dividida entre o risco de quebrar o protocolo acadêmico adotando ao longo deste trabalho um tom narrativo, beirando o literário, e as sensatas advertências de meu orientador, decidi assumir um caminho intermediário – por vezes ligeiramente irreverente, mas não irrefletido, por acreditar que “saber e sabor” caminham de mãos dadas, invocando em meu favor a “bênção” de Roland Barthes (1996). Invoco também Edgar Morin em defesa da incorporação de nossa afetividade “do sul” ao pensamento científico “do norte”1 – afinal, como dizem Freyre (2006), DaMatta (1997) e Canclini (2006), a miscigenação é elemento característico de nossa identidade cultural. Já se vê, pelas companhias que escolho, meu gosto pela aventura em território científico recentemente desbravado, com ainda muito a explorar. Estamos nos domínios da literatura infantil e de seus criadores, seu imaginário, seus entusiastas. Podemos aqui nos aproximar de suas origens – as narrativas mitológicas – e seguir a jornada do herói,2 que parte do domínio do conhecido para realizar tarefas em paragens desconhecidas, trazendo no retorno o fruto de sua jornada para ser compartilhado coletivamente. É chegada a hora, aqui vamos nós... 1 Conferência proferida na Academia Brasileira de Letras – ABL, Rio de Janeiro, em 8 de julho de 2009, data em que completava 88 anos. 2 CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1992. 15 Introdução  O que eu quero com os meus livros é dividir um pouco esse meu olhar que é um olhar emocionado e, de certa maneira, estrangeiro, porque a gente consegue ser um pouco estrangeiro dentro do nosso país. Roger Mello1 Quem não guarda em suas memórias afetivas da infância um “causo” ouvido dos avós, uma história lida à noite pelos pais, um livro descoberto em segredo, o impacto de uma figura desenhada que ganhava vida com a imaginação? Encantamo-nos com as narrativas orais, coletivas, e descortinamos um universo de significados ocultos nas imagens, desvelados em nosso íntimo, empregando um repertório progressiva e imperceptivelmente adquirido, somado às nossas próprias subjetividades, até que chegamos ao universo da letras. De início, elas são as “imagens das palavras” (Joly, 2008, p.110) ouvidas de um narrador/leitor mais experiente, identificadas em letreiros, rabiscadas como construção da identidade na grafia do próprio nome. Depois, um novo encanto surge, um universo de significados fixados em tinta sobre papel (em breve, em pixel sobre tela luminosa?) se desvela ao folhear as páginas de um objeto sedutor – o livro.2 Assim como tantos escritores e ilustradores, meu envolvimento com este objeto é antigo, vem da infância: alfabetizei-me precocemente, por minha própria conta, para não precisar esperar pelo (sempre pouco para meu desejo) tempo livre de que os adultos dispunham para ler em voz alta para mim. Ler as imagens dos livros ilustrados era (e continua sendo) um outro grande prazer oferecido por estes objetos. Sendo leitora entusiasmada, também gostava eu mesma de escrever, e mais ainda de desenhar; gosto que me acompanhou por toda a juventude. Porém, chegada a hora de 1 Entrevista concedida para LEIABRASIL. Disponível online em http://www.leiabrasil.org.br/index. php?leia=depoimentos/depoimento_roger_mello. Acesso em 15 jan. 2010. 2 Sobre o encanto do livro ilustrado, ver OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 16 escolher uma profissão, percebi que não seria capaz de ganhar a vida como artista plástica ou ilustradora, “vendendo” desenhos ou pinturas – para mim, por demais preciosos para serem comercializados. As memórias afetivas de leitora mirim somadas a um interesse crescente pela materialidade do livro levaram-me, na juventude, à escolha pela formação profissional em design gráfico e, na maturidade, ao estudo do livro ilustrado. Assim, tornei-me uma artista gráfica, planejando o aspecto material dos livros, fazendo a conexão entre palavras e imagens e, o melhor de tudo, mantendo estreito contato com os criadores de imagens – os ilustradores. A paixão da infância uniu-se às necessidades práticas da vida adulta. Após uma longa carreira projetando graficamente livros infantis, surgiu a vontade de aprofundar o envolvimento intelectual com estes fascinantes objetos, e também de compartilhar a experiência acumulada com as novas gerações, especialmente com os futuros profissionais ligados ao mercado editorial – editores, ilustradores, designers, críticos, etc –, bem como com pessoas envolvidas com a formação de leitores – professores do ensino fundamental, pais, estudantes, etc. Há no Brasil uma séria deficiência de formação profissional nos muitos aspectos relacionados ao livro infantil, e eu gostaria de unir meus esforços àqueles de tantos outros profissionais e educadores empenhados em contribuir para a melhoria deste cenário. As escolhas materializadas na presente dissertação em Artes Visuais, na linha de pesquisa Imagem e Cultura, refletem algumas preocupações nascidas durante o curso de especialização em Literatura Infantil e Juvenil na Universidade Federal Fluminense – UFF, iniciado em 2007, mas que vêm sendo gestadas ao longo dos muitos anos de prática como designer editorial, desde a graduação em Comunicação Visual na Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do estado do Rio de Janeiro – ESDI/UERJ, em 1987. Nesta conceituada faculdade, tive a oportunidade e o privilégio de conviver com professores e colegas extraordinários, entre eles Roger Mello. Desde então, acompanho com satisfação o trabalho deste artista de múltiplos talentos, seja trabalhando juntos em projetos editoriais, seja apreciando como mãe e contadora de histórias os livros por ele ilustrados e escritos.3 3 Seguimos caminhos paralelos ao redor da literatura infantil: eu como designer gráfica, ele como ilustrador e escritor. Acompanhar sua produção com renovado interesse foi um processo natural: premiado desde o início de sua carreira, atuando em muitas frentes de trabalho, Roger Mello é um artista carismático, talentoso, que pensa criticamente e expressa-se com muita propriedade, participando ativamente de inúmeros eventos relacionados às suas muitas atividades criativas, principalmente aquelas relacionadas ao livro. À medida que o tempo passava, o interesse em examinar mais detidamente suas ilustrações se intensificou – devo ter sido 17 A escolha por este artista deve-se, antes de mais nada, à qualidade e amplitude de suas expressões artísticas. Além de ilustrador, Roger Mello é também escritor e dramaturgo, acumulando prêmios nos muitos campos onde atua.4 Sua múltipla atuação como produtor cultural para a infância, criando textos imagéticos, literários e teatrais, e ainda atuando como mediador de leitura e de criação de imagens junto ao público infantil,5 lhe permite ter um feedback em primeira mão dos receptores. Por sua vez, estes interesses “multimídiáticos” refletem-se na qualidade de seu trabalho, patente na desenvoltura com que transita por estilos pictóricos variados (do figurativismo acadêmico ao expressionismo), o que permite explorar a questão da miscigenação6 – traço característico da cultura brasileira, presente tanto nos temas que aborda quanto nas linguagens que emprega para representá-los. Além disso, Roger Mello pesquisa e tece considerações críticas bastante pertinentes sobre seu ofício e questões a ele correlatas, e as entrevistas realizadas forneceram um rico material para análise, crítica e reflexão. Veremos como sua trajetória de vida, entre pessoas e lugares tão variados, formou-lhe o gosto pelas viagens e por contar histórias para compartilhar suas multifacetadas visões de mundo, destacando a importância dos livros ilustrados entre seus muitos meio de expressão. Roger iniciou sua carreira como autor em 1990 com a publicação do livro de imagens7 A flor do lado de lá, que lhe rendeu o prêmio Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ. Desde então, alterna a criação de ilustrações para textos de outros escritores com a criação de obras onde sua autoria é completa. Os ilustradores brasileiros contemporâneos vêm estabelecendo consistentemente uma linguagem identificada com a cultura nacional, tendência que se consolidou anos 1990. Esta pesquisa examina a obra de Roger Mello, um integrante deste grupo de ilustradores que emprega em seus livros infantis um repertório que incorpora elementos do imaginário bem repetitiva dizendo-lhe isso a cada vez que nos encontrávamos em salões, exposições, lançamentos, palestras e que tais. 4 Prêmios Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), finalista do Prêmio Hans Christian Andersen 2010, do International Board on Books for Young People (IBBY). Ver relação completa no Anexo B. 5 Flipinha, Feira Literária de Santa Teresa (FLIST), Virada Cultural Carioca e Salão do Livro Infantil e Juvenil da FNLIJ são alguns dos mais expressivos. 6 Ver, p. ex., FREYRE (2006), DAMATTA (1997) e CANCLINI (1998). 7 Tipo de livro onde a narrativa é construída apenas por imagens, sem palavras. 18 brasileiro, e que reflete em sua trajetória particular uma questão pertinente a toda uma geração de artistas – a afirmação da autonomia artística da ilustração brasileira.8 No Brasil, a ilustração de livros infantis segue uma trajetória comum às demais artes visuais: partindo de olhares e modelos europeus, desenvolve-se progressivamente uma linguagem nacional própria que, no caso da ilustração, incorpora e miscigena elementos locais como fauna, flora, luz, cor, arquitetura, etnias, vestimentas, além de expressões da cultura popular, como figuras do folclore, narrativas orais, festas, brincadeiras, etc. Embora, na primeira metade do século passado, Monteiro Lobato9 e Cecília Meireles10 já refletissem sobre ilustração e identidade brasileira na produção editorial para a infância, foi a partir dos anos 1970 que estas se tomaram reflexões críticas de alguns artistas que pensam, pesquisam e incorporam elementos da cultura brasileira às suas obras de maneira consciente e intencional, sendo a ilustradora Regina Yolanda Werneck11 uma das pioneiras a escrever e publicar estudos sobre o tema. Lamentavelmente, um dos raros livros de autor brasileiro que têm na ilustração seu tema principal – Ilustração do livro infantil, de Luiz Camargo, publicado em 1995 – encontrase esgotado e incompreensivelmente ainda não reeditado. Recentemente, algumas publicações em português vieram suprir parte da carência de títulos especializados na área, sendo duas delas de autores brasileiros. Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens (2008), do premiado artista brasileiro Rui de Oliveira, que alia a excelência de seu trabalho à erudição de seus conhecimentos acadêmicos, resultado de anos de pesquisa – o autor tem mestrado e doutorado na área. Além das valiosas reflexões do autor, a editora Daniele Cajueiro, da Nova Fronteira, sublinha no prefácio a importância da formação do olhar no contexto da fruição artística para a constituição de cidadãos “críticos e atuantes”. Ainda no mesmo livro, o prefácio de Ana Maria Machado apresenta considerações fundamentais a respeito da importância da ilustração em geral, e do desenvolvimento de uma linguagem genuinamente brasileira em particular. A escritora ressalta que “os próprios ilustradores brasileiros vêm 8 Sobre identidade brasileira na ilustração contemporânea e os ilustradores mais representativos, ver MACHADO, Ana Maria. Fugindo de qualquer nota. In: OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins Boboli. Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 13-25. 9 LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Melhoramentos, 1972. 10 MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil (3. ed.) Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 11 WERNECK, Regina Yolanda. O problema da ilustração no livro infantil. In: KHÉDE, Sonia Salomão. Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico. Petrópolis: Vozes, 1983. 19 desenvolvendo há bastante tempo uma reflexão sobre seu processo criativo e sobre os resultados com ele alcançados. É uma pena que não estejam sendo publicados.” (2008, p. 15) De fato, vivemos um bom momento de reflexão crítica unida à atividade criadora entre nossos ilustradores, e a publicação de O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador (2008), organizado pela pesquisadora Ieda de Oliveira, vem sanar parte da carência apontada por Machado. Publicado pela DCL, o livro traz depoimentos e artigos de destacados profissionais em atividade atualmente, como Angela Lago, Ciça Fittipaldi, Odilon Moraes, Nelson Cruz, Regina Yolanda, Renato Alarcão, Ricardo Azevedo, entre outros. Há que se destacar também dois títulos traduzidos, publicados pela CosacNaify, editora que se distingue pelo apuro gráfico de suas edições em geral, e de seus livros infantis em particular, que têm conquistado importantes prêmios nacionais e internacionais. A editora vem publicando títulos traduzidos que tratam sobre livros ilustrados: Era uma vez uma capa: história ilustrada da literatura infantil (2008), de Alan Powers, apresenta uma história do livro infantil contada a partir de suas capas, em edição fartamente ilustrada; Critica, teoria e literatura infantil (2010), de Peter Hunt, é um excelente trabalho de reflexão teórica sobre a literatura infantil, numa edição revista, ampliada e adaptada ao público brasileiro. Entre os títulos estrangeiros, destacamos, sobre livros ilustrados: How Picturebooks Work (2006), de Maria Nikolajeva e Carole Scott; Words about Images: the narrative art of children’s picture books (1988), de Perry Nodelman; Radical Change: books for youth in a digital age (1999), de Elisa Dresang; e sobre recepção de livros ilustrados: Children Reading Pictures: interpreting visual texts (2003), de Evelyn Arizpe e Morag Styles; e Exploring Students Response to Contemporary Picturebooks (2008), de Sylvia Pantaleo. À escassez de publicações comerciais no Brasil, contrapõe-se o crescente interesse acadêmico pela ilustração, como se pode observar na evolução quantitativa de dissertações e teses voltadas ao estudo do tema. Destacamos o esforço do pesquisador paulista Peter O’Sagae que, como parte de sua pesquisa de doutoramento, mapeou as dissertações e teses sobre literatura infanto-juvenil defendidas nas últimas décadas em universidades brasileiras, dando início ao projeto Livro de Areia.12 O’Sagae compartilha o resultado deste levantamento em um banco de dados com indexações cruzadas, onde até o momento encontram-se listadas 20 teses e dissertações sobre ilustração defendidas entre 1970 e 2007. Sua tese, defendida em 2008 na 12 Disponível online em: <http://dobrasdaleitura.com/livrodeareia>. Acesso em 12 set. 2008. 20 Universidade de São Paulo – USP, incluiu um dos livros de Roger Mello, entre o corpus estudado. Embora outros pesquisadores em nível de pós-graduação tenham também incluído obras de Roger Mello como parte de seus corpora,13 localizamos apenas um trabalho de conclusão de curso (Teresa Kikuchi, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP, 2003) e uma monografia (Rosinha Campos, 27º Congresso Mundial do International Board on Books for Young People – IBBY, 2000) dedicados exclusivamente aos livros ilustrados deste artista, o que confirma o ineditismo desta pesquisa e reforça nosso interesse pelo tema. Há, no livro ilustrado, uma fértil interação entre as narrativas verbais e visuais. O livro ilustrado de qualidade é um suporte privilegiado da convergência de linguagens que podem ser mutuamente enriquecedoras; possível contraponto à polêmica que opõe o declínio das habilidades de leitura à suposta hipertrofia da visualidade na cultura industrial, reduzida a aspectos empobrecedores e massificantes. Para o ilustrador Rui de Oliveira, a leitura consciente e participativa de palavras e imagens é um ato de resistência cultural e social, um elemento de afirmação das identidades locais em um contexto de globalização da cultura industrial: Vivemos uma época de vulgarização da palavra, acrescida da massificação mercantilista e ideológica da imagem. Nestes tempos, mais do que nunca o livro continua sendo um elemento de afirmação da individualidade. Ler de forma consciente e participativa a palavra e a imagem constitui, acima de tudo, um ato de resistência cultural e social. (2008, p. 44) Na formação de leitores de palavras e imagens,14 que se dá fundamentalmente na infância,15 o contato com livros ilustrados que expressem a diversidade e miscigenação brasileiras pode contribuir para ampliar o repertório cultural, favorecendo a formação de uma identidade autêntica nos jovens leitores e o fortalecimento de um senso de auto-valorização individual e coletivo. Investigando a construção de identidades no contexto da globalização contemporânea, há que se reconhecer a importância de formar uma cultura visual além dos estereótipos da cultura de massa e das restrições da cultura oficial, tanto nas crianças quanto nos produtores e 13 Ver referências bibliográficas na p. 187 deste trabalho. 14 Ver MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. 15 Cf. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 12. ed. Campinas, SP: Papirus, 2008, p. 43. 21 mediadores. Acreditamos ser o livro ilustrado um objeto privilegiado para favorecer esta formação, pelas múltiplas possibilidades de interação que oferece: fruição estética, informação, diversão, consciência de si e do mundo, construção de narrativas e produção de sentidos. Assim sendo, o objetivo geral desta pesquisa consiste em identificar nos livros ilustrados de Roger Mello um percurso de desenvolvimento e afirmação de uma linguagem visual própria que expressa a diversidade brasileira e favorece a formação de uma identidade cultural na infância. Para tanto, nos propomos a mapear, analisar e relacionar as temáticas narrativas e o repertório visual dos livros ilustrados de Roger Mello; a evidenciar a evolução de seu repertório visual, partindo do emprego de códigos canônicos ocidentais até chegar a uma linguagem visual própria; a demonstrar como esta evolução reflete o amadurecimento e a afirmação de uma identidade brasileira, questão importante para sua geração; e a sinalizar de que modo a presença destes códigos visuais próprios em livros (objetos portadores do status da cultura oficial) para crianças pode contribuir para a afirmação de suas identidades por meio da valorização da diversidade cultural brasileira. A dissertação trata dos livros ilustrados de Roger Mello, parte substancial da obra deste artista de múltiplos talentos, que se destaca como autor de dupla vocação (escritor e ilustrador) de livros que “também as crianças e jovens podem ler” (Lacerda, 2007, p. 53). Entendendo nosso objeto de pesquisa como parte integrante de um processo de comunicação, recorremos ao esquema proposto por Jakobson (1985) para estabelecer as linhas gerais que orientaram a divisão dos capítulos: 1) Emissor (ou remetente); 2) Mensagem, canal, contexto (ou referente), código; e 3) Receptor (ou destinatário). Logo de início, tornou-se evidente que não seria possível abranger todos estes elementos – estudos sobre a recepção ampliariam excessivamente o escopo desta pesquisa, excedendo o tempo de duração previsto para a conclusão de um curso de mestrado. Além disso, os elementos agrupados no item dois demandavam estudos particularizados, e optamos por dividi-los entre dois capítulos, conforme se verá a seguir. O primeiro capítulo, relacionado ao emissor, trata de pontos significativos da trajetória pessoal e profissional de Roger Mello, com especial destaque para o entrelaçamento de suas experiências de vida e obra, destacando sua atuação como criador de narrativas visuais em livros ilustrados. Examinamos ainda qual o papel da ilustração como meio de expressão artística e profissional, e de que modo a artista forma e emprega seu repertório. 22 No segundo capítulo, tratamos do canal e do contexto, apresentando considerações a respeito dos livros ilustrados, num breve panorama – pontuado por referências ao objeto de pesquisa – compreendendo seu surgimento no século xvi até os dias atuais; as particularidades de produção e recepção no cenário brasileiro contemporâneo; bem como as relações entre as linguagens visual, verbal e gráfica que veiculam suas mensagens. Veremos de que modo a evolução histórica do conceito de infância progressivamente alterou o status dos livros ilustrados, que de objetos pedagógicos no século xvii chegam a ser considerados obras de arte no século xxi. Discutiremos ainda neste capítulo a respeito da ilustração enquanto linguagem, recorrendo às formulações de Saussure (1979), Jakobson (1985) e Barthes (1971) para direcionar nossas considerações e conclusões. O terceiro e último capítulo, contemplando mensagem e código, é dedicado à análise do corpus selecionado, constituído por livros ilustrados nos quais Roger Mello detem a autoria completa (texto e imagem). Relacionando, para cada obra, a linguagem visual empregada e as temáticas narrativas, buscamos demonstrar como a diversificação do repertório visual de Roger Mello reflete o amadurecimento de uma importante questão pertinente ao seu campo de atividade artística e profissional, qual seja a valorização de expressões da cultura brasileira. O trabalho principiou pela pesquisa de gabinete, com o levantamento bibliográfico do referencial teórico, bem como das fontes primárias, que vêm a ser os livros ilustrados de Roger Mello. Nesta primeira etapa, realizamos um levantamento e uma catalogação dos livros publicados dentro do recorte temporal de 20 anos (desde o primeiro livro, publicado em 1990, até 2009), para a subseqüente definição do corpus. Mais tarde, além da pesquisa de gabinete, foram realizadas inúmeras entrevistas com o ilustrador Roger Mello, complementadas por entrevistas com outras fontes, nos âmbitos familiar e profissional, no intuito de contribuir para o esclarecimento de questões específicas surgidas no decorrer da pesquisa. Algumas felizes coincidências vieram beneficiar este trabalho. A primeira delas é que Roger Mello foi indicado pela FNLIJ para concorrer ao prestigioso prêmio Hans Christian Andersen em 2010. Este fato, além de corroborar o acerto na escolha do tema desta pesquisa, colocou o artista em evidência no cenário internacional – o que levou à segunda e terceira coincidências. Sem que tivéssemos combinado previamente, ambos participamos simultaneamente de dois importantes congressos internacionais – o Lectura XXI, em Havana, Cuba, em 2009, e o XII Congresso Internacional do IBBY, em Santiago de Compostela, Espanha, 2010. Nossa convivência próxima nos dois eventos estreitou nossos laços de 23 afinidade, permitiu-me uma aproximação com seus familiares e amigos, bem como com outros especialistas interessados em seu trabalho, além de ter proporcionado a oportunidade de fazer uma observação privilegiada do singular modo de ser e estar no mundo deste artista, que se reflete no dinamismo de suas criações artísticas. Todas estas observações são detalhadas no capítulo um. A seguir, procedemos à seleção, análise e escolha das bases teóricas, com a leitura de bibliografia crítica. Nesta etapa, alguns desafios se impuseram. Há ainda poucos estudos específicos publicados no Brasil tratando da produção e recepção de livros ilustrados. Felizmente, encontramos importantes referências na literatura estrangeira, principalmente nos autores em língua inglesa já mencionados. Ainda assim, fez-se necessário recorrer a estudos mais generalistas – sem dúvida importantíssimos por si sós, mas melhor aproveitados quando complementados por estudos específicos, mais aprofundados. Ao longo do trabalho, esta aparente dificuldade desvelou a vantagem de, em sendo o livro ilustrado ainda pouco estudado em suas especificidades, constituir um campo que efetivamente se beneficia de uma abordagem transdisciplinar, situando-se na interseção de várias bases teóricas. Apontamos então como principais referências a semiologia, a antropologia (especialmente a etnografia) e a sociologia da arte. A estética da recepção, no que concerne ao papel do receptor na produção de sentidos, seria outra base teórica importante a considerar, mas foi excluída pelos motivos já apresentados – ampliar excessivamente o escopo de uma pesquisa de mestrado, comprometendo sua conclusão dentro do prazo previsto. Avista-se, assim, um possível desdobramento deste trabalho em um posterior curso de doutorado. Para proceder à análise do corpus, após a definição das bases teóricas, empreendemos uma classificação das obras, definindo categorias que apontaram o recorte mais adequado. Cabe aqui destacar alguns aspectos, examinados mais detalhadamente no capitulo dois, que direcionaram a opção preferencial, ainda que não excludente, pelo emprego do termo “livro ilustrado” (tradução proposta para o termo picturebook16). Embora se fale comumente em “literatura infantil e juvenil”, “produção editorial para a infância e a adolescência” ou mesmo “livros para crianças”, a caracterização deste gênero literário ainda está longe de conquistar um consenso, e perguntamo-nos mesmo se algum dia chegará a consegui-lo. O critério mais evidente, direcionado pela faixa etária do leitor, apresenta inconvenientes; por outro lado, no período da infância, que vai de 0 a 10 anos de idade aproximadamente, o papel da imagem é 16 Ver HUNT, Peter (2010). 24 fundamental para estabelecer um contrato de comunicação17 bem-sucedido com o receptor. Sendo assim, nossa opção por empregar preferencialmente o termo “livro ilustrado” a “livro infantil” evidencia, ao mesmo tempo, nossa adesão às concepções contemporâneas de infância como grupo social com características próprias, porém de modo algum como etapa “menor” do desenvolvimento humano, bem como pela importância conferida ao aspecto material dos livros, em que pese a sinergia entre narrativas verbais e visuais. Não cabe, portanto, encarar a ilustração como algo ornamental ou acessório em relação ao texto verbal. Tratam-se de linguagens mutuamente enriquecedoras, que merecem estudos particularizados em igual nível de importância. Assim sendo, quando empregamos o termo “leitor”, estamos nos referindo à acepção mais ampla do palavra, que inclui também – e principalmente, neste caso – a leitura de imagens, como bem expõe Alberto Manguel em Lendo imagens (2001). Dentro do contexto de contrato de comunicação, empregamos também o termo “receptor”, utilizado igualmente pela semiótica, que vem a ser uma das bases teóricas privilegiadas na análise de nosso objeto de estudo. Ressalvamos que, embora a palavra possa sugerir uma atitude passiva em relação à mensagem, na verdade a participação do receptor é fundamental na produção de sentido que completa as narrativas, sejam verbais ou visuais, conforme demonstram os estudos da estética da recepção.18 Estas justificativas fazem-se necessárias visto que, nesta pesquisa, a recepção das imagens se dá em torno do suporte livro, e o termo “leitor” poderia trazer o risco de reforçar a impressão de ser a leitura verbal preponderante em relação à leitura de imagens – quando o que se pretende é justamente demonstrar a sinergia entre as duas linguagens presentes no livro ilustrado, como dito anteriormente. Feitos estes esclarecimentos, ainda assim ao longo deste trabalho empregaremos com certa liberdade os termos mencionados, seja para evitarmos repetições desnecessárias, ou para manter em mente a abertura deste campo de estudos, que admite contribuições e abordagens de várias áreas do conhecimento. Ainda a respeito de certas palavras empregadas, ressalvamos que em vários momentos foi necessário empregar expressões de uso corrente no mercado editorial, especialmente termos técnicos mencionados com maior frequência no capítulo três. Tais termos encontram-se 17 Ver OLIVEIRA, Ieda de (2003). 18 Vide ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura: uma teoria do efeito estético, V. 1 e 2. São Paulo: Editora 34, 1996 e 1999 e LIMA, Luiz da Costa (org.); JAUSS, Hans Robert; ISER, Wolfgang et al. A Literatura e o Leitor: textos de estética da recepção. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 25 relacionados no Glossário ao final deste trabalho, acompanhados por uma breve explicação para facilitar seu entendimento. Ao elaborar o anteprojeto para o processo seletivo de ingresso no mestrado, as principais questões que me propus analisar diziam respeito às mensagens visuais das culturas popular, erudita (ou oficial) e industrial (ou de massa) e suas mútuas influências manifestadas no livro infantil ilustrado. Preocupava-me uma certa “colonização” visual, visível nos estereótipos das ilustrações (como as fadas e heroínas sempre louras, tal como menciona Angela Lago19), levando às crianças ideais estéticos estrangeiros. Ao mesmo tempo, constatava um esforço, por parte de um significativo grupo de artistas brasileiros (destacando-se aí Roger Mello), em prol do desenvolvimento e do reconhecimento coletivo de uma identidade nacional nas ilustrações. Esta situação, aprofundada no capítulo dois, é exposta com bastante propriedade pela escritora e acadêmica Ana Maria Machado no prefácio do livro Pelos Jardins Boboli (2008), de autoria do ilustrador Rui de Oliveira. A autora lança também um alerta, que muito me sensibilizou, a respeito da necessidade de estudos críticos sobre a obra de ilustradores brasileiros, vindo ao encontro de minhas próprias percepções enquanto profissional do meio editorial: Os anos 70 e o início dos 80 do século XX ficaram conhecidos como a época do boom da literatura para crianças no país, e hoje esse fenômeno já é totalmente assimilado. [...] A produção de nossos ilustradores não tem sido objeto de estudos críticos de forma análoga ou equivalente ao que tem acontecido com o trabalho dos escritores. E isso está fazendo falta. (MACHADO, 2008, p. 14) Duas bases teóricas foram privilegiadas para lidar com as questões suscitadas pelo objeto desta pesquisa: a antropologia (especialmente a etnografia) e a semiótica.20 Com estas 19 A autora relata um caso acontecido a respeito de seu primeiro livro, O fio do riso (1980): “A heroína é loura, a empregada da sua casa usa uniforme completo. [...] A melhor crítica a esse trabalho escutei, por acaso, de um desconhecido que o folheava em uma feira de livros: ‘Parece que as fadas preferem as louras.’ Comecei em seguida a usar referências mais nossas. Um gosto pela cultura popular veio à tona e passei a referendar meus textos no nosso folclore, embora continuasse a utilizar tons pastéis e linhas suaves nos desenhos.” Disponível online em http://www.angela-lago.com.br/palestra.html>. Acesso em 12 set. 2008. 20 Semiótica e semiologia são termos empregados respectivamente por Charles Sanders Peirce e Ferdinand Saussure para designar a ciência que estuda os signos, desenvolvida independentemente por ambos os pesquisadores nos Estados Unidos (1867) e na França (1906), com ligeiras variações: sendo o primeiro um lógico, sua abordagem pode ser considerada mais filosófica, enquanto que o segundo, um linguista, orienta-se mais para os sistemas de comunicação. Nossa analise segue a linha saussureana, como pode-se constatar pelas referências a seus seguidores, principalmente Roman Jakobson e Roland Barthes, nos capítulos 2 e 3. No entanto, o termo semiótica vem sendo empregado preferencialmente em diversos estudos ao longo do tempo, diminuindo assim as nuances que diferenciam as duas linhas de pensamento. Optou-se, assim, pelo emprego do termo “semiótica” para manter a coerência com as fontes citadas ao longo deste trabalho. 26 duas bases, eu poderia 1) considerando a ilustração como uma forma de arte e como um sistema cultural, analisá-la para falar da sociedade e 2) considerando a ilustração como uma linguagem – ou seja, um sistema de signos duplamente articulados que exprimem pensamentos – analisar os signos visuais e as mensagens por eles veiculadas. No campo da semiótica, Roland Barthes (1971) e Umberto Eco (2001) revelaram-se referências teóricas importantes: o primeiro, pela possível aplicação de seu sistema de análise de peças menos “nobres” do que as das belas artes canônicas – ou seja, anúncios publicitários, peças de design gráfico, fotografias, filmes – para um campo também “impuro”21 das artes visuais, qual seja a ilustração de livros para crianças. Além disso, a análise de anúncios publicitários leva em conta a articulação das linguagens verbal e pictórica – articulação bastante característica dos livros ilustrados. Eco, além de também fazer inspiradoras análises semióticas de histórias em quadrinhos onde articulam-se palavras e imagens, tece considerações críticas bastante pertinentes a respeito da cultura de massa – especialmente quanto às particularidades do mercado editorial em relação aos demais mercados da indústria cultural, por existirem naquele os “homens de cultura”.22 No campo da antropologia, destacaram-se especialmente as considerações de Clifford Geertz (1999) a respeito da arte enquanto sistema cultural, fornecendo-me as bases para analisar a ilustração enquanto sistema cultural. Interessou-me também a etnografia onde, além de Geertz, destaquei James Clifford (2008), com o propósito de observar os objetos/sistemas para falar das pessoas: pareceu-me assim proveitoso observar os livros ilustrados de Roger Mello sob a perspectiva etnográfica, enriquecida pela análise semiótica. Além disso, avistei a possibilidade de identificar no modo de trabalho deste artista um procedimento etnográfico (ainda que nem um pouco intencional). Daí, a leitura de Hal Foster (O artista enquanto etnógrafo, 2005) levou-me à leitura de O artista enquanto produtor, de Walter Benjamin (1994), autor que aliás já apresentava grande interesse por tratar de temas 21 As aspas referem-se a juízos de valor em vias de extinção, dos quais evidentemente discordo. Prefiro enfatizar a “impureza” da ilustração como um fator positivo, que a distancia do “purismo” de valores canônicos restritivos, compartilhando assim a concepção que Roger Mello dá ao termo quando diz ser a ilustração uma “arte impura” (Mello, 2010). 22 Este conceito, exposto pelo autor em Apocalípticos e integrados, (2001, p., 50), será examinado no capítulo 2. Trata-se de uma observação bastante interessante que pude confirmar por minha própria experiência ao longo dos muitos anos trabalhando, como designer, na cadeia produtiva do livro: ao lado de interesses evidentemente comerciais – pois trata-se de um negócio que visa o lucro – existe uma consciência de que o livro é um produto diferenciado, um certo senso de formação de leitores (quando menos, para formar as bases do mercado de consumidores adultos). 27 tão variados e pertinentes para esta pesquisa quanto os expostos em “O narrador” e “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (in Magia e técnica, arte e política, 1994) e Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação (1984). Ao longo do curso de mestrado, o contato com bases teóricas sistematicamente organizadas e o exame dos vários pensadores ligados a cada uma delas trouxe-me ao campo de visão a sociologia da arte. Eu já tivera contato anteriormente com Pierre Francastel (1985 e 1990) e Jean Duvignaud (1970), mas o encontro com Jean-Marie Guyau23 (A arte do ponto de vista sociológico, 2009) identifiquei outra linha à qual recorrer para formular perguntas que suscitassem em meu objeto as discussões e respostas mais interessantes. É consenso entre pesquisadores contemporâneos24 que um bom livro para crianças provoque nelas um certo estranhamento, um desafio que as leve além da zona de conforto, um estímulo para seus sentidos e inteligência. Guyau (2009) nos diz que “o caráter agrádavel ou penoso de uma emoção provém não do primeiro estado mental que lhe serve de prelúdio, mas da atividade da reação interior consecutiva”(p. 81), onde existem “excitações penosas, de início, mas em seguida agradáveis pelo afluxo de força nervosa que elas provocam” (p. 82). Esta é a sensação que nos toma ao examinar um livro como Zubair e os labirintos (Mello, 2007 – ver capítulo três, p. 174), uma obra inusitada e desafiadora, mas que desperta um profundo prazer estético em sua fruição, envolvendo o tato (desenrolar da capa, texturas do papel, manuseio no sentido oriental da leitura); a visão (ilustrações de cores impactantes, formas misteriosas); a evocação de imagens auditivas; a adesão simpática ao protagonista em suas descobertas, fugas, recolhimentos. As propostas narrativas de Roger Mello estão além das experiências rotineiras – seus livros, mesmo os que apresentam-se como objetos projetados segundo modelos tradicionais e bem conhecidos dos leitores, trazem propostas provocativas. Guyau estabelece uma distinção entre os meios diretos e os indiretos de transmitir emoções. Estes últimos seriam “os signos mais ou menos convencionais, que constituem as linguagens” (p. 83), graças aos quais é possível externar as emoções individuais, 23 Mais uma vez, outra feliz coincidência confirmou o acerto das escolhas desta pesquisa: assim como em anos anteriores, em 2010 (05 a 12 de novembro), Roger Mello participou da “18ª Campanha Paixão de Ler”, a convite da Secretaria Municipal de Cultura. Sua participação, que em anos anteriores deu-se em forma de palestra individual em uma das bibliotecas públicas participantes do evento, desta vez aconteceu em dupla com a filósofa Regina Schöpke, tradutora e prefaciadora da edição brasileira da referida obra de Guyau – coincidentemente ex-cunhada de Roger Mello, que com ela compartilha o interesse pela filosofia. 24 COLOMER (2003), KHÉDE (1982), YUNES (1984), ZILBERMAN (2005), entre outros. 28 comunicando-se com outras consciências. Assim, “nossa sensibilidade, que parece nos constituir mais intimamente, termina por tornar-se de certa maneira social” (ibid). Esta é uma importante chave para a leitura que proponho fazer dos livros ilustrados de Roger Mello: a natureza e constituição de suas próprias emoções, pensamentos e sensibilidades; os signos que emprega para expressá-las – penso aqui principalmente nos signos visuais, sem perder de vista sua “convergência intersemiótica” com os signos verbais, característica singular dos livros infantis; como suas propostas comunicam-se com outras consciências – penso principalmente nos leitores em formação, sem no entanto deixar de considerar os adultos, mediadores sem os quais o acesso aos livros dificilmente acontece; e finalmente como esta “comunicabilidade entre as consciências” (ibid) ultrapassa os limites da expressão pessoal para construir uma sensibilidade social – falo aqui de um sensibilidade nossa, brasileira, com todas as dificuldades que o conceito de identidade nacional 25 possa trazer; questão que de resto emerge com bastante força nas obras de tantos outros artistas a partir dos anos 1990,26 embora já presente em décadas anteriores na obra de artistas que se dedicaram também, embora não exclusivamente, à ilustração, como Portinari, Paulo Werneck, Ziraldo, entre outros. Outra importante questão a tratar diz respeito à natureza do livro infantil que, numa concepção que ainda desperta polêmicos debates, vincula-se ao “doce e útil” (Oliveira, 2003). A discussão proposta por Guyau em torno do belo, do agradável e do útil vem ao encontro da evolução histórica na concepção do livro infantil: surgido como objeto pedagógico par e passo com a escola burguesa no século XVII, ressente-se até hoje desta associação eminentemente utilitária que obscurece sua dimensão artística. Defendo então que, de objeto utilitário, o livro infantil assume cada vez mais a natureza de obra de arte, com a possibilidade de converter-se em objeto estético para os leitores (e aí não me limito ao público infantil, visto o interesse que desperta igualmente em adultos). Para o livro ilustrado convergem, além da ancestral arte oral de contar histórias, (onde signos sonoros são explicitadas pela leitura em voz alta) também os signos gráficos (na transposição das imagens sonoras para o código escrito) e os signos visuais (ilustrações e 25 Conceito bastante discutido por autores como FERNANDEZ BRAVO, Álvaro. La Invencion de la Nacion. Buenos Aires: Ediciones Manantial, 2001; BALAKRISHNAN, Gopal. Um Mapa da Questão Nacional. São Paulo: Contraponto, 2000 e ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 26 Situação muito bem descrita por Ana Maria Machado no prefácio de Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens, de Rui de Oliveira (2008). 29 projeto gráfico). Do entrelaçamento destas diferentes linguagens, nasce um universo de significados enriquecido pelo repertório do imaginário do leitor – seja ele leitor de palavras ou de imagens. As imagens de qualquer tipo – aqui, sonoras, gráficas ou visuais – ganham vida quando encantam o receptor.27 Neste ponto, deparo-me com a necessidade de tomar emprestados conceitos das artes plásticas para analisar a experiência estética dos jovens leitores e investigar de que modo as obras de arte – pois assim defendo que sejam os bons livros infantis ilustrados – convertem-se para eles em objetos estéticos. A formação de seu repertório de avaliação do que seja uma obra de arte está ainda em formação, e sabe-se por onde passa: pela tradição canônica das belas artes (realismo figurativo) aliada aos códigos visuais da cultura de massa (desenhos animados, quadrinhos, cartum). Se o cânone é um sistema relativamente fechado, os produtos da cultura de massa têm visual dinâmico mas delimitado pela proposta de serem facilmente reconhecíveis e assimiláveis pelo público. Defendo então que um campo de possível ampliação de repertório seja o livro ilustrado, e sob esta abordagem proponho o exame da obra de Roger Mello, onde nota-se: 1. a evolução do emprego de códigos canônicos para uma linguagem pós-moderna, no melhor sentido do termo: livre associação (colagem) de estilos, com a particularidade de incluir a narratividade entre suas características; 2. a particularização de uma tendência de sua geração: a valorização de expressões da cultura local, contrabalançando a hegemonia de uma estética globalizada; e 3. a miscigenação característica da identidade brasileira (se é que se pode arriscar a apontar um item consensual na complexa definição de identidade brasileira), que reúne e reprocessa referências variadas em produtos culturais com uma marca própria. Por tudo isso, vemos nos livros ilustrados de Roger Mello obras de arte das quais crianças, jovens e adultos podem fruir enquanto objetos estéticos, em benefício de suas sensibilidades, para tornar a vida mais colorida. E, apenas como um “bônus extra”, o benefício utilitário: a leitura forma cidadãos críticos, mais conscientes de si e do mundo em que vivem, e de seu lugar nele, facultando-lhes acesso a melhores condições de vida – seja por meio da educação formal, seja por meio da aquisição de conhecimento e informações com leitura da mídia impressa ou de documentos oficiais, seja por meio da leitura literária. Nas palavras da 27 Cf ARHNEIM, Rudolph. Sobre uma adoração. In Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 30 escritora, professora e pesquisadora Nilma Lacerda: “Num país como o nosso, meu caro amigo, construído na desigualdade social e nas mentiras políticas, o bom livro para a criança e para o jovem é, não tenho dúvida, um projeto de nação” (2000, p. 29). Se a vida sem a arte continuaria possível, porém “mais cinzenta e algumas coisas não poderiam mais ser ditas” (Geertz, 1999, p. 146), porque não oferecer às crianças e jovens a oportunidade de contato com formas diversificadas de arte? Para isto, considero o livro ilustrado um objeto privilegiado e potencialmente democratizador,28 considerando as vastas dimensões do Brasil e a concentração de renda e de opções culturais nos grandes centros urbanos, aos quais uma pequena parcela das crianças brasileiras tem acesso, seja por distanciamento geográfico ou socioeconômico. Ao longo deste trabalho, vamos examinar a valiosa contribuição de Roger Mello na melhoria deste cenário. 28 No sentido de “colocar-se ao alcance do povo, da maioria da população” (HOUAISS, 2009, p. 612). 31 CAPÍTULO 1 Roger Mello, um artista inquieto  A antiga coordenação da alma, do olhar e da mão [...] é típica do artesão, e é ela que encontramos sempre, onde quer que a arte de narrar seja praticada. Walter Benjamin 1 Desenvolver uma pesquisa sobre a obra de Roger Mello trouxe vários desafios. O primeiro deles diz respeito à amplitude das obras criadas por este artista. Roger é um artista plural, que expressa seus variados interesses em meios tão variados quanto literatura, ilustração, design ou dramaturgia. Na linha do narrador “marinheiro comerciante” de Benjamin (1994), Roger Mello explora o mundo como um generalista, no sentido de não se limitar a um meio de expressão artística. Porém, mais do que ser um generalista, importa o que fazer deste conhecimento amplo: ser um narrador, exercer sua “faculdade de intercambiar experiências” (op cit, p. 198). A narrativa é o que mais lhe interessa, sem limitação de suporte. Este interesse pela narrativa mostra um aspecto fundamental de sua personalidade: Roger Mello gosta de gente – e é correspondido. Desde a infância, Roger faz-se querido em suas relações sociais. Isto fica muito claro a partir das entrevistas realizadas ao longo desta pesquisa com familiares, amigos e parceiros profissionais. Dentro de sua rede de relações sociais e profissionais, um grupo muito especial se destaca: as crianças. Sem qualquer concepção edulcorada da infância, Roger Mello dirige-se e relaciona-se com seus jovens leitores compartilhando de sua visão de mundo sem preconceitos. Esta visão da infância fica evidente nos livros ilustrados que cria – obras inovadoras, sofisticadas, desafiadoras, que incorporam tanto referências das artes plásticas quanto da arte popular, bem como da cultura de massa. Dentre os variados suportes nos quais se expressa, estas obras apresentam uma oportunidade muito especial de investigação. Por sua própria natureza, compõem-se pela interação de imagens verbais, sonoras e visuais, acrescidas ainda 1 BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Obras Escolhidas I: Magia e Técnica, Arte e Política. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994c. p. 197-221. 32 das sensações táteis e olfativas que se tem ao manusear um livro. Assim, eleger seus livros ilustrados como objeto de pesquisa revelou-se uma escolha extremamente recompensadora. Roger Mello realiza a proeza de, em não se prendendo a convenções, ser praticamente uma unanimidade no que se refere à aceitação de seu trabalho. Tanto especialistas quanto o público infantil recebem suas propostas com vivo interesse. Coincidentemente, ambos são grupos com corpos de referências extensos – os especialistas, por exercerem uma avaliação crítica que amplia seu repertório; e as crianças por ainda não terem cristalizado um corpo de referências e estarem em processo de construção deste repertório. Já entre o público adulto leigo – pais e alguns professores –, onde predominam critérios de avaliação orientados pelo senso comum, mais conservadores e restritos, encontra-se alguma resistência principalmente às suas propostas mais inovadoras.2 Ressaltando a importância da contextualização social de seus livros ilustrados, lamentase a impossibilidade de estender a investigação ao campo da recepção neste momento, o que extrapolaria o escopo da proposta desta pesquisa. Ainda assim, esta permanece sendo uma importante questão a ser aprofundada em futuros trabalhos. Outro desafio liga-se a um dos cuidados recomendados por François Laplantine (1999) em relação à pesquisa de campo etnográfica por meio da observação participante: o de aproximar-se excessivamente do objeto de pesquisa e misturar-se com ele. Ao longo dos dois anos de duração desta pesquisa (2009 e 2010), a convivência com Roger Mello tornou-se cada vez mais estreita3 em inúmeras conversas, entrevistas, viagens, acontecimentos profissionais e sociais. Assim, desfazer a proximidade afetiva com o objeto, de modo a evitar distorções que pudessem trazer prejuízos à neutralidade desejável em uma pesquisa científica, revelou-se tarefa tão necessária quanto difícil. Por outro lado, a fácil identificação com o universo profissional de Roger Mello minimiza as dificuldades inerentes à “tradução” necessária entre as línguas faladas por observador e observado, como explica James Clifford: 2 3 Sobre questões relativas ao estilo na arte, ver GOMBRICH, Ernest Hans. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. Pertencendo à mesma geração nascida nos anos 1960 e conhecendo-nos desde os anos 1980, quando cursávamos a mesma faculdade, partilhamos de uma série de memórias afetivas e visões de mundo, o que, por si só, já constituiria uma ponte de identificação entre observador e observado. Mais do que isso, temos em comum também uma parte substancial de nossas práticas profissionais, qual seja o design de livros, especialmente os infantis. Conhecemos intimamente o universo da edição e produção de livros no Brasil, bem como suas implicações sociais e repercussão internacional. 33 A observação participante obriga seus praticantes a experimentar, tanto em termos físicos quanto intelectuais, as vicissitudes da tradução. Ela requer um árduo aprendizado linguístico, algum grau de envolvimento direto e conversação, e frequentemente, um ‘desarranjo’ das expectativas pessoais e culturais. (2008, p. 20) Para efeito dos registros etnográficos desta pesquisa, ser designer gráfica por formação e prática profissional situa-me em um lugar bastante confortável dentro da cadeia produtiva do livro, localizado na vizinhança imediata dos ilustradores:4 perto o bastante para falar a mesma língua, porém longe o suficiente para não me confundir com eles. Estas aproximações e distanciamentos são fundamentais no processo de construção do universo de significados por meio da observação participante, que serve como uma fórmula para o contínuo vaivém entre o “interior” e o “exterior” dos acontecimentos: de um lado, captando o sentido de ocorrências e gestos específicos, pela empatia; de outro, dá um passo atrás, para situar esses significados em contextos mais amplos. Acontecimentos singulares, assim, adquirem uma significação mais profunda ou mais geral, regras estruturais, e assim por diante. Entendida de modo literal, a observação participante é uma fórmula paradoxal e enganosa, mas pode ser considerada seriamente se reformulada em termos hermenêuticos, como uma dialética entre experiência e observação. (Clifford, 2008, p. 32) A extrema facilidade na etapa inicial de mergulhar no universo do observado, tornandose “um deles”, trouxe uma dificuldade proporcional na etapa seguinte, a de alhear-se para empreender uma análise “de fora”, pois a adesão e os laços afetivos aprofundados neste processo foram de tamanha intensidade que proceder a uma análise crítica isenta revelou-se tarefa tão trabalhosa quanto imprescindível, uma vez que é necessário certificar-se que, “qualquer que seja o ponto de vista que adotarmos, nossa pesquisa irá satisfazer padrões do bom trabalho científico, que nossas simpatias não tornarão nossos resultados sem validade.” (Becker, 1977, p. 133) Seguir inicialmente um roteiro etnográfico (Mauss, 1993) foi fundamental para “observar e classificar” todo um amplo espectro de acontecimentos relacionados a este multifacetado objeto de pesquisa para, mantendo a necessária adesão ao universo observado, dele distanciarme o suficiente de modo a não comprometer a objetividade das observações. Além destas dificuldades subjetivas, Mauss fala das dificuldades materiais a superar “1) recorrendo a informantes conscientes, que tenham memória dos acontecimentos; [...] 2) 4 Para uma descrição pormenorizada da cadeia produtiva do livro, ver HASLAM, Andrew. O livro e o designer II. Como criar e produzir livros. São Paulo: Rosari, 2007. 34 colecionando e catalogando os objetos. O objeto é, em muitos casos, a prova do fato social” (1993, p. 23). A primeira recomendação é seguida neste capitulo, para o qual as principais fontes foram entrevistas semi-estruturadas e conversas informais realizadas com familiares e amigos, além do próprio Roger Mello, bem como entrevistas concedidas anteriormente pelo artista a outros pesquisadores e veículos de comunicação. Dentre estes, destaca-se a entrevista realizada por Teresa Kikuchi em 2003 e o dossiê preparado pelo artista para o prêmio Hans Christian Andersen 2010, ambos gentil e generosamente cedidos por seus autores. Em realidade, foi muito boa a acolhida por parte de todos aqueles que foram consultados em busca de informações a respeito de Roger Mello, o que por si só revela muito da aura de positividade que emana deste artista, como ficará evidente no decorrer deste trabalho. Também a preciosa oportunidade de viajar com Roger Mello e sua família em duas ocasiões diferentes (2009 e 2010) permitiu observar a dinâmica de relacionamento familiar a partir de um lugar “neutro”, sem invadir o espaço doméstico, mas ao mesmo tempo experimentando o tipo de ambiente afetivo que cercou Roger Mello nos anos iniciais de sua vida (e que assim prossegue na idade adulta). Foi possível também verificar o olhar “inquieto”5 com que Roger Mello mira os lugares por onde passa, o modo como abastece e amplia seu repertório visual, e, mais ainda, a maneira como se relaciona com as pessoas em contextos variados. A segunda recomendação, quanto à coleção e catalogação de objetos, aparece mais adiante, no capítulo três, quando se trata dos livros ilustrados de Roger Mello. A abordagem semiológica mostrou-se bastante proveitosa, indicando como proceder a uma rigorosa taxonomia do “universo caleidoscópico de signos, códigos e repertórios que compõe o cenário” (Medeiros, 1998) destas multifacetadas obras, permitindo uma análise em etapas sucessivas, e posteriormente unificadas. Estes foram, portanto, dois cuidados fundamentais desta pesquisa: estabelecer parâmetros consistentes para a seleção e interpretação das observações de campo e, posteriormente, delimitar e analisar o corpus por meio de escolhas criteriosas. 5 Este é um termo empregado por Ziraldo para referir-se ao modo de ser de Roger Mello, retirado de uma citação que será reproduzida integralmente a seguir. 35 1.1 MODOS DE ESTAR NO MUNDO Longe de ser o elemento mais simples do social – seu átomo irredutível – o individuo é igualmente uma síntese complexa dos elementos sociais. Franco Ferrarotti6 Em Mozart, sociologia de um gênio (1995), Norbert Elias fala da impossibilidade de se dissociar o desenvolvimento pessoal do desenvolvimento criativo de um artista, sublinhando a importância de se levar em conta simultaneamente suas vida e obra – incluindo a formação afetiva na infância e juventude – bem como observar as condições materiais e sociais da realização de seu trabalho e do relacionamento com o público, uma vez que todos estes são componentes fundamentais e interrelacionados em suas biografias. Elias relaciona a crônica necessidade por amor e reconhecimento, originada na infância de Mozart e nunca plenamente satisfeita na idade adulta, às adversidades enfrentadas pelo músico em seus anseios por uma expressão artística autônoma. Na biografia de Roger Mello, ao contrário, é notável a sinergia entre afeição familiar e talento criativo – importante para explicar, ao menos em parte, a boa aceitação de suas propostas estéticas inovadoras, por vezes desconcertantes para uma parcela do público acostumada a fórmulas consagradas. De fato, examinar a trajetória pessoal de Roger Mello, começando pelo ambiente doméstico, nos revela muito a respeito de seu modo de trabalhar e criar. Alguns dos traços marcantes de seus livros ilustrados – ausência de preconceitos, relações afetivas, horizontes amplos – podem ser notados em sua história familiar. Outros dois importantes pontos na infância do artista que podem ser relacionados à atividade criativa estão ligados 1) ao espaço geográfico e social de sua cidade natal, Brasília (especialmente seu projeto urbanístico, a natureza marcante do cerrado e a diversidade cultural de sua população) e 2) a uma experiência de contato e expressão artísticos livres de preconceitos e amarras, dentro da proposta pedagógica inovadora de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. 6 Tradução livre do original em francês: Loin d’être l’élement lê plus simple du social – son atome irréductible – l’individu est également une synthèse complexe dês elements sociaux. FERRAROTTI, Franco. Histoire et histoires de vie: la methode biographique dans lês sciences sociales. Paris: Librairie des Meridiens, 1983, p. 65. 36 1.1.1 Brasília, o início de tudo Roger nasceu em Brasília em 1965, o mais novo de três irmãos (Sandra, 1958 e Marcelo, 1963). Seus pais fizeram parte da geração de pioneiros na formação da nova capital, criada como parte da plataforma desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek em busca de um Brasil mais progressista e integrado: “50 anos em cinco” era o lema de seu Plano Nacional de Desenvolvimento, também chamado de Plano de Metas.7 A mãe de Roger, Mariadyr, vinda de família sergipana, mudara-se aos vinte anos para o Rio de Janeiro, onde Figura 1. Certidão de nascimento conheceu Manoel, de família mineira, que também mudara-se na juventude para a então capital do país. O casal compôs um bem distribuído equilíbrio de energias: Mariadyr, enérgica e decidida, conta que Manoel era tranquilo, acolhedor: “Meu marido era muito religioso, ele era Congregado Mariano antes de casar [...] todo mundo queria muito bem a ele, era uma pessoa muito tranquila, dificilmente perdia a calma” (M. Mello, 2010). Se hoje nota-se em Roger muito da energia impulsiva da mãe, o temperamento acolhedor do pai revela-se na facilidade com que faz e mantém amizades. Atraídos pelas boas perspectivas de trabalho oferecidas aos que se interessavam pela transferência para a nova capital, na época um canteiro de obras em plena exuberância natural do cerrado, o jovem casal mudou-se com sua primeira filha, então com apenas 1 ano e 2 meses de idade: 7 Para mais informações sobre a criação de Brasília, ver SILVA, Suely Braga. O Brasil de JK. 50 anos em 5: o Plano de Metas. CPDOC/FGV. Disponível online em: http://cpdoc.fgv.br/producao/ dossies/JK/artigos/ Economia/PlanodeMetas# e OLIVEIRA, Lúcia Lippi. O Brasil de JK. Brasília, a meta-síntese. CPDOC/FGV. Disponível online em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Brasilia/ Meta-sintese. Acesso em 22 jan. 2011). 37 Nós tivemos um incentivo muito grande do governo. Quem vinha para cá recebia, além de moradia, dois salários, porque ninguém queria sair do Rio de Janeiro para vir se meter aqui no cerrado. [...] A vida era muito difícil, não tinha nada. Tudo era terra vermelha, poeira, construção, os edifícios surgindo da noite para o dia. [...] A gente ia fazer compras na Cidade Livre [hoje chamada de Núcleo Bandeirante], onde moravam os operários, em casas de madeira, porque a gente não tinha um mercado, não tinha nada. (M. Mello, 2010). As dificuldades não desanimaram o casal, e foram superadas com o apoio da coesão familiar. Precedidos na mudança por Cantídia, irmã mais velha de Mariadyr que já se transferira para trabalhar em Brasília e incentivou a mudança da irmã mais nova, ao grupo familiar juntou-se Lourdes, mãe delas. Foi a melhor coisa que nós fizemos na vida! Porque nos deu uma estabilidade muito boa, melhoramos muito a situação financeira. [...] Minha irmã já estava aqui. Ela veio primeiro, antes da inauguração, no início de abril. Manoel veio logo depois dela, e eu vim em junho com a mamãe. Para nós foi ótimo, porque mamãe me ajudava muito. Eu trabalhava dois expedientes, então ela ficava com a Sandra. (M. Mello, 2010). Enquanto Manoel e Mariadyr trabalhavam com afinco para consolidar o bem-estar da família, Lourdes cuidava dos netos, dedicando uma afeição toda especial (e mútua) ao caçula da família: “a mamãe era doida pelo Roger” (M. Mello, 2010). Figura arquetípica de avó, foi uma referência marcante na vida de Roger Mello: “Eu tinha um xodó com a minha avó. Ela contava histórias de bichos, sempre tinha bichos.” (Mello, 2010) Longe de representar um isolamento geográfico, o novo endereço da família nuclear reforçou os laços afetivos da família ampliada: tios, primos, avós, amigos “adotados” de outros estados e países formam até hoje um grande grupo que se apóia mutuamente. Em comum entre todos, o bom-humor e o apreço pelas relações afetivas, que transforma amigos em integrantes da família – como foi possível constatar durante a condução desta pesquisa, situação que será descrita pormenorizadamente mais adiante. Se hoje Roger Mello declara querer ser “um generalista” (ver item 1.2 a seguir), pode-se identificar as raízes deste interesse amplo pelo mundo em seus relatos sobre a infância. A natureza exuberante do cerrado, tão presente na cidade em sua fase de implantação, marcou fortemente Roger Mello por toda a vida e se revela em inúmeros de seus trabalhos. A diversidade é uma das características de Roger, capaz de trabalhar tanto com temas da cultura popular do interior quanto dos centros urbanos. Os anos longe de Brasília, garante ele, não foram suficientes para lhe roubar as referências da cidade. 38 ‘‘De alguma forma, Brasília está na paleta de cores que uso e na multiplicidade de temas, por ter muitas culturas convivendo.’ (Alethea Muniz. Correio Braziliense. Brasília, 10 abr. 2002, p. 27) 8 O menino Roger estava sempre às voltas com plantas e animais em suas incursões pelas redondezas. Acompanhado nos passeios por seu pai, que atendia de bom grado aos pedidos insistentes do filho, Roger trazia na volta exemplares concretos ao mesmo tempo que impregnava seu “museu imaginário” com imagens dos ecossistemas locais (e que viria a ser inspiração para seu trabalho de graduação, como veremos adiante). Animais e plantas, nossa, eram uma paixão. Roger ia para o jardim, pegava tudo quanto era bichinho e levava para dentro de casa. [...] A alegria dele era essa. Tinha muita mata nessa região, tinha riozinhos [...] O pai dava muita força, porque gostava também, então ia com o ele. Era muito fácil o Roger conseguir levar o pai para todo lugar que queria. (M. Mello, 2010) Na infância, a “concorrência” entre os irmãos era desestimulada pela avó: “Ela dizia ao Roger ‘Meu filho, não brigue com os primos e com os irmãos, não brigam dois quando um não quer!’ e ele sempre atendia ao que ela falava.” (M. Mello, 2010). Na idade adulta, a convivência se mantém próxima, a despeito da distância espacial, já que Roger é o único que mora fora de Brasília. Marcelo, o irmão do meio, é empresário e costuma acompanhar Roger em muitas de suas viagens, como aconteceu nos congressos em Havana (2009) e em Santiago de Compostela (2010). Sandra, a mais velha, que também mora em Brasília, conserva na maturidade um certo tipo de magnetismo natural que exerce sobre os irmãos desde a infância, conforme relata Mariadyr: “ela sempre foi uma liderzinha”. Arquiteta com mestrado e doutorado na área, compartilha com Roger de um tipo de sensibilidade visual aguçada. Fez o projeto arquitetônico de reforma do apartamento onde o artista mora, no Leblon, Rio de Janeiro, e interessa-se pelos projetos editoriais do irmão caçula, a exemplo da ilustração final do livro Fita verde no cabelo (1992): “A minha irmã teve uma participação naquela ilustração, porque eu botava a menina no final com as casas todas jogadas no chão de cabeça pra baixo. E ela achou muito pesado aquilo, aí eu botei elas flutuando, perdendo o chão” (Mello, 2010). Outra das experiências marcantes na infância de Roger Mello diz respeito à expressão criativa. Como parte do projeto urbanístico inovador implantado em Brasília, do qual participou Oscar Niemeyer, estavam as escolas de bairro. Com projeto pedagógico idealizado 8 Ver dossiê Hans Christian Andersen 2010 no Anexo B. 39 por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, estas escolas ofereciam, além do ensino tradicional, aquilo que Roger Mello chama de “escola de criatividade” (2010). Eram aulas em período diferenciado, nas quais todos os alunos eram incentivados a se expressar criativamente por vários meios: [...] fiz um curso experimental que vale a pena ser citado. Eu era pequeno nessa época. Nesse curso não chamávamos as professoras de tia, era o nome próprio, a Bia e a Zezé. A gente chamava as professoras pelo nome, porque elas falavam assim: “Aqui todo mundo é artista”. E a gente tinha que se tratar de uma maneira adulta, profissional. Nós podíamos fazer qualquer coisa ali, a única coisa que não podíamos fazer era copiar. Elas diziam: “Você copia em casa, aqui você tem espaço e material e deve criar”. Era legal essa filosofia, isso me afetou profundamente. Íamos para o lado de fora da sala, um monte de crianças, e elas diziam assim: “Agora quero que vocês desenhem o som que escutarem”. Aí, nossa! Fundia a cabeça da gente, não era como desenhar um grilo, tínhamos que nos virar, era o som. Destravava tudo. (Mello, 2003, p. 27-28) É interessante assinalar aqui os contrastes e contradições manifestados nos cenários social, político e econômico percorridos por essa geração, da infância à idade adulta. Nascem na década de 1960, marcada no Brasil pelo golpe militar que sucedeu aos movimentos de Juscelino Kubitschek pela rápida modernização do país e que reprimiu possíveis anseios socialistas. Especialmente em Brasília, estes contrastes assumiam uma forma extrema, quando aos projetos anteriores se contrapôs o regime de repressão e censura instaurado pelo golpe militar de 1964. A experiência do silêncio na infância e adolescência de Roger Mello, durante os “anos de chumbo”, teve um efeito peculiar na sua leitura de mundo: A gente não podia falar, não entendia por que as pessoas foram presas. Eu era criança na época, e falavam em leituras que eram proibidas e tal. O engraçado é que Brasília foi feita por um monte de socialistas e logo depois veio a contradição, que foi o golpe. E aí o que aconteceu? Acho interessante é que na obra – principalmente a obra de arte, a própria arquitetura do Niemeyer, de diversos artistas – os conceitos do Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, enfim, aquilo estava encruado. Então nós viramos um pouco, nessa fase silenciosa, uma cambada de leitores de imagens. (Mello, 2003, p. 30) Muito deste clima pode ser percebido em seu livro de imagens (sem palavras) A pipa (fig. 81), que mostra o contraste entre os cenários naturais amplos e multicoloridos, onde um personagem solta pipa, e a súbita intervenção de elementos hostis, em formas cheias de arestas e cores sombrias.9 9 Ver ilustrações e análise visual deste livro no capítulo três, p. 164. 40 A mesma geração que nasceu nos revolucionários anos 1960 – sucessores dos “anos dourados” e logo substituídos pelos opressivos “anos de chumbo” –, viu surgir os movimentos contestadores no meio estudantil, o flower power e o florescimento de formas artísticas que driblavam criativamente a censura, destacando-se, no campo da literatura infantil, as autoras Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Lygia Bojunga, como se verá no capitulo dois. Os anos 1980, marcados pela retomada democrática, entre a rearticulação política e o entusiasmo pelas “Diretas Já”, assinalam o momento de escolha profissional para a geração de 1960. Para Roger Mello, este foi um momento de importantes decisões. Já então às voltas com múltiplos interesses, fez um teste vocacional para auxiliar na opção por uma carreira a fim de prestar vestibular para a Universidade de Brasília (UnB), melhor instituição de ensino superior então disponível na cidade. Além das artes visuais, curso inexistente na UnB, o teste apontou Agronomia como uma das possibilidades. Roger Mello fez então o vestibular, foi aprovado e começou o curso em 1983. No entanto, apesar de todo seu interesse por plantas e animais, o curso estava longe de mantê-lo motivado. Mariadyr, preocupada com o desânimo do filho, dividia a preocupação com amigos e parentes, até que uma tia do Rio de Janeiro telefonou com uma notícia: havia tomado conhecimento de um vestibular para Design na Faculdade da Cidade, quem sabe Roger não se interessaria pelo curso? A gente ver um filho infeliz é uma coisa ruim, né? Ele estava infeliz. Às vezes eu falava “Ih, Roger não está gostando dessa faculdade”. Mas a gente também não sabia que solução podia dar, aqui não tinha a faculdade que ele queria. Aí essa tia dele liga lá do Rio para saber, para dizer que tinha esse vestibular, você vê as coisas como são? É Deus quem mostra. (M. Mello, 2010) 1.1.2 Rio de Janeiro: primeira estação para ganhar o Brasil Com o apoio da família, Roger Mello fez e foi aprovado em novo vestibular, mudando de carreira e de cidade, uma mudança que seria definitiva em sua vida. O apoio emocional da família materializou-se em apoio financeiro. A avó emprestou seu antigo apartamento Figura 2. Carteira de identidade 41 no Rio de Janeiro e os pais custeavam as despesas cotidianas, além das mensalidades da nova faculdade particular: “minha mãe tinha um apartamentinho no Rio, aí ele ficou lá. Veio sozinho mesmo, se virou sozinho e não reclamava de nada, não pedia nada, a gente é que sabia, que acompanhava, mas ele nunca exigiu nada. O Roger tem um temperamento muito bom.” (M. Mello, 2010) Demonstrando indisfarçável satisfação pela autonomia e responsabilidade demonstradas pelo filho mais novo, Mariadyr conta que, por iniciativa própria, Roger decidiu prestar mais um vestibular, desta vez para a conceituada e concorrida ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, escola pioneira no ensino do design na América Latina:10 “Ele fez outro vestibular para a UERJ, que era gratuita, e passou, aí largou a outra. Isso foi iniciativa dele, já estava feliz da vida, porque estava fazendo aquilo que gostava”. Esta faculdade, com currículo inspirado pelas escola alemã Bauhaus,11 privilegiava uma abordagem funcionalista para soluções projetuais – um modelo de certo modo limitador para a sensibilidade artística de Roger Mello, que encontrou maior identificação com os professores das disciplinas de desenho artístico, especialmente Amador Perez e Roberto Eppinghaus (Mello, 2010). Seu trabalho de conclusão de curso, orientado por Silvia Steinberg, trazia uma proposta inusitada para os padrões funcionalistas da escola e mostrava uma inconformidade com seus paradigmas: uma análise dos sistemas de comunicação visual desenvolvidos pelos ecossistemas do cerrado, que incluiu a realização de pranchas desenhadas mostrando a interação entre plantas e animais. Uma proposta arrojada, desafiando as 10 11 A título de curiosidade, pode-se citar mais um ponto de convergência entre dois lugares essenciais na formação de Roger Mello – Brasília e ESDI. Na época de nosso ingresso na ESDI, em meados dos anos 1980, sua diretora era a muito querida dra. Carmen Portinho, primeira engenheira formada no Brasil e que já em 1938 apresentara uma pioneira tese para a conclusão do curso de pós-graduação em urbanismo na Universidade do Distrito Federal com o título "Anteprojeto para a futura capital do Brasil no Planalto Central". Lucia Lippi Oliveira (s/d) comenta que “esse projeto foi publicado na revista da Prefeitura do Distrito Federal, importante periódico dedicado à divulgação da arquitetura e do urbanismo moderno entre nós. Carmen Portinho pode ser considerada uma precursora por ter realizado, ainda que para fins acadêmicos, o projeto de construção de uma cidade inteiramente moderna para capital do país. O projeto de Lúcio Costa significou o coroamento dessa longa história.” OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil de JK. Sonho antigo. CPDOC/FGV. Disponível online em http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Brasilia/ SonhoAntigo. Acesso em 22 jan. 2011. A respeito da Bauhaus, ver o portal http://bauhaus-online.de/en (acesso em 13 jan. 2011) mantido pelas três instituições atualmente responsáveis pela herança cultural da instituição – Bauhaus-Archiv / Museum fur Gestaltung, Fundação Bauhaus Dessau e Fundação Weimar Classics, ou ainda GROPIUS, Walter; Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2001;ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1992 e BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1998. 42 convenções estabelecidas – possivelmente a primeira manifestação concreta do que viria a ser um traço marcante de suas obras. Paralelamente à formação acadêmica, Roger Mello buscava exercitar a prática profissional em estágios na área do design. Também neste campo, nota-se a feliz união das redes de relacionamentos pessoais ao seu talento criativo. Roger Mello fora indicado por pessoas da família para estagiar com Oscar Niemeyer e Ziraldo. Já havia sido aprovado pelo primeiro, quando recebeu a notícia que fora aprovado também pelo segundo. Apesar de toda a admiração que nutria pelo arquiteto comunista, figura marcante na concepção arquitetônica da cidade de sua infância, Roger Mello reconhecia em Ziraldo um profissional de cuja proximidade não poderia prescindir. Logo o aprendiz se revelaria um talento admirável aos olhos do mestre: A star is born é um titulo recorrente na história do cinema americano. A gente traduziu direitinho: nasce uma estrela. A esta altura da minha vida vi muita estrela nascer. A estrela que nasce não se revela assim, plá, pra todo mundo. Muitas vezes ela esta nascendo e você nem percebe. Pra sacar o nascimento de uma estrela é preciso ter – vamos lá! – feeling. Sensibilidade deve ser a tradução correta. Sensibilidade para perceber pequenos sinais: no tamanho do dedinho, a previsão do gigante. Tudo isto é para dizer que, no primeiro momento em que vi os desenhos do Roger, saquei: este menino cintila. (Ziraldo, 1996, 4a capa de Maria Teresa) Na Zappin, empresa de Ziraldo onde permaneceu por um ano, Roger Mello conheceu Graça Lima, ilustradora igualmente talentosa com alguns anos a mais de experiência, e tornaram-se grandes amigos: Eu conheço a Graça desde a época da Zappin. Ela trabalhava lá na época, desde então somos amigos. E a gente sempre conversa muito! A gente acaba tendo um olhar muito parecido. Trocamos muitas referências, sempre! E a Mariana, apesar de eu já gostar muito do trabalho dela, achar ela genial, assim como a Graça. A Mariana eu já conheço a menos tempo, mas admiro muitíssimo o trabalho dela. A Graça não, a gente sempre dialoga, somos bem próximos, inclusive, sou o padrinho da filha dela, a Letícia. (Mello, 2003, p. 36) Anos mais tarde, juntaram-se à também amiga e ilustradora Mariana Massarani e criaram a empresa “Capa dura em Cingapura”.12 Motivada inicialmente pela necessidade 12 Nome criado por Mariana Massarani em bem-humorada alusão ao fato, bastante conhecido na indústria editorial, de que livros ilustrados editados no Brasil dificilmente ganham capa dura se não forem impressos na China. 43 pragmática de dividir despesas, a parceria frutificaria em um livro singular, criado a seis mãos, Vizinho vizinha.13 Finalmente, Roger Mello estreou profissionalmente como autor com a publicação de A Flor do lado de lá no início dos anos 1990, a “década perdida” do deslumbramento yuppie. A família, como de costume, apoiava as escolhas de Roger: Uma pessoa que começa a vida como o Roger começou, se não estiver trabalhando, é difícil se manter, e na área dele também não é muito fácil para ganhar. No início a gente dava muito apoio financeiro, a gente sempre incentivou porque via que ele tinha um dom especial para a arte. Mas ele foi um batalhador. Depois de se formar saía com o portfolio debaixo do braço e ia para tudo que era lugar, e como acho que o trabalho dele era bom mesmo... (M. Mello, 2010) De fato, o talento de Roger Mello estava já bem evidente neste primeiro livro de sua inteira autoria, que recebeu o prêmio Altamente Recomendável da FNLIJ e continua a ser reeditado com regularidade, estando atualmente na 7a edição. Suas ilustrações, assim como as dos posteriores O gato Viriato (1993) e O próximo dinossauro (1994), faziam referência ao realismo figurativo do cânone tradicional e também ao cartum, até que a publicação de Maria Teresa, em 1997, veio assinalar uma nova fase em sua linguagem visual. A partir daí, sucederam-se vários livros com características inovadoras que conferiram a Roger Mello uma contínua e significativa premiação, como se pode verificar no texto de abertura do dossiê montado pelo artista quando de sua indicação pela FNLIJ para concorrer ao prêmio Hans Christian Andersen 2010: Roger Mello é ilustrador, escritor e dramaturgo. Nasceu em Brasília, em 1965. Ilustrou mais de cem títulos, dezenove deles, com textos de sua autoria. Formado em Design pela ESDI/UERJ, trabalhou com Ziraldo na Zappin. Recebeu inúmeros prêmios no Brasil e no exterior por seu trabalho como ilustrador e escritor. É considerado hours concours pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil que, além de lhe conceder vários prêmios, o indicou para o Prêmio Hans Christian Andersen 2010 na categoria ilustrador. Da Câmara Brasileira do Livro recebeu oito Prêmios Jabuti. Foi premiado pela Academia Brasileira de Letras e, na União Brasileira dos Escritores, pelo conjunto de sua obra. Participou de diversas feiras internacionais de livros como Catalunha, Roma, Frankfurt, Bolonha, Gotemburgo, Brooklyn (Brooklyn Public Library), Sarmede (Le Immagini Della Fantasia), Padova (I Colori del Sacro). Seu livro Meninos do Mangue recebeu o prêmio internacional de melhor livro do ano da Fondation Espace Enfants (Suiça) em 2002. Juntamente a outros autores brasileiros, foi homenageado no Escale Brésil do Salão de Montreuil na França em 2005. No mesmo ano, suas ilustrações sobre os versos populares do livro Nau Catarineta estiveram em exposição itinerante pelas 13 Ver ilustrações e análise visual deste livro no capítulo três, p. 169. 44 bibliotecas de Paris. Três de seus livros (A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco!, Meninos do mangue) constaram da “lista de livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, publicada pela Folha de São Paulo em 2007. (Mello, Dossiê Hans Christian Andersen 2010, Anexo B). 1.1.3 Carimbando o passaporte Figura 3. Passaporte Depois da experiência de trabalho fixo na Zappin, Roger Mello optou por trabalhar como artista autônomo, dedicando-se a projetos em áreas tão variadas quanto design gráfico, ilustração, dramaturgia, animação, direção de arte cinematográfica; lidando com clientes e público de perfis também distintos. Esta vocação para a pluralidade é um traço bastante característico de sua personalidade, concretizada em suas atividades profissionais e artísticas, como se verá adiante, no item 1.2. Além disso, a “inquietude” de que fala Ziraldo manifesta-se em suas constantes viagens pelos mais variados destinos, seja a trabalho, a passeio ou, mais frequentemente, uma combinação de ambos. Estes deslocamentos pelo mundo apontam inicialmente para uma identificação de Roger Mello com o narrador “marinheiro comerciante”, tal como definida por Walter Benjamin (1994c), que exemplifica os dois grupos arcaicos de narradores nas figuras do camponês sedentário e do marinheiro comerciante. Os dois grupos interpenetram-se no sistema corporativo medieval, quando “o mestre sedentário e o aprendiz migrante trabalhavam juntos na 45 mesma oficina”, de modo que “se os camponeses e os marujos foram os primeiros mestres na arte de narrar, foram os artífices que a aperfeiçoaram” (idem, p. 199). É interessante observar que Roger Mello integra em sua trajetória de vida e trabalho qualidades dos dois grupos, sendo ele próprio um artífice moderno: se “cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antes de se fixar em sua pátria ou no estrangeiro” (ibid), Roger Mello foi antes um aprendiz sedentário para, em seguida, depois de alcançada a maestria, tornar-se um viajante e recolher material para suas narrativas verbais e visuais. Um exemplo destas últimas é o livro Desertos,14 composto por econômicos porém eloquentes desenhos feitos a lápis de cor em um caderno de viagens pelo Marrocos, que posteriormente ganharam a companhia de poemas assinados por Roseana Murray. Em dois momentos bastante especiais desta pesquisa surgiu a oportunidade de realizar um trabalho de campo não planejado, com observação intensamente participante, nos quais foi possível acompanhar a maneira de Roger Mello estar no mundo (também no sentido geográfico), formar sua cultura visual e exercitar sua verve criativa: foram duas viagens para congressos internacionais relacionados ao livro e à leitura que coincidentemente empreendemos juntos, em 2009 e 2010. O primeiro deles aconteceu em outubro de 2009, em Havana, Cuba. Chama-se Para Leer el XXI e acontece bienalmente há mais de dez anos, realizado pelo Comitê Cubano do IBBY e pela Cátedra Latinoamericana y Caribeña de Lectura y Escritura em parceria com as seções nacionais do IBBY do Brasil (FNLIJ), do Canadá, da Colômbia (Fundalectura Colombia) e do México (A Leer). Conta ainda com o apoio do Centro Regional para el Fomento del Libro en América Latina y el Caribe (CERLALC), do UNICEF, do Instituto Cubano de Investigación Cultural Juan Marinello, da Unión Nacional de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC), do Ministerio de Cultura (MINCULT) e do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC), entre outros organismos e instituições nacionais e estrangeiras. Fazem parte da equipe do congresso as brasileiras Elizabeth Serra, na vicepresidência do Comitê Organizador, presidido por Emilia Gallego Alfonso (Cuba), e Nilma Lacerda, vice-presidente do Comitê Científico.15 Roger Mello foi convidado pela organização do congresso para participar da mesa de abertura. Logo de início ficou evidente seu grande empenho em contribuir para o bom anda14 15 Ver ilustrações e análise visual deste livro no capítulo três, p. 171. Mais informações no site oficial do congresso, em http://www.ibbycuba.org/congreso_lectura/index.htm. Acesso em 22 jan. 2011. 46 mento do congresso, muito além de seu papel como palestrante. Como se sabe, em Cuba há grande dificuldade em se conseguir até mesmo produtos tão simples como canetas esferográficas ou blocos de papel, essenciais para um congresso. Roger foi um mediador literal no processo de envio destes materiais do Brasil para Cuba, levando-os junto com sua bagagem pessoal. Além disso, foi possível testemunhar sua popularidade em grupos dos mais variados, como acontece estarem reunidos em encontros deste tipo. Sua energia e interesse inesgotáveis em explorar a cidade levava-o a visitar museus, praças, hotéis, feiras, e revelava-se num “olhar emocionado” que desvendava detalhes do cotidiano local, como as cadeiras em inacreditável profusão de estilos e graus de conservação espalhadas pelas varandas e quintais de casas e prédios nas ruas. O interesse de Roger não se limitava contudo aos aspectos materiais da realidade contrastante que o cercava, mas antes o modo como esta realidade material traduz os modos de vida das pessoas. Acolheu com satisfação vários convites de grupos locais envolvidos com livros infantis: pesquisadoras da Oficina del Historiador que realizam interessante trabalho de integração dos alunos de escolas locais às instituições culturais no bairro de Habana Vieja; bibliotecários que desenvolvem um inovador projeto de promoção de leitura na biblioteca José Marti; profissionais do livro (editores, escritores, ilustradores) envolvidos com a melhoria das condições de publicação para crianças e jovens em meio a restrições materiais e ideológicas. O segundo evento, em 2010, foi o 32º Congresso Internacional do IBBY, realizado bienalmente em diferentes cidades que abrigam seções nacionais deste organismo internacional por todo o mundo. O IBBY é uma organização internacional sem fins lucrativos, incorporada oficialmente à UNESCO e ao UNICEF. Foi fundado por Jella Lepman (1891–1970) em 1953 na Suíça, após a II Guerra Mundial, como parte dos esforços desta combativa jornalista judia para concretizar seu ideal de favorecer o entendimento e a paz entre os povos por meio da literatura infantojuvenil. Hoje é composto por 70 seções nacionais no mundo todo, unidas pela missão de favorecer o acesso de crianças e jovens a livros com alta qualidade literária e artística; proporcionar apoio e formação aos que trabalham com crianças e jovens e com os livros 47 destinados a eles; e estimular a pesquisa e a publicação de trabalhos acadêmicos no campo da literatura infanto-juvenil.16 A cada dois anos, uma das diferentes seções nacionais sedia o congresso, que reúne centenas de pessoas, entre membros do IBBY e interessados em livros infanto-juvenis e na promoção da leitura. No congresso, acontecem palestras, mesas-redondas, seminários e workshops, bem como a Assembleia Geral e outros encontros oficiais do IBBY. Além disso, acontecem exposições e celebrações, como a entrega dos prêmios Hans Christian Andersen, IBBY-Asahi Promoção de Leitura e da Lista de Honra do IBBY.17 O prêmio Hans Christian Andersen é o mais importante prêmio internacional de literatura infanto-juvenil, concedido desde 1956 a escritores e desde 1966 a ilustradores do mundo todo por um júri internacional composto por especialistas destas áreas. Citado no site oficial como “o Nobel da literatura infanto-juvenil”, 18 tem por patrono a Rainha Magrethe II da Dinamarca. Concorrem autores vivos indicados por suas respectivas seções nacionais, levando em conta o conjunto de suas obras. As escritoras brasileiras Lygia Bojunga e Ana Maria Machado foram as vencedoras nos anos de 1982 e 2000, respectivamente. Mesmo sendo um autor jovem para o contexto (44 anos na época da indicação), a expressiva produção de Roger Mello fez dele o indicado pela FNLIJ para concorrer ao prêmio de 2010 na categoria Ilustração. A indicação já representa, por si só, o reconhecimento nacional pela qualidade do trabalho de um artista, selecionado entre os muitos em atividade na área. Ao todo, foram 27 indicados dos seguintes países (em ordem alfabética): Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Japão, Lituânia, México, Noruega, Reno Unido, República Eslovaca, República Tcheca, Rússia, Suécia, Suíça, Turquia. Dentre estes 27 indicados, foram selecionados apenas cinco finalistas, sendo Roger Mello um deles: Jutta Bauer (vencedora, Alemanha), Carll Cneut (Bélgica), Etienne Delessert 16 17 18 Mais informações sobre o IBBY no site oficial da instituição, em http://www.ibby.org/. Acesso em 22 jan. 2011. A Lista de Honra do IBBY (IBBY Honour List) é uma seleção bienal de livros recém-publicados em paises membros do IBBY, que se destaquem por sua qualidade e por representarem a cultura de seus paises de origem, e que apresentem interesse para publicação em outros idiomas.. Um catálogo é lançado durante a cerimônia de premiação e acompanha as exposições montadas com os livros, que circulam pelo mundo todo durante conferências e feiras. O Prêmio do IBBY-Asahi Promoção de Leitura, patrocinado pela empresa jornalística Asahi Shimbun, é concedido bienalmente a instituições indicadas pelas seções nacionais do IBBY que se destaquem por ações de promoção de leitura entre crianças e jovens. O prêmio é contituído por U$10.000 e um diploma, entregue durante o congresso. Mais informações sobre o prêmio Hans Christian Andersen em http://chlhistory.org/andersen/en. Acesso em 22 jan. 2011. 48 (Suíça) e Svjetlan Junakovic (Croácia) eram os outros quatro. É importante destacar que Roger Mello foi o único não-europeu do grupo, um resultado que vem ao encontro dos esforços dos ilustradores brasileiros no sentido de consolidar uma linguagem autenticamente brasileira. O processo de avaliação demandou a montagem de um dossiê contendo uma serie de informações sobre o artista e sua obra, como biografia, relação das obras publicadas, artigos escritos sobre ele, prêmios conquistados, bem como amostras dos trabalhos realizados. Além de produzir o conteúdo, Roger Mello concebeu o projeto gráfico e executou artesanalmente este dossiê – mais do que um relatório sobre sua atuação profissional, a excelência gráfica deste objeto constitui em si um exemplo concreto de seu talento. Dentre os muitos textos publicados e reunidos por Mello para compor o dossiê, destacamos alguns de especial interesse, como os escritos por Ziraldo, Regina Yolanda e Rosinha Campos, utilizados em forma de citações ao longo deste trabalho e reproduzidos na íntegra nos Anexos B e C. O trabalho impressionou favoravelmente os jurados do prêmio, como se pode perceber pelo parecer publicado no site oficial do evento: “O mundo de Roger Mello é um rico espectro de técnicas, imaginação, cor e inspiração, considerado inovador, fascinante e intrigante.”19 O resultado do prêmio Hans Christian Andersen é divulgado durante a Fiera del Libro per Ragazzi / Bologna Children's Book Fair (BCBF), prestigiosa feira internacional dedicada exclusivamente aos livros infanto-juvenis, que acontece anualmente desde 1963 na cidade de Bolonha, Itália, nos meses de março ou abril.20 Deste modo, no congresso do IBBY, realizado no mês de setembro, os vencedores e finalistas comparecem para receber seus prêmios. Assim, na qualidade de finalista, Roger Mello compareceu ao congresso realizado em Santiago de Compostela, Espanha, a fim de receber sua premiação.21 19 20 21 Disponível em http://www.ibby.org/index.php?id=1016. Acesso em 28 jan. 2011. Mais informações sobre a Feira de Bolonha no site oficial do evento, em http://www.bookfair.bolognafiere.it/ home. Acesso em 22 jan. 2011. Antes da divulgação do resultado, eu havia inscrito uma comunicação no congresso tratando concidentemente de uma parte importante dos livros ilustrados de Roger Mello, aqueles com temáticas e linguagens visuais relacionadas à cultura popular brasileira. Esta comunicação resultou de monografias desenvolvidas em algumas disciplinas do curso de mestrado, e foi muito bem recebida pela organização, sendo-me solicitada a montagem de um painel para apresentação e exibição permanente durante o congresso. Foi, portanto, uma feliz convergência que uniu-nos em mais um congresso internacional. Desta vez, no entanto, fui privilegiada não apenas com uma convivência muito próxima com Roger Mello, mas com toda sua família, que compareceu unida ao congresso: mãe, irmã, irmão, sobrinho, duas primas, um primo com esposa e filhos, além de uma amiga de longa data que se tornou “agregada” da família, 49 Esta foi uma segunda oportunidade não planejada para realizar uma pesquisa de campo bastante especial e incomum, convivendo e sendo acolhida pela família do artista pesquisado. De fato, muito do que já fora anteriormente percebido acerca das muitas e variadas ligações afetivas estabelecidas socialmente por Roger Mello foi confirmado durante este convívio. Esta “observação participante intensiva” (Clifford, 2008) foi fonte preciosa de informações, oferecendo a possibilidade de acrescentar mais uma camada de leitura – a das memórias afetivas do artista – à “descrição densa” recomendada por Geertz (1989), que afina-se também com a abordagem sociológica empreendida por Elias (1995) e citada no início deste item. 1.2 “QUERO SER UM GENERALISTA”: QUESTÕES DO SEU TEMPO E LUGAR O especialista é um homem que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, e por fim acaba sabendo tudo sobre nada. Konrad Lorenz22 Um traço marcante da personalidade de Roger Mello é seu renovado interesse por tudo que o cerca, que se traduz em narrativas nos mais variados suportes, conforme declaração do próprio artista: “Eu sempre tive um interesse muito grande por tudo. Não quero ser um especialista, quero ser um generalista mesmo, como o Millôr Fernandes, o Ziraldo, essa geração. Eu gosto de plantas, de animais, não é porque eu procuro saber tudo, é porque eu gosto tanto que eu quero saber.” (Mello, 2010) O generalista é um “indivíduo cujos talentos, conhecimentos e interesses se estendem a vários campos, não se confinando em uma especialização.” (Houaiss, 2009, p. 963). Da mesma raiz, temos também generoso: “de boa linhagem; ilustre, nobre. Dotado de caráter e sentimentos nobres. De alma magnânima, liberal. Em quantidade maior do que o usual ou o necessário. Da melhor qualidade [...]. Fértil, fecundo.” (ibid). Unidas pela raiz, as duas 22 a francesa Sophie Vuccino. Um grupo tão numeroso quanto caloroso e acolhedor, que se auto-intitulava “Excursão Mar Mello”, numa alusão bem-humorada ao sobrenome da família. Tradução do inglês: The specialist knows more and more about less and less and finally knows everything about nothing. Disponível online em http://www.brainyquote.com/quotes/keywords/compete.html#ixzz1Gcx6 UPAH. Acesso em 12 jan. 2011. 50 descrições falam bastante bem de Roger Mello, um artista que transita com interesse e naturalidade por vários campos da criação artística. A habilidade em conectar-se a diferentes áreas – ou de intercambiar vários pontos de vista – faz toda a diferença para os bons profissionais no campo das humanidades, como diz Marcel Mauss: “A sociologia e a etnologia descritiva exigem que se seja, ao mesmo tempo, cartógrafo, historiador, estatístico... e também romancista capaz de evocar a vida de toda uma sociedade”. (1993, p. 22). Expressando-se criativamente em “mundos artísticos” diferentes (Becker, 1976, p. 9), Roger Mello combina várias das habilidades citadas por Mauss, culminando no talento como autor de narrativas verbais e visuais. O próprio artista fala destas passagens por diferentes universos, e mesmo dos diferentes “elos cooperativos” (Becker, 1977, p. 206) no universo das artes gráficas: o designer mergulha em coisas que não conhece profundamente. Ele mergulha num universo que, até pouco tempo, lhe era distante. O tradutor também, o editor, quem trabalha com livro faz isso. O ilustrador também, ele vai mergulhar num universo estranho ao dele, daí vem a pesquisa, é genial! E nós vamos nos tornando doutores honoris causa em generalidade. (Mello, 2003). Considerando a arte como um produto social, Howard Becker (1977) defende “uma concepção da arte como uma forma de ação coletiva” e afirma que “todas as artes que conhecemos envolvem redes elaboradas de cooperação”. A divisão do trabalho entre os diferentes membros que constituem tais redes “sempre resulta de uma definição consensual da situação” (p. 206-207), onde há uma gradação entre as atividades altamente artísticas desempenhadas pelos assim considerados “artistas”e as restantes (aquelas executadas pelo “pessoal de apoio”): Os participantes num mundo da arte encaram algumas das atividades necessárias à produção daquela forma de arte como “artística”, exigindo o dom ou a sensibilidade especial de um artista. As atividades restantes parecem para eles uma questão de habilidade, argúcia para negócios ou alguma capacidade menos rara, menos característica da arte, menos necessária para o sucesso do trabalho, e merecedora de menor respeito. (idem, p. 207-208) Roger Mello tem plena consciência desta rede de atividades e de seu próprio lugar nela, percebendo-se em sua fala citada anteriormente a noção de que, sendo ele próprio o artista, “trabalha no centro de uma ampla rede de pessoas em cooperação, cujo trabalho é essencial para o 51 resultado final. Onde quer que ele dependa de outros, existe um elo cooperativo.” (Becker, 1977, p. 209). Roger recusa o papel de especialista, no sentido daquele que detém um conhecimento diferenciado e superior, para acolher o de generalista, aquele que circula em múltiplos campos e assim conhece também as atividades dos demais integrantes das redes de cooperação. Esta mobilidade de Roger Mello tem efeitos notavelmente positivos em um universo como o das artes gráficas, onde o resultado final – o livro impresso – pode frequentemente opor os interesses dos diferentes elos da rede de cooperação: Quando grupos profissionais especializados assumem a responsabilidade da execução das atividades necessárias à produção de uma obra de arte, entretanto, seus membros tendem a desenvolver interesses de carreira, financeiros e estéticos que diferem substancialmente dos interesses do artista. (ibid) Becker cita como exemplo deste conflito de interesses exatamente um caso do universo das artes gráficas, o de um escultor seu amigo envolvido num trabalho em parceria com uma conceituada oficina de impressão litográfica. Por desconhecimento das características deste tipo de impressão, o artista criou um projeto que impunha desafios incontornáveis para o alto padrão de qualidade tão prezado pelos impressores, e acabou envolvido num impasse que poderia não ter existido caso houvesse um conhecimento prévio de um universo estranho ao seu próprio universo original: “Meu amigo ficou à mercê dos impressores porque não sabia, ele próprio, como imprimir litografia.” (idem, p. 210) Neste sentido, os interesses generalistas de Roger Mello (bem como sua formação em design gráfico) promovem uma aproximação com os demais “elos” do “mundo artístico” do livro ilustrado (impressores, editores, escritores, revisores, designers, especialistas, etc) propiciando a criação de objetos que são obras de arte – o livro ilustrado é um objeto que, se por um lado oferece um campo fértil para inovações artísticas, por outro apresenta também consideráveis desafios quando sua produção foge às convenções já assimiladas pelo universo das artes gráficas. Mesmo sendo esta pesquisa centrada em sua atividade de ilustrador, é importante ressaltar que, além de seu reconhecido talento nesta atividade, Roger Mello demonstra igual talento em outros campos, como comprovam os diversos prêmios recebidos: 21 prêmios da FNLIJ (oito de Melhor Ilustração, seis de Melhor Livro Infantil, três de Melhor Projeto Editorial, um de Melhor Livro de Teatro, um de Melhor Reconto) e 28 selos Altamente Recomendável; oito prêmios Jabuti da Câmara Brasileira do Livro – CBL (nas categorias 52 Ilustração e Livro Infantil); prêmio Melhor Livro Infanto-Juvenil da Academia Brasileira de Letras – ABL; prêmio Monteiro Lobato da Biblioteca Nacional – BN; Prêmio Especial Adolfo Aizen, pelo conjunto da obra, da União Brasileira dos Escritores; prêmio Coca-Cola de Teatro Infantil; sete indicação para o prêmio Mambembe (uma em São Paulo e seis no Rio de Janeiro); cinco selos White Ravens, sendo dois deles Menção Especial, da Biblioteca Internacional de Munique (International Jugendbibliothek – IJB); Lista de Honra do IBBY, por indicação da FNLIJ; Prêmio Internacional Melhor Livro Infantil da Fondation Espace Enfants (Suiça). No site da Capa Dura em Cingapura (sociedade de Roger Mello com Graça Lima e Mariana Massarani, anteriormente citada) encontramos informações condensadas sobre algumas destas múltiplas atividades, relacionadas por completo no Anexo A: No início de sua carreira, trabalhou ao lado de Ziraldo, na Zappin, e também se dedicou ao desenho animado: cursos no SENAC, na UERJ e no grupo Animation, com a equipe do National Film Board, do Canadá. Na televisão, fez as vinhetas de encerramento da novela Vamp, para a TV Globo, além de diversas participações na TV Educativa do Rio de Janeiro, nos programas Canta Conto e Um salto para o futuro. Roger Mello tem conquistado diversos prêmios por seus trabalhos como ilustrador, autor de livros de imagem e livros para criança, e também como dramaturgo. Em 2002, Meninos do Mangue foi o grande destaque nos concursos literários, recebendo, da Câmara Brasileira do Livro, dois Jabuti's (de Melhor Ilustração e de Melhor Livro Juvenil) e, da Fondation Espace Enfants (FEE), Suiça, o Grande Prêmio Internacional. Para o teatro, ele escreveu os textos de Uma história de boto-vermelho (1992), O país dos mastodontes, Curupira, Festa no céu e e Elogio da Loucura – adaptação da obra de Erasmo de Rotterdam) e trabalhou com Graça Lima na direção de arte do curta O Ciclo do Caranguejo, baseado no texto do sociólogo Josué de Castro, dirigido e produzido por Adolfo Lachtermacher. (Capa dura em Cingapura. s/d) Este tipo de inquietude criativa que se expressa em múltiplos campos tem ilustres predecessores em épocas e lugares variados ao longo da história da arte. No Renascimento europeu (em especial o italiano), os artistas lutavam para expandir os limites da atividade artística em vários sentidos: Depois veio o período das grandes descobertas, quando os artistas italianos se voltaram para as matemáticas a fim de estudarem as leis da perspectiva, e para a anatomia a fim de estudarem a construção do corpo humano. [...] O artista deixou de ser um artífice entre artífices, pronto a executar encomendas de sapatos, armários ou pinturas, conforme fosse o caso. Era agora um mestre dotado de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da natureza e sondar as leis do universo. (Gombrich, 2008, p. 287) 53 Leonardo da Vinci foi o expoente máximo deste processo: “Nada existia na natureza que não despertasse a sua curiosidade e não desafiasse o seu engenho”. (idem, p. 294). Além da expansão em diferentes áreas de conhecimento, neste contexto acontecia também uma importante revisão do status social inferior do artista, que vinha desde a Antiguidade clássica, com a distinção codificada por Aristóteles entre as chamadas Artes Liberais, como a gramática, a lógica, a retórica e a geometria e atividades que implicavam o trabalho com as mãos, que eram profissões “manuais” e, portanto, “mesquinhas”, abaixo da dignidade de um cavalheiro. A ambição de homens como Leonardo consistia em mostrar que a pintura era uma Arte liberal, e que o trabalho manual nela envolvido não era nem mais nem menos essencial do que o trabalho de escrever na poesia. (idem, p. 296) Perguntamo-nos se não permaneceria algo deste milenar “esnobismo” clássico no modo como alguns ainda hoje consideram a ilustração como um ornamento (portanto inferior) em relação ao texto no livro infantil. Seja como for, grandes artistas em épocas posteriores ao Renascimento continuaram a se dedicar sem preconceitos a estudos e criação em campos variados. Ao final do século XVIII, a finalidade da pintura ainda era a mesma: “fornecer belas coisas às pessoas que as queriam ter ou delas desfrutar.” (idem, p. 475). Mas a ruptura com a tradição, que teve na Revolução Francesa uma expressão radical, mostrava um “notável efeito” na pintura: “os artistas sentiam-se agora livres para passar ao papel suas visões pessoais, algo que até então só os poetas costumavam fazer.” (idem, p. 488). William Blake personificou este novo estado de espírito de modo extraordinário: Blake foi o primeiro artista, depois da Renascença, que se rebelou conscientemente contra os padrões aceitos da tradição, e não podemos criticar seus contemporâneos porque o consideravam chocante. Quase um século transcorreria antes de ele ser reconhecido como uma das mais importantes figuras da arte inglesa. (idem, p. 490) Poeta, pintor, desenhista, gravador, tipógrafo, este artista inglês de muitos talentos expressava suas visões místicas em poemas e desenhos singulares, dentre os quais destacam-se Songs of Innocence and of Experience, poemas ilustrados publicados em 1789 (Songs of Innocence) e 1794 (Songs of Experience) e posteriormente unificados em um volume único. As crianças eram, senão o principal público leitor, personagens fundamentais destes livros ilustrados, nos quais o autor expressava sua visão idealizada da infância (innocence) em oposição dialética à decadência da vida adulta (experience). É interessante assinalar que, se até 54 a morte de Blake, em 1827, apenas 20 exemplares deste “chocante” livro haviam sido vendidos (“Muitos o consideravam completamente louco; outros davam-no como um excêntrico inofensivo, e só meia dúzia de seus contemporâneos acreditava na sua arte, salvando-o de morrer de fome” op. cit), hoje ele faz parte do currículo oficial das escolas britânicas.23 Figura 4. Páginas de Songs of Innocence and Experience. BLAKE, William, 1789.24 Mais próximos no tempo e no espaço, pode-se destacar, no contexto do Modernismo brasileiro, na primeira metade do século XX, artistas como Paulo Werneck (1907-1987) e Tomás Santa Rosa (1909-1956), a respeito de quem Roger Mello declara sua admiração: Paulo fez livros belíssimos sobre o Negrinho do Pastoreio. Era uma geração que fazia de tudo, acho bacana isso. Eles são excelentes ilustradores também, porque visitam outros meios. Insisto de novo com isso – por exemplo, o Santa Rosa fez o cenário da peça Vestido de Noiva. É uma referência entre os estudantes de teatro 23 24 Para mais informações, ver The William Blake Archive, um site contendo arquivos hipermídia, patrocinado pela Library of Congress (USA) e apoiado pela University of North Carolina em Chapel Hill, pela University of Rochester e pela Divisão de Edições e Traduções Acadêmicas (Scholarly Editions and Translations Division) do National Endowment for the Humanities. Disponível online em http://www.blakearchive.org/. Acesso em 20 dez. 2010. Fonte: The Rare Book Room. Site educacional que oferece acesso a muitos dos mais expressivos livros antigos do mundo todo (cerca de 400 até o momento). Obras do acervo de importantes bibliotecas foram fotografadas digitalmente pela empresa Octavo em altíssima resolução (em alguns casos com mais de 200 megabytes por página), de modo que pode-se examinar as páginas com excelente qualidade de visualização. Disponível online em http://www.rarebookroom.org. Acesso em 20 dez. 2010. 55 como o cenógrafo maior, porque o Vestido de Noiva é um marco na cenografia, os diversos planos da narrativa, é bárbaro. (Mello, 2003, p. 38) Paulo Werneck (pai da ilustradora, professora e pesquisadora Regina Yolanda, pioneira em estudos da ilustração brasileira citados ao longo deste trabalho) foi um artista de muitos talentos. Pintor, desenhista, ilustrador, modernizou no Brasil a técnica do mosaico e fez mais de 300 painéis em edifícios como Instituto Resseguros, Ministério da Fazenda, Marquês do Herval, Banco Boavista (Rio de Janeiro); na Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha (Belo Horizonte) e no Palácio do Itamaraty (Brasília), colaborando com arquitetos como Oscar Niemeyer e os irmãos MMM (Marcelo, Milton e Maurício) Roberto.25 Nacionalista militante, Paulo Werneck publicou dois livros ilustrados sobre lendas brasileiras – Negrinho do Pastoreio (1941) e Lenda da Carnaubeira (1939), que foi também publicada nos Estados Unidos pela editora Grosset & Dunlap (1940). Este livro, com texto de Margarida Estrela Bandeira Duarte, foi o vencedor de um concurso promovido pelo Comitê de Leitura do Ministério da Educação e Saúde com a finalidade de publicar e distribuir belos livros ilustrados a escolas e bibliotecas de todo o país.26 Figura 5. Capas americana e brasileira e ilustração de Lenda da Carnaubeira, de Paulo Werneck (1939). 25 26 Para mais informações, consultar o site do Projeto Paulo Werneck em http://www.projetopaulowerneck. com.br. Acesso em 18 out. 2010. Também o site Mosaicos do Brasil, de Henrique Gougon, traz interessantes informações e fotografias dos mosaicos de Paulo Werneck. Disponível online em <http://mosaicosdobrasil.tripod.com/id137.html>. Acesso em 18 out. 2010. Fonte: WERNECK, Leny. Citrouille – Revue de l’Association des Librairies Spécialisées pour la Jeunesse. Janfev. 2002. Disponível online em http://www.citrouille.net/iblog/B278968955/C1514699025/E1558643931/ index.html. Acesso em 18 out. 2010. Texto original em francês. 56 Tomás Santa Rosa foi outro artista da geração de modernistas brasileiros a circular por várias atividades: foi ilustrador, artista gráfico, pintor, gravador, decorador, cenógrafo, figurinista, professor e crítico de arte. Considerado o primeiro cenógrafo moderno brasileiro, seu trabalho para a montagem de Vestido de Noiva (1943), de Nélson Rodrigues, revolucionou a concepção cenográfica no Brasil. Como pintor, auxiliou Portinari na execução de diversos murais. Durante toda sua vida, trabalhou como designer e ilustrador para a Livraria José Olympio Editora, em livros de autores como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Carlos Drummond de Andrade. Além disso, coordenou e deu aulas de artes gráficas e desenho em cursos na Fundação Getúlio Vargas; na área de teatro do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) e no Ateliê de Decoração Teatral da Escola Nacional de Teatro, chegando a integrar a Comissão Nacional de Artes Plásticas e a dirigir o Conservatório Nacional de Teatro, até falecer subitamente em 1956 em Nova Delhi, Índia, quando integrava a comissão brasileira que participava da Conferência Geral da Unesco para a Educação, a Ciência e a Cultura.27 Figura 6. Tomás Santa Rosa. Capas de livros e estudo para cenário. Na falta de referências bibliográficas tratando da história do livro ilustrado no Brasil (tema que não pode ser aqui aprofundado sob pena de extrapolar o escopo desta pesquisa), limitamo-nos a citar apenas o exemplo destes dois importantes artistas brasileiros a fim de evitar pecar por omissão e cometer inevitáveis injustiças. Destacamos, contudo, os esforços da 27 Fontes: CARDOSO, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 18701960. São Paulo: Cosac Naify, 2005 e Enciclopédia de Artes Visuais – Itaú Cultural. Disponível online em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_ verbete=3276&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=1. Acesso em 18 out. 2010. 57 ilustradora, professora e pesquisadora Graça Lima no sentido de suprir esta carência, por meio da dissertação de mestrado realizada em 1999 na PUC-RJ (O design gráfico do livro infantil brasileiro: a década de 70 - Ziraldo, Gian Calvi, Eliardo França) e da tese de doutorado, ora em andamento neste programa, fazendo votos para que sejam publicadas em breve. A pluralidade de interesses e talentos criativos dos artistas renascentistas e modernistas assume na pós-modernidade um caráter próprio, para onde tradição e contemporaneidade convergem – o conceito de abertura. Citando Heródoto, o “pai da História”, como protótipo do narrador tradicional, Benjamin (1994) enfatiza a abertura de interpretação que suas narrativas admitem, exemplificando com um relato sobre o rei egípcio Psamenit, do terceiro livro de suas Histórias: “Heródoto não explica nada. Seu relato é dos mais secos. Por isso, essa história do Egito ainda é capaz, depois de milênios, de suscitar espanto e reflexão”. No prefácio do livro Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política (1994), Jeanne Marie Gagnebin diz que “o leitor atento descobrirá em ‘O Narrador’ uma teoria antecipada da obra aberta” de Umberto Eco. A abertura e a ausência de explicações são traços marcantes nas obras de Roger Mello, como ele próprio enfatiza: “Não acho que as histórias querem ensinar alguma coisa, elas querem ser contadas ou lidas.” (Mello, 2001). Esta recusa em ser didático vem ao encontro da importância conferida por Benjamin à qualidade de conselheiro que tem um narrador, esclarecendo que “aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada” (1994, p. 200). Também a “faculdade de intercambiar experiências” que caracteriza um narrador é fundamental para Roger Mello: “O interessante é propor: ‘Olha como nós podemos juntos explorar lugares impensáveis!’” (Mello, 2003, p. 44), uma vez que “o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência de seus ouvintes” (Benjamin, 1994, p.201). O interlocutor ao qual Roger se dirige é aberto, múltiplo; não se consegue aprisionar seu público (seus receptores) em uma categoria fixa: Procuro fazer alguma coisa que me instigue e que instigue quem está participando disso, que é o leitor. Porém, na hora em que estou fazendo, não penso no leitor, por que não sei quem vai ler o texto. Escrever pensando num público preestabelecido seria como trair o leitor. Não posso pensar no receptor enquanto produzo! [...] não posso aprisionar, nem pensar no tema, ou na faixa etária do leitor na hora em que 58 estou fazendo o livro, não dá! [...] porque no final o leitor é quem vai dizer o que pode ou não pode, o leitor é quem importa, ele vai mostrar qual é o limite. (Mello, 2003, p. 45) Embora seja possível classificar muitos de seus livros como infanto-juvenis por determinadas características projetuais extrínsecas28, outras características intrínsecas, como a complexidade das temáticas, a abertura para leituras variadas, a sutileza das intertextualidades e intericonicidades29 fazem de seus livros obras muito atrativas também para os adultos: Acredito que os temas não escolhem o público. Acredito que o público é quem escolhe seus livros. Um livro para crianças na verdade alcança uma faixa que também engloba os pequenos. Não quero trabalhar com uma linguagem que afaste as crianças, não quero falar difícil. Quanto aos temas, acredito que eles sejam universais, e de interesse também das crianças. (Mello, 2001. Grifo nosso) Em tudo notamos em Roger Mello a marca da originalidade e desprendimento em relação a tradicionalismos paralisantes, muito embora ele beba sem preconceitos da fonte do conhecimento tradicional: não lhe interessa negar nem defender bandeira alguma, pois toda ferramenta ou técnica é boa o bastante quando se presta à tarefa de bem contar uma história: “Aposto mesmo nesta ideia de que não existem gêneros puros, uma linguagem contamina a outra. Às vezes, você pode pensar que isso é uma incapacidade, mas isso pode virar uma característica nova, você pode trazer um olhar novo, é ótimo!” (Mello, 2003, p. 41) Neste sentido, pode-se considerar Roger Mello como um mediador em muitos aspectos de sua vida e obra. Seus interesses múltiplos, sua circulação e atuação em campos variados da criação artística, suas diversificadas fontes de inspiração estão presentes em suas obras e em sua fala, como aquele que está dentro e fora, que faz a ponte entre os universos mas que não se deixa fixar em nenhum deles: “A gente sempre é um mix de tudo. Mesmo quando você acha que está fazendo alguma coisa bem nova, o que produzimos é sempre a somatória das coisas que vimos e gostamos”. (ibid, p. 25). 28 29 Ver LINS, Guto. Livro infantil? projeto gráfico, metodologia, subjetividade. São Paulo: Edições Rosari, 2004. 2. ed. Neologismo proposto por Márcia Arbex para referir-se às “intertextualidades da imagem”, neste caso as referências visuais a obras e estilos de representação variados, tais como arte naïf, fauvismo, cubismo, etc. ARBEX, Márcia. Intertextualidade e intericonicidade. In: ARBEX, M.; OLIVEIRA, L. C. V. (org.). I Colóquio de Semiótica. Faculdade de Letras – UFMG, Belo Horizonte,: 2003. 59 1.3 A ILUSTRAÇÃO: UM OLHAR EMOCIONADO A arte de ilustrar está dirigida essencialmente para o despertar da imaginação. [...] A estética da ilustração passa pela experiência individual e emocional, bem como pelo curioso deslumbramento. Rui de Oliveira 30 Como já se viu, Roger Mello não estabelece ele próprio nenhum tipo de diferenciação nem demonstra preferência por um meio específico de expressão artística. No entanto, podese considerar que sua atividade de maior reconhecimento público é a ilustração de livros infantis, que é também a que concentra a maior quantidade de obras e de prêmios. Seus livros ilustrados apresentam marcas inequívocas de uma inesgotável inventividade e de um singular talento, que o distinguem como artista: “O que esperamos realmente de uma obra de arte é certo elemento pessoal – esperamos tenha o artista, se não espírito distinto, pelo menos sensibilidade distinta. Esperamos nos revele algo de original – visão única e particular do mundo.” (Read, 2005, p. 28). A infância do artista, conforme visto anteriormente, foi marcada pelo livre curso do “curioso deslumbramento” mencionado por Rui de Oliveira, que manifesta-se na idade adulta em um “olhar emocionado” (Mello, Leia Brasil) traduzido em imagens: “Dizemos que uma obra de arte ‘nos emociona’ e tal expressão é exata”, diz Herbert Read (2005, p.31), sublinhado que o objetivo da arte “consiste na comunicação do sentimento” (idem p. 23, grifo do autor). O autor menciona a teoria da Einfuhlung – que se traduz por “empatia” (“sentir dentro de”) – tal como formulada por Theodor Lipps. Este sentimento vai além da “simpatia” (“sentir com”), fazendo com que, ao contemplarmos uma obra de arte, liguemo-nos a ela emocionalmente: “determinam os nossos sentimentos o que lá achamos e as dimensões que ocupamos” (idem p. 31). Rui de Oliveira enfatiza o caráter comunicativo da ilustração, que provoca um “encantamento” para além de qualquer explicação verbal, um componente que desafia as análises semiológicas ou estruturais das narrativas visuais (2008, p. 36). Para Roger Mello, desde muito cedo o universo da linguagem visual – especialmente em livros e quadrinhos – proporcionou experiências significativas de envolvimento e comunicação de sentimentos. Em 30 OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p.76. 60 sua infância, as emoções despertadas pelas coisas do mundo – como viagens, bichos e plantas – encontravam livre expressão em narrativas verbo-visuais: Durante toda a minha vida sempre viajei muito. [...] Sempre fui um desenhista compulsivo. Na verdade, sempre fui apaixonado por quadrinhos, gostava muito de livros e quadrinhos – às vezes, eu deixava de sair para fazer quadrinhos. Claro que eu não era um tipo enclausurado, gostava de sair, de passear, de viajar... Minha outra paixão são os bichos. Sempre gostei muito de bichos e da natureza em geral – as matas, o cerrado, os mangues. Na época, mesmo morando em Brasília, ainda era possível visitar o cerrado. Nestes passeios, e mesmo na sala de aula, eu levava um caderno em que ilustrava o que via ou fazia histórias em quadrinhos. (Mello, 2003, p. 25, grifo nosso) Figura 7. Caderno de desenhos Na idade adulta, Roger Mello dirigiu suas energias criativas para o universo da arte, marcadamente àquelas atividades onde a narratividade é componente intrínseco: dramaturgia, literatura, ilustração, com incursões pelos quadrinhos e animação, passando também pelo design gráfico e direção de arte e roteiro cinematográficos. Sempre gostei da narrativa, tanto a do texto quanto a proporcionada pela imagem. Nunca tive a pretensão de ser um artista plástico (se bem que as artes plásticas podem ter narrativas, mesmo que as pessoas recusem). O que adorava mesmo era contar histórias. (Mello, 2003, p. 25) É interessante identificar, a partir da fala do artista, a qualidade narrativa da imagem como uma característica que distingue a ilustração no campo das artes visuais. Rui de Oliveira considera que, apesar da diluição das fronteiras entre os gêneros plásticos na arte 61 contemporânea, é preciso ter em mente que entre a pintura e a ilustração há um “traço fronteiriço”, ainda que este não seja facilmente identificável (2008, p. 37). Esta diluição das fronteiras entre os gêneros é bem evidente ao se examinar a linguagem visual que Roger Mello emprega em seus livros ilustrados. Verifica-se que também aí Roger transita com facilidade e talento por diferentes referências e estilos – das artes plásticas, da arte popular, dos quadrinhos. Seus primeiros trabalhos mostram o domínio dos códigos prescritos pelo ideal figurativo realista, dos quais ele vai progressivamente se libertando rumo liberdade total com as formas, à liberdade cromática, à polifonia da perspectiva naif, misturando técnicas à sua maneira em benefício da expressividade narrativa, uma vez que, como ele próprio declara, o que mais lhe interessa é contar histórias. Ao privilegiar uma comunicação autêntica, Roger passa longe do risco de que fala Oliveira quanto à inadequação de uma transposição superficial de estilos das artes plásticas para a ilustração, que configuraria soluções meramente formalistas: “a pretexto de encontrar uma linguagem contemporânea, o ilustrador absorve superficialmente soluções expressionistas, cubistas, fauvistas ou mesmo pós-modernistas” (2008 p. 39). Ana Maria Machado cita um exemplo acontecido em um de seus livros: Em outra ocasião, numa história minha baseada num folguedo tradicional e folclórico que sobrevive no Brasil rural, tive a surpresa de ver um trabalho de ilustração todo em traços de grafite urbano, nervoso, nessa atmosfera sobrecarregada, de sujeira pós-moderna cheia de dinamismo e poluição visual, que fica ótima na capa de um CD de rock ou no cartaz de um show de hip-hop, mas estava inteiramente deslocado para a narrativa em questão. (2008, p. 22) Os livros ilustrados de Roger Mello promovem uma conexão empática entre o artista e seu público, cumprindo um requisito básico da arte de ilustrar – o de “narrar para e se comunicar com a criança” (Oliveira, 2008, p. 39).31 Das crianças, Roger compartilha o espírito livre, a lógica desconcertante, o “curioso deslumbramento” pelas coisas do mundo, além de um inesgotável fôlego e atração pela exploração de lugares, conhecimentos, amizades. A juventude de Roger Mello está mais na mentalidade, na visão de mundo e nas atitudes do que 31 Ainda que neste trabalho procuremos não nos estender a respeito das crianças, há que se fazer referência ao fato de que, afastando-se do estilo canônico de representação visual, Roger Mello de certo modo se aproxima da construção infantil do desenho, a respeito da qual pode-se destacar estudos como o de LOWENFELD, Viktor et al. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977; MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: a educação do educador. São Paulo: Loyola, 2002; MEREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2000 e DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo: Scipione, 2010. 62 na idade cronológica, embora também esta seja relativamente pouca, se levarmos em consideração sua produtividade e premiação. Com efeito, a “experiência” adulta de que fala Benjamin32 não obscureceu seu encantamento infantil com o mundo. Elias (1995) descreve a atuação precursora de Mozart no mundo da música, iniciando uma profunda alteração no status social do artista, na passagem do modelo aristocrático para o modelo burguês: não mais subordinado ao gosto do público, o artista propõe-lhe novos modelos. No universo do livro ilustrado – que, assim como o da música, legitima com certo atraso, em relação às demais artes visuais, as propostas esteticamente inovadoras – também Roger Mello assume um papel inconformista em suas ilustrações e projetos gráficos. A concepção do senso comum do que seja uma boa ilustração permanece ligada principalmente ao realismo figurativo do cânone renascentista, aliada às convenções das imagens produzidas para reprodução industrial. Oliveira é um crítico enfático das características estereotipadas de certo tipo de ilustrações, por ele denominadas “doces de coco”: “apetitosas e açucaradas”, estas ilustrações que mais se assemelham a “padrões têxteis para quartos e enxovais de crianças, ou mesmo papel de embrulho para presentes” logo oferecem ao olhar uma experiência “nauseante e repetitiva” (op cit, p. 37). O recurso a este tipo de convenções visuais, já recusadas no campo das artes plásticas, constitui o que o autor chama de “artifício ante a falta de ofício” (ibid). Neste ponto, é oportuno examinarmos o papel das convenções exposto por Howard Becker em Arte como ação coletiva (1977a). Ao descrever as redes de cooperação entre os participantes de um mundo da arte33 – criadores intelectuais, executores, críticos, público, etc –, Becker destaca que a comunicação entre eles baseia-se em acordos prévios consolidados pelo hábito. Socialmente estabelecidas pelos costumes e práticas, as convenções são como facas de dois gumes. Por um lado, facilitam o entendimento entre as partes envolvidas (artistas e público, artistas e “pessoal de apoio, etc) e possibilitam que as coisas aconteçam ou sejam feitas com pouco dispêndio de tempo e energia. Por outro lado, as convenções limitam os artistas – principais responsáveis pela revisão dos padrões vigentes –, 32 33 Experiência e pobreza. In: Magia e Técnica, Arte e Política. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. O conceito de “mundo da arte” empregado no texto citado é melhor analisado em outro texto, “Mundos Artísticos e Tipos Sociais”. In: Velho, Gilberto (org.) Arte e Sociedade: Ensaios de Sociologia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977. 63 já que introduzir pequenas mudanças num sistema interdependente desencadeia mudanças também nos demais setores. (Becker, 1977a, p. 211) Becker pondera, no entanto, que “embora padronizadas, as convenções raramente são rígidas e imutáveis. Elas não especificam um conjunto inviolável de regras ao qual todo mundo deve se referir ao estabelecer questões sobre o que fazer.” (idem, p. 212). Este autor identifica diferentes graus e tipos de adesão ou afastamento em relação às convenções por parte dos artistas, classificando-os em quatro grupos, ou “tipos de artistas” (1977c): 1. Os profissionais integrados seguem as convenções vigentes, o que facilita sua aceitação pelo público e a cooperação por parte dos colaboradores. Por outro lado, mantendose dentro de limites preestabelecidos, correm o risco de realizar um “trabalho de rotina” – e mesmo dentro destes limites, espera-se que um artista apresente um mínimo de variações e inovações, ainda que marginais. Assim, há gradações de originalidade e valor conferido aos integrantes deste grupo. 2. Os inconformistas rompem com seu mundo artístico convencional de origem, propondo soluções inovadoras em obras difíceis de serem assimiladas. Afastando-se das normas e instituições, parecem desejar impor suas inovações em vez de conformarem-se com as convenções vigentes – às quais renunciam apenas parcialmente. Com o tempo, seu trabalho acaba por ser incorporado pelo mundo artístico ao qual pertencem, visto que as inovações são necessárias para a renovação da arte. 3. Os artistas ingênuos – chamados também de “primitivos” ou “espontâneos” – não contaram com treinamento formal para exercer sua arte, que desenvolvem de maneira espontânea, “sem referência às imposições das convenções de seu tempo” (op cit p. 21). Embora estes artistas comumente trabalhem de maneira solitária ou isolada, não é raro que muitos deles alcancem notoriedade. 4. Finalmente, na arte popular a criação é comunitária e anônima. A idéia de autoria não é importante: os participantes seguem convenções bem conhecidas, estabelecidas dentro daquela comunidade, o que facilita a ação coletiva. Becker aponta para a “dificuldade de se traçar uma fronteira precisa entre o profissional integrado inovador e o inconformista” (1977c, p. 17). De fato, embora Roger Mello desenvolva propostas artísticas originais que o identificariam como inconformista, não se 64 pode dizer que estas sejam rejeitadas pelo público (leigo ou especializado), nem tampouco que inibam a cooperação do “pessoal de apoio”. Isto poderia ser explicado, em parte, pelo fato de o livro ilustrado contemporâneo ser um campo integrado, mas bastante receptivo a inovações, onde profissionais criativos encontram excelente acolhida; ou talvez se explique pela personalidade carismática e proativa de Roger Mello,34 que combina a facilidade de interação social à determinação em não conformar-se com limitações – mais do que ser forçado a aceitar suas inovações, o público é “encantado” por elas. Voltamos, assim, às qualidades de um bom narrador (Benjamin, 1994) que sabe como envolver e se comunicar com sua audiência. Os outros dois tipos – artistas ingênuos e arte popular – contam com a declarada admiração de Roger Mello. O artista aponta o Museu Casa do Pontal (RJ)35 como, mais do que uma fonte de pesquisa e inspiração, um lugar emocionante, com seu importantíssimo acervo de obras de artistas ingênuos e populares. Roger questiona, inclusive, a diferenciação que se costuma estabelecer entre os artistas plásticos de renome e os artistas populares, genericamente agrupados sob esta denominação. Para ele, a poética visual em obras de artistas “populares” (que correspondem aos que Becker chama de “ingênuos”) proporciona uma experiência estética tão emocionante que “dá vontade de chorar”, o que aconteceu a Roger Mello e a outros visitantes, como ele presenciou acontecer (Mello, 2010). Assim, a distinção estabelecida por Becker entre artistas ingênuos e arte popular vem ao encontro de observações de Roger Mello a respeito deste tipo de produção artística externa ao cânone institucional. Observa-se nos trabalhos de Roger Mello um afastamento progressivo deste cânone em direção a uma grande liberdade de repertório visual. É interessante notar que, neste percurso, o artista circula por todos os quatro grupos mencionados por Becker. Seus primeiros livros são integrados, respeitando as convenções do realismo figurativo e incorporando também características do cartum, como nota-se em A flor do lado de lá (p. 143) e O próximo dinossauro (p. 147). Mas a partir de Maria Teresa (p. 149), observa-se uma mudança marcante de vocabulário visual, com a incorporação e mistura de estilos variados, no que se poderia identificar uma característica pós-moderna. Curiosamente, ao afastar-se das convenções vigentes no mundo da ilustração de livros infantis da época (início dos anos 1990), Roger 34 35 Ver FERRAROTTI, Franco, op cit. Para informações sobre o museu, consultar http://www.museucasadopontal.com.br. Acesso em 25 fev. 2011. 65 Mello volta-se em primeiro lugar para a arte popular. De forte significado para o artista – seja por questões afetivas, ligadas às memórias da infância; seja por questões ideológicas, de expansão dos limites do conceito de arte – a cultura popular é uma das mais significativas referências incorporadas em seus livros. O olhar de Roger Mello sobre culturas populares vem de longe. Vem da infância, na cidade de Brasília, onde nasceu. E como um menino criado em uma cidade com arquitetura futurista e moderna se tornou autor de histórias sobre nossas raízes? Brasília, por ser uma cidade muito nova, reúne gente do Brasil inteiro propiciando a convivência de várias culturas do país e que são muito diferenciadas. Além disso, a cidade foi criada dentro do estado de Goiás, onde o folclore é extremamente vivenciado. (LEIABRASIL, s/d) Logo depois de Maria Teresa, outros dois livros formaram uma trilogia inspirada na cultura popular, especialmente nas festas e folguedos: Bumba meu Boi Bumbá (1996) e Cavalhadas de Pirenópolis (1997). O impacto e a acolhida destes livros foram tão positivos que, apesar de continuar interessado na cultura popular, Roger Mello decidiu afastar-se temporariamente destas referências para não ficar rotulado como “folclorista”. Anos depois, este interesse voltaria a se manifestar em Nau Catarineta (2004), uma festa popular brasileira inspirada na tradição do cancioneiro lusitano. Neste livro, além da arte popular (por exemplo, as tábuas votivas), há também referência a um artista ingênuo, Nhô Caboclo, cujas obras podem ser admiradas no Museu Casa do Pontal. Em boa parte dos livros ilustrados de Roger Mello é possível identificar elementos significativos da cultura popular, tanto nas narrativas verbais quanto nas visuais. Investigando seu modo de trabalho, pode-se perceber interessantes aspectos de escrita etnográfica36 das festas populares para crianças nos livros Bumba meu boi Bumbá, Cavalhadas de Pirenópolis, Maria Teresa e Nau Catarineta. É importante assinalar que, se na narrativa verbal não se nota qualquer diferença marcante de estilo nestes quatro livros, o mesmo não acontece com a narrativa por imagens – os três livros onde havia um prévio envolvimento afetivo com as festas (Cavalhadas de Pirenópolis, Maria Teresa e Nau Catarineta) apresentam uma narrativa visual mais pormenorizada, como uma descrição densa; o que já não acontece em Bumba meu boi Bumbá: “Quase todos os livros e peças teatrais que escrevi surgiram de uma experiência 36 Sobre a escrita etnográfica, ver GEERTZ, Clifford. Obra e vida. O antropólogo como autor. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009 e CLIFFORD, James. A experiência etnográfica. Antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. 66 pessoal. De certa forma, eu vivenciei, conheço as festas populares e as manifestações do folclore que foram a inspiração para os meus textos.” (Mello, 2003, p. 25) Ao produzir estas narrativas, Roger está longe de uma visão romantizada, de “resgate” ou preservação das manifestações folclóricas. Ao contrário, seu interesse é pela vida, pelos modos singulares e ao mesmo tempo universais como as coisas acontecem. A idéia, assim como nas Cavalhadas, é criar um vínculo através das histórias, mas não explicando – até porque não é possível explicar, nunca será possível explicar de uma maneira inteira. Na verdade, a idéia é provocar o caótico. Existem pessoas que vivem de maneira diferente, e coisas que são iguais em todas as crianças. Você não tem interesse pelo que lhe é alheio? Eu morro de interesse. (Mello, 2003, p. 30) No período recortado nesta pesquisa, ou seja, 20 anos de carreira (1990-2009), Roger Mello ilustrou quase cem livros. Dentre os que são de sua inteira autoria (imagem e texto), pode-se verificar seu grande interesse por temáticas brasileiras: ele trata de cultura popular (festas, folguedos, lendas, brinquedos e brincadeiras); de animais, plantas, pessoas; da vida em ambientes urbanos, campestres e naturais. Em suas ilustrações, saltam aos olhos as cores luminosas e as referências às artes plásticas, especialmente à arte popular. Além das já mencionadas referências à arte popular e aos artistas ingênuos, encontramse em seus livros ilustrados muitas referências a vanguardas artísticas que, em seu tempo, promoveram rupturas importantes com as convenções então vigentes no mundo das artes plásticas. Se hoje estes movimentos já foram devidamente assimilados por este mundo, o mesmo não acontece com a ilustração que, como visto anteriormente, não acompanha simultaneamente o desenvolvimento nas artes plásticas. Assim sendo, ao trazer para suas obras referências que representaram importantes inovações nas artes plásticas, Roger Mello promove a renovação das convenções e a ampliação dos limites do livro ilustrado. Além de referir-se à cultura popular em narrativas verbo-visuais – como em Maria Teresa (1996), Cavalhadas de Pirenópolis (1997) e Nau Catarineta (2004) –, Roger Mello faz misturas inusitadas na linguagem visual, recolhendo, processando e integrando referências variadas. O artista combina referências da arte indígena, africana e da op art em Bumba meu boi Bumbá (1996); transforma um personagem de cartum em personagem cubista em O gato Viriato (1993) e Viriato e o leão (1996); faz uma viagem pelos estilos da arte universal em Griso, o unicórnio (1997); emprega materiais que vão dos tradicionais lápis, tintas aquareladas e acrílicas em Todo cuidado é pouco (1999) à sucata, plástico e tinta industrial em Meninos do 67 mangue (2001). Seu desprendimento em relação às muitas convenções estabelecidas em torno do livro abrange também a construção deste objeto, bastante evidente nos projetos gráficos diferenciados de obras como Zubair e os labirintos (2007) e Zoo (2008). Benjamin (1994) considera que a arte de narrar entra em declínio a partir do momento em que a experiência coletiva (erfahrung) das sociedades artesanais é suplantada pela experiência particular e privada, vivida individualmente (erlebnis), das sociedades industriais. Ao criar narrativas inspiradas na tradição oral e nas manifestações populares, e também ilustrá-las mesclando referências da arte popular, das vanguardas artísticas e da cultura de massa, Roger Mello revigora o repertório herdado da experiência tradicional e compartilha-o com as novas gerações. De fato, pode-se afirmar que Roger é um verdadeiro “artista do seu tempo”, que inclui e reprocessa uma variedade de influências e citações amalgamadas em uma narrativa própria, autoral, como Ziraldo descreve com precisão: Roger é um autodidata. Aprendeu no ar. Tem a mesma mão do diabo que tinha aquele personagem daquele conto que virou filme, lembram? Mas é um anjo. Um anjo inquieto que sabe que suas mãos são um instrumento poderoso e competente, mas que é preciso preparar a alma para que as mãos correspondam. Ele a tem preparado, com cuidado e zelo, e vive – eu diria: inquieto – atrás de uma linguagem própria, de um estilo, de um caminho pessoal para a arte de um ilustrador que seja decididamente brasileira. Com este livro, Roger começa a desenhar para si mesmo este caminho e, quase certamente, um caminho para toda a ilustração de livros para criança no Brasil. (Ziraldo, 1996, 4a capa de Maria Teresa) O caminho preconizado por Ziraldo de fato aconteceu. Roger Mello é hoje um artista reconhecido internacionalmente que, com extraordinário talento, singulariza em suas obras uma tendência de todo um grupo de ilustradores brasileiros contemporâneos, interessados em desenvolver uma linguagem visual autêntica – tendência que, por sua vez, particulariza uma tendência universal pela valorização do local face ao global, pela revisão dos limites entre popular e erudito e pela livre expressão da diversidade. 68 CAPÍTULO 2 O livro (infantil?) ilustrado  Qualquer fenômeno artístico, seja ilustração, seja pintura, é um fenômeno de comunicação. Rui de Oliveira 1 Como visto no capitulo anterior, Roger Mello é um artista que se expressa por variados meios, distinguindo-se como um “narrador” – o que nos leva para o campo da comunicação e da linguagem. É interessante assinalar que estamos tratando de livros ilustrados, objetos onde acontece uma convergência das mensagens visual e verbal.2 Pois é justamente de estudos concernentes à linguagem falada – a linguística – que vêm os modelos atualmente empregados na análise das mensagens visuais. Influenciado por estudos em campos como a teoria matemática da comunicação e a teoria da informação,3 o linguista russo Roman Jakobson (1958) define seis funções que a linguagem assume, tomando por referência os elementos envolvidos nas situações de comunicação: CONTEXTO REMETENTE MENSAGEM DESTINATÁRIO CANAL CÓDIGO Prevendo um contexto “que seja verbal ou suscetível de verbalização” (op cit, p. 124), este modelo tornou-se amplamente conhecido e adaptado a outros contextos. Nesta pesquisa, tratamos de livros ilustrados – objetos industriais que se inscrevem no contexto da comunicação de massa, onde “uma minoria produz, de uma forma quase industrial, mensagens que a grande massa absorve em silêncio” (Kientz, 1973, p. 19), situação confirmada por Oliveira (2003, p. 126): “Prototipicamente, o ato de ler um livro é monolocutivo, com o autor in 1 2 3 OLIVEIRA, 2008, p. 31. Por definição, ilustração é qualquer imagem que acompanha um texto. Especialmente Claude Shannon e Warren Weaver. Ver JAKOBSON (1958), p. 18. 69 absentia.” Para este contexto, Kientz prevê algumas variações em relação ao esquema interlocutivo de Jakobson: O ato elementar de comunicação implica a existência de um EMISSOR, que elabora uma mensagem a partir de sinais tomados de um REPERTÓRIO (código), de um CANAL pelo qual a mensagem é transferida através do espaço e do tempo, e de um RECEPTOR, o qual recebe a mensagem e a decifra (decodifica), com a ajuda dos sinais que ele tem armazenados em seu próprio repertório (cf. Figura 1). Para que haja comunicação, é necessário que a cadeia emissor-canal-receptorrepertório funcione corretamente em todos os seus pontos. Isto pressupõe, em primeiro lugar, que o emissor e o receptor falem a mesma linguagem, que tenham em comum, pelo menos parcialmente, um mesmo repertório. (Kientz, 1973, p. 1718, grifo nosso) Kientz concentra-se na análise de conteúdos veiculados por canais temporais, que fixam as mensagens em suportes materiais, notadamente os impressos – categoria à qual pertencem os livros ilustrados. Situados, assim como os anúncios publicitários e os quadrinhos, no universo dos impressos que veiculam conjuntamente mensagens linguísticas (texto escrito) e mensagens icônicas (imagens), estes objetos distinguem-se por apresentarem narrativas sequenciais em páginas individuais. Os livros contam ainda com uma história e um papel riquíssimos na cultura ocidental,4 sendo sua associação ao universo infantil relativamente recente.5 Suporte principal do código escrito, o livro é um objeto cultural que legitima o saber e que hoje encontra-se no centro da polêmica que trata da mudança de paradigmas sociais, em curso a partir da revolução digital. Se vem mantendo historicamente suas características físicas e 4 5 Há bibliografia abundante sobre a história e o papel do livro na cultura ocidental, da qual destacamos BARBIER, Frédéric. História do livro. São Paulo: Paulistana, 2008; MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegaor. São Paulo: Summus, 1987; MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Nacional, 1977. Sobre história do livro ilustrado, ver POWERS, Alan. Era uma vez uma capa: história ilustrada da literatura infantil. São Paulo: CosacNaify, 2008 e BLAND, David. A History of Book Illustration. Londres: Faber & Faber, 1958. 70 estruturais desde que assumiu a forma de códice, admite uma diversidade de apresentações de conteúdo – ou, como diria Barthes (1971), um sistema estável com uso variável. Uma destas variantes de uso é o livro infantil, que tem como particularidade de apresentação de conteúdo o fato de ser ilustrado – além de outras características relacionadas ao projeto gráfico, como formato, número de páginas, diagramação, tipografia, cores e acabamento. A distinção entre uso e apresentação é bastante oportuna neste caso, já que a identificação de um livro como infantil é consideravelmente complexa. A definição de literatura infantil enquanto gênero literário permanece em construção, em meio a constantes revisões sobre o que a caracterizaria. Haveria no livro para crianças alguma característica intrínseca, como defende Perry Nodelman (2008) e refuta Maria Nikolajeva (2006)? Seria ele definido pelo público leitor (Coelho, 2000)? Ou por características formais, de construção do objeto livro (Lins, 2004)? Alguns autores, como Peter Hunt (2010), chegam mesmo a aventar a possibilidade de que o que distingue este gênero poderia ser tão somente a classificação das editoras, norteada por critérios comerciais e de adequação ao ponto-de-venda. Dentro do gênero principal “literatura infanto-juvenil”, por si só de difícil definição, existem subcategorias que apresentam características próprias, às quais se pode relacionar um perfil de leitores, segmentados segundo sua competência leitora. Esta segmentação é uma prática comum no mercado editorial, tendo por finalidade auxiliar os adultos na escolha de quais livros oferecer às crianças e jovens. Anteriormente obedecia a um critério etário, o que se mostrou constrangedor para crianças que se alfabetizam em épocas diferentes da maioria, bem como desinteressante para crianças que mergulham na leitura antes das outras. Assim, passou-se a adotar o critério da competência leitora, que leva em consideração as habilidades individuais: pré-leitor, leitor iniciante, leitor em processo, leitor fluente, leitor crítico e leitor jovem (Coelho, 2000, p. 198). Como qualquer classificação, esta oferece riscos e não deve ser encarada como uma camisa-de-força, armadilha em que incorrem muitos adultos bemintencionados. Uma outra proposta de classificação dos diferentes tipos de livros infanto-juvenis – ainda não consolidada no Brasil 6 embora em uso no cenário internacional há algum tempo – baseia-se no tipo de interação entre palavras e imagens conforme a contribuição de cada uma delas na construção da narrativa (Nikolajeva, 2006): 6 Recorremos aqui aos termos propostos pela tradução, bastante criteriosa, do livro de Peter Hunt (2010), que é a publicação mais recente em língua portuguesa no campo do livro infantil. 71 • O livro de imagens é composto por uma narrativa sem palavras. Embora tradicionalmente associados aos pré-leitores – assim denominados por ainda não dominarem a leitura do código escrito, mas serem perfeitamente capazes de ler imagens – não quer dizer que se restrinjam a este público e não possam ser apreciados por leitores mais experientes.7 • O livro ilustrado tem um equilíbrio equidistante entre o texto verbal e o texto imagético. Costuma-se associá-los preferencialmente a leitores iniciantes ou em processo, que já dominam o código escrito mas ainda não têm fôlego para acompanhar textos muito extensos ou complexos. São os exemplos perfeitos do conceito de convergência intersemiótica8, onde as narrativas imagéticas contribuem para a experiência leitora em pé de igualdade com as narrativas verbais. • O livro com ilustrações apresenta textos mais extensos e complexos acompanhados por menos imagens, que desempenham um papel periférico na construção da narrativa. Representam uma aproximação maior com os livros para o público adulto e destinam-se a um leitor mais experiente (leitor fluente, leitor critico ou leitor jovem), capaz de ler e fruir, sem auxílio, textos de maior extensão ou complexidade. Esta foi a abordagem escolhida nesta pesquisa: focada mais no objeto do que no tipo de leitor, coloca em segundo plano a associação com faixas etárias ou habilidades de leitura e põe em evidência as concepções contemporâneas de infância – assim como os adultos, as crianças também merecem ter a oportunidade de explorar livremente o universo dos livros. O foco no objeto também vem ao encontro de afirmações de Roger Mello, que diz não pensar em um leitor específico quando cria suas narrativas: Procuro fazer alguma coisa que me instigue e que instigue quem está participando disso, que é o leitor. Porém, na hora em que estou fazendo, não penso no leitor, por que não sei quem vai ler o texto. Escrever pensando num público preestabelecido seria como trair o leitor. Não posso pensar no receptor enquanto produzo! (2003, p. 45). 7 8 Eis aí um interessante ponto para problematização: a preponderância do código escrito sobre as demais linguagens suprime a percepção da existência e da importância da leitura de imagens. Ver MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. Ver definição de Luís Camargo mais adiante, no item 2.4. 72 2.1 DE OBJETO PEDAGÓGICO A OBJETO ESTÉTICO Livros ilustrados não precisam de qualquer justificativa a não ser o fato de que são um modo interessante e bemsucedido de contar histórias – e que podem e de fato dão prazer a espectadores e leitores, tanto crianças quanto adultos. Perry Nodelman 9 Imagens narrativas acompanham a humanidade desde a prehistória, como demonstram as pinturas rupestres. Se ainda persiste, por uma lado, a questão da motivação que levou nossos distantes ancestrais a fixarem na pedra as imagens que povoavam suas mentes, por outro lado não resta dúvida que elas cumprem um papel de signo, por expressarem um significado por meio de um significante (ainda que para nós sua significação permaneça obscura em alguma medida). Ao longo da história humana, a criação de imagens sobre diversos suportes esteve sempre presente – e esta é uma história que pode ser acompanhada no livro Griso, o unicórnio, onde Roger Mello traça um amplo painel da arte universal, na busca do personagem-título por “um outro, seu igual”. As ilustrações10 mostram o personagem assumindo formas variadas, conforme a estilo característico de diferentes épocas e lugares por onde passa. No Ocidente, as iluminuras medievais foram as primeiras criações de imagens acompanhando textos manuscritos, e seriam as precursoras da ilustração editorial, delas derivando todo um léxico empregado atualmente nas artes visuais e gráficas, como explica Oliveira (2008). Quase sempre associados a temas religiosos, os manuscritos ilustrados assumiriam também objetivos pedagógicos a partir do surgimento das universidades urbanas no século XI.11 Os livros ilustrados para crianças surgem a partir do momento em que a infância começa a ser percebida como uma etapa distinta no desenvolvimento humano. Philippe Ariès (1981) demonstra como, durante a Idade Média, as crianças misturavam-se desde muito cedo 9 10 11 NODELMAN, Perry. Words about Images: the narrative art of children´s picture books. Atenas: University of Georgia Press, 1988. Ver imagens e análise do livro no capítulo três, p. 162. Ver CASSAGNES-BROUQUET, Sophie. La passion du livre au Moyen Age. Rennes: Editions Ouest-France, 2010. 73 ao mundo dos adultos, partilhando de seus trabalhos e jogos: “ durante séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à convivência da criança ou do jovem com os adultos. A criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-lo” (p. 10). Por volta do século XVII, a reorganização da sociedade proporcionou a “invenção da infância”, quando o aprendizado foi substituído pela escola, com a consequente demanda por materiais pedagógicos. De fato, a primeira publicação que se costuma identificar como livro ilustrado para crianças é Orbis Sensualium Pictus (O mundo visível em imagens), publicado em 1658 pelo educador tcheco Johan Amos Comenius. É um tipo de enciclopédia visual que mostra, para cada letra do alfabeto, uma ilustração contendo várias figuras cujos nomes se iniciam com aquela letra.12 Este livro, inovador para uma época em que imperavam os castigos físicos, trazia uma concepção que até hoje continua valendo (não sem controvérsias) na literatura infantil – ser utile et dulcis, unindo conhecimento e entretenimento.13 A produção de livros ilustrados em maior quantidade foi possibilitada pela invenção da imprensa por Gutenberg, em 1440, e a evolução da ilustração editorial acompanhou o desenvolvimento das técnicas de impressão a partir daí: xilogravuras no século XV; gravura em metal nos séculos XVI e XVII; litografia a partir do final do século XVIII, que evoluiu para a fotolitografia no século XIX; processos fotomecânicos de separação de cores no século XX; até chegar aos processos CTP (computer to plate) empregados atualmente (Araújo, 2008). A contínua evolução dos processos de impressão permitiu que a ilustração alcançasse patamares artísticos cada vez mais elevados, culminando no período que fixou conhecido como “Era de Ouro da Ilustração”, em fins do século XIX.14 Grandes nomes, como Gustave Doré, Edmund Dulac, Arthur Rackham, Walter Crane e Kay Nielsen criavam imagens de alta qualidade artística, explorando ao máximo os recursos gráficos da época, e permanecem como referências para os ilustradores contemporâneos. Também neste período, destacamos a inglesa Beatrix Potter, autora do clássico Peter Rabbit (1902), que foi uma das primeiras autoras de livros infantis a criar tanto textos quanto imagens. O belo nome “Era de Ouro” não deve, no entanto, ocultar o fato de que a ilustração de livros para crianças tem percorrido um longo caminho até alcançar a maioridade artística. A 12 13 14 Ver MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. A persistência deste secular princípio – formulado por Horácio na Ars Poetica (68-65 BC) – na literatura infantil “mesmo depois de seu quase desaparecimento em outras áreas” é questionado por muitos críticos contemporâneos. CRAGO apud HUNT, 2010, p. 30. Para mais informações sobre este período, ver DALBY, Richard. The Golden Age of Children's Book Illustration. Londres: Michael O'Mara Books Ltd., 1991. 74 história relativamente recente dos livros para crianças – surgidos na Europa do século XVII, no contexto de transição da cultura oral da tradição camponesa para a cultura letrada urbana, identificada com a ideologia da burguesia ascendente – não esmaeceu o caráter informativo e moralizante de sua origem: Até que ponto os livros para crianças são didáticos? E ate que ponto são necessariamente didáticos? É lugar-comum dizer que os livros para criança do século XIX tinham forte peso didático e que se destinavam principalmente a moldar as crianças em termos intelectuais ou políticos. Em geral, supõe-se que esses livros representem hoje – e deveriam representar – a liberdade de pensamento. Pode-se questionar se isso é de fato possível (e a situação difere radicalmente de um pais para outro), mas [...] a utilização de livros para manipular a infância de maneira deliberada está longe de ter morrido. (HUNT, 2010, p. 58) A estreita vinculação dos livros ilustrados aos contextos pedagogizante/escola e moralizante/valores burgueses conferiam à ilustração um status de menor valor no contexto das belas artes – sendo a infância, até recentemente, considerada uma etapa menos importante em relação à idade adulta,15 toda produção cultural a ela destinada16 sofria da mesma desvalorização.17 Consequentemente, a ilustração de livros infantis foi durante muito tempo encarada como arte de menor importância. Muitas revisões conceituais se sucederam até que o livro para crianças alcançasse um lugar de destaque. No entanto, ainda há quem considere a ilustração como subordinada ou coadjuvante do texto verbal, encarando-as como mero ornamento – funcionando quer como atrativo para o conteúdo verbal, quer complementando sua compreensão – ou até mesmo condenando sua existência.18 Além disso, as abundantes críticas à preponderância da visualidade na sociedade contemporânea continuam alimentando uma suposta polêmica entre a leitura de palavras e a leitura de imagens – experiências que, no livro ilustrado, beneficiam-se mutuamente, como defende Peter Hunt: “do ponto de vista contemporâneo, [os livros para criança] são vitais para 15 Ver ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981. Sobre produção cultural para a infância, ver JACOBY, Sissa (org.). A criança e a produção cultural: do brinquedo à literatura. Porto Alegre, Mercado Aberto, 2003. 17 Charles Perrault, primeiro autor a recontar narrativas populares adaptando-as ao gosto da época em Contos da Mãe Gansa, em 1697, ocultou sua autoria assinando a obra com o nome de seu filho mais velho. Mais de dois séculos depois, em 1902, Beatrix Potter, autora inglesa do hoje clássico Peter Rabbit, enfrentou grandes dificuldades para convencer os editores a publicarem seus livros ilustrados. 18 A este respeito, notar a interessante posição dúbia de Cecília Meirelles: ao mesmo tempo que condena as ilustrações, relata suas memórias afetivas da infância em relação ao livro ilustrado. MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984 16 75 a alfabetização e para a cultura, além de estarem no auge da vanguarda da relação palavra e imagem nas narrativas, em lugar da palavra sinplesmente escrita” (2010, p. 43) A leitura de textos acompanhados de imagens tem sido considerada como uma preferência das crianças e classes populares – situação que muitos adultos letrados associam a pouca instrução, pouca erudição, enfim, algo de menor valor19: “Ou, de forma mais sutil, será uma afirmação ideológica de que a literatura (e o Livro) é um símbolo de poder e opressão?”, questiona Hunt (2010, p. 52). O livro é um objeto cultural que legitima o saber, as leis, a cultura erudita: o suporte principal da escrita, sendo esta a referência fundamental que marca o surgimento da história. Um templo sagrado onde só são admitidos os iniciados, aqueles que sabem ler. Em nossa sociedade leitora, quem é analfabeto está em condição inferiorizada,20 com limitado acesso ao conhecimento, à cultura, à cidadania. Não muito distante dos totalmente analfabetos estão os analfabetos funcionais, que embora sabendo ler trechos simples (uma placa de rua, um bilhete, uma receita, uma conta de celular) são incapazes de ler e compreender textos de maior extensão ou complexidade. A experiência com livros ilustrados na infância pode ser decisiva para reverter um afastamento histórico (principalmente, mas não apenas) das classes populares em relação à cultura letrada no Brasil. A leitura literária pode ser uma experiência empática e participativa, onde o leitor contribui ativamente na produção de sentidos da narrativa. Rui de Oliveira reflete a respeito da transição, ainda em processo, entre utilitarismo pedagógico e fruição empática no livro ilustrado: Ao livro ilustrado de caráter utilitário, pedagógico, sobrepõe-se a dimensão estética e afetiva, orientada preponderantemente pela fruição artística e empatia, e não mais apenas pela transmissão ideológica – embora estas duas dimensões permaneçam frequentemente misturadas em diferentes graus de prevalência. (Oliveira, 2008, p. 39). Se a possibilidade de assumir um papel ativo está ao alcance também do leitor em formação, esta experiência fica prejudicada pelo contexto em que surge a literatura infantil, e que persiste nos tempos atuais – fortemente marcado por finalidades moralizantes, 19 20 Ver considerações de: OLIVEIRA, Ieda de. O contrato de comunicação da literatura infantil e juvenil. Rio de Janeiro, Lucerna, 2003. O leitor, de Bernhard Schlink (2009), livro que virou um filme homônimo de sucesso, narra o drama de uma protagonista analfabeta que prefere ser presa a confessar que não sabe ler. 76 principalmente no contexto escolar.21 No Brasil, a situação é agravada pela concentração de renda e pela tradição cultural, que associa o livro a uma elite intelectual e econômica, afastando portanto as crianças e as classes populares de sua fruição estética – que poderia proporcionar-lhes uma experiência libertária, contrabalançando a predominância das mensagens estereotipadas (principalmente as visuais) da cultura de massa, que lhes oferece fácil acesso, fácil assimilação e fácil acomodação. Paradoxalmente, o livro ilustrado contemporâneo é um produto da cultura industrial que não perde sua aura,22 conservando o potencial de converter-se em objeto estético 23 proporcionado pelas diversas instâncias de leitura. Eis um ponto que nos interessa especialmente: a possibilidade transgressora – oferecida aos jovens leitores pela leitura de imagens – de aproximação e apropriação em relação ao livro, experiência diluidora de preconceitos que possa ampliar seus horizontes e sua humanidade. 2.2 ERA UMA VEZ NO BRASIL Entre nós, além das desigualdades sociais e econômicas que caracterizam nossa sociedade, há a herança de um passado colonial nem tão distante. A produção de livros no Brasil começou com grande atraso em relação ao resto do mundo, por conta de proibições da coroa portuguesa: enquanto outras colônias europeias nas Américas (incluindo o México) já produziam seus próprios impressos desde o século XVI, foi apenas com a chegada da família real portuguesa, em 1808, que a impressão foi autorizada por aqui24. Até então, qualquer tipo de impresso – fossem jornais, livros ou panfletos – era produzido na Europa, principalmente na França, que permaneceu por longo tempo como a principal referência na área editorial (como de resto na cultura erudita de um modo geral). Este atraso industrial foi recuperado no final século XIX, e prosseguiu no século XX quando Monteiro Lobato modernizou o parque gráfico brasileiro como parte dos seus planos 21 22 23 24 Sobre história da literatura infanto-juvenil e mudanças de paradigma, ver: COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil. Teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. Sobre o conceito de aura, ver: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras Escolhidas I: Magia e Técnica, Arte e Política. 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. Ver SIPE, L. R. “Picturebooks as aesthetic objects”. Literacy Teaching and Learning: an international journal of early reading and writing, n. 6, 2001b, p. 23-42. Ver HALLEWELL, Lawrence. O Livro no Brasil, Sua Historia. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2005. 77 em favor da cultura brasileira:25 com grande visão, ele “atacou” dois pontos críticos da época – a indústria e as novas gerações.26 Depois da “revolução” de Lobato, iniciada com a publicação de Reinações de Narizinho em 1921, um outro salto de qualidade na literatura infanto-juvenil brasileira só viria a acontecer nos anos 1970.27 Em meio ao cenário da repressão militar às manifestações “subversivas”, com censura generalizada à cultura – e as estratégias dos artistas para driblá-la: canções do exílio, “O Sol nas bancas de revista”, Chico Buarque e Julinho da Adelaide, espaço em branco na primeira página censurada do JB – os livros para crianças passavam desapercebidos, obras desprovidas de importância perante a atenção dos censores, ocupados com assuntos “sérios”. Pois foi exatamente neste “vazio” que grandes escritoras, como Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Lygia Bojunga28, transmitiram seu recado inconformista para as novas gerações, marcando a partir daí um novo salto qualitativo na produção cultural para a infância. Este processo extrapola e texto e chega à imagem: artistas pioneiros como Ziraldo, Gian Calvi e Eliardo França29 abrem caminho para, entre outros que começam a publicar nos anos 1980, Rui de Oliveira, Ciça Fittipaldi, Angela Lago. Nos anos 1990, a ilustração brasileira dá também um salto de qualidade e consolida “a consciência de sua originalidade e personalidade cultural distinta”, como bem comenta a própria Ana Maria Machado no prefácio do livro de Rui de Oliveira, Pelos Jardins Boboli: Em vários seminários e encontros, tenho tido a oportunidade de ouvir alguns artistas que nos trazem uma visão crítica aguda e rigorosa sobre seu trabalho e o de colegas, atestando uma consciência lúcida sobre o que estão fazendo ou pretendendo. Para só citar alguns, poderia lembrar diferentes intervenções instigantes, a cargo de Ciça Fittipaldi, Ângela Lago, Roger Mello, Guto Lins e, especialmente, Rui de Oliveira e Graça Lima. (2008, p. 15-16, grifo nosso) 25 26 27 28 29 Ver LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Melhoramentos, 1972. Qualquer semelhança com pontos críticos no Brasil contemporâneo não será mera coincidência: a autonomia na produção industrial (seja de bens materiais ou culturais) e a formação das novas gerações continuam sendo metas fundamentais para o desenvolvimento do país – e o livro infantil situa-se numa zona de confluência entre estes importantes temas. Ver SANDRONI, Laura. De Lobato a Bojunga. As reinações renovadas. Rio de Janeiro: Agir, 1987. Não custa lembrar que Lygia Bojunga e Ana Maria Machado conquistaram o prêmio Hans Christian Andersen, mais importante láurea da literatura infanto-juvenil, por seu trabalho como escritoras, respectivamente, em 1982 e 2000, e que Roger Mello foi indicado para concorrer ao mesmo prémio em 2010 na categoria “Ilustração”. Ver dissertação de mestrado de LIMA, Graça. O design gráfico do livro infantil brasileiro: a década de 70 – Ziraldo, Gian Calvi, Eliardo França. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Artes e Design, 1999. 78 Unindo a fluência de escritora à argúcia intelectual e profundo conhecimento da literatura infanto-juvenil brasileira, a autora faz uma descrição preciosa deste importante momento de afirmação identitária da ilustração brasileira, situando-a historicamente nos contextos brasileiro e internacional, quando luta e conquista o reconhecimento de jurados, editores e crítica especializada: Nunca lhes ocorrera que ilustração também exige tradução e que o olhar europeu ou norte-americano, oriundo das belas artes canônicas, é muito diferente da mirada dos povos tropicais e mestiços que nós somos, confluência de tradições culturais diversas e artesanatos ricos, formados por um amálgama de diferentes continentes entrelaçados, estuários de linguagens autóctones originais e de um patrimônio riquíssimo e dinâmico, em explosiva mutação, fruto de heranças diversas de múltiplas imigrações e variados contatos. (2008, p. 16-17) À elevação da qualidade artística dos livros ilustrados no Brasil nos anos 1990, sucede-se uma extraordinária expansão do mercado editorial para crianças e jovens na primeira década do século xxi, intimamente ligada aos projetos do governo visando à formação de leitores – principalmente o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). São programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do Ministério da Educação (MEC), que compram e distribuem livros de literatura e didáticos para escolas de todo o país, e têm um poderoso impacto no mercado editorial brasileiro, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade – especialmente o caçula PNBE, criado em 1997.30 Após a abertura do edital anual, as editoras inscrevem livros de seus catálogos, que serão submetidos a um processo de avaliação para escolha das obras a serem adquiridas pelo governo naquele ano. 30 “O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) promove o acesso à cultura e o incentivo à formação do hábito da leitura nos alunos e professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência. Desde que foi criado, em 1997, o programa vem se modificando e se adequando à realidade e às necessidades educacionais. Sob a gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tem recursos financeiros originários do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salárioeducação. O PNBE atende, em anos alternados, à educação infantil e ao primeiro segmento do ensino fundamental e ao segundo segmento do ensino fundamental e ensino médio. As obras distribuídas incluem textos em prosa (novelas, contos, crônica, memórias, biografias e teatro), obras em verso (poemas, cantigas, parlendas, adivinhas), livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos.” Texto constante do site oficial do PNBE/MEC, disponível online em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view= article&id= 12368 &Itemid=574. Acesso em 21 dez. 2010. 79 As tiragens são enormes – nos últimos anos, a tiragem média de cada livro foi de 30 mil exemplares31 – e o grande interesse das editoras faz com que cada vez mais procurem adequar seus livros aos critérios do programa, o que traz como efeito colateral a homogeneização das obras. Outro efeito colateral é a “invasão” de grandes grupos estrangeiros – principalmente espanhóis e mais recentemente portugueses – que compram editoras nacionais, formando gigantescos conglomerados, quase sempre pautados por critérios estritamente comerciais. O investimento na formação de leitores alinha-se com as metas de desenvolvimento do Brasil – hoje um dos integrantes do BRIC,32 luta para ascender da condição de emergente a pais desenvolvido. Um dos maiores desafios do governo neste sentido é a valorização da educação, com a melhoria dos índices de escolaridade, a exemplo do que aconteceu na Coréia do Sul.33 Esta melhoria passa pela formação de leitores, que traz alguns desdobramentos: a leitura pode ter fins utilitários – como permitir a formação de mão-de-obra qualificada – mas, como um cavalo de tróia, traz embutida a possibilidade transgressora de elevação do nível de consciência de si e do mundo, produzindo o efeito colateral de levar os leitores (pensadores / cidadãos / eleitores) a um questionamento e posicionamento críticos em relação ao status quo. Uma faca de dois gumes a ser cuidadosamente considerada pelo poder constituído, como expõe Umberto Eco: se numa situação de tensão social, eu aumentar os salários dos operários de uma fábrica, pode acontecer que essa solução reformista dissuada os operários da ocupação do estabelecimento. Mas, se a uma comunidade agrícola de analfabetos ensino a ler para que estejam aptos a ler só os “meus” pronunciamentos políticos, nada poderá impedir que amanhã esses homens leiam também os pronunciamentos “alheios”. Ao nível dos valores culturais não se verifica cristalização reformista mas tão-somente a existência de processos de conhecimento progressivo, os quais, uma vez abertos, não são mais controláveis por quem os desencadeou. (2001, p. 52) Quer-nos parecer que, a despeito do risco que correm ao formar cidadãos críticos e questionadores das desigualdades sociais e econômicas, os governos têm dedicado atenção 31 32 33 Ver Associação Brasileira de Editores de Livros – ABRELIVROS. Disponível online em http://www. abrelivros.org.br/abrelivros/01/index.php?option=com_content&view=category&id=7&Itemid=15. Acesso em 12 fev. 2011. Acrônimo criado em 2001 pelo grupo financeiro Goldman Sachs, para designar os quatro principais países emergentes do mundo – Brasil, Rússia, Índia e China. Ver matéria assinada por BIANCONI, Cesar. Melhorar educação básica no Brasil é vital para mão de obra. O Globo online, 20/07/2010. Disponível online em http://oglobo.globo.com/pais/mat/ 2010/07/20/melhorareducacao-basica-no-brasil-vital-para-mao-de-obra-917196226.asp. Acesso em 21 jul. 2010. 80 especial e duradoura às ações em prol da formação de leitores. E sendo os governos eleitos para representar as vontades do povo, podemos concluir que a atitude das pessoas em relação à leitura e ao livro tem evoluído bastante no Brasil, e para melhor. Ainda que o presidente Luís Inácio Lula da Silva tenha declarado ter “uma preguiça disgramada de andar em esteira e de ler livros”,34 seu governo manteve diversos programas de incentivo à leitura35 – e, ainda mais significativo do que isso, acontecem inúmeras iniciativas populares na formação de bibliotecas, projetos de leitura, etc, em todo o Brasil.36 Como entender esta mudança? De onde partimos e quais caminhos trilhamos até chegar onde estamos? Quais os atores envolvidos neste processo no presente? Quem são os visionários que quebram paradigmas e lideram movimentos de renovação? Um exame atento às particularidades do mercado editorial brasileiro37 mostra que as editoras nacionais movem-se dentro de margens estreitas, espremidas entre altos custos industriais, elevada carga de impostos, fracionamento de receitas na grande cadeia de distribuição e comercialização, restritos pontos de venda, baixo poder aquisitivo do consumidor. Dentre as muitas estratégias os editores desenvolvem para se equilibrar, podemos destacar duas de especial interesse para este trabalho: as limitações técnicas de impressão e acabamento, para baratear custos, e a busca por um padrão de qualidade editorial que desperte o interesse do governo para compra pelos programas de incentivo à leitura (lembrando que estamos tratando da edição de livros infantis). Por mais paradoxal que possa parecer a combinar redução de custos de impressão com alta qualidade editorial, é justamete neste ponto que se revela crucial a capacidade criativa dos autores: como declara Roger Mello, “Eu sempre digo que fatores obstrutivos – as restrições – são fatores criativos, que despertam a criatividade.” (2003, p. 33) Contando com “produtores de conteúdo” altamente qualificados, os editores brasileiros garantem a qualidade artística e precisam então decidir sobre a produção industrial. O livro 34 35 36 37 Discurso na Bienal do Livro de 2004. In: LEITÃO, Miriam. O Globo. Rio de Janeiro, 1º de maio de 2004. Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Como o Jegue-livro, a Borrachalioteca, a Expedição Vagalume, o Projeto Ler é 10 – leia favela, para citar alguns. Ver mais informações no portal do prêmio VivaLeitura. Disponível online em http://www.premio vivaleitura.org.br/default1.asp. Acesso em 12 fev. 2010. Ver AMORIM, Galeno (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do estado, 2008 e EARP, Fabio Sá e KORNIS, George. A Economia da Cadeia Produtiva do Livro. Rio de Janeiro: BNDES, 2005. 81 infantil demanda uma produção mais cara do que o livro adulto: hoje não se aceita mais um livro ilustrado em duas cores, como se aceitava há não muito tempo atrás.38 A impressão das ilustrações em policromia,39 por si só mais cara do que a impressão monocromática, requer também bom papel (alta gramatura, pouca absorção da tinta), boa tinta, bom controle de qualidade, sem esquecer do acabamento (tem que resistir ao manuseio de pequenas mãos, curiosas e afobadas) e do aproveitamento de papel (o livro infantil apresenta uma variedade muito grande de formatos). A qualidade de impressão e acabamento esbarra no custo de equipamentos e insumos, sem falar na qualificação da mão-de-obra. Muitas gráficas tem se instalado em lugares distantes dos grandes centros urbanos (como a Santa Marta, em João Pessoa –PB, e a Edelbra, em Erechim – RS), em busca de impostos e mão-de-obra mais baratos, conseguindo bons resultados que compensam os custos de transporte. Imprimir em outros paises também se mostra vantajoso, principalmente na hors-concours China.40 Com tudo isso, a decisão dos editores fica dividida entre seguir o padrão usual, mais limitado e barato (brochura, montagem em grampo canoa, papel offset, pouca gramatura, plastificação) ou arriscar em produções mais caprichadas e caras (capa dura, papel couché, alta gramatura, laminação fosca, facas, dobras, vernizes e tintas especiais). 2.3 MERCADO EDITORIAL E OS TRÊS NÍVEIS DE CULTURA (POPULAR, OFICIAL, DE MASSA) Uma importante questão que se coloca atualmente diz respeito à mundialização da cultura,41 que sobrepõe imagens globalizadas às culturas locais. A cultura visual42 é um importante elemento identitário, que se forma desde a infância e vai se modificando à medida 38 39 40 41 42 Cf. descrição de A flor do lado de lá, p. 143. Consultar definições de termos de uso específico do mercado editorial no Glossário de Termos Técnicos, na p. 196. Também na indústria editorial, a China conta com mão-de-obra barata, o que permite imprimir livros com custos altamente competitivos em relação aos demais países. Esta questão tem sido estudada por diversos autores, sob diferentes perspectivas. Destacamos aqui HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003; HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993; IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995; e ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2002. Ver HERNANDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. São Paulo: Artmed, 1999. 82 que as crianças crescem e travam contato cada vez mais frequente com imagens da cultura de massa. Enfraquecendo a diversidade local, as mensagens estereotipadas43 segundo os critérios da indústria cultural44 embotam a sensibilidade e limitam a capacidade criadora dos “leitores de imagens” em formação. Levando-se em conta que a formação do leitor literário se dá fundamentalmente na infância45, é imperativo considerar o importante papel das narrativas visuais neste processo. Infelizmente, à medida que progride a capacidade de leitura verbal, estaciona a evolução da leitura visual.46 As crianças, livres produtoras e leitoras de imagens, tornam-se receptoras passivas de imagens estereotipadas, em um contexto que não favorece em nada a formação de uma cultura visual criativa e tolhe o desenvolvimento do ser. Que tipo de papel poderia ter o livro ilustrado para melhorar este quadro? Antes de mais nada, observemos como ele pode materializar uma convergência entre os três níveis de cultura (erudita, popular e de massa) (Eco, 2001, p. 60). Já examinamos anteriormente a identificação histórica do livro com a elite, especialmente no contexto brasileiro, que o caracteriza como um produto pertencente à cultura erudita. Vimos também, e veremos ainda um pouco mais a seguir, que é um produto da cultura industrial e segue leis de mercado bastante estritas – embora concordemos com Umberto Eco que não se trata de um produto como, por exemplo, pasta de dente: Pensemos no que hoje se entende por “indústria editorial”. A fabricação de livros tornou-se um fato industrial, submetido a todas as regras da produção e do consumo. [...] Mas a indústria editorial distingue-se da dos dentifrícios pelo seguinte: nela se acham inseridos homens de cultura [...], ao lado de “produtores de objetos de consumo cultural”, agem “produtores de cultura” que aceitam o sistema de indústria do livro para fins que dele exorbitam. (idem, p. 50) Este produto insere-se num modo de produção capitalista, com divisão marcada entre os profissionais envolvidos em sua cadeia produtiva. Na contramão desta divisão hiperespecializada do trabalho, nem sempre harmônica ou equilibrada, destacam-se ilustradores que são também escritores, como é o caso de Roger Mello. Além realizar a 43 44 45 46 Sobre estereótipos, ver MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX (V. 1). 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. Ver ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. Sobre formação do leitor literário, ver: COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003. Ver pesquisa realizada por ARIZPE & STYLES em Children reading pictures: : interpreting visual texts. Londres, Nova York: RoutledgeFalmer, 2003. 83 convergência das linguagens verbal e visual como escritor e ilustrador, este artista atua também como designer gráfico, agregando a seus projetos o importante componente da concepção do livro enquanto objeto industrial – um “homem de cultura” em significativa sinergia com as editoras. No cenário da produção cultural para a infância, o livro ilustrado concorre com outros produtos como programas de TV (especialmente desenhos animados), quadrinhos, games, internet. No entanto, demanda do receptor um tipo de atitude mais ativa, um tipo de atenção mais concentrada; ao lado do entretenimento há também informação e autoconhecimento, suas mensagens dão um pouco mais de “trabalho” para serem compreendidas, há mais lacunas a preencher,47 de modo que a atuação do receptor é mais requisitada. No universo contemporâneo da produção cultural para a infância no Brasil, o livro ilustrado destaca-se como produto industrial que permite a expressão de conteúdos regionais, caracterizando-se como possível contraponto à massificação da cultura globalizada ao favorecer a diversidade local – a evolução das técnicas de impressão48 permite que sejam feitas pequenas tiragens de cada título, facilitando a publicação de uma variedade maior de temas. A cultura popular não só é muito bemvinda no livro infantil, como está em sua gênese: a literatura infanto-juvenil surge no século XVII com a fixação de narrativas populares, da tradição oral camponesa da Europa medieval, nos famosos Contos de Fadas, 49 sendo Charles Perrault, os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen os mais conhecidos escritores. As temáticas populares, sejam da tradição ou contemporâneas, sempre encontraram grande receptividade no livro infantil, destacando-se os registros de Câmara Cascudo em Contos tradicionais do Brasil, publicados originalmente em 1946 e republicados regularmente até hoje; as referências no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato; os recontos e pesquisas de Ricardo Azevedo e Angela Lago, no contexto atual. Também na obra de Roger Mello a presença da cultura popular é marcante: há festas, folguedos, lendas, brinquedos e brincadeiras, tipos humanos, cultura material. O benefício é duplo: para o leitor urbano, é uma oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a diversidade cultural brasileira; para o leitor fora dos grandes centros, a chance de ver coisas do seu próprio universo “legitimadas” pelo livro – um objeto que circula cada vez mais amplamente sem perder sua aura de representante da alta cultura. 47 48 49 SARTRE, Jean Paul. Que é literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989. O sistema CTP diminuiu os custos fixos, suprimindo fotolitos e provas de prelo. Ver ARAÚJO, op. cit. COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo: DCL, 2003. 84 Afinal, como defende Umberto Eco ao falar dos três níveis da cultura – oficial, popular e de massa – “os vários níveis se equivalem em dignidade [...], aceita essa paridade, acentuar-seá um jogo de passagens recíprocas entre os vários níveis.” (Eco, 2001, p. 60). Mas é importante ressaltar que o livro chega à criança principalmente por meio da escola, e neste cenário é importante evitar que a leitura seja sinônimo de “cultura paternalista de entretenimento ‘edificante’ imposto de cima” (Ibid). A educação em nossa sociedade letrada envolve habilidades de leitura e interpretação. Sabe-se que a formação do leitor literário acontece primordialmente na infância e envolve dois pontos-chave, conforme destaca a escritora Ana Maria Machado:50 acesso aos livros e contato (poder-se-ia dizer mesmo “contágio”) com outros leitores – geralmente adultos – entusiasmados, os chamados mediadores de leitura. Este fundamental prazer pela leitura é possibilitado pelo contato físico com o livro. Está hoje na ordem do dia a questão dos e-books, aparelhos de tecnologia digital que prometem revolucionar o mercado editorial, trazendo a possibilidade de barateamento de custos e facilidade de acesso a conteúdos diversos, na medida em que um mesmo suporte físico (o e-book) permite a leitura de incontáveis conteúdos, que demandam cada vez menos espaço físico para armazenagem, ou seja: com um e-book na mão, pode-se ter acesso ao conteúdo de mil e uma bibliotecas – chegamos perto da biblioteca de Borges.51 Mas este é um cenário apenas delineado, que, se entusiasma alguns, tem também seus poréns. O livro de papel tradicional ainda é o melhor suporte para a leitura, e concordamos com Eco e Carrière52 que assim continuará por muito tempo. Defendendo o passado-vivo no presente, já publiquei aqui uma análise do precursor do Computador, o Livro, que muitos julgam extinto: L.I.V.R.O. Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas. É um insuperável conceito de tecnologia de informação. L.I.V.R.O. não tem fios nem baterias. Não é conectado a nada e facílimo de usar – qualquer criança pode operá-lo. Basta abri-lo. (Fernandes, 2008) 53 50 51 52 53 Palavras para Saúde. In: Anais do I Seminário Nacional Saúde e Leitura: Qualidade de Vida para a Criança e o Jovem. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004. A Biblioteca de Babel, um dos contos mais conhecidos e comentados do escritor argentino Jorge Luis Borges, publicado no livro Ficções (São Paulo: Companhia das Letras, 2007), fala de uma biblioteca infindável, possivelmente uma metáfora para o mundo e para a sociedade da informação. ECO, Umberto; CARRIÈRE, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010. Ver o texto completo em FERNANDES, Millôr. Pré e pós maravilhas. Daily Míllor. Ano 08, n. 38, novembro de 2008. Disponível online em http://www2.uol.com.br/millor/aberto/dailymillor/008/ 038.htm. Acesso em 12 fev. 2010. 85 O imaginário em torno do livro é vasto e fabuloso, ainda mais para as crianças recémchegadas às fronteiras do universo da leitura. Abrindo aquele objeto misterioso, tem-se acesso a mundos fantásticos, viagens pelo tempo e espaço, faz-se novos amigos, descobre-se coisas sobre o mundo e sobre si mesmo, diverte-se, instrui-se e, mais tarde, isso tudo ainda ajuda a passar no vestibular.54 2.4 COMUNICAÇÃO VISUAL Vimos que na formação do leitor o entusiasmo pelo livro é questão capital, além do contato com um mediador de leitura entusiasmado ele próprio, e que é preciso que este entusiasmo contagie a criança. As atividades de mediação de leitura tem papel fundamental, mas não se pode esquecer que elas se desenvolvem em torno deste objeto: o livro, que deve por si só apresentar motivos para despertar este entusiasmo. Entre adultos e jovens, um bom texto literário já seria suficiente, mas as crianças são um público mais exigente e precisam de mais: elas precisam da materialidade do livro. É preciso que o livro lhes atraia os sentidos, lhes encha os olhos, lhes ofereça atrativos táteis, lhes convide à exploração e à descoberta renovadas a cada releitura. Por isso no livro infantil a comunicação visual é tão importante: a imagem narrativa permite leituras sem fim – o que constitui um desafio para a leitura semiológica da imagem e para a criança é uma fonte renovada de prazer. Se o adulto quer “quebrar o brinquedo para ver como funciona” (Joly, 2008, p. 47), a criança embarca na brincadeira e viaja nas leituras. Vamos aqui examinar os aspectos materiais do livro infantil ilustrado enquanto componentes de uma linguagem, ou seja, um sistema de signos duplamente articulados que exprimem pensamentos. Começaremos examinando as definições da linguagem enquanto sistema de signos (verbais, visuais, sonoros, gestuais etc.), problematizando a hegemonia que a 54 “A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP) divulgaram, nesta sexta-feira, uma lista unificada de leituras obrigatórias para o vestibular de 2011. De acordo com as assessorias de imprensa dos organizadores dos dois processos seletivos, não houve mudança na relação e, portanto, as leituras pedidas são as mesmas do vestibular 2010: Auto da barca do inferno, Gil Vicente; Memórias de um sargento de Milícias, Manuel Antônio de Almeida; Iracema, José de Alencar; Dom Casmurro, Machado de Assis; O Cortiço, Aluísio Azevedo; A cidade e as serras, Eça de Queirós; Vidas secas, Graciliano Ramos; Capitães da areia, Jorge Amado; Antologia poética (com base na 2ª ed. aumentada), Vinícius de Moraes.” O GLOBO. Disponível online em http://oglobo. globo.com/educacao/vestibular/mat/ 2010/01/22/fuvest-unicamp-divulgam-lista-de-leituras-do-vestibular-2011-915687119. asp. Acesso em 22 jan. 2010. 86 linguagem verbal, principalmente a escrita, assume na construção e transmissão de conhecimentos, na medida em que tal hegemonia ofusca a importância das demais linguagens. Para analisar de que modo a ilustração constitui-se em uma linguagem, vamos recorrer aos postulados da semiologia, seguindo as indicações de Ferdinand Saussure (1979), Roman Jakobson (1985) e Roland Barthes (1971), a fim de isolar e analisar os componentes do processo, conforme este último indica ser o procedimento da pesquisa semiológica. Vamos também recorrer às considerações dos ilustradores e pesquisadores Luís Camargo (1995) e Rui de Oliveira (2008), destacados dentre os muitos ilustradores brasileiros contemporâneos a refletir criticamente a respeito de seu ofício. Ambos têm livros publicados sobre o tema, nos quais observa-se uma convergência de abordagens com os preceitos semiológicos, o que beneficia sobremaneira o diálogo entre teoria e prática. Buscamos, assim, evidenciar as características da ilustração enquanto linguagem e fazer uma revisão crítica quanto ao prestígio de que desfruta a palavra escrita em nossa cultura, não com no sentido de desmerecê-la, mas de ressaltar de que modo a convergência intersemiótica55 entre as linguagens visual e verbal observada no livro ilustrado faz com que ambas mereçam ser respeitadas e apreciadas em pé de igualdade como criações artísticas. Não podemos deixar de mencionar também o projeto gráfico, que contempla o livro como objeto integral, combinando palavras e imagens e considerando ao mesmo tempo critérios artísticos, comunicativos, industriais e comerciais. 2.4.1 Ilustração: uma linguagem Ora, direis, ler imagens, certo perdeste o senso... Luís Camargo56 No contexto da literatura infantil predominou durante muito tempo uma concepção equivocada que considerava a ilustração como subordinada hierarquicamente ao texto57, o que faz com que ainda hoje muitos encarem-na como um ornamento, uma linguagem acessória. Já no campo das artes visuais, há quem considere a ilustração uma “arte impura”, 55 56 57 Termo proposto por Luís Camargo (1995), a partir do conceito de tradução intersemiótica de Roman Jakobson (1985), para melhor caracterizar o tipo de relação entre as linguagens verbal e visual no livro infantil. CAMARGO, Luís. Ilustração do livro infantil. Belo Horizonte: Lê, 1995. Um exemplo concreto que sinaliza a revisão desta concepção redutora é o surgimento de uma nova estrutura de divisão de direitos autorais entre escritor e ilustrador. Até recentemente, cabia ao autor do texto o recebimento dos direitos autorais referentes às vendas, e ao ilustrador um pagamento fixo pela prestação de serviços. Há hoje um movimento, ainda bastante discutido, de divisão dos direitos autorais entre escritor e ilustrador, que reflete a mudança de status do criador de imagens visuais face ao criador de imagens verbais. 87 estreitamente vinculada ao universo comercial, estando sujeita a restrições de ordem mercadológica, quanto às vendas, e técnica, quanto à reprodutibilidade. Sob esta perspectiva, a ilustração seria uma arte de menor importância dentro da tradição da alta cultura e das belas artes, embora com estas compartilhe o instrumental. Neste sentido, a incorporação ao universo das artes visuais do conceito de reprodutibilidade técnica (Benjamin, 1996) como integrante do objeto original vem beneficiar a ilustração, bem como a diluição das fronteiras entre alta e baixa cultura (Eco, 2001). Quando eu falo com o pessoal de artes e quando estou falando com o pessoal de texto, trago um pouco do outro lado das duas linhas, falo: “Como você consegue separar tudo?” Quando se fala de livro, não se está falando apenas do texto, estamos falando da forma contendo conteúdo, uma coisa leva à outra. O que me interessa também são as coisas de gênero. Não acredito na pureza de gênero; acho que os quadrinhos, a literatura e o cinema se influenciam; a idéia de pureza de gêneros não existe. (Mello, 2003, p. 29) Se a leitura de textos verbais pressupõe o domínio de um código simbólico complexo, regido por normas cultas que instauram uma ordem de certo/errado, a leitura de imagens, beneficiando-se também do domínio de alguns códigos simbólicos próprios, jamais se prestará a avaliações em que haja uma instância exterior de legitimação: a leitura de imagens oferece um campo mais livre para associações subjetivas, onde o receptor pode indiscutivelmente expressar sua contribuição por meio de experiências próprias. Além disso, a capacidade de expressar-se criativamente por meio da produção de imagens é uma habilidade inata dos seres humanos, absolutamente democrática porque não pressupõe o prévio domínio de uma aprendizagem especializada para seu exercício (vide produção das crianças, doentes mentais, culturas ditas “primitivas”), que lamentavelmente desaparece com os anos. Permanece, no entanto, o fascínio pelos produtores de imagens, aliado a afirmações autolimitadoras do tipo “mas eu não sei desenhar...” Tal como Monteiro Lobato,58 que em determinado momento desistiu dos adultos, já impregnados de valores conformistas, e decidiu dirigir-se às crianças, também nos interessamos pelos estágios iniciais da aquisição da cultura visual, antes que as limitações da sociedade condicionem suas experiências como criadoras e receptoras de arte. A linguagem tem sido bastante estudada em diversos campos do conhecimento, sendo considerada um traço distintivo da espécie humana em relação às demais espécies: embora 58 LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Melhoramentos, 1972. 88 muitos outros animais estabeleçam formas de comunicação, nós humanos desenvolvemos esta capacidade construindo linguagens simbólicas de alta complexidade e nível de abstração. A linguagem, que dá conta da expressão e comunicação de pensamentos, é o que permite a formação da cultura e sua transferência entre gerações: “Os antropólogos têm sempre afirmado e provado que a linguagem e a cultura se implicam mutuamente, e que a linguagem deve ser concebida como uma parte integrante da vida social” (Jakobson, 1985, p. 17). É por meio da linguagem que a cultura se constrói e é compartilhada no tempo e no espaço. É por meio da linguagem que se contam histórias – para sobreviver, sim, mas também para dar conta do terror e do fascínio diante do inexplicável. A linguagem é, portanto, social e múltipla: comunicamo-nos por meio de palavras, gestos, imagens, etc., mas é a palavra que ocupa o lugar mais destacado, a ponto de “linguagem” confundir-se com “língua” em muitos estudos. Ferdinand Saussure (1979), linguista francês que na primeira metade do século XX retoma as formulações dos antigos filósofos gregos e dos pensadores medievais a respeito da dupla natureza dos signos, estabelece uma nítida distinção entre língua e linguagem: “[a língua] não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela”, propondo que a Linguística, ciência que se ocupa da língua especificamente, seja uma das subdivisões da Semiologia, ciência geral que estuda os signos. Saussure nos fala em imagens mentais (ou conceitos/significados) que, relacionadas a imagens acústicas, imagens gráficas e imagens visuais (ou formas/significantes) conformam os signos, destacando que “é necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações da linguagem” (idem, p. 17). A linguagem desenhada ainda não é suficientemente valorizada em nossa cultura, onde a palavra escrita desfruta do maior prestígio. A que se deve este prestígio dos signos verbais, especialmente em sua forma escrita? Saussure indica alguns motivos: 1. Primeiramente, a imagem gráfica das palavras nos impressiona como um objeto permanente e sólido, mais adequado do que o som para constituir a unidade da língua através dos tempos. [...] 2. Na maioria dos indivíduos, as impressões visuais são mais nítidas e duradouras que as impressões acústicas. 3. A língua literária aumenta ainda mais a importância imerecida da escrita. Possui seus dicionários, suas gramáticas; é conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola; a língua aparece regulamentada por um código; ora, tal código é ele próprio uma regra escrita, submetida a um uso rigoroso. [...] Acabamos por 89 esquecer que aprendemos a falar antes de aprender a escrever, e inverte-se a relação natural. (idem, p. 35, grifo nosso) Indo ainda mais longe, podemos dizer que, se antes de aprender a escrever aprendemos a falar, antes mesmo de aprender a falar aprendemos a ver: “Desde muito pequenos, aprendemos a ler imagens ao mesmo tempo em que aprendemos a falar. Muitas vezes, as próprias imagens servem de suporte para o aprendizado da linguagem.” (Joly, 2008, p. 43) O próprio livro, objeto cultural que legitima o saber e é o suporte privilegiado do código escrito, também oferece-se como objeto de fruição estética, principalmente enquanto suporte de imagens artísticas, como as ilustrações.59 É principalmente no livro ilustrado que observamos o entrelaçamento destas duas linguagens (gráfica e visual), acrescidas ainda de uma terceira (ou como quer Saussure, a primeira), a fala: as histórias são narradas por meio da palavra falada,60 da palavra escrita (texto) e de imagens visuais (ilustrações). Para definir as funções que a linguagem assume, Roman Jakobson (1985) toma por referência os elementos envolvidos nas situações de comunicação: REFERENTE REMETENTE MENSAGEM DESTINATÁRIO CANAL CÓDIGO Jakobson propõe que a linguagem assume diferentes funções conforme sua orientação predominante para um ou outro destes elementos: REFERENCIAL EXPRESSIVA POÉTICA CONATIVA FÁTICA METALINGUÍSTICA 59 60 Por definição, qualquer imagem que acompanha um texto. A contação de histórias vem sendo cada vez mais valorizada como elemento fundamental na formação de leitores infantis. Ver MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 90 Para examinar, por sua vez, as funções que a ilustração desempenha enquanto linguagem particular, Luís Camargo (1995, p. 33) propõe que estas mesmas funções sejam adotadas, desdobrando algumas e acrescentando outras: SIMBÓLICA NARRATIVA DESCRITIVA REPRESENTATIVA EXPRESSIVA POÉTICA LÚDICA CONATIVA FÁTICA PONTUAÇÃO METALINGUÍSTICA Além disso, Camargo retoma o conceito de tradução intersemiótica ou transmutação estabelecido por Jakobson e propõe que, no caso do livro infantil, a relação entre as linguagens verbal e visual acontece não por meio de uma tradução entre os diferentes sistemas de signos, mas sim pelo que ele denomina convergência intersemiótica: “No livro ilustrado interagem duas linguagens e, assim, dois tipos de texto, compondo um texto híbrido, verbo-visual. Dois textos – ou dois discursos – em diálogo. A palavra diálogo [...] não é casual, pois quero evocar a etimologia de diálogo – dia, dois; logos, discurso” (ibid). Considerando que a linguagem verbal tem sido bastante estudada e conta com prestígio suficiente, passemos ao estudo da ilustração a fim de contribuir para equilibrar os dois “pesos” dos componentes do discurso. Por definição, ilustração é “toda imagem que acompanha um texto. Pode ser um desenho, uma pintura, uma fotografia, um gráfico, etc.” (Camargo, 1995, p. 16). No livro infantil, as ilustrações muitas vezes configuram uma linguagem autônoma, como se observa nos livros de imagens, onde a história prescinde de palavras e desenvolve-se um texto visual por meio de uma sequência de ilustrações, oferecendo ao leitor “balizas” 61 para o desenrolar da narrativa. É uma modalidade de livro bem interessante, especialmente para crianças pequenas que ainda não dominam o código escrito. Observa-se, neste caso, que as imagens funcionam como disparadoras da construção de sentidos pelo leitor, que, na falta de um código verbal que lhes direcione o recorte, cria ele próprio uma narrativa oral, variável, que pode ser recriada a cada nova leitura: “A língua é o domínio das articulações e o sentido é o 61 Ver SARTRE, Jean Paul. Que é literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989. 91 recorte, antes de tudo.” Barthes, 1971, p. 59). Esta experiência familiariza o pequeno leitor com o sistema “livro” por meio do uso “leitura”, completando-se o processo de significação das imagens. Esta experiência vai oferecer uma ponte, um vínculo conhecido, para a posterior passagem para um código simbólico mais complexo, ou menos motivado, arbitrário – o da escrita, ou transposição de imagens acústicas em imagens gráficas. Ora, o fato de identificarmos uma progressão de complexidade no domínio de códigos linguísticos, partindo da imagem para a escrita, não implica que a primeira possa ser considerada como mero “meio” para se alcançar um “fim”. Seria mais adequado percebermos que neste caso ocorre a formação de “sistemas mistos que envolvem diferentes matérias (som e imagem, objeto e escrita etc.)” (ibid), a respeito dos quais Barthes assinala que “seria bom reunir todos os signos, enquanto transportados por uma única e mesma matéria, sob o conceito de signo típico; o signo verbal, o signo gráfico, o signo icônico, o signo gestual formariam, cada um deles, um signo típico”. Voltamos, assim, ao conceito de convergência intersemiótica proposto por Camargo (2003), com o estabelecimento de um texto verbo-visual (ou lítero-visual). Vimos que a linguagem verbal ocupa papel de destaque nas análises, estudos, pesquisas, a ponto do termo “linguagem” ser empregado sozinho para designar linguagem verbal, sendo objeto de incontáveis pesquisas e estudos. Se queremos, como indica Barthes, ampliar o campo das pesquisas semiológicas, é preciso recortar a ilustração de livros infantis como objeto de estudos e concentrarmo-nos em suas características enquanto signo típico. Escolhendo a ilustração, alguns desafios se impõe, a começar pelo fato de que os sintagmas icônicos, fundamentados numa representação mais ou menos analógica da cena real, são infinitamente mais difíceis de recortar, razão pela qual, sem dúvida, esses sistemas são quase universalmente traduzidos por uma fala articulada (legenda de uma foto) que os dota do descontínuo que não possuem. (Barthes, 1971, p. 69) Esta dificuldade inerente pode ser percebida pela limitada oferta de referências teóricas que norteiem a pesquisa, como bem nos aponta Luís Camargo: “o caso da ilustração é completamente diferente: o estudioso não tem categorias próprias de análise: ora adapta conceitos das artes visuais, ora das artes gráficas, ora da literatura.” Assim sendo, será proveitoso seguir o caminho apontado por Martine Joly (2008), onde a autora reconstitui e isola os elementos da célebre análise semiológica da publicidade das 92 massas Panzani feita por Roland Barthes (1984), e também faz ela própria a análise de um anúncio das roupas Marlboro Classics. São ambos anúncios publicitários, onde texto e imagem interagem para estabelecer um vínculo de comunicação com o receptor, assim como acontece nos livros ilustrados – com uma ressalva quanto às diferentes qualidades de participação do receptor no processo de significação das mensagens visuais: enquanto na publicidade elas levam a uma leitura intencional, mais fechada, na literatura infantil elas propõem leituras abertas, múltiplas, que jogam com o repertório do receptor e onde ele tem um papel mais autônomo na produção de sentidos. O esquema empregado por Joly, mostrado a seguir, oferece um ponto de partida para estabelecermos critérios de análise dos livros ilustrados: 1. SIGNOS LINGUÍSTICOS 2. SIGNOS VISUAIS (distintos e complementares): • Signos icônicos - Motivos figurativos reconhecíveis • Signos plásticos - Formas e dimensões (estas, de interpretação que varia culturalmente) - Cores e iluminação (idem ao item anterior, ainda que mais “natural”, por conta de sua interação com as condições atmosféricas naturais) - Composição / diagramação (a “geografia interior” da imagem, que hierarquiza a leitura da imagem por meio da orientação da visão) - Textura (representa a qualidade tátil da superfície) Além destes itens básicos, aparecem ainda: • Suporte: meio físico sobre o qual a imagem é veiculada • Quadro (limite físico, moldura): “Esse procedimento de confundir o quadro (ou os limites) da imagem e a borda do suporte [sangramento] tem consequências particulares sobre o imaginário do espectador. Na verdade, esse corte, atribuído mais à dimensão do suporte do que a uma escolha de enquadramento, leva o espectador a construir imaginariamente o que não se vê no campo visual da representação, mas o que o completa: o fora de campo.” [...] “instaura, portanto, uma imagem centrífuga, que estimula uma construção imaginária complementar” O suporte vazio com pequena 93 imagem, ao contrário, “convida, em um processo de leitura centrípeta, a entrar em sua profundidade fictícia, como na de um quadro de paisagem” (Joly, 2008, p. 94). • Enquadramento: tamanho da imagem, dependendo da distância entre observador e objeto, que produz impressão de proximidade/afastamento; sensação de grande/pequeno. • Ângulo de tomada e escolha de objetiva: plongé / contre-plongé; profundidade de campo (foco). Joly destaca a “circularidade icônica / plástica”, ou seja, a associação entre cores e figuras, como importante indicador na produção de sentidos. A autora retoma ainda outra importante consideração de Barthes (1984) no que diz respeito às mensagens conotadas e denotadas: em suma, todas estas ‘artes’ imitativas [desenhos, pinturas, cinema, teatro] comportam duas mensagens: uma mensagem denotada, que é o próprio analogon, e uma mensagem conotada, que é o modo como a sociedade dá a ler, em certa medida, o que pensa dela. (2008, p. 15) Dentro do esforço para definir sistemas de análise próprios da ilustração, o ilustrador Rui de Oliveira (2008) empreende uma extensa lista de elementos para se fazer uma leitura dos signos plásticos, ressalvando que esta lista “se refere apenas à leitura de algumas questões estruturais da ilustração. Os amplos significados metafóricos da arte da ilustração não estão encerrados em nenhum esquema ou ‘receita’ de leitura.” (p. 102). Ou seja: dizem respeito preferencialmente ao aspecto denotativo das mensagens visuais, a que deveremos acrescentar a análise do aspecto conotativo, incluindo o exame dos signos icônicos e linguísticos. Eis a lista: • Tipo de composição: estática (simétrica) / dinâmica (assimétrica) • Formas geométricas que mais se destacam na composição: triângulo, quadrado, retângulo, circulo, elipse • Letras do alfabeto perceptíveis na composição • Linha guia de leitura visual: baixo para cima; cima para baixo; linha sinuosa; linha espiralada; linha obliqua; linha quebrada; lateral esquerda ou direita • Tipo de contorno utilizado: linhas; linhas esfumadas, hachuras; vários traços; cores; linhas grossas; digital; sem contorno 94 • Tipo de perspectiva utilizada: aérea; planimétrica; diversos pontos de fuga; linha do horizonte baixa; linha do horizonte alta; ponto de vista de cima para baixo; ponto de vista de baixo para cima; linha do horizonte no meio da ilustração; ausência de linha do horizonte; fundo neutro sem cenário. • Técnica utilizada: aquarela; acrílico; bico-de-pena; aguada (preto + água); óleo; mista; lápis de cor ou de cera; aquarela liquida; gravura (xilo, linóleo, metal); material tridimensional; colagem; texturas diversas; colorização digital. • Relação de forma e fundo: contraste; interligado. • Gênero e origem de luz utilizados: frontal; de cima para baixo; de baixo para cima; lateral (esquerda para direita); lateral (direita para esquerda); gênero noturnal; gênero diurno; gênero luz artificial; diversas fontes. • Tipo de esquema tonal utilizado: quente predominante; frio predominante; cores sombrias; cores rebaixadas (cor + preto ou cinza); cores claras e suaves (cor + branco); esquemas a partir de uma única cor (monocromático); contrastes acentuados; preto e branco; velaturas (sobreposição de cores transparentes); cores chapadas uniformes; cores por meio de manchas. • Tipo de contraste de cor utilizado: quente-frio, claro-escuro; complementares; de extensão; de matiz (cor primária); simultâneo. • Tipo de figuração utilizado: realista; clássico; não-realista; com influências do cartum; com influências dos quadrinhos; fantástico; caricatural; cômico. • Movimento artístico com que a ilustração apresenta semelhanças: clássico; neoclássico; acadêmico; impressionista; expressionista; realismo e naturalismo; surrealismo; art nouveau; pré-rafaelismo ou dos Pintores de Contos de Fadas; futurismo; cubismo; art déco; arte naïf; indefinido. • Gênero de imagem: históricas; folclóricas; de contos de fadas; fantásticas; do cotidiano. • Linhas predominantes: inclinadas; verticais; horizontais; radiantes; quebradas; sinuosas; circulares. • Tipos de sombra: luz e sombras suaves; luz e sombras contrastadas; sombras projetadas; ausência de sombras; as figuras possuem sombras e mais o contorno. • Sentimento que lhe desperta a ilustração: alegria; tristeza; medo; lirismo; romantismo; amor; ódio; solidão (Oliveira, 2008, p. 103-107). 95 Para além da apreciação da cada imagem isoladamente, é preciso considerar o conjunto da obra, formado pela sequência de varias imagens, que confere um ritmo ao livro como um todo: “O livro ilustrado para crianças apresenta uma sequência de imagens – e imagens para serem folheadas. Não são quadros que podem ser vistos cada um por si.” (Camargo, 1989, p. 42). O autor cita a ilustradora Angela Lago, que explica que, por este motivo, “antes de se projetar cada desenho, se projeta o volume. Nao se trata de pintar uma serie de quadros. Há toda uma conjugação necessária, todo um ritmo, um movimento, uma tensão, uma direção que perpassa o trabalho como um todo” (Lago apud Camargo, ibid). Esta é uma das particularidades que distinguem ilustradores de artistas plásticos – conceber antecipadamente o efeito narrativo produzido pela sequência das imagens isoladas. Rui de Oliveira ressalta um outro aspecto da natureza particular da ilustração, distinguindo-a das artes plásticas: Mesmo nos dias atuais – passado mais de um século desde quando as vanguardas artísticas começaram a ser incorporadas pelas artes plásticas e, posteriormente, até pela indústria cultural – a ilustração segue com certo atraso as inovações propostas nas artes plásticas. A expressão da sensibilidade original do artista, já bem incorporada no universo das artes plásticas, ainda está em processo de consolidação no campo da ilustração, sendo, portanto, “inteiramente inadequado” associar o desenvolvimento da ilustração ao das artes plásticas (Oliveira, 2008, p. 39). Lago diz que “é comum aos artistas falarem uma linguagem comum: a linguagem de sua época”, para depois ponderar que esta é “uma meia-verdade. Pois uma mesma época pode suportar muitas visões diferentes” (1989, p. 85-86). As considerações de Oliveira e Lago nos fazem pensar a respeito do momento que vivemos – a pós-modernidade –, de caracterização tão fugidia:62 Que também já encheu o saco, porque tudo cabe dentro da pós-modernidade! Tudo! A Elza Soares é pós-modernidade, a Cleópatra é pós-modernidade, Roma era pós-moderna, Aristóteles era pós-modernidade... Tudo cabe dentro da pósmodernidade! O moderno tinha uma proposta, o pós-moderno não tem, o que é? O pós-moderno é multi-referenciado, mas tudo é multi-referenciado. Ah, desde que o mundo é mundo que tem coisas multi-referenciadas! (Mello, 2010) 62 Importantes questões relativas à pos-modernidade são colocadas por HARVEY, David. Condição pósmoderna. São Paulo: Loyola, 1992 e JAMESON, Fredric. Modernidade Singular. São Paulo: Civilização Brasileira, 2005. 96 Num esforço para tornar este cenário menos nebuloso, Ihab Hassan faz uma lista comparativa entre as características do pós-modernismo e modernismo:63 Modernismo Romantismo/Simbolismo Forma (conjuntiva, fechada) Propósito Projeto Hierarquia Maestria/conhecimento Objeto de arte/Obra acabada Distância Criação/Totalização Síntese Presença Centramento Gênero/Fronteira Semântica Paradigma Hipotaxe Metáfora Seleção Raiz/Profundidade Interpretação/Leitura Significado Lisível Narrativa/Grande História Código principal Sintoma Padrão Genital/Fálico Paranóia Origem/Causa Deus Pai Metafísica Determinação Transcendência Pós-modernismo Patafísica/Dadaísmo Antiforma (disjuntiva, aberta) Jogo Acaso Anarquia Exaustão/Silêncio Processo/Performance/Happening Participação Descriação/Desconstrução Antítese Ausência Dispersão Texto/Intertexto Retórica Sintagma Parataxe Metonímia Combinação Rizoma/Superficialidade Contra interpretação/Interpretação errada Significante Escrevivel Anti-narrativa/Pequena História Idioleto Desejo Mutante Polimorfo/Andrógino Esquizofrenia Diferença-Diferença/Indício Espírito Santo Ironia Indeterminação Imanência Com esta lista, que se tornou tão popular quanto criticada, Hassan pretendeu “caracterizar o Pós-modernismo contrastando-o com o Modernismo, uma vez que o cérebro humano é compulsivamente contrastivo”,64 ressalvando que entre as dicotomias relacionadas nas duas 63 64 HASSAN, Ihab. The Dismemberment of Orpheus: Toward a Postmodern Literature. Nova York: Oxford University Press, 1971. Segunda edição revisada e ampliada. Madison: University of Wisconsin Press, 1982. Tradução livre do original em inglês. HASSAN, Ihab. Entrevista concedida a Frank L. Cioffi entre nov 1998 e jan. 1999, por telefone, e-mail e carta. Disponível online em http://www.ihabhassan.com/cioffi_interview_ihab_hassan.htm. Acesso em 20 out. 2010. 97 colunas acontecem “inversões e exceções”, que “os conceitos entre as colunas não são todos equivalentes” e que as diferenças mostradas permanecem “inexatas, suspeitas, pois se deslocam, mudam, e até se desfazem”, uma vez que “o Modernismo não deixa subitamente de existir para que o Pós-modernismo possa começar: eles agora coexistem – de fato, eu dizia que o Pós-modernismo encontra-se profundamente enraizado no corpo do Modernismo”. 65 Neste ponto, seria interessante relacionar esta “coexistência” citada por Hassan à miscigenação característica da América Latina em geral (Canclini, 2008), e do Brasil em particular (DaMatta, 1997 e Freyre, 2006) e, mais ainda, ao movimento antropofágico do modernismo brasileiro66 – que vai além da miscigenação, deglutindo e reprocessando as referências estrangeiras. Lago descreve com bastante propriedade como se dá este processo na ilustração brasileira contemporânea: E afinal o que é caracteristicamente nacional em cidades cosmopolitas como as do final do nosso século? Acontece que vivemos num país adolescente, em plena crise de identidade, e talvez esta questão se coloque para nós de uma maneira diferente. Ainda não conhecemos bem a nossa mutante cara e precisamos desenha-la no espelho, [...] e descobrir o que é realmente nosso, para nos apoderarmos de nossa própria historia. Por isso torna-se tão significativo o fato de alguns artistas brasileiros estarem buscando suas fontes no barroco, que embora de origem europeia, em nossa terra foi tocado pela genialidade dos artesãos mulatos. Ou o trabalho daqueles ilustradores que um busca do autenticamente brasileiro retomam as características do movimento modernista de 22, a cor caipira, o traço solto, o olhar que pousa critico, zombeteiro, liberador. Ou a pesquisa dos que encontram na cultura popular uma fonte vigorosa, ou dos que pesquisam as artes indígenas e a cultura negra reinventando sua plasticidade. (op cit, p. 88) De fato, na obra de Roger Mello este processo de “antropofagização” mostra-se bastante evidente, especialmente se considerarmos a confluência das temáticas narrativas com referências visuais das vanguardas européias e da cultura popular brasileira. Indo mais além, podemos mesmo afirmar que a coexistência de modernismo e pós-modernismo ultrapassa as ilustrações, estendendo-se à concepção do livro como um todo. Pesquisadores como Elisa Dresang (1999) e Lawrence Sipe & Sylvia Pantaleo (2008) têm identificado características nos livros ilustrados que chamam de “pós-modernos”. 65 66 Tradução livre do original em inglês: “Well, once I also tried to characterize Postmodernism by contrasting it with Modernism, since the human brain is compulsively contrastive” e “Modernism does not suddenly cease so that Postmodernism may begin: they now coexist – in effect, I was saying that Postmodernism lies deeply within the body of Modernism”. Ibid. Ver a excelente e fartamente ilustrada publicação de Schwartz, Jorge. Brasil, da Antropofagia a Brasília 1920 – 1950. São Paulo, CosacNaify, 2002. 98 Rejeitando, tal como Hassan, uma delimitação temporal rígida destes objetos, Dresang afirma que, antes mesmo de se falar em pós-modernidade, artistas inovadores já criavam livros ilustrados pós-modernos, apontando um repertório descritivo das características de tais livros: 1. Mudanças nas formas e formatos: design gráfico explorando novas formas e formatos; palavras e imagens em novos níveis de sinergia; organização de conteúdo e formato nãolineares; múltiplas camadas de significados; formatos interativos; 2. Mudanças de perspectiva: múltiplas perspectivas, visuais e verbais; vozes não ouvidas anteriormente; crianças e jovens que falam por si mesmos. 3. Mudanças de fronteiras: assuntos anteriormente proibidos; configurações anteriormente negligenciadas; personagens retratados de maneiras novas e complexas; novos tipos de comunidades; finais não resolvidos. Numa avaliação preliminar, pode-se identificar várias destas características em muitos dos livros ilustrados de Roger Mello, dentre os quais o mais radical exemplo possivelmente seja Zubair e os labirintos.67 Subjacente a estas mudanças, pode-se perceber uma mudança na concepção da criança que vai ler este livros – não mais invisível, nem tampouco romantizada, é uma criança com qualidades particulares, que os adultos valorizam: trata-se “não da infância pueril, adocicada, vitoriana. Mas da infância que é começo, ou recomeço. Da infância que os grandes pintores contemporâneos almejam. Como Klee, que quer desenhar com a mão esquerda, porque a direita já sabe demais. Como Miró” (Lago, op cit, p. 89). Ou ainda como Picasso, que declarou “Desde pequeno pintava como Rafael, mas foi preciso toda uma vida para aprender a desenhar como uma criança”.68 Nodelman fala sobre o olhar inocente das crianças e o compara ao olhar cultivado dos adultos, defendendo que há no livro ilustrado uma sofisticada combinação de ambos – que propomos chamar de “inocência cultivada”. Livros ilustrados são claramente reconhecíveis como livros infantis simplesmente porque nos falam de qualidades infantis, de simplicidade e exuberância juvenis – ainda que, paradoxalmente, o façam em termos que implicam uma ampla sofisticação no que toca tanto aos códigos verbais quanto aos visuais. De fato, parte 67 68 Ver imagens e análise visual deste livro no capítulo três, página 174. Tradução livre do original em espanhol Fonte: Wikiquote. Disponível online em http://es.wikiquote.org/ wiki/Pablo_Picasso. Acesso em 14 fev. 2011. 99 do charme de muitos dos mais interessantes livros ilustrados está em combinar tão estranhamente o infantil e o sofisticado – e que o espectador que implicam seja ao mesmo tempo muito culto e muito ingênuo. (Nodelman, 1988, p. 21) Partindo de um imaginário impregnado por características da figuração realista com influências do cartum, Roger Mello aproxima-se de um pensamento plástico69 que incorpora a liberdade infantil, empregando não apenas cores, formas e perspectiva de modo afetivo, como também técnicas, como colagem e desenho. Além disso, percebe o livro como objeto lúdico, criando projetos gráficos inovadores: “As crianças, porém, não fazem uma separação tão automática entre forma e conteúdo, e podem estabelecer um vínculo emocional com um livro do mesmo modo como fariam com um brinquedo” (Powers, 2008, p. 6). 2.4.4 Projeto gráfico: um corpo para a alma do livro Enquanto a ilustração é uma linguagem narrativa que exprime mensagens, o projeto gráfico participa dando uma imagem às palavras, com a escolha da tipografia (sua forma, sua cor, seu peso, sua diagramação), e definindo as características físicas do livro (seu formato, seu papel, seu número de páginas, seu tipo de impressão e de acabamento...), como descreve o ilustrador Ricardo Azevedo: [...] necessariamente, um livro ilustrado, ao nível da linguagem* é composto de pelo menos três sistemas narrativos que se entrelaçam: a) o texto propriamente dito (sua forma, seu estilo, seu tom, suas imagens, seus motivos, temas etc); b) as ilustrações (seu suporte: desenho? colagem? fotografia? pintura? e também, em cada caso, sua forma, seu estilo, seu tom etc); c) o projeto gráfico (a capa, a diagramação do texto, a disposição das ilustrações, a tipologia escolhida, o formato etc.). Examinando bem, há livros em que esses três sistemas têm autoconsciência e procuram o diálogo e outros em que isso não ocorre. * Simplificando: um sistema de signos com função simbólica e capacidade de formar discursos que transmitem vários tipos de mensagem que, por sua vez, possibilitam a interação entre pessoas. (Azevedo, 1997) Se, comparativamente aos estudos existentes sobre o texto verbal, a ilustração é pouco estudada, o projeto gráfico o é menos ainda. Embora encontremos importante bibliografia analítica a respeito do projeto gráfico, ela trata de livros em geral – e sabemos que livros em geral significam livros para adultos. Encontramos também, embora com mais escassez dentro 69 Ver FRANCASTEL, Pierre. Pintura e sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 100 deste universo, bibliografia sobre livros ilustrados. Mas o que dizer a respeito de projetos gráficos de livros infantis ilustrados? Entre nós, destacamos o esforço pioneiro de Guto Lins, designer, ilustrador, escritor de livros infantis e professor, que publicou em 2003 o livro Livro infantil? Projeto gráfico, metodologia, subjetividade, um breve apanhado de importantes considerações, que merece ser expandido e aprofundado, e de onde extraímos contribuições valiosas para nossas reflexões. Odilon Moraes, outro ilustrador/pesquisador em plena atividade, publicou um artigo sobre o assunto no livro O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador70 também por nós utilizado. Motivados pela pouca atenção dispensada ao projeto gráfico em livros infantis, percebemos que este é um importante aspecto nos livros de Roger Mello que merece ser explorado. Como visto no capítulo 1, Roger graduou-se em Comunicação Visual pela ESDI nos anos 198071 e tem conhecimento de causa quando propõe projetos gráfico pouco usuais para suas obras – além de escritor e ilustrador, pensa o livro também como designer. Um projeto gráfico que fuja às convenções consagradas pelo mercado representa uma faca de dois gumes: traz desafios para a produção gráfica e para o cálculo de um valor de capa viável, mas traz também uma possibilidade de premiação que angaria, além de prestígio para a editora, pontos para a aquisição do livro por programas do governo, que representam hoje a maior fonte de renda do segmento infanto-juvenil. Neste contexto, a expressiva premiação conquistada por Roger Mello dá a ele um respaldo de credibilidade perante as editoras que se traduz em bom relacionamento e aceitação de suas propostas inovadoras. Não se pode esquecer que o livro é um produto industrial, sujeito a condições de viabilidade técnica e mercadológica, mas que precisa manter o frescor trazido pela qualidade artística, e esta não está sujeita a cálculos objetivos.72 Este é um grande mérito que tem Roger Mello: saber conciliar suas mais extraordinárias73 ideias com as condições objetivas de produção, harmonizando artistas e “pessoal de apoio” (Becker, op cit). 70 71 72 73 O projeto gráfico do livro infantil e juvenil. In: OLIVEIRA, Ieda de (org.). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008, p. 49. Assim como a autora desta dissertação e o artista Guto Lins acima mencionado. Ver ECO, op. cit., p. 50. Aqui, no sentido de algo “que foge do usual ou do previsto; que não é ordinário; fora do comum; não regular; fora do estabelecido” (Houaiss, 2009, p. 863). 101 CAPÍTULO 3 Narrativas visuais  Um pintor não vê tudo o que ele pôs no quadro que fez; são os outros que descobrem esses tesouros, um a um, e quanto mais rica é uma pintura nesse gênero de surpresas e tesouros, tanto maior é seu autor. Todo século busca seu alimento nas obras, e cada século precisa de certo tipo de alimento. Henri Matisse1 Neste terceiro e último capítulo, os livros ilustrados de Roger Mello são examinados mais detidamente. A etapa inicial consistiu em fazer um levantamento completo das obras2 realizadas no período estudado (1990-2009). Esta etapa foi consideravelmente beneficiada pela pesquisa realizada por Kikuchi (2003), que procedeu a uma catalogação dos 96 livros ilustrados por Roger Mello entre 1990 e 2003.3 O inventário foi completado com o mapeamento da produção dos anos 2004 a 2009, o que totaliza um período de 20 anos para estudo. Numa primeira etapa de análise, foi possível identificar três grupos conforme o tipo de participação autoral do artista: 1) ilustrações por encomenda para textos de terceiros, 2) ilustrações para textos de terceiros em parceria com os escritores ou editores e 3) autoria completa (ilustrações e texto). Esta classificação justifica-se pela característica bastante particular que Roger Mello tem de atuar como artista múltiplo, conforme visto anteriormente no capítulo 1: além de ilustrador, designer, dramaturgo e roteirista, tem também significativa atuação como escritor, tendo recebido importantes prêmios por este tipo de atividade Sendo as mensagens visuais de seus livros infantis o principal foco para investigação, nesta pesquisa foram preliminarmente recortados os livros das duas últimas categorias (autorias em parceria e completa), norteados por dois principais critérios: 1) a 1 2 3 Escritos e reflexões sobre arte: Henri Matisse. São Paulo: CosacNaify, 2007, p. 88. Esclarecemos que, no contexto deste trabalho, entende-se por “obra” os livros infanto-juvenis ilustrados por Roger Mello, não estando aí compreendidos seus trabalhos em outros campos da criação artística, como ilustrações publicitárias, textos teatrais, etc. Os dados levantados pela autora para seu trabalho de conclusão do curso de graduação em Editoração na Escola de Comunicação e Artes – ECA/USP, gentilmente cedidos para esta pesquisa., foram por nós devidamente checados com o artista. 102 qualidade destes livros pode ser atestada pela elevada proporção de prêmios recebidos em relação ao conjunto de sua obra (81,34% do total de prêmios recebidos) e 2) a dupla atuação do artista oferece um rico material para se estudar a relação de convergência intersemiótica. Segue-se, assim, a seqüência de examinar primeiro certos aspectos esclarecedores da mensagem lingüística que fornecerão importantes chaves para a posterior análise das mensagens visuais, conforme metodologia proposta por Barthes (1984). Concluído o inventário das obras no período recortado, seguiu-se uma classificação do corpus escolhido, que totaliza 22 livros, sob duas categorias principais: temática e linguagem visual. Não seria possível empreender uma análise plena do significado das mensagens visuais dissociando uma da outra, como observa Arnheim: “Antes de identificarmos qualquer um dos elementos, a composição total faz uma afirmação que não podemos desprezar. Procuramos um assunto, uma chave com a qual tudo se relacione.” (1986, s/n) Assim, foram estabelecidos os critérios para análise e articulação das duas categorias, mostrando como as linguagens visual e verbal interagem em prol da riqueza narrativa, o que vem a ser o principal interesse declarado pelo artista: Sempre gostei da narrativa, tanto do texto quanto a proporcionada pela imagem. Nunca tive a pretensão de ser um artista plástico (se bem que as Artes Plásticas podem ter narrativas, mesmo que as pessoas recusem). O que adorava mesmo era contar histórias. [...] Acho que a identidade do meu trabalho é a não identidade das coisas, pois já que a narrativa é uma coisa mais forte pra mim, não posso estar aprisionado no traço. (Mello, 2003, passim 25, 28) 3.1 CATALOGAÇÃO DA OBRA (1990-2009) A primeira etapa do trabalho de catalogação consistiu em completar o levantamento iniciado por Kikuchi (2003) a fim de obter um inventário completo de obras de literatura infanto-juvenil com participação direta de Roger Mello – como autor ou co-autor –, produzidas entre os anos de 1990 (marco inicial de sua carreira como ilustrador de livros infanto-juvenis, com a publicação de sua primeira obra, o livro A flor do lado de lá) e 2009. Antes desta publicação, o artista já produzia desenhos para outros ramos de atividade, seja em filmes de animação, publicidade, etc, que não estão compreendidos no escopo deste trabalho. Deve-se levar em consideração, no entanto, 103 que todas as demais atividades desenvolvidas por Roger Mello contribuem para formar um perfil identitário bastante rico e interessante, que se reflete no dinamismo de sua obra – seja no estilo literário, seja nas temáticas, seja no modo de representá-las visualmente. De fato, a originalidade de sua produção vem chamando a atenção de importantes estudiosos da literatura infantil e juvenil.4 Também bastante significativa é a indicação feita pela FNLIJ para concorrer ao Prêmio Hans Christian Andersen na categoria Ilustrador, em que pese a pouca idade do artista – por tratar-se de um prêmio que contempla o conjunto da obra, costumam concorrer autores mais velhos – ou seja, num tempo relativamente breve de carreira, Roger Mello é incluído pelos especialistas no rol dos autores consagrados pela excelência de sua extensa obra. A catalogação completa de suas obras no campo da literatura infanto-juvenil seguiu a ordem cronológica de publicação. Os dados levantados para cada uma das 89 obras foram: Título, Tipo de livro, Texto, Ilustração, Projeto gráfico, Editora, Ano e Local da 1ª edição, Reedição, Formato, Nº de páginas, ISBN, Acabamento, Encadernação, Prêmios, Adaptações, Traduções e Observações. Examinando este conjunto, pudemos perceber de imediato três grupos principais quanto ao tipo de participação autoral do ilustrador: ilustrações por encomenda para textos de terceiros (67 livros), ilustrações para textos de terceiros em parceria com os escritores ou editores (quatro livros)5 e autoria completa (ilustrações e texto, 18 livros). Por questões de afinidade com os escritores/editores e de nível de envolvimento criativo com os projetos, percebemos que o mais coerente seria analisar conjuntamente os dois últimos grupos. Foi este o ponto de partida para desenvolvermos uma classificação das obras e definir o corpus. 4 5 No 17º Congresso de Leitura do Brasil, realizado em julho de 2009 na Unicamp, a professora e pesquisadora Marisa Lajolo (Professora Titular no Departamento de Teoria Literária e pesquisadora da Unicamp, com pós doutorado na Brown University, ganhou o prêmio Jabuti em 2009 na categoria Teoria/crítica literária com o livro Monteiro Lobato: Livro a Livro. Editora Unesp/Imprensa Oficial), quando solicitada a apontar as principais inovações em curso na literatura infanto-juvenil brasileira, indicou o trabalho de Roger Mello como um dos mais significativos. O livro Vizinho, vizinha (2004) tem texto de Roger Mello e ilustrações em parceria com Graça Lima e Mariana Massarani. Foi excluído desta categoria o livro Curupira, escrito por Roger e ilustrado por Graça Lima, que inverte a relação autoral entre texto e imagem presente nos demais livros, por não apresentar proveito para nossa pesquisa, centrada que é na narrativa visual: representa uma exceção que não justifica a análise (que deveria neste caso ser literária), fugindo ao escopo deste trabalho. 104 3.2 CLASSIFICAÇÃO DAS NARRATIVAS 3.2.1 Quanto ao tipo de autoria • Textos de outros escritores • Parceria com escritores ou editores • Autoria completa Num esforço de delimitação de um corpus suficientemente representativo da excelência criativa do artista, após identificarmos estas três categorias optamos por eliminar o primeiro grupo (ilustração por encomenda para textos de terceiros) norteados por critérios objetivos: em primeiro lugar, a ilustração é uma arte aplicada, onde o artista presta serviços a um cliente que paga por eles, o que faz com que ilustradores iniciantes necessitem ser mais flexíveis quanto à opção de participar ou não em projetos com os quais podem não se entusiasmar, motivados por necessidades financeiras e de consolidação profissional. Tal risco não acontece em projetos de autoria completa ou em parceria, onde a adesão ao projeto é obviamente total. De fato, à medida que a carreira de Roger Mello amadurece, sua escolha de trabalhos torna-se mais seletiva. Isto não quer dizer que os projetos de que o artista participou no início de sua carreira tenham sido pouco expressivos – ao contrário, seu primeiro livro publicado, A flor do lado de lá (1990), de sua autoria completa, foi logo premiado (prêmio Altamente Recomendável da FNLIJ); no ano seguinte foram mais dois prêmios para livros de outros escritores; idem em 1992.6 Podemos observar na figura 8 uma distribuição quantitativa de obras que mostra, até meados de sua carreira, no final da década de 1990, a preponderância de livros ilustrados por encomenda. Daí em diante, a proporção se modifica drasticamente: enquanto a criação de obras de sua autoria total ou parceria permanece estável (11 livros), sua participação em projetos de terceiros diminui sensivelmente, passando de 54 livros nos anos 1990 para apenas 13 nos anos 2000, numa redução de mais de 75% (figura 9). 6 Ver no Apêndice A a relação completa de seus livros ilustrados: as obras premiadas estão assinaladas com *. 105 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 1 1 2 5 5 3 3 6 6 1 1 7 7 10 7 1 1 4 3 1 2 3 1 1 1 1 1 1 2 1 1 11 12 3 3 3 3 2 0 3 9 4 4 1 2 1 1 10 3 2 4 Textos de outros escritores Autoria total / parceria 2 2 3 2 4 6 8 10 12 1990-1999 Textos de outros escritores 54 2000-2009 Figura 8. Livros ilustrados por ano / tipo de autoria Textos de outros escritores 13 Autoria total / parceria 11 Autoria total / parceria 11 0 10 20 30 40 50 60 Figura 9. Livros ilustrados por década / tipo de autoria Reforçando nossas observações, ao mapearmos as obras premiadas distribuindoas pelas duas categorias, encontramos os significativos resultados mostrados na figura 10: a expressiva premiação de sua obra (39 prêmios para 89 títulos, numa proporção de 43,82%) divide-se em 21 prêmios para 67 livros com textos de terceiros (31,34%) e 18 prêmios para 22 livros com textos próprios/parcerias (81,81%). 106 Textos de outros escritores: 67 Premiados: 21 (31,34%) Autoria total / parceria: 22 Premiados: 18 (81,81%) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Figura 10. Fi 10 Livros Li premiados i d por tipo de autoria Em segundo lugar, estamos tratando de livros infantis ilustrados, um gênero de caracterização ainda não suficientemente consolidada, mas que indiscutivelmente apresenta como particularidade a força da convergência intersemiótica entre palavras e imagens de que nos fala Luís Camargo. Ainda que Roger Mello tenha maior reconhecimento público como ilustrador, destaca-se também como escritor, conforme atestam a critica especializada e os prêmios recebidos por suas produções textuais. Portanto, os livros infantis de sua autoria completa configuram-se objetos muito especiais e particulares no universo do livro infantil, colocando-o ao lado de outros consagrados autores de dupla vocação como William Blake e Beatrix Potter, citados anteriormente. Os 22 títulos resultantes desta primeira etapa classificatória são:7 A flor do lado de lá* (1990), O gato Viriato* (1993), O próximo dinossauro* (1994), Uma história de Botovermelho* (1995), Bumba meu boi Bumbá* (1996), Maria Teresa* (1996), Viriato e o Leão (1996), Cavalhadas de Pirenópolis* (1997), Griso, o unicórnio* (1997), A pipa (1997), Todo cuidado é pouco* (1998), Jardins* (2001), Meninos do Mangue* (2001), Vizinho, vizinha (2002), Em cima da hora* (2004), Nau Catarineta* (2004), João por um fio* (2006), Desertos* , Zubair e os labirintos* (2007), Zoo* (2008), Carvoeirinhos* (2009) e Ossos do ofício (2009). Deste conjunto, apenas três textos são de outros escritores: Jardins e Desertos, de Roseana Murray, e Zoo, de João Guimarães Rosa, em organização do editor Luiz Raul Machado. Ancoramo-nos, portanto, em dados quantitativos para embasar nosso critério de escolha que vai privilegiar o qualitativo, em benefício dos esforços contemporâneos de valorização das produções culturais destinadas à infância e seu reconhecimento por toda 7 Os premiados estão marcados com *. 107 a sociedade, onde ainda persiste uma noção generalizada de que produtos para a infância são menores.8 Como esclarecimento adicional, destacamos o critério adotado de considerar como item único os vários livros que compõe uma coleção: embora sejam livros diferentes, por estarem reunidos em uma coleção apresentam uma afinidade temática que demanda o mesmo tipo de solução visual. Por privilegiarmos uma análise qualitativa das ilustrações, faz mais sentido analisarmos o conjunto como uma obra única sob o ponto de vista criativo. Caso optássemos por uma abordagem puramente quantitativa, computando os títulos publicado dentro de uma mesma coleção como livros individuais, teríamos em conseqüência distorções em nossas análises. Ainda assim, para deixar clara sua ordem de grandeza, citamos, na relação completa de obras constante no Apêndice A, os nomes dos títulos que compõe cada coleção. 3.2.2 Quanto à interação palavra/imagem • Livro de imagem • Livro ilustrado • Livro com ilustrações O primeiro filtro aplicado na seleção do corpus foi o da classificação quanto ao tipo de autoria, que resultou em 22 livros dentro de um universo de 89 obras. Dentro deste primeiro conjunto recortado, aplicamos o segundo filtro, classificando os 22 livros quanto ao tipo de interação entre palavras e imagens, segundo definições vistas no capítulo dois (livros de imagens, livros ilustrados e livros com ilustrações). Os livros de imagens, compostos por narrativas exclusivamente imagéticas, são os seguintes (cinco livros): A flor do lado de lá, O gato Viriato, O próximo dinossauro, Viriato e o Leão e A pipa. Nos livros ilustrados as imagens interagem em pé de igualdade com o texto verbal e são imprescindíveis na construção e apreensão da narrativa. São os livros mais numerosos no corpus estudado (15 livros): Bumba meu boi Bumbá, Maria Teresa, Cavalhadas de Pirenópolis, Griso, o unicórnio, Todo cuidado é pouco, Jardins, Meninos do Mangue; Vizinho, 8 Ver KHÉDE, Sonia Salomão (org.). Literatura infantil: um gênero polêmico. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986 e JACOBY, Sissa (org.). A criança e a produção cultural: do brinquedo à literatura. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003. 108 vizinha; Em cima da hora, Nau Catarineta, João por um fio, Desertos, Zoo, Carvoeirinhos, Ossos do ofício e Zubair e os labirintos. Este último é um livro originalíssimo e por isso de difícil classificação: o texto nem é muito extenso, porém é de construção bastante complexa; embora atrativamente ilustrado, suas referências iconográficas e projetuais são extremamente sofisticadas; a temática conta com um protagonista infantil que se envolve em conflitos do mundo adulto, cheio de referências a questões históricas, culturais, políticas, religiosas, de entendimento desafiador mesmo para os próprios adultos. Enfim, um livro instigante, sobre o qual seria interessante conduzir pesquisas quanto à recepção por leitores de diferentes graus de experiência. Os livros com ilustrações têm textos verbais de maior extensão ou complexidade e são acompanhados por poucas imagens. Há apenas dois livros que se poderia classificar nesta categoria: Uma história de Boto-vermelho e Em cima da hora. Antes mesmo de proceder a esta segunda classificação, já tínhamos em mente que as duas primeiras categorias seriam as privilegiadas para análise, visto que estamos tratando primordialmente da linguagem visual nos livros infantis e que na terceira categoria a contribuição das ilustrações se dá de modo acessório, não sendo imprescindíveis na construção da narrativa. Nossa intenção inicial, norteada por critérios qualitativos, foi confirmada mais uma vez pelos critérios quantitativos, uma vez que as duas primeiras categorias reúnem 20 livros, enquanto que a terceira, apenas dois. Assim, delimitamos nosso corpus e passamos para a etapa seguinte. Antes disso, deve-se acrescentar uma observação quanto ao formato dos livros. Há uma convenção no mercado editorial que associa os formatos horizontal e quadrado às duas primeiras categorias de livro aqui descritas (livros de imagens e livros ilustrados), e o vertical à terceira (livros com ilustrações), identificando sua aproximação com os livros para o público adulto (só de textos verbais), onde este é o padrão predominante. Aliás, o formato vertical é o preferido das livrarias por ser mais fácil de arrumar em displays e prateleiras, projetados para acomodar os livros de tamanho padronizado (como 14 x 21 ou 16 x 23 cm), onde a diversidade de formatos dos livros infantis representa um desafio, para não dizer um transtorno. De fato, enquanto nos dois primeiros grupos a incidência de formatos e medidas é bastante diversificada (quatro quadrados, seis horizontais, dez verticais, fig. 11), no terceiro há apenas o formato vertical. 109 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 Figura 11. Capas distribuídas por ano da 1ª edição, reproduzidas em 1/8 do tamanho original (12,5%), mostrando variação de tamanhos e formatos. 110 3.2.3 Quanto à temática • Bichos • Gente (ocupações, tipos urbanos) • Cultura popular (lendas, festas, brinquedos e brincadeiras, cultura material) / cultura urbana • Ambiente natural (plantas, lugares) / ambiente construído • Espaço geográfico: Brasil / exterior / indeterminado Trataremos aqui de um dos dois eixos a serem articulados na análise da convergência intersemiótica: a temática narrativa. A classificação aqui empreendida será de grande importância quando relacionarmos suas categorias às linguagens visuais empregadas para representá-las. Pudemos identificar nas obras a ocorrência de alguns temas predominantes, que por vezes se alternam como temas acessórios em outros livros. Eles coincidem com preferências declaradas por Roger Mello,9 como visto no capítulo um, quando investigamos o processo de concepção dos livros, relacionando os temas desenvolvidos à biografia do autor. Pudemos agrupar os temas em quatro grupos principais, com distribuição equilibrada entre as três primeiras (Bichos 6; Gente 7; Cultura popular/urbana 7), sendo exceção a categoria Ambiente, com apenas duas obras onde este é o tema predominante, aliás significativamente “aparentadas”: Jardins e Desertos, criadas em parceria com a escritora Roseana Murray em interessante alternância de ordem (em Jardins, Roger criou ilustrações para os poemas de Roseana; em Desertos, Roseana criou poemas para os desenhos de Roger). Complementando estes quatro grupos temáticos, consideramos interessante identificar também os universos espaciais onde as narrativas se desenrolam. Pudemos assinalar três tipos de espaços geográficos distintos: histórias ambientadas no Brasil, no exterior ou em espaços indeterminados. O Brasil é o campeão na preferência do autor, presente em 12 das 20 obras, estando quatro no exterior (O próximo dinossauro, Desertos, Zubair e os labirintos e Zoo) e quatro em espaços indeterminados (Griso, o unicórnio; Todo cuidado é pouco; Jardins e João por um fio). 9 Vide entrevistas para UOL (2001), Kikuchi (2003) e Mendes (2010). 111 3.3 REPERTÓRIO VISUAL Se até aqui tratamos de categorias de classificação relacionadas às características gerais das narrativas (autoria, gênero, temática), passamos agora para o terreno das mensagens visuais especificamente, que vem a ser o centro de nosso interesse para análise. Conforme exposto no capítulo dois, entendemos que a ilustração é uma linguagem (sistema de signos duplamente articulados que exprimem pensamentos) e que no caso do livro infantil acontece uma convergência intersemiótica entre ela e a linguagem verbal. 3.3.1 Signos icônicos Estreitamente relacionados às temáticas narrativas, os signos icônicos tem força especial naquelas relacionadas à cultura popular, com sua riqueza de objetos da cultura material e figuras do imaginário. Nos livros integrantes do corpus, as temáticas brasileiras se traduzem em figuras (fauna, flora, etnia, vestimentas, arquitetura) nacionais, familiares ao receptor infantil. Esta familiaridade com os signos icônicos abre portas para as “extravagâncias” do artista ao lidar com os signos plásticos, estabelecendo uma dinâmica entre códigos conhecidos e novidades que exerce grande atração sobre o receptor, como as cores inusitadas de Maria Teresa (ver p. 149). 3.3.2 Signos plásticos Observamos nas ilustrações de Roger Mello uma evolução progressiva no emprego de signos “clássicos” em direção a signos “revolucionários”: em seus primeiros trabalhos percebemos claramente o domínio das regras canônicas de representação anatômica, de volume, de perspectiva, de enquadramento, de composição; que vão sendo abandonados em favor de um estilo próprio, com tendências mais expressionistas. Esta transição de estilo fica absolutamente evidente em dois livros de imagem com o mesmo protagonista, o gato Viriato, que passa de um “gatinho fofo” em O gato Viriato (ver p. 145) para um gato fauve em Viriato e o Leão (ver p. 157). De 1996 em diante, portanto na maioria de suas obras, é neste estilo próprio que serão construídas 112 suas narrativas visuais, e, assim sendo, privilegiaremos na análise os signos característicos deste estilo. • Cor e iluminação O código cromático do artista é bastante característico: preferência por cores primárias e secundárias, principalmente o laranja, em associações inusitadas com os signos icônicos (como o céu laranja na capa de Maria Teresa, ver p. 149), frequentemente no grau máximo de saturação, em luminosidade intensa. Por vezes aparecem em contraste extremo, associados ao preto em situações dramáticas ou cenas noturnas (como em Ossos do ofício, ver p. 179). Os tons são chapados, com poucas variações de sombreado, que mesmo assim funcionam antes como recurso expressivo do que como indicador de volume. Será um importante descritor, senão o principal, na análise das mensagens visuais. • Anatomia Os seres vivos do artista (animais, plantas, pessoas) partem de representações realistas para assumirem formas estilizadas. As figuras humanas tornam-se alongadas, como silhuetas sinuosas, de feições pouco detalhadas que mais se assemelham a bonecos. Algumas parecem dançar no ar com seus movimentos deslizantes, sem articulações aparentes nos joelhos e cotovelos, que lembram as figuras humanas de Chagall como em Todo cuidado é pouco (ver p. 166). • Formas As formas são preferencialmente sinuosas e alongadas, e as linhas retas funcionam mais como um contraponto que confere força expressiva às sinuosas. As formas são fechadas, seja quando chapadas, como em A pipa (ver p. 164) ou quando formadas por linhas contínuas, com em João por um fio (ver p. 134). Alguns motivos se repetem em vários livros, como as folhagens em preto e branco, as árvores floridas, os pássaros, as molduras de casinhas, as linhas quadriculadas. 113 • Perspectiva A perspectiva assume o caráter livre da arte naif, onde a representação do espaço privilegia o aspecto narrativo ao mostrar em uma mesma cena diferentes pontos de vista, bem exemplificados nas ruas e praças de As cavalhadas de Pirenópolis (ver p. 159). Notamos ainda a distorção da perspectiva em prol da dramaticidade narrativa, como na tomada plongé de Viriato e o leão (ver p. 157) ou no contre-plongé de Todo cuidade é pouco (ver p. 166). 3.3.3 Referências visuais Identificamos nas obras de Roger Mello abundantes referências visuais, influências ou citações de outras obras ou estilos, sendo as mais frequentes: • Realismo acadêmico (nas primeiras três obras analisadas) • Cartum (idem) • Fauvismo (da quarta obra em diante) • Modernismo (idem) • Arte naif (idem) 3.3.4 Técnicas Embora conte com sofisticados equipamentos digitais em seu estúdio, o artista os utiliza para atividades acessórias, como pesquisar referências na internet, trocar e-mails, escrever textos, fazer bonecas. Em sua atividade de ilustrador, o meio físico é o que melhor materializa sua criação mental. Suas principais ferramentas de trabalho são papéis, tintas, lápis e outros materiais, como a sucata usada nas colagens de Meninos do mangue (ver p. 123). As principais técnicas que utiliza são (Mello, 2010): • Pintura com ecoline (aquarela líquida) e tinta industrial • Desenho com lápis de cor e giz de cera • Colagem de materiais diversos, principalmente papel e plástico 114 3.3.5 Tipografia: a “imagem das palavras” A “imagem das palavras” é como Joly (2008) poeticamente denomina as questões relativas ao aspecto gráfico das palavras, como tipografia, seu peso, diagramação, etc. Uma característica bastante particular no universo visual criado por Roger Mello é sua tipografia manuscrita, presente em muitas capas e nos versos de Nau Catarineta (ver p. 128). Ela aparece em títulos, folhas de rosto, como parte integrante das ilustrações (como em João por um fio, ver p. 134) e até mesmo como base para a criação de uma fonte digital utilizada para compor o texto, em Todo cuidado é pouco. 3.3.6 Projeto gráfico: o livro como objeto Outra característica singular na obra do artista é a elaboração de projetos gráficos diferenciados, com formatos, facas, dobras, montagens especiais: o marcador de páginas em forma de peixe em João por um fio (ver p. 134), a sobrecapa vazada de Jardins (ver p. 118), o laço que fecha o caderno de viagens em Desertos (ver p. 171), as lâminas de fogo em pop-up e tinta luminosa de Carvoeirinhos (ver p. 138), a sobrecapa vazada e as dobras tridimensionais em Zoo (ver p. 177). 3.4 ANÁLISE DO CORPUS Neste item são apresentados imagens e comentários de todos os livros integrantes do corpus estudado – 20 no total –, com níveis variados de detalhamento, correspondendo a uma hierarquização estabelecida por Roger Mello para o dossiê apresentado ao comitê julgador do Prêmio Hans Christian Andersen 2010. O artista selecionou dez livros de sua autoria completa para enviar aos jurados do prêmio como os mais representativos de sua obra (este mesmo grupo fora indicado para concorrer ao Astrid Lindgren Memorial Award – ALMA, à exceção de Desertos, que substituiu o esgotado Griso, do qual não seria possível enviar exemplares para os jurados). Dentre estes, apontou os cinco mais importantes. A classificação é a seguinte: 115 João por um fio Jardins Nau Catarineta Carvoeirinhos Meninos do Mangue 5 mais importantes Maria Teresa Cavalhadas de Pirenópolis Desertos Zubair e os labirintos Zoo 10 mais importantes Griso, o unicórnio A pipa Todo cuidado é pouco Vizinho, vizinha Ossos do ofício A flor do lado de lá O gato Viriato O próximo dinossauro Bumba meu boi Bumbá Viriato e o Leão Corpus Figura 12. Obras constantes do corpus conforme classificação do autor para o prêmio HCA 2010. Sendo assim, os cinco livros apontados pelo artista como os mais representativos de sua obra merecerão as análises mais detalhadas. Este conjunto também é bastante representativo dos variados tipos de interação entre texto verbal e visual que o livro ilustrado pode apresentar: texto poético próprio (João por um fio), introspectivo, tratando de questão universal – o medo; texto poético de outro autor (Jardins); texto da tradição popular reinterpretado (Nau Catarineta); texto próprio médio (Carvoeirinhos) sobre realidade social brasileira e texto próprio longo (Meninos do mangue), também sobre realidade social brasileira, com com narrativa de encaixe. Observa-se uma predominância em ordem inversa entre texto verbal e texto imagético nestes cinco livros, correspondendo aproximadamente à seguinte distribuição: Mais imagem Equilíbrio Mais texto Figura 13. Predominância de texto ou imagem nos cinco livros mais importantes, escolhidos pelo autor. Para informar a análise semiológica, procedeu-se a uma coleta de dados de cada obra reunidos em uma ficha, que apresenta também informações técnicas. Para definir os itens relativos à análise visual, partiu-se das categorias apontadas por Joly (2008) e Oliveira (2008). Os dados foram sintetizados e agrupados da seguinte maneira: 116 1) título; texto (apenas para livros em parceria); cidade, editora e ano da 1a edição; medidas (horizontal x vertical em cm) e nº de páginas; ISBN; 2) prêmios, traduções e adaptações; 3) temática, referências visuais, técnica, cor e luz, anatomia, formas, perspectiva, enquadramento, corte, tipografia, ritmo e 4) projeto gráfico: autoria, tipo (convencional ou diferenciado), dados de impressão da capa (cores, papel, acabamento, encadernação) e do miolo (cores e papel), guarda (quando existente) e 4a capa. Depois de coletados, estes dados foram ordenados em fichas, que podem ser consultadas no Apêndice B. Apenas as informações do item 1 são reproduzidas junto da análise visual, que é acompanhada também por reproduções reduzidas da capa e de ilustrações selecionadas do miolo. Tomando as imagens como ponto de partida, procedeu-se a uma análise semiológica da cada obra, numa espécie de descrição densa (Geertz, 1989), acrescentando aos aspectos denotados uma leitura conotativa dos significados das imagens. A análise tornou-se especialmente fecunda ao incorporar, de forma crítica, informações fornecidas pelo autor – seja em entrevistas realizadas para esta pesquisa, seja em outras entrevistas, ou mesmo em conversas espontâneas.10 Nestas análises, buscamos evitar referências à base teórica já longamente estudada, por entendermos que esta etapa final deveria apresentar os resultados do processo de maturação e apropriação de conceitos examinados e mencionados ao longo deste trabalho. Assim, aspirando a uma fluência sintética, procuramos deixar que os textos fossem “encharcados” por estes conceitos, mais do que fazer referências pontuais a eles. Uma vez que o conjunto completo das imagens se constitui em um volume elevado de informações, para atender aos objetivos desta pesquisa optou-se por examinar prioritariamente a capa de cada livro, complementada, quando conveniente, por outras imagens relevantes – sejam ilustrações do miolo ou detalhes do projeto gráfico. 10 Registre-se aqui as dificuldades encontradas para entrevistar um objeto de estudo que é também um amigo: as conversas prolongavam-se por muitas horas, numa sucessão de temas impossível de manter sob controle – como já destacado anteriormente, inquietude e caos são elementos característicos de Roger Mello. Em todos os nossos encontros, ao longo de 2009 e 2010, as entrevistas semi-estruturadas convertiam-se facilmente em entrevistas não-diretivas. 117 A importância da capa enquanto vínculo primordial com o leitor faz dela elemento fundamental do livro, devendo comunicar sua essência ao primeiro contato. Alan Powers (2008) traçou uma “história ilustrada da literatura infantil” apresentando mais de 400 capas de livros publicados para crianças, cobrindo um período de mais de três séculos (do  ao ). Fernando Paixão escreve na orelha: Pode-se dizer de um livro que a capa representa o “rosto” com que se oferece ao mundo. Tal como acontece entre as pessoas, é através da capa (ou da face) que dispara a primeira impressão de simpatia, ou não, por aquilo que depois vamos encontrar nas páginas internas. Quantas vezes não abrimos uma obra justamente porque a capa nos seduz e convida par além dela? Essa máxima se torna ainda mais verdadeira quando se trata de alcançar a atenção (e a amizade) das crianças. Se para os adultos, o apelo comunicativo costuma ser desencadeado a partir de elementos ou códigos já conhecidos, no caso da imaginação infantil isso foge completamente à regra e ganha contornos de magia. Os olhos das crianças mantêm canal direto com o coração, não esqueçamos. (Paixão in Powers, 2008) As capas fornecem informações seguras a respeito da identidade dos livros, justificando nossa escolha: “no caso do livro ilustrado, ela pode servir de amostra das delícias que virão – uma espécie de janela para um mundo interior, mas não necessariamente a mais rica delas.” (Powers, 2008, p. 6) A análise semiológica da capa é precedida por uma sinopse da história, e inclui também considerações sobre o conjunto da obra, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento gráfico do livro – projeto gráfico, ritmo da diagramação, impressão e acabamento. A sequência de apresentação das obras obedece a dois critérios – a classificação do artista e a ordem cronológica. Assim, em primeiro lugar, apresenta-se o conjunto de cinco obras destacadas por Roger Mello, seguido pelos outros 15 livros. Dentro destes conjuntos, a sequência de apresentação obedece à ordem cronológica de publicação da primeira edição. Esta sequência evidencia transformações na linguagem visual empregada pelo artista, notando-se uma transição marcante ao final dos primeiros seis anos do período observado (1990-1995). Em alguns casos, há uma proximidade temática entre obras publicadas com anos de intervalo, sendo tais casos apontados na análise. As imagens são apresentadas na mesma escala (30% do tamanho original) para facilitar a percepção das dimensões dos livros, bastante variadas. 118 ★ 5. Jardins Livro ilustrado. Texto de Roseana Murray Rio de Janeiro: Manati, 2001 20,5 x 26,5 cm, 32 p Figura 14. Sobrecapa vazada Figura 16. 2ª capa e página 1 Criar um jardim é arrumar elementos da natureza para produzir uma emoção plena, indecifrável. (texto de 4ª capa, sem assinatura) Figura 15. Capa 119 Figura 17 Figura 18 Figura 19 120 O título simboliza bem o que é este livro: jardins de palavras e imagens. A sensibilidade poética encontra-se plenamente concretizada em versos inspirados que se ajustam (ou seria o contrário) às belíssimas e delicadas ilustrações de Roger Mello. É uma combinação perfeita, resultando num projeto editorial primoroso para os leitores agradecidos com este objeto livro, embalado como se fosse um presente, encadernado e com fita colorida. (Pereira, Maria Teresa. Resenha. FNLIJ. Disponível online em http://biblioteca.fnlij.org.br:81/pergamum/biblioteca/. Acesso em 26 fev. 2011.) Criado em parceria entre a escritora Roseana Murray e Roger Mello, por ela convidado para ilustrar seus poemas, este livro é como um jardim – lugar onde a natureza encontra a cultura, despertando emoções em quem dele desfruta. A parceria entre Roseana Murray e Roger Mello prosseguiu em outro livro, Desertos (2006), no qual a sequência de participação foi invertida: primeiro Roger fez os desenhos, sobre os quais Roseana depois escreveu os poemas. Escritora e ilustrador expressam seu apreço por jardins de maneiras distintas, em interações enriquecedoras. Roseana cria poemas sutis: “Flores passeiam / no azul do dia, / fabricam coloridos / silêncios, / como se fossem lenços / de seda e ar.” ou “ Fiar auroras e sentimentos / com as coloridas linhas do horizonte / e fazer um dia de flores e fontes.” Já Roger Mello cria imagens polifônicas, a um só tempo vigorosas e delicadas, envolvendo o leitor em uma experiência semelhante à que se tem ao passear por um belo jardim. Ao primeiro contato com o livro, o leitor já recebe algumas informações significativas pelo simples manuseio do objeto. Roger Mello projetou-o graficamente à moda de antigas pastas de ilustração botânica: uma sobrecapa em papel vergé impresso em verde petróleo envolve a capa, com abas dobradas que trazem fitas de cetim vermelho presas na metade da altura, na primeira e quarta capas, de modo que fecha-se o livro atando as fitas num laço (fig. 14). Esta sobrecapa contrasta o acabamento sofisticado com a singeleza de desenhos de árvores estilizadas, com troncos bastante alongados traçados em branco, terminando na parte superior em folhagens também alongadas, preenchidas por padronagem quadriculada em laranja. É um desenho bastante esquemático, lembrando esboços feitos por ilustradores botânicos como anotações de campo. No entanto, o naturalismo sugerido pela observância do sentido de crescimento das árvores caminha para a geometrização, que se pode notar, além das folhagens quadriculadas, nos motivos que compõem os troncos das árvores: linhas paralelas e losangos repetem-se formando uma padronagem vertical. Partindo de uma concepção gráfica referenciado na tradição, o artista acrescenta-lhe saborosos detalhes inovadores – três cortes de formato ovalado, lembrando folhas vazadas de cos- 121 tela-de-adão (Monstera deliciosa), deixam entrever a capa, brilhante e multicolorida. Estabelece-se assim um jogo de planos sucessivos que remete ao tipo de experiência visual e sensorial que se tem ao passear por entre as plantas de um jardim, onde as folhas em primeiro plano encobrem parcialmente o restante da vegetação. Manuscrito no mesmo tom laranja forte das folhagens, o título Jardins ancora a imagem, direcionando a leitura visual para um sentido poético. Desenhar palavras integradas à ilustração é um recurso bastante empregado por Roger Mello, que reforça o caráter de “ingenuidade cultivada” por oposição à tipografia composta em tipos industriais, criando interessantes efeitos de dinâmica visual. Especialmente neste livro, que mostra o par natureza/cultura, a combinação de palavras manuscritas (título) e compostas (autora, ilustrador, editora) aponta para esta dialética. Em compensação, a capa não traz texto algum: é inteiramente ocupada por uma ilustração (que se repete no miolo – na página dupla 18-19 e na última página) mostrando uma exuberante vegetação, pintada em cores fauvistas – amarelo, verde, azul, roxo, branco, preto e cinza – sobre fundo vermelho escuro chapado, em composição que remete a Matisse (fig. 15). Contrastando com as formas delineadas da sobrecapa, aqui as formas são fechadas, preenchidas por cores densas e opacas, em pinceladas que revelam a textura do papel. A composição mostra uma interessante combinação de formas orgânicas que se repetem nas laterais em torno de uma árvore central, sugerindo uma organização visual que caminha para o motivo da árvore da vida, tão caro à tradição islâmica, amplamente empregado em tapetes, tecidos e painéis no oriente – referências visuais que pontuarão todo o livro O jogo de contrastes entre sobrecapa e capa multiplica-se em vários elementos: a textura do papel vergé da sobrecapa contrasta com o verniz brilhante da capa; cores complementares nos fundos – verde na sobrecapa, vermelho na capa; poucas cores na sobrecapa e muitas na capa; composição relativamente “vazia” na sobrecapa e densa na capa; são várias construções visuais que apontam para multiplicidade da natureza organizado pela ação humana – haveria o princípio filosófico de physis e logos nestes Jardins? Também no miolo do livro esta dinâmica permanece. Abrindo-o, a 2ª capa traz uma chapada de cor no mesmo tom vermelho escuro do fundo da capa, assim como a página 1, destancando-se no centro desta página a vinheta de uma pequena rã, desenhada em branco e verde, com detalhes em preto (fig. 16). Esta página dupla funciona como um prelúdio silencioso que antecede os próximos movimentos: ao longo do livro, ilustrações sangrando a página alternam- 122 se com ilustrações aplicadas sobre fundo de cor chapada, em diversas combinações que conferem ao livro um ritmo variado e atrativo (figs. 17 a 19). Roger Mello deixa espaços livres nas ilustrações, por onde brotam os poemas; em outros momentos parece que as ilustrações é que crescem como bordados em torno das palavras (fig. 18). Por vezes, a experiência visual é tão intensa que sobrepuja os delicados poemas. São imagens de cores vivas e variadas, de formas fechadas ou lineares – não há traços de contorno, mas por vezes as próprias linhas formam figuras – contendo uma multiplicidade de detalhes que lembram a arte popular, em pinturas naif e bordados, ou ainda os tapetes orientais (fig. 19). Algumas cenas, aparentemente caóticas, não impõe um direcionamento estrito ao olhar, que passeia livremente explorando detalhes que compõem um conjunto infindo. No entanto, esta miríade de informações visuais – assim como as plantas de um jardim – está seletivamente organizada, sem que chegue a ser domesticada. No Jardins há uma ilustração com milhões de passarinhos, e um menino me perguntou: “Quantos passarinhos tem?” Então falei: “Se você me perguntou é porque contou, não?” Ele disse que sim, então perguntei: “Quantos eram?” – eu até anotei isso. Depois pensei: “Não sei como tive saco para fazer tantos!”, mas falo: “Ainda bem que eu tive saco pra fazer isso!” Por isso mesmo guardo todos os meus desenhos, porque sei que não os redesenharei. (Mello, 2003, p. 40) O artista não desenha jardins à maneira realista, mas antes expressa em suas ilustrações algumas representações mentais que funcionam como metáforas sobre o cuidado artesanal e sensível no trato com a natureza (inclusive a humana) – por exemplo, o tema da árvore da vida, importante nos tapetes orientais, transparece em muitas ilustrações (fig. 17). Assim, as figuras denotadas – flores, árvores, folhagens, fontes, pequenos animais – afastam-se do figurativismo, aproximando-se pela abstração gráfica do modo islâmico de pensamento visual. Há também alusões aos pátios internos da arquitetura mourisca, ao artesanato, às vestimentas e padronagens indianas e africanas (fig. 18). As cores, fortes e saturadas, aproximamse igualmente destes universos visuais: são laranjas, ocres, lilases, azuis cobalto, com contrapontos em vermelho escuro, verde petróleo ou preto, conferindo ao livro uma atmosfera calorosa. Paradoxalmente, em meio a tanta informação visual e cores vivas, a quantidade e a repetição de detalhes funciona como um mantra visual, induzindo a uma experiência de aprofundamento contemplativo – mais uma vez, aproximando-se da sensação de usufruir um jardim florido. 123 ★ 5. Meninos do mangue Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 2001 19 x 27,5 cm, 72 p. Figura 20. Capa Figura 22. Folha de rosto Não necessariamente o [Meninos do] mangue é uma coisa que trabalha com o folclore – ele é um livro urbano mas, assim como o manguebit, mistura o maracatu com o hip hop e outros ritmos. É também como misturar visualmente uma referência; o artista popular se recicla, e o folclore também, não é uma coisa parada [...] Eu queria justamente que as imagens mostrassem um outro clima, [...] tanto é que as guardas do [Meninos do] mangue são laranja cítrico, porque queria que as pessoas já entrassem no livro sabendo que não é uma coisa melancólica, nem saudosista. (Mello, 2003, p. 41) Figura 21. 2ª capa e página 1 Figura 23 124 Figura 24 Com Meninos do mangue, Roger Mello inaugura uma linha temática tratando da vida de meninos,11 que contará depois com outros personagens como João (2006), Zubair (2007) e os carvoeirinhos (2009). Roger fala da vida no mangue, casa dos caranguejos e dos meninos: Todas as crianças de todos os mangues, sem a menor cerimônia, fazem desses guardiães da maré o seu brinquedo favorito. Entre uma uma brincadeira e outra, elas inspiraram as nove novas histórias deste livro (Mello, 2001, p. 70). O livro nasceu da combinação das memórias afetivas de Roger em relação ao mangue, que conheceu bem na infância durante as férias passadas na fazendo do tio, e da experiência de fazer a direção de arte do filme O ciclo do caranguejo, dirigido por Augusto Lachtermacher e inspirado em crônica do falecido sociólogo Josué de Castro: Sei apenas que há uma ponte que liga o sociólogo do mangue ao escritor-ilustrador do cerrado. Ponte cheia de desvios, com caminhos que passam pela poesia de João Cabral de Melo Neto,12 cruzam com a cultura dos emigrantes do sertão, eternos fugitivos da seca, e convergem com os novos sons lançados pelo manguebit e suas repercussões em todo o mundo das artes (Lachtermacher in Mello, 2001, p. 68) 11 Embora em O último dinossauro (1994), Cavalhadas de Pirenópolis (1997) e A pipa (1997) já aparecessem meninos, é a partir de Meninos do mangue que eles assumem papel central na narrativa. 12 Vide trecho de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, citado na página 5 do livro (fig. 23). 125 O livro é uma narrativa de encaixe: em paga de uma aposta, a Preguiça conta à Sorte oito histórias onde uma delas apareça. As histórias se passam no mangue onde as duas foram pescar siri, e mostram a vida dos moradores do lugar, incluindo os doze meninos que dão nome ao livro. O texto é extenso, ocupando páginas inteiras, entremeado de vez em quando por vinhetas que ocupam parte da mancha. Traçadas em preto com detalhes em vermelho sobre fundo creme, as vinhetas seguem um estilo linear e econômico, completamente diferente das grandes e coloridas ilustrações de página inteira sangrada que se distribuem ao longo do livro, acompanhando o trecho da história que está sendo contado (fig. 24). Estas ilustrações juntam pintura e colagem sobre fundo de plástico preto amassado, resultando em artes-finais volumosas, que depois são fotografadas. A pintura, feita com tinta industrial, revela a textura do plástico amassado e forma uma camada espessa que ao secar racha, produzindo, junto com a colagem de sucata, um efeito que remete ao lixo e à lama dos mangues urbanos: “a arte é dessa grossura assim, porque a base é toda com plástico, com lixo mesmo, com tinta [...] látex à base de PVA fosca. Uso essa tinta porque ela permite trabalhar com lápis e com giz de cera por cima, é ótima!” (Mello, 2003, p. 28) De fato, neste livro a textura é o signo plástico que mais se destaca na veiculação de significados – o efeito provocado pela técnica da pintura em grossas camadas sobre plástico amassado reforça a sensorialidade tátil da lama do mangue e favorece a conexão empática do leitor com o universo da narrativa. Também as cores desempenham um papel importante na comunicação dos significados: sobre os tons preto e cinza do fundo texturizado, que são também os da lama, as ilustrações destacam-se em cores vivas que remetem à arte pop. O ilustrador emprega este efeito de contraste cromático para deixar clara sua visão da vida dos meninos do mangue: unindo as culturas popular e urbana, o livro “não é uma coisa melancólica, nem saudosista” (op cit, p. 41). Para afastar qualquer semelhança com uma “estética da miséria” ou folclorização, o autor planejou a aplicação de um tinta luminosa laranja na 2ª e 3ª capas (fig. 21), que oferecem um contraponto cromático ao fundo preto das ilustrações e reforçam a convergência entre tradição e modernidade de que fala Lachtermacher, citando como exemplo o manguebit de Chico Science. Observando as formas, nota-se que Roger Mello acentua o alongamento e a geometrização das figuras – personagens, vegetação, construções, objetos –, que ele já ensaiara em livros anteriores. Mais do que uma evolução estilística, aqui nota-se uma sintonia com a situação re- 126 presentada: as palafitas e a vegetação apoiam-se sobre longas “pernas” para compensar a variação das marés. Na capa (fig. 20) aparece parte de uma ilustração de página dupla (p. 38-39) que divide o miolo em duas partes: Maré Alta e Maré Baixa. Na metade superior, a ilustração mostra palafitas coloridas, de formato retangular, apoiadas em longas hastes que mergulham nas águas negras do mangue, que ocupam a metade inferior. O lixo que toma a superfície é representado por colagem de fragmentos de papel e plástico. Barcos coloridos, pintados em tinta industrial rachada, são mostrados em vista aérea que contrasta com a vista frontal das palafitas, que se sucedem em sobreposição vertical sem referência a qualquer tipo de perspectiva. Em meio à aparente poluição visual, pequenos detalhes se revelam: uma cadeira de tiras de plástico,13 um cartaz anunciando “Vende-se caranguejo”, janelinhas com grades em arabesco, varais com roupas coloridas secando, antenas parabólicas, uma parede pichada, uma porta aberta que deixa entrever uma televisão sobre mesinha com toalha de crochê. A ilustração ocupa toda a largura da capa e é complementada no alto e em baixo por faixas horizontais em vermelho intenso, onde o título aparece escrito em preto, composto em tipografia sem serifa e caixa baixa (“meninos” no alto, “do mangue” em baixo). Sobre a faixa superior, uma outra faixa contém, à esquerda, um retângulo preto com 5 cm de largura que mostra o logotipo da editora vazado em branco, e na largura restante, uma faixa cuja metade inferior contém o nome do autor escrito em preto sobre fundo lilás encimada por uma faixa com um fragmento da ilustração. Ao contrário das capas que trazem o texto manuscrito pelo autor integrado à ilustração, aqui a composição apresenta-se menos integrada, pois as faixas vermelhas horizontais, enquadrando a imagem em cima e em baixo, criam uma moldura de isolamento entre imagem e texto. Em compensação, ao longo do livro o autor emprega tipografias variadas para diferenciar o texto que descreve as cenas vividas pela Sorte e Preguiça (sem serifa) daquelas narradas pelas personagens (com serifa), marcando o início dos “causos” com títulos manuscritos. Esta mesma tipografia é usada na folha de rosto (fig. 22), numa integração com os desenho bem mais harmoniosa do que a que se apresenta na capa. A primeira e a última páginas (fig. 21) mostram uma ilustração da história “Marias catadoras”, onde as personagens pescam siris no mangue. A cena é tomada por um emaranhado de 13 Vide observação sobre o interesse de Roger por cadeiras feita no item 1.1.3, p. 46. 127 raízes em tons de lilás acinzentado, cor da lama ao secar. As formas são fechadas, sem contorno. No entanto, um contorno preto acaba sendo visualmente composto quando o ilustrador deixa uma reserva de afastamento entre uma raiz e outra, por onde aparece o fundo preto. Com este recurso, percebe-se a sobreposição das raízes em vários planos, diferindo das ramificações, onde as linhas se encostam. Nas roupas das Marias, padronagens em delicados desenhos misturam-se a fragmentos de papel impresso com linhas paralelas de códigos de barra. As fisionomia são estilizadas, com olhos e nariz apenas sugeridos por ligeiros traços em preto, que confundem-se com o fundo preto. As páginas 2-3 (fig. 22) mostram desenhos traçados em branco sobre fundo preto chapado, com linhas que deixam transparecer a textura do papel. São caranguejos, raízes e personagens em atividade no mangue – um, agachado, cata caranguejos na lama; outro retira da água um puçá com um caranguejo preso; o terceiro carrega nos ombros uma vara com siris presos nas duas extremidades – formando um léxico das histórias. Estes cinco desenhos se multiplicam ocupando as duas páginas sem seguir um padrão de repetição. Deixam um espaço livre no centro da página 3, onde ao título manuscrito seguem-se a indicação de autoria, o logotipo da editora e o selo da FNLIJ, também vazados em branco. As páginas 4-5 têm fundo chapado em cyan escurecido, onde uma carreira de 12 meninos corre em disparada de uma extremidade a outra. São figuras estilizadas, alongadas, lembrando desenhos rupestres. Na metade inferior da página 5 (fig. 23), um poema de João Cabral de Melo Neto retirado de Morte e vida severina fala de meninos vivendo no mangue, em meio a aratus, goiamuns e caranguejos. Depois, uma página dupla em branco com pouco texto – dedicatória, sumário, lista de prêmios – cria uma pausa visual que antecede a abertura da história, com uma ilustração em página dupla mostrando os meninos chegando em disparada ao mangue com seus puçás. O livro ganhou importantes prêmios nacionais e internacionais, e foi selecionado pelo autor como uma de suas cinco mais expressivas obras para constar no dossiê do prêmio Hans Christian Andersen (Anexo B), onde pode-se ler também a opinião da escritora Ana Maria Machado: “De saída, eu diria que tem dois [autores brasileiros] maravilhosos: Adriana Falcão e Roger Mello. Meninos do mangue, de Roger, é uma obra-prima”. 128 ★ 5. Nau Catarineta Livro ilustrado Rio de Janeiro: Manati, 2004 22 x 30 cm, 40p. Figura 25. Capa Figura 27. 2ª capa e página 1 Sempre quis ver a minha versão dessa importante festa popular e do seu texto. Algumas pessoas já trabalharam esse tema, mas eu queria criar a minha leitura visual, já que, na medida do possível, estou preservando os textos. Faço uma colagem dos textos, desde a versão de Garret, até os textos que ainda são brincados pelo país. Eu vi a festa quando era criança e fiquei muito impressionado, mas não tinha contato freqüente com essa festa. (Mello, 2003, p. 26) Figura 26 129 Figura 28 Figura 28 Figura 30 Nau Catarineta é o quarto livro ilustrado de Roger Mello inspirado na cultura popular brasileira, especialmente as festas. Os três livros anteriores – Maria Teresa (2006), Bumba meu boi Bumbá (2006) e Cavalhadas de Pirenópolis (1997) – haviam alcançado tamanha repercussão positiva que Roger Mello relata ter sentido o peso de tornar-se um autor “rotulado” como folclorista. Assim, embora continuasse interessado na cultura popular, fez um 130 intervalo de sete anos entre a publicação de Cavalhadas de Pirenópolis (1997) e a de Nau Catarineta (2004), onde retoma a temática das festas populares. Este livro nasceu também de um contato prévio com a festa durante a infância, que o impressionou vivamente: “[...] eu queria ver isso num livro. Por isso é que eu fiz, porque era bom de ilustrar mesmo, eu tinha vontade de desenhar aquilo, um marinheiro que virava um demônio aos poucos e aqueles bichos todos do mar.” (Mello, 2010) O autor empreendeu uma longa e aprofundada pesquisa sobre a narrativa, até chegar à sua própria versão. Sobre a versão de Roger Mello, o poeta e editor Alexei Bueno escreve na quarta capa do livro: Um alongada pesquisa, em várias manifestações folclóricas no vasto mundo lusófono, conduziu Roger Mello à excelente versão dramática deste livro. Trabalho semelhante, de reinterpretação de muitas vertentes da nossa arte popular, serviu de inspiração para as suas maravilhosas ilustrações, que fazem deste álbum uma festa para os olhos e para a alma, uma celebração obrigatória para os que se interessam, em qualquer idade, pelas nossas mais fundas e autênticas raízes. (Bueno, 2004, 4ª capa) Nau Catarineta é um poema trágico-marítimo da tradição popular portuguesa que fala de sentimentos impregnados no imaginário daquele povo. Na história, a Nau Catarineta fica perdida no mar durante uma longa calmaria, e a tripulação tem que lidar com situações dramáticas – deflagradas pelo medo, a solidão, a saudade, a fome, o desespero – que culminam no enfrentamento mortal entre o Capitão e o demônio. Chegando ao Brasil, a Nau Catarineta passou a ser encenada em festas populares de inspiração marítima. Os homens vestidos de marinheiros cantam os versos do poema e desfilam pelas ruas, dançando e imitando o movimento das ondas, até chegarem ao palco em forma de barco, montado no local que será o centro da representação. Neste livro, mais uma vez o artista emprega as cores vibrantes características de sua palheta – aqui, laranja, ocre, vermelho, verde escuro, magenta, com detalhes em amarelo, cyan, preto, branco, roxo – em combinações contrastadas colorindo cenas construídas em perspectiva naïf. Porém, esta narrativa visual traz ainda outros elementos singulares da arte popular, principalmente referências a tábuas votivas sobre naufrágios, do século XVIII, e a obras do artista popular Nhô Caboclo,14 expostas no Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro. 14 Artista ingênuo nascido no interior de Pernambuco em data incerta, desde pequeno produziu objetos a partir do barro e dos mais inusitados materiais, como a barba-de-bode e a mandioca linheira. Adulto, Nhô Caboclo 131 Destacam-se as falas dos personagens, em tipografia manuscrita em preto, com detalhes como capitulares e pontuação em quadrados vermelhos, aplicadas dentro de balões amarelos de formas sinuosas que se irradiam a partir da boca de quem fala (fig. 27). Este recurso, empregado em desenhos religiosos medievais, deu origem aos diálogos dentro de balões típicos dos quadrinhos – e aqui Roger Mello agrega elementos da cultura europeia tradicional e da cultura popular brasileira. A capa (fig. 25) mostra a metade direita de uma ilustração sangrada que continua à esquerda, passando pela lombada e ocupando também toda a quarta capa. Na cena aparecem os marinheiros embarcados na Nau Catarineta, em perspectiva frontal, sem ponto de fuga, com linha do horizonte média delimitada pelo que seria a linha d’água. Porém, ao contrário de Maria Teresa, não se vê na parte inferior uma representação visual correspondente ao elemento água, mas sim a uma água cênica, formada por linhas paralelas horizontais levemente sinuosas e multicoloridas em amarelo, preto, vermelho e magenta, cruzadas na vertical por linhas verdes e pontuadas por detalhes em cores contrastantes – azul, preto e branco – numa composição que sugere uma padronagem têxtil. Este elemento guarda uma sutil significação, que Roger Mello descreve: [...] por exemplo, na Nau Catarineta eu não coloquei mar. Não tem mar: tem peixes e um elemento quase sólido que sustenta aquela barca, como se fosse um pano de mamulengo mesmo. Mas aí esses módulos, que no início são peixinhos coloridos, peixinhos de recife, vão mudando de coloração à medida em que o barco vai entrando no fundo do mar; aí não tem tanto sentido ser colorido, não tem tanta influência do sol. Os peixes de fundo de mar, das correntezas, não são mais coloridos, são normalmente peixes cinza em cima, branco embaixo, por causa de camuflagem. Então é um subtexto que eu vou criando – que eu não escrevo no texto também – até chegar aos peixes abissais. (Mello, 2010) Acima da linha d’água, vê-se o casco da Nau Catarineta em forma simplificada, pintada de verde escuro chapado, com discreto sombreado em preto na parte inferior. Sobrepostos ao mudou-se para Recife, passando a trabalhar basicamente com madeira e sucata. Suas composições privilegiam o movimento, em obras em que os diversos elementos perseguem o equilíbrio, explorando principalmente a temática marítima, com navios de guerreiros e escravos acorrentados. Grande parte de suas obras fazem parte do acervo do Museu Casa do Pontal, um importante museu de arte popular criado por Jacques van de Beuque no Rio de Janeiro, que mostra obras de cerca de 200 artistas como Mestre Vitalino, Manuel Eudócio, Noemisa, Antonio Porteiro, Adailton Lopes, Mestre Didi. São cerca de 8.000 peças de arte popular brasileira, entre esculturas, bonecos, entalhes, modelagens e mecanismos articulados. Mais informações podem ser consultadas em http://www.museucasadopontal.com. br/museucasadopontal/htdocs/site.asp?lng=1. Acesso em 12 jan. 2011. 132 casco aparecem remos, boias e uma faixa retangular amarela onde se lê “Nau Catarineta” escrito em preto, com pequeno quadrado vermelho sob o primeiro A. Ao longo da extremidade superior do casco estão sete marinheiros enfileirados, portando espadas desembainhadas e olhando para a direita, na direção do Gajeiro. São figuras estilizadas, em forma sinuosa e alongada, sem feições. Vestem o mesmo uniforme composto por calças azuis em matizes variados, camisas brancas com lenço azul nos ombros, presas por cintos de cores variadas (amarelo, vermelho e verde) e quepes brancos. Seus rostos têm cores que demonstram etnias variadas, indo do rosa ao marrom em diversos tons. Enquanto seus corpos são mostrados em vista frontal, percebe-se que os rostos estão voltados para a direita pelo detalhe dos cabelos pretos, que ocupam sua parte esquerda. Nota-se a tensão dramática da cena: os marinheiros, particularizados por etnias e cintos, formam um grupo unificado pelo figurino e pela postura corporal, voltado em ameaçadora expectativa para o Gajeiro. Este dúbio personagem (que no decorrer da história revela ser o demônio) está agachado no topo do mastro de observação, que fica na extremidade direita da nau, logo depois do farol – uma linha vertical quadriculada de preto e branco encimada por uma lanterna. Também desenhado em anatomia estilizada, veste uniforme diferenciado e tem feições maléficas. Ao invés de olhar para a frente, segura uma luneta apontada para baixo e olha para trás, para além dos marinheiros, para um ponto situado fora da cena: na parte da ilustração que continua na quarta capa, vê-se na popa da nau o Capitão, ajoelhado em posição defensiva. Este enquadramento situa o clima de temor expectante que domina a história, onipresente e indistinto. Este clima é reforçado pela cor do céu que ocupa a parte superior da cena, um amarelo ocre chapado. É um tom de amarelo – cor quente e luminosa – que, misturado ao preto, caminha para polaridade oposta.15 Pode-se fazer uma análise de significados em duas chaves diferentes: denotativamente, seria o tom da luminosidade de um céu tomado de nuvens carregadas que precede uma tempestade; conotativamente, poderia simbolizar degeneração e desespero. Uma leitura simbólica associa o amarelo, cor da luz solar intensa, à essência divina, tendo por oposto e complementar o negro das profundezas ctonianas, separados no momento da diferenciação do caos primordial. O escurecimento do amarelo indicaria uma situação onde, “esquecido o amor divino, chega o enxofre luciferiano” (Chevalier & Gheerbrant, 2007, p. 41). 15 Ver PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2009, principalmente o capítulo “A natureza da cor e sua ação psíquica, simbólica e mísitca”, p. 96-115. 133 Ao abrir o livro, tem-se um contraste cromático e de enquadramento: a 2ª capa é impressa em chapada de laranja luminoso e a página 1 é tomada por uma enorme figura feminina que enche a página (fig. 27). Vestindo lenço multicolorido, blusa preta e saia de retalhos marrons, seu perfil se recorta sobre um cenário ocupado por céu verde escuro na metade superior e, na metade inferior, por um mar de águas em dois tons de azul, em faixas horizontais paralelas entremeadas por ondulações negras e semicírculos multicores. Uma amurada branca decorada com uma pinha se interpõe entre os dois planos da cena. De perfil, voltada para margem direita (externa) do livro a mulher pronuncia versos de despedida escritos dentro de faixas amarelas. Somente ao fim do livro seu interlocutor é revelado: na última página, um marinheiro retribui a despedida declarando seu amor e desejo de retorno. A composição é simétrica: voltado para a margem esquerda, ele agita um lenço com a mesma padronagem do da mulher. O cenário é o igual, porém no lugar da amurada vê-se a balaustrada de madeira da nau em primeiro plano, que sublinha a separação espacial do casal. A oposição verde escuro-laranja repete-se nas páginas 2-3 e 4-5. Esta última (fig. 26) apresenta a tripulação da Nau Catarineta, com os personagens recortados sobre fundo chapado verde escuro e seus nomes compostos junto de cada um. Nas páginas 6-7 (fig. 28) acontece a apresentação da festa: acompanhado pelo povo, o cortejo de marinheiros desfila por um cenário em composição naif, onde a profundidade é sugerida não por perspectiva em ponto de fuga mas por uma diminuição das figuras humanas mais afastadas do primeiro plano. Molduras de casinhas multicoloridas, com letreiros como “Sapatos Dulac”, “Aviamentos Bozó” ou “Spiasó Lanches Salgados”, reproduzem a arquitetura de cidades do interior brasileiro. Também esta cena repete-se simetricamente nas páginas finais, porém a rua já está quase vazia e um marinheiro retardatário arrasta um pequeno barco com rodinhas onde se lê “Nau Catarineta”, deixando atrás de si bandeirinhas coloridas caídas pelo chão. Ao longo do livro, os versos aparecem em composições que alternam cheios e vazios: ora as páginas apresentam ilustrações sangradas, totalmente tomadas por detalhes de colorido forte e variado (fig. 30), ora apresentam solitários marinheiros recortados sobre fundo de cor chapada (fig. 29). Este ritmo parece contrapor o barulho coletivo da festa ao silêncio isolado do mar, oferecendo ao leitor uma possibilidade de leitura em duas camadas. O livro ganhou edição belga em francês, conquistou importantes prêmios nacionais – como o de Melhor Ilustração da FNLIJ – e foi selecionado pelo autor para constar no dossiê do prêmio Hans Christian Andersen como uma de suas cinco mais expressivas obras. 134 ★ 5. João por um fio Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 2005 22,5 x 15,5 cm, 48p. Figura 31. Capa Figura 32. Guarda Figura 33 Figura 34 Figura 35 135 João por um fio é outro dos livros de Roger Mello que tem um menino por protagonista. A história se passa à noite, quando João enfrenta seus temores noturnos protegido por uma colcha. Filho de pescador, João conhece a arte de tecer fios e palavras, da qual lança mão quando sua colcha protetora se rompe. A história apresenta as muitas dúvidas que João vai desfiando ao longo da noite– como uma Penélope desfazendo na escuridão as certezas do dia. Assim como artesãos do mundo inteiro que criam peças intrincadas – redes de pesca, bilro, crochê, frivolité, renascença, labirinto, etc. – contando apenas com linha, habilidade e sensibilidade, Roger Mello traça uma narrativa visual sofisticada empregando recursos econômicos. As elaboradas ilustrações foram desenhadas com caneta esferográfica e lápis sobre papel comum, e depois xerocadas em negativo sobre papel branco ou vermelho. Suas linhas traçam bordados sobre fundos chapados, de cores também econômicas: desenhos brancos, pretos ou vermelhos alternam-se sobre fundos nos mesmos tons. Assim como nas rendas, as formas das ilustrações são sempre abertas, sendo exceção as pequenas silhuetas do personagem enredado em suas tramas. A capa (fig. 31) é um exemplo acabado da linguagem visual do livro, onde poucos elementos, em composição e linguagem singelas, comunicam uma apla gama de emoções e significados. Traçada em branco sobre o fundo chapado de vermelho, delineia-se a silhueta de João fugindo de ondas negras que explodem no canto superior direito, segurando o fio rumo à segurança de sua colcha branca, na margem inferior esquerda, oposta diagonalmente às ondas. A tensão entre ameaça e abrigo representados por estes dois elementos evidencia-se por meio das cores e suas associações simbólicas em nossa cultura (preto, escuridão, luto; branco, luz, paz);16 por sua oposição espacial nas diagonais opostas do livro; bem como por suas formas – as ondas são desenhadas em curvas retorcidas que multiplicam-se desordenadamente, ao passo que a colcha tem traços leves, retos e curtos, dispostos organizadamente em torno de um eixo de simetria. A construção visual desta figura, no entanto, não aponta inequivocamente para uma colcha, que representaria um “porto seguro” para as angústias do protagonista – ela pode também remeter à figura de um peixe, elemento que ao longo da história vai desestabilizar a frágil segurança conquistada pelo menino no abrigo da colcha. Entre estes dois extremos, balança-se João, solto no ar, como se pode perceber por sua postura corporal: com as pernas lançadas para cima e a cabeça voltada para o canto inferior es- 16 Ver PEDROSA e CHEVALIER&GHEERBRANT, op cit. 136 querdo, seu corpo arqueia-se num ângulo de aproximadamente 30º a partir do eixo horizontal formado pelas margens da capa, enquanto que os braços estendem-se curvados à frente da cabeça segurando a ponta de um fio que termina no canto superior esquerda da página, acima da colcha e em frente às ondas. Um marcador de página de barbante, fixado na lombada do canto superior do livro exatamente na direção onde termina (ou começa?) a linha que João segura, propõe um jogo entre realidade e representação: o fio vira desenho, ou será o contrário? Na ponta do fio, está preso um pequeno peixe de papel, propondo outra brincadeira que remete ao momento culminante de uma pescaria, quando o peixe morde a isca e fica preso no anzol – é João quem puxa o peixe, ou o peixe é quem puxa João? Este recurso lúdico e relativamente singelo exerce um efeito muito atrativo sobre os leitores, conforme o próprio autor relata ter tido a oportunidade de constatar junto ao público (Mello, 2010). Destaque-se ainda que o enquadramento isola João como único elemento centralizado e inteiramente contido na capa; enquanto que, tanto as ameaçadoras ondas escuras quanto a dúbia colcha branca estendem-se imprecisamente para além das margens, reforçando a impressão já conferida pela diferença de tamanhos (a figura do menino ocupa muito menos espaço do que os outros dois elementos da ilustração) da fragilidade do personagem face às forças avassaladoras que enfrenta. A capa mostra ainda título e nome do autor manuscritos, integrando-se à ilustração e dispostos em paralelo ao ângulo da figura do protagonista, o que reforça o sentido de movimento na composição. Por todos estes elementos apontados, nota-se na capa uma síntese visual da tensão dramática que se desenrolará ao longo de toda a narrativa. O livro tem encadernação em capa dura com laminação fosca, efeito nobre que oferece um interessante contraste com a simplicidade do desenho a duas cores. A guarda mostra uma rede de pesca ou colcha, delineada em branco sobre fundo vermelho, em cuja trama pode-se ver a silhueta de peixinhos, duas conchas, uma aranha, duas libélulas, três bolinhas dentro de um pote de vidro e um caminhão de brinquedo – seriam os tesouros de João? Esta guarda nos convida para um mundo íntimo, onde o menino vive seus sonhos e angústias (fig. 32) Apesar de o interesse de Roger Mello pela arte popular brasileira, evidenciado em numerosas obras anteriormente publicadas, poder apontar para uma associação dos desenhos com as rendas do nordeste, as tramas são parte da cultura universal. O autor conta que a ideia da histó- 137 ria já existia, mas se concretizou quando ele conheceu as ilhas Uros,17 no lago Titicaca, Peru (Mello, 2010), para cujas crianças dedica o livro (p. 9). Logo depois da dedicatória, a história se inicia com uma pergunta, composta em tipografia manuscrita preta, único elemento na página dupla: “Antes de dormir o menino puxa a coberta: / — Agora sou só eu comigo?”. A esta pergunta do menino João seguem-se muitas outras que permanecem em aberto, à espera da participação do leitor, que nela poderá tecer seus próprios fios: “Se João cai no sono, com que paisagens ele sonha? Rios macios? Lençóis d’água? Lagoas? Represas? Sonhos molhados de medo? E se o medo derrama, João é que abre a torneira?” (2005, p. 24). A sucessão de perguntas mostra os temores que assaltam João, e as maneiras que encontra para afastá-los. Os desenhos da colcha rendada acompanham as mudanças de situação, incorporando em sua trama motivos diferentes: peixes e estrelas-do-mar quando o menino se deita, estrelas e lua quando ele recebe o beijo da noite, figuras humanas tipicamente andinas e desenhos geométricos acompanhando o fio de uma cantiga (fig. 33), uma cordilheira de montanhas sacudidas pelo gigante João que assusta pessoas diminutas, ondas do mar revolto onde vai pescar o pai (fig. 34), criaturas marinhas no lago redondo feito de medo que inunda o colchão, um peixe que fura a rede provocando um furo que engole tudo e deixa João só no vazio. Neste momento, a colcha se desmancha e João tece outra com as palavras que encontra espalhadas pelo chão (35). É uma ilustração de construção elaborada, por meio de palavras desenhadas, que seguramente representou um desafio para a edição francesa da obra – o livro conquistou importantes prêmios e foi traduzido e publicado na França como Jean fil à fil (Nantes, France: Éditions MeMo, 2009). 17 Estas ilhas são estruturas artificiais, que os habitantes locais constroem com fibras de totora, em tradição que remonta à era pré-colombiana. 138 ★ 5. Carvoeirinhos Livro ilustrado. São Paulo: Cia das Letrinhas, 2009 27 x 22 cm, 60 p Figura 36. Lâminas em pop up no miolo do livro Figura 37. Capa Figura 38 139 Figura 39 Figura 40 Figura 41 Carvoeirinhos conta a história de um menino carvoeiro, narrada por um marimbondo: De forma poética e original, a história do menino carvoeiro é narrada por um inusitado narrador: um marimbondo. Ao mesmo tempo que vai relatando a suas próprias experiências, ele observa o cotidiano do menino: o árduo trabalho de fazer os fornos, as conversas com outro menino, a necessidade de escapar dos fiscais. As expressivas ilustrações do autor captam com sensibilidade e força a vida dura e cinzenta desses pequenos trabalhadores.18 É o terceiro livro de Roger Mello enfocando a vida de um menino, onde novamente os animais desempenham papel importante. Desta vez, é um marimbondo que narra os acontecimentos – tanto da vida do menino quanto da sua própria. O autor apresenta, logo no início do 18 Sinopse do livro constante do site da editora Cia das Letras. Disponível online em http://www. companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=40568. Acesso em 16 out. 2010. 140 livro, uma interessante via de aproximação entre dois mundos tão distintos: as casas do marimbondo e do menino têm a mesma forma, em posição invertida – a do primeiro presa no teto, a do segundo crescendo do chão. O marimbondo vai explicando que casas são essas: a sua é na verdade um ninho; a do menino é na verdade a casa do fogo, um forno de tijolo e barro onde se faz o carvão. A história se desenrola em ambientes marcados por contrastes entre escuridão e luz: carvão, cinzas, aço, noite; fogo, fornalha, brasa, faróis, ferrão, vaga-lume. Os dois meninos da história (menino e Albinho) mostram o contraste na pele: Albinho é assim batizado pelo marimbondo por ser albino, de pele muito branca. Este contraste acontece também entre o que está claro e o que está oculto: trabalhadores na carvoaria, os meninos têm que fugir dos fiscais que supostamente deveriam protegê-los. A história não toma partido nem julga, apenas mostra habilmente a dubiedade de uma situação complexa, onde o menino consegue, apesar de tudo, ser um menino: pilota um carrinho de mão como se fosse uma Ferrari, brinca de pegar com o amigo, faz estragos, pula e corre pelas pilhas de carvão, se arrisca em escaladas audaciosas, viaja escondido na caçamba de um caminhão, explora um lugar desconhecido, brinca com caixinhas e insetos, derruba a casa do marimbondo, leva uma ferroada. Há ainda os contrastes entre os mundos de adultos, crianças e animais: compartilhando o mesmo tempo e espaço, vivem de maneiras próprias, segundo suas naturezas, e as interações entre eles muitas vezes são problemáticas. A narrativa visual está em plena sintonia com a história. Assim com em Meninos do mangue, além do desenho e da pintura, aqui Roger explora colagens de materiais que remetem às texturas dos ambientes retratados – como fumaça, poeira, carvão, barro (fig. 39). Usa também colagem de fragmentos de imagens impressas, como pilhas e sacos de carvão, o boné xadrez do menino, as roupas de couro dos fiscais, os detalhes do corpo do marimbondo (ferrão, asas, olhos, fig. 41). Porém, neste livro, a cor é o elemento da linguagem visual que mais se destaca. Roger planejou o livro em duas gamas de cor: neutros e escuros – pretos e cinzas do carvão, das cinzas, da fumaça; e quentes e luminosos – vermelhos, laranjas e magentas do fogo, da brasa, dos faróis. Os tons de preto, impressos em tinta comum, oferecem um contraste extremo para os tons quentes, impressos em tintas especiais luminosas, em três tintas diferentes – magenta, coral e laranja. 141 A capa (fig. 37) sintetiza o ambiente denso e desolado onde se desenrola a história dos carvoeirinhos, mostrando a silhueta de uma carvoaria recortada em preto contra um enorme céu cinzento cheio de densas nuvens, que dominam a cena ocupando quase 90% da altura da página. A estreita faixa preta horizontal na parte inferior da capa sugere uma linha do horizonte baixa, onde dois meninos correm empurrando um carrinho de mão entre fornos de carvão, representados como três semicírculos agrupados à esquerda e dois à direita. Dos fornos emanam as nuvens de fumaça que sobem preenchendo o céu com texturas variadas – algumas são de papel amassado, outras de papel texturizado, outras revelam grossas pinceladas. As formas são fechadas, sinuosas, opacas, sobrepondo-se umas às outras. Sob este céu denso e opressivo as duas figuras diminutas quase que se confundem com o cenário monocromático, em preto e gradações de cinza, onde se destacam as labaredas em tinta luminosa laranja e magenta que se projetam do forno localizado na extrema esquerda da capa. Um pequeno triângulo em laranja luminoso sobreposto à silhueta do forno sugere a abertura que é a origem das chamas, duas formas alongadas com pontas triangulares que se projetam para o alto, criando, pelo contraste cromático extremo, um foco de interesse para onde converge o olhar, e que vem a ser o elemento central da narrativa em torno do qual sucedem-se as ações da vida dos meninos – o fogo. A proporção exagerada entre o ambiente e as figuras humanas, bem como o código cromático onde predomina o cinza da fumaça e da poeira dos fornos de carvão, comunica bem a opressão que o trabalho desumano exerce sobre as crianças, ainda que em nenhum momento da narrativa verbal o autor emita julgamentos ou opiniões sobre tal situação. O titulo e o nome do autor são compostos com discrição, em tipografia sem serifa e caixa baixa sobre uma área reservada dentro de uma nuvem. Há uma interessante gradação de cores nas letras da palavra-título, mostrando no sentido da leitura a variação que vai do preto da carvão apagado ao laranja luminoso da brasa acesa: o “c” inicial, em preto, fica dentro da área mais clara formada pela interseção de duas nuvens, assumindo o destaque de uma capitular; as letras a seguir “arvoei” seguem em preto; as três letras seguintes (“rin”) vão em degradê de cinza escuro para mais claro; e as letras finais em tons quentes e progressivamente mais luminosos – “h” em magenta escuro, “o” em coral, “s” em laranja. 142 Além do jogo com as cores do carvão sendo aquecido, esta composição cria uma dinâmica visual entre o “s” luminoso laranja, à direita, e as chamas do forno à esquerda, introduzindo um contraponto cromático que torna o conjunto mais equilibrado. As cores quentes se destacam por contraste extremo sobre fundos escuros ao longo de todo o livro, de onde se pode destacar alguns exemplos que exploram ao máximo a dramaticidade deste efeito. Na primeira metade do livro, o menino brinca de perseguir Alvinho disputando um cigarro, até que na confusão a brasa cai sobre o mato seco. Eis que surgem da escuridão labaredas flamejantes: Roger planejou facas especiais em formato de línguas de fogo, montadas na costura da lombada do livro, que se projetam para fora e para cima quando se abre a página, num efeito de pop-up (fig. 36). Mais adiante, quando o menino explora escondido uma siderúrgica, tem-se a nítida sensação do calor flamejante das fornalhas e do metal derretido (fig. 39) Também os enquadramentos reforçam momentos dramáticos da narrativa, com planos fechados em detalhes que deixam o restante da imagem subentendido fora da cena, como o menino em fuga ou os fiscais sem rosto. Há ainda a ilustração que acompanha o momento em que o caminhão levando o menino figitivo cruza na estrada com o carro da fiscalização que leva o outro preso: caminhão e carro viram brinquedos na mão do menino (fig. 40). Para reforçar a aspereza do carvão (e da vida do menino), Roger havia planejado utilizar um papel sem cobertura, do tipo offset, bem fosco – o mesmo empregado em João por um fio. Porém, a prova de impressão revelou uma ingrata surpresa: o papel offset é bom para a impressão do preto fosco, mas absorve a tinta e apaga a luminosidade das cores especiais. Assim, Roger e a produção gráfica chegaram a um consenso, optando pelo papel couché matte, que tem uma camada de gesso que impede a excessiva absorção da tinta e evita o embotamento as cores – melhor manter o fogo brilhando ainda que a textura áspera do carvão saia prejudicada. Para finalizar, um cuidado a mais na encadernação: o livro foi publicado em duas versões – uma em capa dura,19 mais cara e rara, e outra em brochura, mais barata e comum. Este livro representa um exemplo de produção gráfica ousada, que contorna obstáculos em parceria com o designer e consegue chegar a uma solução favorável, valorizando o produto final. 19 Não é a toa que o nome da empresa onde Roger é sócio de Graça Lima e Mariana Massarani se chama “Capa dura em Cingapura”: só mesmo imprimindo na China para conseguir livros infantis em capa dura com preços de capa viáveis. 143 A flor do lado de lá Livro de imagem Rio de Janeiro: Salamandra, 1990. São Paulo: Global,1999 Atualmente na 7ª edição (2008) 20 x 20cm, 32 p. Figura 42 Figura 44 Figura 45 Figura 43 144 A flor do lado de lá foi o primeiro livro publicado por Roger Mello, em 1990, e continua sendo publicado e vendido até hoje, estando na 7ª edição. Esta narrativa por imagens mostra as emoções e tentativas de uma anta para se aproximar da flor que ama. No plano figurativo, nota-se as escolhas do artista por animais da fauna brasileira: além da anta, há um boto cor-de-rosa, uma baleia e um siri. Utilizando recursos do cartum de estilo realista, o autor consegue transmitir uma diversificada gama de emoções humanas aos personagens animais, que preservam traços típicos de suas anatomias. Exceto pelo siri, os personagens têm olhos antropomorfizados, em formato redondo e encimados por cílios, que expressam emoções humanas. Notadamente na protagonista, a expressão fisionômica aliada à linguagem corporal transmite claramente ao leitor o reconhecimento e a empatia com as emoções por ela vividas: há entusiasmo, sedução, espera, decepção, susto, desespero, saudade, tristeza. O tratamento da cor é essencialmente realista, sendo ressaltada como recurso narrativo em algumas imagens, como as nuances de azul intenso do céu em noite de lua cheia e da luz azulada das profundezas submarinas (fig. 45). Nas duas cenas, a cor funciona como recurso narrativo, destacando o desamparo da personagem face à inexorabilidade e vastidão da natureza. Em outra cena, onde a anta é salva do afogamento pelo boto, a cor desvia-se do realismo para sublinhar a transição de uma iminente tragédia em pura celebração da vida: o céu de puro amarelo, sobre águas azul-turquesa de onde salta triunfante e brincalhão o boto cor-de-rosa, enche a página dupla (fig. 44). Ainda a respeito das cores, cabe destacar a alternância de páginas duplas em cor e em pb (fig. 43) ao longo do livro. Ao contrário do que os leigos poderiam supor, este não é um recurso narrativo do autor, mas sim uma especificação técnica da editora para baratear os custos de impressão, comum na época da primeira edição – impressão 4/1, um código que significa imprimir a 4 cores (CMYK) em um lado do papel e em 1 cor (geralmente preto) do outro. A nova edição manteve este tipo de impressão – que caiu em desuso pela evolução das técnicas de impressão – já que para imprimir a 4/4 cores seria necessário colorizar as ilustrações criadas originalmente em pb. Em compensação, fez alterações sutis que favoreceram muito o livro: o acabamento passou de verniz brilhante para laminação fosca e a montagem passou de grampo canoa para lombada quadrada. 145 O gato Viriato Livro de imagem Rio de Janeiro: Ediouro, 1993 13,5 x 20,5cm, 32 p. Figura 46 Figura 47 Figura 48 Figura 49 Figura 50 Figura 51 146 Este livro narra por imagens as peripécias vividas pelo gato Viriato, um vira-lata cinzento, em quatro histórias curtas que misturam humor e singeleza: “O pato” (10 p.), “Um vaso louco” (6 p.), “Fazendo arte” (6 p.) e “O encontro” (7 p.). Inocente e aventureiro, o personagem faz lembrar o Peter Rabbit de Beatrix Potter, impressão reforçada visualmente pelo pequeno tamanho do livro (13 x 20,5 cm, o menor do corpus) e pelas ilustrações com fundos esmaecidos, pequenas e centralizadas na mancha. As ilustrações seguem um estilo realista – aqui bem mais próximo do cartum – tanto na composição quanto nas cores, como se percebe já na ilustração da capa (fig. 46). Empregando ecoline e lápis de cor, o artista desenha figuras de formas arredondadas, com traços leves e pouco “acabados”, que ressaltam a leveza e informalidade das histórias. Ao longo do livro, há um contraste interessante entre o convencionalismo das imagens e o nonsense das situações, como se pode ver na fig. 47. Nesta mesma ilustração, percebe-se a persistência dos olhos “humanizados” (em formato redondo e encimados por cílios) – recurso empregado pelo artista na caracterização dos animais que desperta empatia no leitor – ao mesmo tempo que a anatomia dos animais é respeitada, incluindo texturas e padronagens de peles, penas e pelos. Um detalhe jocoso indica um possível modo do autor se divertir com sua criação, fazendo uma autocitação, ou de ampliar um tema em narrativas posteriores: na fig. 48 pode-se ver um pequeno réptil brincando com uma bola vermelha, cena que se repete no livro O próximo dinossauro (fig. 24). Outra referência aparece na história “Fazendo arte”, onde Viriato faz uma grande bagunça com tintas e telas no ateliê, até a chegada do artista (fig. 50). Na história “O encontro”, nota-se um tema que aparece em outros livros (A flor do lado de lá, fig. 45 e Cavalhadas de Pirenópolis, fig. 72), possivelmente indicativo do apreço de Roger Mello por plantas: uma flor vermelha – que é personagem, símbolo ou objeto da afeição entre outros personagens – desencadeia ações de forte motivação emocional (fig. 51). A diagramação se aproxima daquela dos quadrinhos, com várias cenas por página mostrando ações sequenciais (fig. 51), sendo exceção uma ilustração centralizada em página dupla (fig. 49), cuja disposição evidencia a amplitude do voo do gato e do pato, mostrados em perspectiva aérea “a voo de pássaro”. O gato Viriato voltou a ser protagonista em Viriato e o leão (1996), porém em caracterização completamente diversa: de gatinho “fofo” passou a gato fauve (fig. 68). 147 O próximo dinossauro Livro de imagem São Paulo: FTD, 1994 20 x 20 cm, 24 p. Figura 52 Figura 53 Figura 54 Figura 55 Figura 56 148 Em mais um livro de imagens com protagonistas animais, de anatomia realista e olhos humanizados, Roger Mello mostra os personagens envolvidos em um jogo emocionante: uma bola vermelha passa “de mão em mão”, disputada com força, agilidade ou astúcia por diferentes tipos de dinossauros (fig. 52). O final do jogo é surpreendente – e quem sabe autobiográfico (fig. 56). Algumas “autocitações” aparecem neste livro: a brincadeira do réptil com a bola vermelha, saída de um capítulo de O gato Viriato, vira tema do livro inteiro; o ancestral do boto de A flor do lado de lá mostra o mesmo salto característico (fig. 54). Os animais são desenhados com realismo impressionante – anatomia, proporções, textura da pele e, principalmente, movimentos (fig. 53). Os cativantes olhos humanizados, cujas expressões Roger Mello domina tão bem, são suplantados pela expressividade dos movimentos, que transmitem ao leitor a dinâmica e as emoções do jogo, levando-o a experimentar a expectativa de antecipar qual será a “próxima jogada”. A capa mostra uma composição com closes de alguns dos dinossauros que participam da história, aqui em pose estática, olhando de perfil para o espectador, o que não traduz bem o “clima” movimentado que se encontrará no livro. As cores são realistas porém saturadas, como se pode ver no pterodáctilo em tons arroxeados da fig. 54, aliando expressividade narrativa ao realismo figurativo. As figuras – animais, bola, framentos da vegetação ou paisagem – são desenhadas sobre fundos predominantemente chapados em branco, com algumas exceções onde a cena é preenchida pela paisagem – seja floresta, mar ou céu. Estas variações contribuem para manter o dinamismo da narrativa visual, compensando a uniformidade da diagramação – todas as ilustrações ocupam páginas duplas sangradas, à exceção das duas últimas, onde a mudança radical de enquadramento evidencia a mudança do foco narrativo (figs. 55 e 56). Após quatro anos de representações realistas, este livro seria a “despedida” do ilustrador deste estilo, em favor de outros mais expressionistas e mutantes: Foi bom passar por isso, sabe? Mas acho que não tenho mais vontade de fazer isso – tipo A Cristaleira, O Próximo Dinossauro, o desenho do Boto. Agora não tenho mais vontade, mas não tenho nada contra, e acho ótimo, gosto dos trabalhos das pessoas que fazem desenhos mais acadêmicos, representacionais. Do mesmo modo, não quero fazer as coisas que já fiz – sei lá, pode ser que eu volte, às vezes me dá vontade de fazer um traço que eu fazia e abandonei. (Mello, 2003, p. 34) 149 Maria Teresa Livro ilustrado Rio de Janeiro: Agir, 1996 27 x 20,5 cm, 24 p. Figura 57 Figura 59 Figura 60 Figura 58 150 Figura 61 Figura 62 Maria Teresa, que dá nome ao livro, é a protagonista da história: uma carranca do Rio São Francisco que narra em primeira pessoa, em versos rimados, as muitas histórias que presencia à medida em que ela, “seu barco”20 e o barqueiro viajam pelo rio. Roger conta que a ideia deste livro surgiu do seu encanto pelas carrancas, ainda na infância, quando viu uma exposição de carrancas do Mestre Guarani que ficou gravada em seu imaginário (Mello, 2010). Mais tarde, suas muitas viagens pelo rio São Francisco, ambiente natural das carrancas, lhe forneceram material abundante para construir uma narrativa ficcional onde os signos icônicos compõem um registro das cenas da vida das populações ribeirinhas: o vapor que desce o rio junto com os barcos e suas carrancas; a moça na janela olhando a paisagem; as casinhas coloridas de cidades, vilas, povoados que passam longe na paisagem; elevações de ter- 20 Ver p. 13, onde Maria Teresa fala do “seu barco”: assim como a cabeça comanda o corpo, é ela quem comanda o barco, que vai a reboque. Sutil detalhe que destaca a personalidade da carranca. 151 ra nua a perder de vista, salpicadas aqui e ali pela vegetação do sertão; as aves de arribação; os peixes em cardumes coloridos no fundo do rio; a filha do coronel que foge com o filho do pescador; a festa de casamento coletivo; o medo de assombração; o monstro que ameaça os navegantes; o socorro da padroeira (fig. 59); as ladainhas mágicas; a carranca protetora afastando o perigo (fig. 60) ; as histórias de pescador; a festa do Divino; a congada; os barcos enfeitados de bandeirinhas coloridas batizados com nomes de mulheres (fig. 61); as águas barrentas do rio (fig. 62); o céu sem nuvens explodindo em cores quentes como o clima. Em resenha publicada no jornal O Globo de 03/08/1996, a escritora Laura Sandroni21 escreveu: Também bem editado é Maria Teresa, de Roger Mello, premiado ilustrador agora também autor de textos narrativos. Neste belo livro ele confirma as duas faces do seu talento. Trata-se da história de uma carranca do rio São Francisco contada por ela mesma em versos rimados. Entre Minas e Bahia, lá vai Maria Teresa levando alegria aos moradores da margem do Velho Chico. Tímida, ela tem medo de saci, boitatá, caipora, assombrações. Mas diante do bicho d’água lembra-se de que é uma obra de arte popular, patrimônio da humanidade, inserida para sempre no folclore brasileiro, e o enfrenta sem medo. O texto curto cede espaço às grandes ilustrações coloridas, lembrando a pintura naïf. Mais um belo trabalho de Roger Mello em busca do conhecimento da cultura popular brasileira. (2003, p. 274) Maria Teresa apresenta uma notável mudança na linguagem visual empregada por Roger Mello, e por este motivo fará jus a uma descrição mais pormenorizada. Nos livros publicados até então, predominava um estilo de figuração realista combinado ao do cartum. O artista conta que isso acontecia não por uma preferência sua, mas por demandas externas – quando viam seu porfolio, os editores pediam ilustrações naquele estilo. Maria Teresa foi um projeto autoral, realizado por conta própria, e só depois apresentado à editora, como conta o autor. Encantados com a proposta, os editores propuseram-lhe que criasse outros livros seguindo temáticas da cultura popular, e assim nasceram Bumba meu boi Bumbá (1996) e Cavalhadas de Pirenópolis (1997). Anos depois, a eles se juntou Nau Catarineta (2004), publicado por outra editora. 21 Laura Sandroni é um nome de referência em literatura infantil brasileira. Filha de Austregésilo de Athayde, é casada com Cícero Sandroni, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras – ABL, e mãe de Luciana Sandroni, também escritora – autora, entre outros, do premiado Minhas memória de Lobato. Laura foi uma das fundadoras da FNLIJ e durante muitos anos publicou resenhas críticas sobre literatura infantil no jornal O Globo, posteriormente reunidas no livro Ao longo do caminho (São Paulo: Moderna, 2003) de onde a citação foi extraída. 152 Uma característica típica da literatura infantil é a presença do fantástico misturado ao real, uma convenção bem aceita neste gênero literário.22 Porisso, a animismo da protagonista Maria Teresa, um objeto inanimado, abre caminho a representações do imaginário popular em perfeita aceitação pelo público infantil. Tendo estabelecido de modo eficiente, como autor da narrativa verbal, um contrato de comunicação com o leitor, Roger Mello pode, como autor da narrativa imagética, surpreendê-lo com representações visuais inusitadas, estranhas às convenções já bem assimiladas pelo público consumidor de produtos da indústria cultural (realismo figurativo e códigos dos produtos de massa, especialmente desenhos animados ou quadrinhos), e incorpora elementos da cultura popular, sendo o mais marcante o emprego de alguns elementos da arte naif, como as cores vibrantes, a profusão de detalhes, a perspectiva “anárquica”, bem como elementos do léxico da arte popular, como as molduras de casinhas e grafismos, a figura humana em formas simplificadas, as fisionomias despersonalizadas (fig. 59). Assim, o ilustrador faz neste livro uma bem dosada mistura de códigos conhecidos e de novidades, o que representa um grande atrativo para os jovens leitores.23 A capa (fig. 57) traz uma variante da ilustração das páginas 4-5, mostrando a personagem-título. Destacam-se à primeira vista as cores vibrantes e a profusão de elementos e detalhes, numa clara referência à arte naif. A composição mostra uma paisagem de rio onde, em primeiro plano, aparece Maria Teresa e o barco, com uma cidadezinha ao fundo. Uma configuração aparentemente convencional, quebrada por elementos inusitados – como o céu laranja e a moldura de casinhas que sobe em linha vertical do lado esquerdo – que dão o tom predominantemente original da composição. O principal deles é o código cromático, que sobressai numa primeira leitura: a ilustração, que ocupa inteiramente a capa, é dividida horizontalmente ao meio, sendo a metade superior um céu sem nuvens, de um tom laranja brilhante que domina a composição. A este céu de cor quente associa-se, ao mesmo tempo, as altas temperaturas atmosféricas das regiões banhadas pelo São Francisco, como também a conotação fantástica da narrativa. O conjunto das cores 22 Como visto anteriormente no capítulo 2, a literatura infantil nasce com os Contos de Fadas, também chamados Contos Maravilhosos, originados das narrativas da tradição popular camponesa na Europa medieval, onde é constante a presença de elementos fantásticos do imaginário popular. 23 Melhor dizendo, também para eles: à margem de qualquer classificação excludente, este livro constitui um exemplo típico do que se considera atualmente literatura infanto-juvenil de qualidade – aquela que pode ser apreciada por qualquer tipo de receptor, independente da sua idade. 153 empregadas (laranjas, azuis, verdes) remete ainda às cores da chita, tecido bastante apreciado e empregado no artesanato regional. Como contraponto cromático, a metade inferior da ilustração mostra as águas do rio em tons frios: na superfície, ondas em verde escuro e branco; nas profundezas, azul intenso onde nadam peixes estilizados geometricamente, brancos com listras pretas e discretos detalhes da cauda e focinho em amarelo e vermelho, dispostos regularmente de modo a formar um pattern, que remete novamente a padronagens têxteis e também aos grafismos geométricos da arte indígena. Em primeiro plano aparece Maria Teresa e o barco, constituindo um objeto único, antropomórfico: Maria Teresa é a cabeça e “seu barco” é o corpo. Indicando a relação de comando explicitada verbalmente na história, o barco é mostrado como uma forma simples e contínua (um triângulo ovalado apontando para baixo, com o vértice oculto pelas ondas), em tom verde brilhante pouco contrastado com o fundo, enquanto Maria Teresa tem detalhes, formas elaboradas e cor azul brilhante, complementar do fundo laranja. A fisionomia da carranca, ainda que preservando os traços monstruosos característicos, sugere um sorriso maroto na boca aberta contornada de vermelho. Focinho, bigodes e orelha estilizados sugerem uma fera (leão, onça...), porém os olhos em formato alongado, encimados por cílios e por uma sobrancelha bem desenhada, indicam sua identidade feminina, reforçada pela farta cabeleira em forma de cachos esculpidos que contornam o rosto. Por estes signos, percebemos tratar-se de uma entidade fantástica, ao mesmo tempo assustadora e protetora, como são as carrancas: sua fealdade tem por fim afugentar os maus espíritos que ameaçam os barqueiros (fig. 60). Um sutil toque de vaidade feminina vincula ainda mais a carranca ao nome “Maria Teresa” do título: a corda que amarra as embarcações ao cais vai enrolada em torno de seu pescoço, conotando um delicado colar de contas pretas e brancas. Por último, uma “pista” inconfundível: as iniciais MT aparecem discretamente inscritas no barco. Este recurso é utilizado nas demais embarcações que aparecem no livro (fig. 61): Flora, Genoveva, Carolina, Madalena, Diadema, Diana, Mariana, Sandra, Flor de maio, Adélia, Marina, Irene, Catarina, Regina são as companheiras de Maria Teresa. Detalhes em segundo plano completam a descrição do cenário: acima da linha d’água aparecem as margens do rio salpicadas de pequenas flores rosadas, e na linha do horizonte uma fileira de casinhas bicolores atravessa a capa de ponta a ponta, e inusitadamente sobe pela ver- 154 tical esquerda, rente à dobra da lombada, separada desta por uma faixa preta. Uma faixa irregular, quadriculada em preto e branco, emoldura o alto e a lateral direita da capa, afastada da linha de corte por uma faixa laranja de um tom mais forte que o céu, a partir do ponto onde termina a fileira de casinhas, formando com elas uma moldura que contorna o céu laranja. O mesmo grafismo preto e branco reaparece numa faixa na margem inferior da capa, abaixo do pattern de peixes, estabelecendo uma continuidade visual com eles. Os materiais empregados conferem texturas variadas aos diferentes elementos: lápis de cor e giz de cera sobre a tinta industrial que cobre o papel deixam entrever gradações da textura nos elementos da terra (barco, terra e espuma do rio), mais suave no céu, enquanto nas profundezas do rio apenas a camada lisa da tinta industrial materializa a fluidez do elemento água. A 2ª capa e a p. 1 (fig. 58) compõem uma falsa guarda, com uma padronagem formada por linhas horizontais onduladas paralelas, vazadas em branco sobre fundo verde-água. Esta composição estilizada sugere as águas do rio, continuação das águas da capa com ondas representadas em volume. Esta falsa-guarda se repete na última página junto com a 3ª capa. Ao longo do livro, o ritmo formado pela combinação de texto e imagem permanece constante: as ilustrações ocupam 1 1/2 página e o texto aparece na metade restante, composto em azul escuro sobre fundo amarelo-ovo chapado. Além dos muitos prêmios que recebeu, como o de Melhor Ilustração da FNLIJ, Maria Teresa navegou por outras águas além daquelas do livro infantil: em 2000, ela aportou no programa Livros Animados, da TV Futura – uma série onde histórias de autores brasileiros são transpostas para a televisão –, por indicação da FNLIJ, parceira do projeto. Foram ao todo 20 obras em 10 programas mostrando animações feitas em computador a partir das ilustrações originais. 155 Bumba meu boi Bumbá Livro ilustrado Rio de Janeiro: Agir, 1996 20,5 x 27 cm, 24 p. Figura 63 Figura 64 Figura 65 Figura 66 Figura 67 156 A boa impressão causada por Maria Teresa levou os editores a querer dar continuidade à idéia inicial de Roger, propondo-lhe que criasse outros livros tendo por temática a cultura popular. Assim nasceu Bumba meu boi Bumbá, num processo diferente do livro anterior. Roger não trazia uma vivência prévia do tema e realizou uma extensa pesquisa sobre as festas do Auto do Boi, que acontecem por todo o país, apresentando variações regionais. “Eu não conseguia fazer esses livros de uma hora para a outra, não tinha jeito se não era uma coisa que fazia parte da minha vida de alguma maneira.” (Mello, 2010) A partir da pesquisa, Roger decidiu desenhar o “seu” boi, que não necessariamente guardasse nem evitasse semelhanças com qualquer dos bois brasileiros. Esta não é, portanto, uma narrativa autoral: neste livro, Roger faz um reconto de uma história da tradição, selecionando alguns elementos e excluindo outros – como a Bernúncia e o Kazumbá, de ocorrência mais restrita. O enredo tragicômico conta a história de Pai Francisco, empregado do Coronel, que mata o boi de estimação do patrão para satisfazer um desejo de sua mulher Catirina, grávida. Perseguido e condenado, Pai Francisco é assombrado e depois salvo pelo boi, que magicamente revive. Na narrativa visual, há referências à arte popular – como no figurino do boi Bumbá (fig. 67) –, que desta vez aparece mesclada a referências da op art e do cubismo. A capa traz uma ilustração que se repete no miolo do livro, mostrando o Pai Francisco na prisão, assombrado por fantasmas do boi por ele assassinado (fig. 63). As figuras têm cores predominantemente primárias, combinadas ao preto e branco das máscaras – de traços geométricos em repetições simétricas, lembram máscaras africanas, padronagens indígenas ou ainda trajes de pierrô e arlequim. Os cenários têm tons de terra ou de azul, e dois tipos de de formas: enquanto os ambientes construídos são representados em planos geométricos de inspiração cubista (fig. 65 e 3.56), os ambientes naturais têm formas sinuosas, orgânicas (fig. 66 e 67). A perspectiva varia entre planos frontais sem perspectiva (fig. 66 e 67) e ângulos em contre-plongé (fig. 63 e 65) que sublinham o desamparo de Pai Francisco. Certo clima onírico e surrealista transparece nas imagens, em sintonia com a natureza fantástica da narrativa. A intenção do autor, mais do que fazer uma pesquisa e um relato etnográficos, seguindo metodologias sistemáticas, foi manter um registro de coloquialidade na narrativa, de acordo com a proposta de levar ao leitor infantil uma experiência viva da cultura popular. 157 Viriato e o leão Livro de imagem Rio de Janeiro: Ediouro, 1996 21 x 27,5 cm, 24 p. Figura 68 Figura 70 Figura 69 158 Viriato e o leão mostra o protagonista de três anos atrás transfigurado em gato fauve, de formas estilizadas, vivendo nova aventura: perseguido por cachorros, Viriato se abriga aos pés de uma estátua de leão que guarda a entrada de uma imponente construção neoclássica – oásis de formas rebuscadas em meio à secura do cenário urbano, de formas retilíneas e acinzentadas. Surpreendentemente, o leão ganha vida e sai com Viriato pelas ruas da cidade. No passeio, atravessam cenários cubistas, desenhados em vertiginosas tomadas em plongé (fig. 70). As ilustrações alternam planos abertos em páginas sangradas e outras com um detalhe enquadrado no meio da página, cuja moldura é atravessa pelos personagens em movimento, o que reforça o dinamismo das cenas (fig. 69). As ilustrações são coloridas, porém não saturadas – os tons tendendo para o cinza que predominam no livro sugerem bem o ambiente urbano onde se passa a história. As formas são fechadas, de cores chapadas, com pouco sombreado – as sombras têm cores fortes, como roxo ou verde, e desempenham mais um papel de dramaticidade do que de sugestão de volume. As figuras são contornadas por linhas pretas contínuas, espessas e irregulares, que contribuem para acentuar um certo tom underground da narrativa. A capa (fig. 68) reproduz uma ilustração do miolo que mostra Viriato oferecendo sua tigela de leite para o leão de pedra. A cena é dominada pela presença imponente da escultura imóvel, que ocupa 2/3 da altura e quase metade da largura da página, posicionado ligeiramente à direita do centro. A ele se contrapõe a figura singela de Viriato, que ocupa um modesto canto esquerdo inferior correspondente a 1/8 da página. Compensando a área menor, o gato conta com maior riqueza de detalhes e um trunfo visual poderoso: a tigela vermelha, ponto de culminância dramática para onde converge o olhar. Viriato tem o corpo voltado para o leão, mas arqueia as costas e encara o leitor, mostrando a tigela com seu nome que carrega na boca e angariando simpatias com seu gesto compassivo. A composição do cenário contribui para destacar os dois personagens: os elementos arquitetônicos, de formas geométricas predominantemente retilíneas, têm cores fortes e secundárias – roxo, verde e vermelho coral – enquanto que os felinos são curvilíneos e brancos, com leve sombreado cinza. Roger Mello tinha a intenção de continuar publicando outras aventuras do simpático gato Viriato, desenhando-o em estilos diferentes, mas infelizmente a ideia não foi em frente (Mello, 2010). De certo modo, isto acabou acontecendo com Griso, o unicórnio, onde o personagem-título viaja pelo mundo, assumindo estilos da arte universal (ver p. 162). 159 Cavalhadas de Pirenópolis Livro ilustrado Rio de Janeiro: Agir, 1997 27 x 20,5 cm, 24 p. As cavalhadas sempre fizeram parte da minha vida. Pirenópolis fica perto de Brasília, minha irmã tem casa lá, eu ia para lá sempre. É linda esta festa, impressionante. (Mello, 2010) . Figura 71 Figura 72 Figura 73 Figura 74 Cavalhadas de Pirenópolis tem por inspiração as célebres comemorações que acontecem nesta cidade durante a Festa do Divino Espírito Santo, que tanto impressionaram Roger Mello na sua infância: “Eu fiz porque eu tinha medo das festas populares, meu pai me levava, eu via aquelas coisas da folia de reis, das máscaras. Aí eu falei assim, eu tenho que fazer, porque uma coisa que me dá medo, eu tenho que resolver isso.” (Mello, 2010). À emoção infantil somou-se um intenso envolvimento com a cultura local na idade adulta: Lá a idéia de arte, cultura, história, patrimônio, entorno, a coisa do cerrado que hoje em dia as pessoas falam muito, é muito forte. Trata-se de um ecossistema interessantíssimo, o patrimônio do lugar são as pessoas, tudo é patrimônio! E esse patrimônio existe porque as pessoas continuam fazendo as festas, as roupas e os adereços, viven- 160 ciando essas duas semanas da Festa do Divino, culminando nas Cavalhadas. Aquelas máscaras que eles fazem, é alucinante. Cavalhadas de Pirenópolis está na categoria do que fiz porque queria ver em livro aquilo que foi tão importante e desconcertante para mim. Gosto de trabalhar com as questões ligadas ao folclore, ver com o estranhamento que as coisas merecem – não como um turista, mas de forma intensa. (Mello, 2003, p. 42) O livro conta uma história ficcional que se passa durante as Cavalhadas: o menino Arlindo ganha uma máscara de presente de um cavaleiro mascarado – personagem típico da festa – e com ela consegue enfrentar o carcará – ave de rapina da região – e levar uma flor do cerrado para sua amada Lucinda (fig. 72). Tendo a festa como eixo articulador dos acontecimentos que marcam os encontros e desencontros entre o casal, os signos icônicos mostram outras particularidades da região ao longo da narrativa visual. No domingo de Cavalhadas, há mascarados pelas ruas, cavaleiros em trajes enfeitados fazendo seu “trote-dança, enfrentamento entre os mouros em vermelho e os cristãos em azul (fig. 74), a Banda do Couro tocando. Do espaço geográfico da cidade e da região aparecem a quadra, a igreja matriz, cadeiras nas ruas calçadas com mosaico de pedras (fig. 73), a Serra dos Pireneus, o Rio das Almas, as paisagens verdejantes. Da cultura local, além da festa, há o pertencimento familiar – “Lucinda filha de Dona Isadora”, a doceira “assuntando” na janela, na cozinha os doces de frutas da região – figo, mamões verde e maduro, buriti. Da flora e fauna, além da flor do cerrado e do carcará, aparecem árvores típicas da região onde pousam pássaros como jacutinga, jacu, perdiz, anu-preto. Os signos plásticos mostram várias referências da arte popular, como as cores vivas, a perspectiva “anárquica” ou afetiva e a profusão de detalhes na mesma cena (figs. 71 e 72). As ilustrações têm cores vivas, onde predominam tons de terra, verdes, amarelos, com detalhes em azul cobalto, vermelho, roxo, preto e branco. Há muitas cenas de lugares abertos – como ruas, praças, cerrado – mostradas em perspectiva de construção naif, juntando vários pontos-de-vista na mesma cena (fig. 74). Por vezes a distância é sugerida pela diminuição do tamanho dos elementos, mas sem ponto-de-fuga. Estes elementos reforçam a identificação da narrativa com o caráter popular da festa. Muito apropriadamente, a capa já explicita esta identificação: a composição é dominada pela figura, em primeiro plano, de um cavaleiro cristão em seu figurino típico – as cores azul e branco de sua vestimenta identificam seu grupo de pertencimento. Montado de perfil, em pose estática, ele olha obliquamente para trás e segura ao mesmo tempo a rédea do cavalo e um mas- 161 tro enfeitado com fitas. Além da expressão facial “desconcentrada”, sua postura corporal, imponente porém relaxada, sublinha seu caráter de ator, mais do que um guerreiro real. O caráter festivo é indicado pela profusão de enfeites da dupla: armaduras prateadas (infere-se o tom metálico por seu equivalente impresso cinza); vestes franjadas com padronagens em azul e branco; penachos azuis. O cavaleiro tem ainda uma enorme capa preta, debruada de azul com bordados em pontilhado verde, branco e dourado em desenho floral geométrico, e o cavalo, várias guirlandas de camélias brancas com miolo amarelo e um peitoral branco com bordados em vermelho e tons de azul. Outras referências importantes da festa, duas máscaras de boi ornadas por camélias emolduram simetricamente a capa: em cada canto superior há uma delas disposta a 45º, com variações de cores contrastantes com o fundo verde – roxo, vermelho, amarelo, branco e preto. Os cantos inferiores têm enfeites mais discretos: em cada um deles, uma flor do cerrado vermelha faz referência sutil à história de amor. Equilibrando cromaticamente a composição, o plano de fundo traz tons de verde, na metade superior, e de vermelho tijolo, na metade inferior. Na metade superior, ondas sombreadas se irradiam a partir do contorno das máscaras em direção ao centro, onde encontram as que emanam da cabeça do cavaleiro. Mais do que sugerir uma associação cromática com a vegetação, aqui são as formas que conotam a vibração dramática encenada pelos atores (cavaleiro e palhaços mascarados). Já na metade inferior, a combinação de tons de vermelho tijolo em três faixas horizontais sugerem os terrenos planos de terra vermelha da região. Discretamente encaixado na faixa central aparece um personagem importante da história, o carcará. Na primeira e na última faixas, vê-se uma vegetação em verde claro, com flores formadas por linhas radiais que partem da extremidade superior da haste e terminam com pontos brancos, em formas que lembram fogos de artifício explodindo – mais uma forte referência visual que remete à festa. Finalmente, outro discreto elemento plástico traz um tom de teatralidade para a cena, enfatizando sutilmente seu caráter de encenação festiva: uma fina moldura enquadra toda a capa, sugerindo um palco. Reta e monocromática nas laterais (marrom à equerda, azul à direita) e quadriculada em preto e branco na parte de baixo, na parte superior assemelha-se a uma cortina ondulada. O título, manuscrito em amarelo sobre o fundo de ondas verdes, forma um semicírculo em torno do cavaleiro que o destaca ainda mais, e ancora inequivocamente a mensagem imagética à festa em torno da qual se articula a narrativa. 162 Griso, o unicórnio Livro ilustrado São Paulo: Brinque-Book, 1997. Esgotado I18 x 28,5 cm, 32 p. O Griso brinca com essa coisa da narrativa da imagem através dos tempos, e como isso é uma coisa importante – e as pessoas não dão a importância devida à narrativa daquelas imagens. Por exemplo, aquelas ilustrações tive que fazer “à maneira de”, era como se aquelas ilustrações não fossem minhas. Fui estudar as iluminuras medievais, os baixos relevos persas, ver, voltar, rever a arte egípcia e tal, para poder, tentando usar a técnica que eles usavam, abrir mão do traço. O bom é que a gente vê como é que o traço entra, ou sai, da ilustração. (Mello, 2003, p. 33) Figura 75 Figura 76 Figura 77 Figura 78 Figura 79 Figura 80 163 Griso, o unicórnio conta a história do último destes míticos animais, que percorre o mundo “à procura de um outro, seu igual” (Mello, 1997, p. 7). Em sua busca, Griso atravessa tempo e espaço, assumindo formas correspondentes a estilos da arte universal característicos das situações visitadas. Roger Mello conta que o resultado final surgiu de modo espontâneo, durante ensaios em estilos variados que fazia, buscando encontrar o mais adequado à história: O Griso, por exemplo, está dedicado para a Valéria porque fiz a boneca com ilustrações diferentes e depois ela chegou e falou: “Olha, porque você não faz logo as ilustrações todas diferentes uma das outras?” Então resolvi fazer com elementos de obras de arte, sabe? [...] é exatamente uma “desculpa” para que essa busca do unicórnio seja de uma certa maneira uma colagem das coisas que eu vi, das referências visuais, até nos livros didáticos. (Mello, 2003, p. 33) No desenvolvimento da ideia, o processo de pesquisar e exercitar diferentes linguagens visuais teve uma dimensão plural. Além do evidente deleite proporcionado por estas atividades, Roger refletia sobre a importância das narrativas por imagens através dos tempos e sobre a experiência de “apagar-se”, sair de si, mergulhando nos universos alheios: “É bom você, talvez, morrer um pouco para entender o traço do outro. As pessoas muitas vezes ficaram séculos ilustrando daquela maneira, como se aquela fosse a única maneira, a maneira certa, é bom para a gente se questionar também.” (Mello, 2003, p. 33) As ilustrações cobrem um vasto espectro das artes visuais, formando quase que um “museu portátil”: são baseadas na arte germânica (fig. 76); surrealista (fig. 77); africana; vasos gregos dos sécs. VI/V a.C.; pinturas indianas do séc. XVIII (fig. 75); pinturas da transição do medieval para o renascimento, séc. XV (fig. 78), pintura mural chinesa do séc. VII (fig. 79); ilustrações medievais europeias do séc. XII; baixos-relevos persas do séc V a. C.; xilogravuras para literatura de cordel brasileira; adornos egípcios do séc. X a.C. (fig. 80) e pintura rupestre prehistórica. Um aspecto muito interessante desta narrativa visual, que apresenta uma diversidade de estilos tão ampla, é que, apesar de toda a variação dos signos plásticos, o principal signo icônico – a figura do unicórnio – ancora visualmente a história: Até bem pouco tempo nenhuma criança havia me perguntado por que ele muda de forma. Nós estávamos com um pouco de medo disso, [mas] o que perguntavam era “o que vai acontecer depois?” Porém, há pouco tempo, uma criança perguntou por que ele muda tanto de forma, mas sabendo ainda que ele é que mudava, não um outro personagem. (Mello, 2003, p. 44) 164 A pipa Livro de imagem. São Paulo: Paulinas, 1997. Esgotado 21 x 21 cm, 32 p. Figura 81 Figura 82 Figura 83 Figura 84 Figura 85 165 A pipa é um livro de imagens intensas – como é um livro sem texto, a força da narrativa visual explode em cores vibrantes, contrastes de tamanho e forma, tomadas em ângulos surpreendentes. A história, aparentemente singela, pode ser lida como uma metáfora da situação política vivida pelo Brasil quando da repressão militar – história contada por imagens silenciosas, tal como a experiência que Roger relata ter sido vivida por sua geração durante a juventude, nos anos 1960 e 1970 (ver citação na p. 39 deste trabalho). A história começa com um personagem azul, que se parece com uma estátua de Brecheret (Mello, 2003, p. 34) fazendo uma pipa vermelha (cor associada ao comunismo), que vai empinar num cenário composto por céu sem nuvens, horizonte amplo e vegetação escassa, em formas pretas estilizadas (fig. 82), numa composição que lembra a geografia do cerrado. As cores são saturadas, em contraste extremo, predominando o laranja do céu e o amarelo do chão, com variações em verde, azul e roxo, até que uma virada dramática acontece a partir do momento em que um enorme zepelim cinza surge no horizonte e domina a cena, quando as cores vão se tornando mais sombrias. Surgem nuvens no céu e o horizonte vai sendo obstruído por grandes blocos em marrom escuro. O personagem azul vê sua brincadeira ser arrasada pelo conflito armado que se estabelece entre o zepelim e soldados entrincheirados (fig. 83). O zepelim sai vencedor, e ao personagem azul só resta abandonar o ambiente cinza-chumbo dominado por outro personagem (fig. 85), de forma igual à sua porém em tamanho maior – signo plástico que reforça sua superioridade – e cor verde oliva – a mesma dos uniformes militares – para empinar sua pipa remendada em outro lugar, junto a personagens exilados que pairam desgarrados do chão (fig. 84). Há muitas referências visuais – entre elas, os uniformes e artefatos bélicos da I Guerra Mundial – mas a principal delas é mesmo a cidade natal do artista: A Pipa lembra mesmo Miró, e também Matisse. Mas A Pipa é uma coisa que me lembra muito Brasília, aqueles espaços amplos. Acho que alguns artistas, principalmente nas esculturas de Brasília, foram influenciados por essa arte fauvista – ou esse figurativismo, essa estilização da forma figurativa que vem de Picasso e também de Matisse – e pelo modernismo, da maneira como ele ficou presente. Não pensava [intencionalmente] nem em Miró, nem em Matisse, mas na hora em que estava fazendo eu pensava: “Isso está parecendo Matisse e Miró”. Mas é um pouco Brasília – você vê aquela cabecinha sem cara, com aqueles braços assim: tem a ver com a estátua dos dois candangos, Brecheret talvez, tem alguma coisa sim... Mas era por causa do livro mesmo, o livro era Brasília. (Mello, 2003, p. 34) 166 Todo cuidado é pouco! Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 1999 28 x 26 cm, 36 p. Figura 86 Figura 87 Figura 88 167 Às vezes as crianças perguntam assim: “Existe alguma história que você começou a escrever quando era pequeno?” E eu pergunto: “Como assim, continuo escrevendo até agora?” Acho que Todo cuidado é pouco! é uma história assim. Esse é um livro que algumas pessoas consideram difícil para as crianças, e eu pensei nesse livro quando era criança, porque costumava pensar que uma pequena coisa – por exemplo, se eu saísse com o sapato desamarrado, poderia tropeçar, não chegaria à escola, e isso, progressivamente – essa pequena coisa iria afetar a minha vida, mudaria minha vida no final, porque é uma relação de causa e efeito. Eu pegava esse conceito e falava com as crianças: “Vamos criar histórias de causa e efeito”, e saíam coisas sensacionais! (Mello, 2003, p. 28) Todo cuidado é pouco! é uma narrativa encadeada – um pequeno acontecimento desencadeia uma sucessão de ações progressivas – e circular, já que a partir da metade da história as ações encadeiam-se no sentido contrário, voltando ao ponto original. Tudo começa com o jardineiro vigiando atentamente para que Rosa Branca não fuja do cercado. Fugiu ou não fugiu? A fuga desenrola uma série de eventos nas vidas de muitos personagens, ligados por relações lineares de causa e efeito: o jardineiro não pôde vigiar Rosa Branca porque amanheceu gripado por andar descalço, já que o gato escondeu seus sapatos; o gato é de seu irmão mais moço, casado com Dalva, cujo tio deixou-lhe o gato de herança quando morreu de desgosto esperando uma carta de amor que nunca veio, porque caiu da sacola do carteiro na hora em que ele se abaixou para pegar o anel de noivado que a costureira jogou fora, revoltada com o bigode ridículo do noivo, que ele deixara crescer por promessa de sua mãe, cantora de ópera, e assim por diante. No final da sequência – no meio do livro – descobre-se que Rosa Branca não fugiu, e a história volta sobre seus passos até o ponto de partida, onde Rosa Branca foge – e assim pode-se continuar a leitura num moto contínuo. O clima surreal da história é narrado visualmente por ilustrações que lembram o universo imagético do artista surrealista russo Marc Chagall. Os personagens – figuras alongadas, sinuosas e distorcidas – estão dispostos lado a lado sobre fundo branco, em conjuntos de 2 ou 3 por página, pousados sobre uma linha do horizonte baixa, em composição que ocupa a metade inferior da página (fig. 87), sendo a superior ocupada pelo texto. Um sutil detalhe visual conecta frente e verso das páginas, reforçando a linha de causalidade que liga os acontecimentos: os elementos cortados pela margem da frente continuam no verso, de modo que se dispuséssemos as ilustrações lado a lado elas formariam uma só imagem contínua. As exceções são os cercados de Rosa Branca – no início e no final do livro – e o varal de roupas ao vento (fig. 88): as ilustrações ocupam a página inteira, sangrada, com enquadramentos em plongé e contre-plongé extremos, que reforçam momentos de tensão dramática da história. 168 A capa (fig. 86) expressa simultaneamente o surrealismo da história e sua construção circular, com personagens dispostos em roda em toda a volta, sangrados sobre fundo azul escuro. Têm o mesmo tipo de anatomia alongada e distorcida do miolo, sobrepondo pernas e braços sobre seus vizinhos. As cores são diferentes dos tons vivos de outros livros, e aqui seguem uma palheta azulada, também ela remetendo a Chagall. Mesmo os leitores que ainda não contam com esta referência em seus repertórios visuais e culturais, poderão perceber nesta composição uma maneira inusitada de lidar com as imagens, que é também a da construção narrativa, bem como do estilo literário, o que pode fazer de Todo cuidado é pouco “um livro que algumas pessoas consideram difícil para as crianças” (ibid), o que não corresponde à experiência relatada pelo autor – nem enquanto criança ele próprio, nem enquanto autor adulto interagindo com seus leitores mirins (ibid). Ainda que não figure entre os cinco ou dez mais importantes selecionados para o prêmio Hans Christian Andersen, Roger Mello conta que este é “o livro da sua vida” (Mello, 2010). O artista escolheu trabalhar com lápis de cor sobre papel texturizado, fazendo desenhos minuciosamente trabalhados, com especial atenção para a textura do papel: É um livro que fala das pequenas coisas – aquela personagem que tem um broche que a espeta, e ela é insuportável só por causa desse broche – então pensei: “Esse é um livro da filigrana, das pequenas coisas, da diferença mínima”. Quis fazer um livro que a textura do papel viesse, que fosse puxado com lápis de cor, com grafite – foi demoradíssimo para fazer, mas fui fazendo, puxando a textura. (Mello, 2003, p. 28) Tamanho cuidado (todo cuidado é pouco!) se estende à tipografia. Roger Mello tem por hábito manuscrever os títulos de seus livros, escolhendo muitas vezes fontes industriais, também de desenho manuscrito, para compor o texto do miolo. Aqui, sua grafia artesanal foi transformada digitalmente em fonte manuscrita, e com ela foi composto o texto do livro. O resultado é extremamente original e condizente com o “detalhe mínimo” que orienta a narrativa. O livro é o maior do corpus, medindo 28 x 26 cm, tamanho que oferece um suporte adequado para que os detalhes das ilustrações possam ser reproduzidos e apreciados integralmente. 169 Vizinho, vizinha Livro ilustrado. Ilustrações de Roger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani São Paulo: Cia das Letrinhas, 2002 28,5 x 21 cm, 36 p. Figura 90 Figura 89 Figura 91 Vizinho, vizinha, escrito por Roger Mello, traz uma parceria entre os três “capaduras” (Roger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani) na ilustração. A história mostra o cotidiano de dois vizinhos de porta que mal se conhecem. Mariana ilustra o vizinho do 101 e seu apartamento, Graça a vizinha do 102 e Roger o corredor, espaço neutro onde os personagens se encontram – e por onde às vezes, quase desapercebido, passa o faxineiro. O corredor de Roger integra o trabalho das duas ilustradoras, fazendo a ponte entre os dois tipos de traço que caracterizam os personagens-título e harmonizando o conjunto com sua neutralidade visual. 170 Vizinho, vizinha mostra o que separa e o que une as pessoas nas metrópoles. Na rua do Desassossego, 38, a vizinhança é bem tranqüila. No apartamento 101, um moço lê quadrinhos, toma café e constrói uma cidade de papel. Nem percebe o rumor da vizinha do 102, que toca clarineta, cria um rinoceronte debaixo da pia e coleciona livros e coisas antigas. Eles só se vêem no final da tarde, quando se encontram no hall, trocam cumprimentos e falam do tempo. Depois, vão resolver coisas na cidade – e logo estão de volta aos seus cacarecos, guardados e manias. Como vão escapar da solidão?24 O trabalho a seis mãos foi fundamental para a construção da narrativa. O texto já estava escrito há tempos, guardado no arquivo de Roger, até que ocorreu-lhe a ideia da parceria na ilustração: “O que faltava no Vizinho, Vizinha era essa ideia de três pessoas fazendo – basicamente essa ideia de cada ilustrador fazendo cada um dos vizinhos”. Ele fez então duas bonecas do livro para que as parceiras também fizessem seus desenhos: “adoro fazer boneca. Fiz um livro, faço de forma artesanal mesmo” (Mello, 2003, p. 36). A composição das cenas, em página dupla sangrada, é constante no livro: vizinho à esquerda, corredor no meio, vizinha à direita. O cenário aparece sem a quarta parede, em vista frontal para os apartamentos e, no corredor, ponto-de-fuga na escada em caracol ao fundo. Esta construção transmite apropriadamente a sensação de se observar de perto a vida privada de cada um dos vizinhos, isolados por uma barreira física tão tênue, desproporcional à barreira emocional (fig. 91). Roger criou um espaço neutro para o corredor, desenhado em traços suaves, recorrendo a um interessante efeito cromático: as cores primárias vermelho, amarelo e azul – distribuídas equilibradamente no piso de mosaico, paredes e escada – combinam-se opticamente, resultando em cinza. Assim, criou um ambiente ao mesmo tempo neutro e visualmente interessante, para o que contribuem também dois elementos arquitetônicos: o piso com desenho em mosaico e a escada em caracol ao fundo, para onde convergem as linhas da perspectiva em ponto-defuga (fig. 90). Em meio à grande variedade de cores empregada pelos ilustradores, um código se destaca marcando o espaço de cada personagem: na página da esquerda, correspondente ao apartamento do vizinho, uma faixa magenta sob a ilustração acomoda o texto. Já na página da direita o texto da vizinha aparece sobre fundo amarelo. Esta combinação compõe uma identidade cromática para o livro, que aparece também na capa (fig. 89). 24 Companhia da Letrinhas. Disponível online em <http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php? codigo=40248>. Acesso em 23 jan. 2011 171 Desertos Livro ilustrado.Texto de Roseana Murray Rio de Janeiro: Objetiva, 2006 21 x 13,5 cm, 88 p. Figura 93 Figura 93 Figura 94 Figura 95 Figura 96 Figura 97 172 Figura 98 Figura 99 Este pequeno livro, intenso em sua economia de recursos visuais, é fruto da continuação de uma bem-sucedida parceria entre Roger Mello (ilustrações) e Roseana Murray (poemas). Os autores, que em 2001 criaram juntos Jardins, reuniram-se desta vez em uma parceria “na contramão”: a escritora criou versos sobre os desenhos do ilustrador. Esta é uma situação pouco usual para livros ilustrados nos quais escritor e ilustrador não são a mesma pessoa – geralmente os textos são criados antes das imagens. A escritora comenta no prefácio: “O Roger viu e desenhou. Eu recordei e escrevi. Embora não conheça pessoalmente o deserto, eu o conheço com o coração, através de todos os textos que li, através dos belos desenhos do Roger.” (2006, p. 7). Conhecendo a profusão de cores e detalhes de outros trabalhos do artista, é surpreendente notar a maneira como ele procura novos caminhos na ilustração que deem conta de transmitir sensações diferentes – um tipo de pensamento característico dos designers: “a forma segue a função”, ou seja, para cada situação, uma solução que atenda suas demandas particulares. Destaca-se também seu talento como desenhista, muitas vezes oculto sob suas qualidades de pintor e colorista. Ao contrário da exuberância natural de seu antecessor Jardins, neste livro impera a essencialidade. Roger Mello criou as ilustrações como um diário de viagem, ao atravessar regiões desérticas e urbanas no Marrocos. Sentado na janela do ônibus, munido de uma caixa de lápis de cor com cinco cores (vermelho, amarelo, verde, azul e preto) e um libro blanco comprado na 173 Espanha (Mello, 2011), o artista fazia anotações visuais das paisagens que se descortinavam ao longo do percurso. Ao chegar às cidades, são registros de pessoas, construções, objetos, detalhes da vida cotidiana. O projeto gráfico é praticamente um fac-símile do libro blanco onde o ilustrador desenhou seu diário gráfico: a capa reproduz sua textura de couro marrom, com uma etiqueta manuscrita aplicada na parte inferior, à direita. Uma fita de cetim marrom, presa na metade da altura das margens externas de capa e 4ª capa, permite que o livro seja fechado por meio de um laço ou nó (fig. 92). Ocultando a ponta colada da fita, há uma guarda impressa em padronagem marmorizada, em tons de marrom (fig. 93), também digitalizada a partir do libro blanco. A predominância desta cor na parte externa do livro cria um contraponto cromático e tonal para o miolo, onde predomina o tom creme do papel pólen bold (fig. 94). A reprodução exata das cores, padronagens, encadernação e papel do miolo comunica concretamente a natureza do objeto mesmo para quem não sabe desta origem. As ilustrações são lineares, com traços irregulares, sem preocupação com acabamento. Mais do que narrar, são descrições visuais sintéticas: anatomia e perspectiva seguem proporções naturalistas, com ponto de fuga bem definido (fig. 95). Conforme a situação, foco e ângulo variam entre planos abertos (paisagens e construções, fig. 96) ou fechados (nas pessoas e objetos, fig. 98) e tomadas frontais, com linha do horizonte de média para alta, chegando em alguns casos ao contre-plongé (fig. 99). Abdicando da tendência de empregar a perspectiva emotiva da arte naif ou medieval, Roger adota neste livro um ponto-de-vista naturalista, que ressalta sua condição de observador, mais do que de narrador. Se em outros trabalhos seus já se notava certa aproximação com o registro etnográfico, aqui esta proximidade torna-se mais evidente – são tipos humans variados, hábitos culturais, cutura material, ambiente, em registros visuais acompanhados de anotações explicativas. Empregando recursos técnicos concisos, Roger Mello consegue comunicar uma gama variada de situações e sensações por meio de seus comentários visuais: a vastidão da natureza e das construções seculares em formas sugeridas por desenhos soltos na página; a miríade de cores das especiarias, tecidos, ornamentos arquitetônicos enchendo a página e e extrapolando as margens (fig. 98); hábitos das pessoas em um universo cultural tão diferente do nosso, em figuras delineadas em situações cotidianas (fig. 97). 174 Zubair e os labirintos Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 2007 16,5 x 27 cm, 48p. Figura 100 Figura 102 Figura 101 175 Figura 103 Figura 104 Zubair e os labirintos é uma história contemporânea, inspirada por um acontecimento real: repositório do legado artístico e cultural de povos milenares, o Museu de Bagdá é alvejado pelos bombardeios aéreos que atingem aquela cidade durante a guerra do Iraque, em 2003 – a criação de gerações sem conta é pulverizada em instantes pela barbárie da guerra, ficando exposta a saques e pilhagens. Em meio ao caos, o menino Zubair resgata um pequeno tesouro entre os escombros, arriscando-se em fuga pelos labirintos do mercado até estar a salvo para mergulhar nos labirintos do livro que tem em mãos. Diante de seus olhos, desfilam enigmas do passado, orgulhosos poderes decaídos, sabedorias milenares esquecidas, conflitos sem solução. Com projeto gráfico diferenciado, Roger Mello criou um “biscoito fino”, que bem poderia vir acompanhando de um manual de instruções, tal a carga de informações e simbolismo que carrega, bem como os aspectos de leitura pouco usuais que comporta. O próprio manuseio deste livro-objeto é uma aula de história, passando do rolo ao códice, e a seqüência de desenrolar a capa, formada por cinco abas, faz o leitor repetir os movimentos do menino Zubair ao desembrulhar o tapete que envolve o tesouro precioso: um livro chamado “Os treze labirintos”. A capa (fig. 100) traz ilustrações em técnica mista – pintura e colagem sobre papel amassado – semelhante à de Meninos do mangue e Carvoeirinhos. A cena da frente mostra o interior do Museu de Bagdá em tomada do alto, que destaca a grandiosidade de uma estátua milenar verde em primeiro plano, à direita, parecendo fechar os olhos para não ver os escombros no chão à sua frente – são pequenos pedaços rasgados de papel impresso em cores variadas, formando um amontoado que toma mais de um terço da altura da ilustração. Uma estante em 176 perspectiva planimétrica está disposta à esquerda, formando uma faixa vertical oposta à estátua. Uma coleção de objetos – vasos, pratos, pequenas esculturas – repousa em suas quatro prateleiras pretas, que contrastam com o fundo azul, a lateral amarela e o chão laranja. Outros objetos estão espalhados pelo chão, que se estende até o alto da cena, formando um corredor delimitado por uma sucessão de paredes verticais – a primeira em verde claro, a segunda em verde médio, a terceira com painel em mosaico azul e, mais ao fundo, uma faixa preta indica o final do salão. A verticalidade da ilustração é reforçada pela diagramação: a imagem, sangrada no alto, embaixo e à direita, ocupa aproximadamente 2/3 da largura da capa, e no terço restante uma faixa negra contém o título e nome do autor, dispostos na vertical, em laranja e verde, respectivamente. Na parte inferior, aparece o logotipo da editora em verde. Ao abrir a capa, o leitor depara-se com outra ilustração, com as mesmas técnica, cores e composição verticalizada. Porém, aqui se vê uma cidade destroçada por explosões, com o chão em primeiro plano coberto de escombros, onde andam duas pessoas em vestimentas árabes, e mais ao fundo outra em roupas ocidentais corre de um tanque. À esquerda, vê-se a metade direita da grande cúpula arredondada de uma mesquita laranja, cortada verticalmente por um poste escuro. A capa se desenrola mais uma vez, revelando a outra metade da mesquita e, em posição simétrica à da estátua, um soldado ocidental de costas olha para o cenário de destruição onde pessoas correm em fuga (fig. 101). A sequência de abertura narra eloquentemente os acontecimentos: a cidade bombardeada, o museu destroçado, uma cultura milenar despedaçada pela guerra contemporânea, as pessoas minúsculas face ao poder bélico. Ao mesmo tempo, o desenrolar da capa mostra o início da história, em texto composto em preto sobre fundo verde claro nas faces internas, até que se chega ao tesouro de Zubair: a capa do livro “Os treze labirintos” corresponde à quinta e última aba da capa (fig. 102). Ela mostra o título e um labirinto quadrado, desenhados em laranja sobre fundo roxo, e se abre para a direita, seguindo o sentido da leitura oriental. No miolo, cada página mostra um labirinto traçado em preto sobre fundo laranja, cada um acompanhado por um texto na página oposta (fig. 103). No final, a surpresa: falta o 13º labirinto! Enrola-se de novo a capa sobre o miolo, e vê-se a 4ª capa, onde um texto escrito em laranja sobre fundo preto fala sobre o fato real – o bombardeio do Museu de Bagdá – e sobre a narrativa. Em composição gráfica, o texto forma dois triângulos equiláteros dispostos verticalmente, com os vértices apontando para o centro, onde se vê um pequeno avião com padronagem camuflada (fig. 104). 177 Zoo Livro ilustrado. Texto de João Guimarães Rosa, organização de Luiz Raul Machado Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008 25,5 x 18 cm (fechado), sem paginação Figura 105 Figura 106 Figura 108 Figura 109 Figura 107 178 O livro Zoo traz frases de João Guimarães Rosa, selecionadas e organizadas pelo experiente editor Luiz Raul Machado, que conta na 4ª capa como foi o processo: “Guimarães Rosa tinha verdadeira mania de bichos. Quando viajava – e ele fez isso a vida toda –, visitava o zoológico de cada lugar. E ia anotando em seus caderninhos tudo o que os animais ‘diziam’ pra ele.” A partir de textos publicados no livro Ave, palavra, assinalados pelo autor como “Zoo”, o editor selecionou as frases e, para ilustrá-las, pensou em Roger Mello – que, assim como Guimarães Rosa, tem “mania de bichos”. O artista não apenas ilustrou como projetou graficamente um “livro-objeto” irresistível: é um livro em dobraduras, que vem fechado e acomodado dentro de uma luva impressa em tinta luminosa verde, onde a silhueta vazada de um rinoceronte deixa ver listras impressas em preto sobre papel branco da primeira página do livro (fig. 106). Ao puxar o livro de dentro da luva, o rinoceronte listrado revela a natureza de sua inusitada padronagem: são as grades de uma jaula (fig. 107). O leitor se depara de imediato com um jogo de significados invertidos: num zoológico, o bicho fica dentro da jaula, mas ali a jaula está dentro do bicho? O livro prossegue com surpresas: a cada aba que se desdobra, frases que podem chegar a ser desconcertante para leitores acostumados com rimas fáceis e sentidos evidentes. Desconcertante também pode ser a forma que vai tomando o livro que, com o desdobramento das abas, vai se transformando em um objeto: a intenção de Roger era que o livro se tornasse autoportante, como uma maquete reproduzindo as aléias do zoológico onde se enfileiram as jaulas dos animais (figs. 105, 108 e 109). Esta intenção esbarrou em limitações técnicas, uma vez que a gramatura leve do papel não permite que isso aconteça. De todo modo, o cuidado da editora com a produção gráfica é evidente: caprichou na impressão da luva em tinta especial verde luminosa, arriscando vazar o rinoceronte com uma faca de curvas perigosas; investiu em engenharia de papel no miolo, com formato e dobras também especiais; imprimiu o miolo em papel couché, apropriado para a melhor reprodução das cores exuberantes características das ilustrações do Roger Mello. Os animais são ilustrados em técnica mista – desenho, colagem, pintura – em formas estilizadas, recortados sobre fundo laranja queimado. As frases são escritas em tipografia manuscrita preta, ora acompanhando livremente a silhueta das imagens, ora compostas em linhas horizontais paralelas. 179 Ossos do ofício Livro ilustrado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009 20 x 20 cm, 24 p. Figura 110 Figura 111 Figura 112 Figura 113 Figura 114 180 Ossos do ofício integra a Coleção Faz Tudo, que mostra a vida de diferentes profissionais. Neste livro, o personagem principal é Florisval, o coveiro. A capa (fig. 110) é uma síntese da linguagem visual do livro: cores fechadas – preto, cinza, marrom, roxo – remetem ao luto e à noite e compõem uma base escura onde destacam-se alguns elementos de tons vivos – azul, vermelho, magenta, amarelo –, numa composição que indica a abordagem original e bem-humorada, já sugerida pelo título, de uma profissão que é comumente tida como soturna. A técnica mista combina colagem de figuras com texturas impressas, recortadas em formas geometricamente estilizadas, predominantemente sinuosas e alongadas, a elementos desenhados em lápis de cor ou giz de cera e pintados com tinta industrial. A geometrização da figura humana transforma a cabeça de Florisval em um círculo perfeito, sombreado de bege claro, que se destaca contra o céu negro da noite – uma referência sutil à lua, que será sinalizada no final da narrativa visual, propondo uma releitura da história sob essa chave. Cheio de afazeres (fig. 111), Florisval a certa altura resolve arrumar o armário de ossos e põe-se a filosofar com uma caveira – ser ou não ser? Além da óbvia alusão verbal e visual a Shakespeare, há na ilustração outra sutil citação de temas existenciais: na estante, ao lado de ossos encaixotados, vêem-se as lombadas de livros de Kant, Platão e Rousseau (fig. 112). De tanto filosofar, a cabeça de Florisval vai crescendo: a certa altura, o rosto do personagem é apenas um semicírculo que ocupa toda a altura da página (fig. 113). Por fim, o personagem desaparece com um enigma: “Alguém sabe onde anda o Florisval? É só procurar uma cabeça pensando. Pensando bem, eu sei onde é que ele anda. Mas pode morrer de insistir, não conto.” Neste ponto, a narrativa visual completa o que a narrativa verbal não conta: sobre um fundo azul escuro, um grande círculo branco centralizado domina a página, sugerindo uma lua cheia (fig. 114) – estaria o Florisval com a cabeça “no mundo da lua”? 181 As análises semiológicas realizadas sobre as 20 obras constantes do corpus descortinaram um percurso evolutivo da linguagem visual de Roger Mello, que resulta no que se poderia chamar de uma “inocência cultivada”, onde o artista aproxima-se da liberdade da arte popular e do desenho infantil, privilegiando critérios expressivos às representações realistas. Em suas primeiras obras, há sinais evidentes de um profundo conhecimento e domínio das técnicas canônicas de representação, como perspectiva, anatomia, claro-escuro, etc. Seu olhar cultivado fica evidente também nas abundantes citações da arte universal que encontramos ao longo de toda sua obra, que incluem realismo, fauvismo, cubismo, op art, arte naif, indígena, africana, etc – cujo mais acabado exemplo seria Griso, o unicórnio, praticamente um “museu portátil” da arte universal. Para além de citações de referências visuais, Roger Mello estabelece neste processo um movimento dialético aproximando tradição e modernidade, eruditos e “ingênuos”, adultos e crianças – o que reflete suas qualidades de narrador, compartilhando sua experiência com seu público. 182 Conclusão  Ao longo dos dois anos de duração desta pesquisa, foi realizado um extenso e intenso trabalho de levantamento, investigação e análise dos livros ilustrados de Roger Mello. Já de início anteviam-se alguns dos desafios enfrentados para estudar este objeto, destacando-se entre eles a extrema proximidade afetiva com o artista, a amplitude de sua obra e a exiguidade de referências teóricas tratando especificamente do livro infantil ilustrado. De fato, não nos admiramos em constatar que tais referências não sejam mais abundantes, mesmo na literatura estrangeira, pois demandam conhecimentos oriundos de campos bastante variados, como artes visuais, literatura, sociologia, história do livro, estética da recepção, psicologia infantil, narrativas imagéticas sequenciais, etc. Esta amplitude fica patente nas inúmeras referências bibliográficas consultadas de áreas correlatas, cuja variedade já chamara a atenção da banca examinadora quando da apresentação do projeto para ingresso no programa. Depois de selecionar criteriosamente a bibliografia nacional e estrangeira sobre o livro ilustrado e áreas correlatas, bem como de realizar análises preliminares para delimitação do corpus, nosso objeto apontou interessantes questões que vieram a enriquecer consideravelmente a pesquisa, dentre as quais duas merecem especial menção: 1) os livros ilustrados contemporâneos de qualidade expressam a visão de mundo de seus criadores, bastante inovadora e desprovida de preconceitos, e demandam uma leitura sofisticada – o que é diferente de “culta” ou “erudita” – que as crianças, por ainda não terem absorvido padrões restritivos, realizam de modo igualmente livre e criativo; e 2) constatando que a ilustração segue com certo atraso os movimentos inovadores das artes plásticas, ao mesmo tempo em que reflete as condições do seu próprio tempo, pode-se percebê-la como uma maneira de ampliar a cultura visual dos receptores, uma vez que, como meio de comunicação de massa, os livros ilustrados atingem um público amplo e não necessariamente tão culto quanto o das artes plásticas – especialmente no cenário brasileiro atual, bastante elitizado. 183 Por entender a arte como um sistema cultural (Geertz, 1999), foi possível demonstrar que a ilustração constitui uma linguagem que permite comunicar emoções e exercitar sensibilidades de uma maneira que pode ser ao mesmo tempo social e individual, combinando componentes objetivos e subjetivos. Funciona também como um potente meio de letramento visual, uma vez que a leitura de imagens é uma habilidade em parte adquirida – ainda que esta aquisição aconteça de maneira “invisível” em nossa sociedade. Ao ingressar neste programa, a proposta inicial era investigar a questão da identidade cultural na obra de ilustradores brasileiros contemporâneos, sendo nossa intenção analisar trabalhos dos integrantes da empresa Capa Dura em Cingapura – Roger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani. Por indicação de vários professores, este grupo foi reduzido a apenas um artista, recaindo nossa escolha em Roger Mello, uma opção que se revelou extremamente acertada. Ao mesmo tempo, a riqueza de sua obra mostrou-nos que seria proveitoso ampliar as questões examinadas, ficando a identidade nacional em segundo plano. Concentrando a pesquisa neste artista, foi possível realizar o levantamento biográfico mostrado no primeiro capítulo, relacionando sua vida e obra e tendo em mente também a articulação entre as dimensões individual e social. A proximidade com Roger Mello, se por um lado apresentou desafios quanto ao afastamento afetivo em relação ao objeto de estudo, por outro lado permitiu-nos perceber sutilezas no entrelaçamento de suas experiências pessoais e profissionais. Dando voz ao artista, questões fundamentais, apenas pressentidas no início do trabalho, vieram à tona e revelaram-se importantíssimas, permitindo um diálogo extremamente fecundo entre teoria e dado real – refiro-me especialmente a O narrador de Benjamin (1994) e a Mundos artísticos e tipos sociais de Becker (1977). Também neste capítulo, foi possível abordar os muitos modos de expressão artística de Roger Mello, e destacar a ilustração entre eles, com especial atenção à escolha por temáticas de seu interesse, relacionando-as à linguagem visual que emprega para comunicá-las. A fim de melhor avaliar o processo de comunicação estabelecido por meio do livro ilustrado, consideramos proveitoso apresentar no segundo capítulo uma conceituação e um panorama histórico deste objeto, desde seu surgimento na Europa medieval, passando pela produção voltada para crianças no Renascimento, com finalidades de início pedagógicas que vão progressivamente dando lugar à expressão artística na era moderna, chegando ao seu papel dentro das cultural oficial e de massa no contexto brasileiro. Pudemos também demonstrar como esta transição de objeto pedagógico para objeto estético acompanhou o 184 surgimento e a evolução do conceito de infância (Ariès, 1981), bem como liberou a ilustração de um papel de coadjuvante do texto verbal até sua maturidade como linguagem com expressão própria. Assim, entendendo a ilustração como uma linguagem, chegamos à semiologia tal como formulada por Saussure (1979), Jakobson (1985) e Barthes (1971), principal base teórica à qual recorremos para analisar as mensagens visuais dos livros ilustrados de Roger Mello. Chegar a constituir um corpus para análise que fosse suficientemente representativo das questões que se descortinavam, e ao mesmo tempo possível de abordar no escopo de uma pequisa de mestrado, demandou etapas progressivas de depuração, conforme demonstramos no capítulo três. A extensão da obra de Roger Mello compunha um painel excessivamente amplo, ao qual não se poderia dispensar senão uma visão panorâmica. Assim sendo, recortaram-se apenas os livros ilustrados de sua autoria completa (texto verbal e imagético), resultando em 20 obras. Para dar conta do desafio de abordar a evolução da linguagem visual nos livros ilustrados do artista, deveríamos apresentar uma sequência temporal destas obras. Por outro lado, para analisar de que modo esta evolução se apresenta em suas ilustrações, seria preciso realizar uma análise aprofundada. A metodologia escolhida para esta análise seguiu o modelo semiótico proposto por Barthes (1984) e sistematizado por Joly (2008) – metodologia, aliás, que tem sido empregada com sucesso no campo da ilustração por estudiosos brasileiros, como Camargo (1995) e estrangeiros, como Nodelman (1988) e Nikolajeva (2006). Porém, este tipo de análise demandava um aprofundamento incompatível com a quantidade de obras do corpus – 20 livros. Aqui, o próprio objeto apontou a solução, pois cinco destas obras haviam sido escolhidas pelo autor como as mais representativas do conjunto, para integrar o dossiê com que concorreu ao prêmio Hans Christian Andersen 2010. Assim, foi possível recorrer a um critério coerente e eleger cinco obras para uma análise mais aprofundada, e fazer descrições mais sucintas das demais 15. Para empreender esta análise, novamente o próprio objeto apontou o melhor caminho: o livro ilustrado apresenta uma narrativa sequencial onde, mais do que uma análise “quadro a quadro”, importa perceber o ritmo do conjunto. Por outro lado, a capa deve funcionar como uma síntese ou um prelúdio deste conjunto (Powers, 2008), configurando uma composição única de texto e imagem. Assim sendo, aprofundamos a análise da capa e fornecemos 185 “balizas” para percorrer o miolo de cada um dos cinco livros, num sistema que remete ao processo de leitura apontado por Sartre (1989). Situando as obras de Roger Mello no cenário contemporâneo da ilustração para crianças no Brasil, evidenciou-se um afastamento de estilos tradicionais, ou canônicos, de representação, em favor de uma linguagem mais livre, que se apropria de referências internacionais e nacionais, notadamente da cultura popular brasileira. Foi possível perceber tanto uma aproximação com o ideal antropofágico dos modernistas brasileiros do início do século XX, quanto situar esta aproximação num contexto contemporâneo de pós-modernidade no século XXI, onde “tudo é permitido”,1 como diz o próprio artista. A análise semiótica empreendida mostrou que a visão anti-conformista de Roger Mello a respeito do mundo, das crianças e de seu ofício fica patente nas mensagens visuais de seus livros, bem como na escolha de suas temáticas narrativas. Consideramos que seu trabalho contribui para a desmistificação da aura de objeto das elites que ainda envolve o livro no Brasil e que afasta dele potenciais leitores, limitados às ofertas da indústria cultural que alcançam a vastidão do Brasil, longe dos grandes centros urbanos onde se concentram a maior parte dos recursos econômicos e das opções culturais e artísticas. Sendo assim, podemos afirmar que Roger Mello inscreve-se no grupo de “homens de cultura” (Eco, 2001) em atividade no mercado editorial, que reflete em seu trabalho a importância da valorização de expressões criativas diversificadas – sejam da cultura popular, erudita ou de massa – para a ampliação da visão de mundo de crianças e adultos. O contato com obras de qualidade, tão importante na formação dos jovens leitores, oferece-lhes a possibilidade de fruição estética e de desenvolvimento de suas sensibilidades individuais, bem como o acesso ao conhecimento e à informação necessárias à melhoria de suas condições de vida, sendo possíveis agentes de redução das acentuadas desigualdades socioeconômicas em nosso país. A catalogação e classificação das obras de Roger Mello nos apontaram caminhos seguros para a definição do corpus e para o aprofundamento da análise visual dos livros escolhidos. Nos beneficiamos de critérios estabelecidos por pesquisadores de áreas conexas e pudemos articulá-los às características próprias de nosso objeto de pesquisa, a ilustração infantil, ainda 1 Ressalte-se o tom jocoso desta observação, especialmente se levarmos em conta que alguns integrantes de grupos ligados à formação das novas gerações – como pais ou professores de educação infantil – têm ideais éticos e estéticos mais conservadores e constituem focos de resistência às propostas inovadoras, como pudemos observar por meio de depoimentos recolhidos em pesquisas espontâneas e não sistematizadas. 186 carente de estudos próprios, especialmente no Brasil, que dêem conta das particularidades desta linguagem. Para além da realização deste trabalho, este esforço há de frutificar em prol da formação de uma crítica especializada da ilustração de livros infantis – crítica tão necessária quanto incipiente entre nós. 187 Referências  ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. 5. ed. 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Ilustrações Roger Mello e Graça Lima. Coleção Banquete folclórico. São Paulo: Larousse, 2006. _____. Vamos Brincar com as Palavras. Ilustrações Roger Mello e Graça Lima. Coleção Banquete folclórico. São Paulo: Larousse, 2006. GULLAR, Ferreira. dois e dois: quatro. Coleção “Grandes poemas em boca miúda”. SANDRONI, Laura & MACHADO, Luiz Raul (orgs.). Rio de Janeiro: Arte e Ensaio, 2001. HETZEL, Graziela Bozano. A cristaleira. 2. ed. Rio de Janeiro: Manati, 2003. JUNQUEIRA Sonia. O macaco e a boneca de cera. São Paulo: Atual, 1994. LEMBI DE FARIA, Eustáquio. Eu me lembro. Belo Horizonte, Dimensão, 1997. LOIBI, Elisabeth. Perigo na Grécia. São Paulo: Melhoramentos, 1997. LOUZEIRO, José. Gugu Mania. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. 194 _____. Pink: Viagem ao Submundo Mágico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. _____. Praça das Dores. Rio de Janeiro: Salamandra, 1994. MACHADO, de Almeida, Lúcia. Atíria na Amazônia. Rio de Janeiro: Salamandra, 1992. MACHADO, Ana Maria. 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Rio de Janeiro: Manati, 2002. _____. Em cima da hora. São Paulo: Cia das Letrinhas, 2004. _____. A flor do lado de lá. São Paulo: Global, 2000. _____. O gato Viriato. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993. _____. Griso, o unicórnio. São Paulo: Brinque-Book, 1997. _____. Uma história de Boto-Vermelho. Rio de Janeiro: Salamandra, 1995. _____. João por um fio. São Paulo: Cia das Letrinhas, 2006. _____. Maria Teresa. Rio de Janeiro: Agir, 1996. _____. Meninos do mangue. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2001. _____. Nau Catarineta. Rio de Janeiro: Manati, 2004. _____. A pipa. São Paulo: Paulinas, 1997. _____. O próximo dinossauro. São Paulo: FTD, 1994. _____. Ossos do ofício. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. _____.Todo cuidado é pouco! São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1999. _____.Viriato e o Leão. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. _____.Vizinho, vizinha. Ilustrações de Graça Lima, Mariana Massarani e Roger Mello. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. _____. Zubair e os labirintos. 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Coleção “Tião Parada, o rei da estrada”. São Paulo: Moderna, 1998. _____. O peixe dos dentes de ouro. Coleção “Tião Parada, o rei da estrada”. São Paulo: Moderna, 1998. _____. Quanta casa! Coleção “Tião Parada, o rei da estrada”. São Paulo: Moderna, 1998. TORERO, José Roberto e PIMENTA, Marcus Aurelius. Naná descobre o Céu. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. _____. Nuno descobre o Brasil. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. TRIGO, Márcio. O penúltimo dragão branco. São Paulo: Ática, 1997. 196 GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS Aproveitamento. Estudo e escolha do melhor formato de papel a ser utilizado para a impressão de um produto, visando a menor perda possível de papel. Chapada. Na impressão, refere-se a áreas que são completamente cobertas com tinta ou áreas que imprimem 100% de uma determinada cor. Arte naif. Palavra francesa que significa ingênuo, simples, e que é usada para classificar a arte de certos pintores do final do século XIX que se caracterizavam pela busca da candura e da ingenuidade, desenvolvendo uma obra espontaneísta e autodidata, sem qualquer propósito cientifica, resultando em uma pintura com uma composição primitiva e minuciosamente detalhada em cores brilhante, inteligível facilmente por qualquer espectador.4 CMYK. Cyan (ciano), Magenta, Yellow (amarelo), Black (preto). Sistema de composição de cores subtrativas primarias usadas na impressão de policromias. Quando pontos dessas cores são combinados em diferentes intensidades, obtem-se uma grande variação de cores. Bicromia. Processo de impressão a cores, no qual se utilizam duas chapas, cada uma entintada com cor diferente. A superposição de tintas permite a obtenção de novos tons e cores. O mesmo que duotone. Boneca/boneco. Objeto demonstrativo de projeto gráfico de jornal, revista, livro ou qualquer outro trabalho gráfico de mais de duas páginas destinado a ser impresso. Em se tratando de livro, parte do/a boneco/a é geralmente constituída de folhas em branco, para dar a idéia do aspecto que terah o volume: espessura, tipos de papel do miolo e da capa, formato, dimensões da capa e da lombada, disposição dos cadernos. No Rio de Janeiro diz-se boneca; em São Paulo, boneco. Brochura. Tipo de acabamento que se caracteriza por uma capa mole (plastificada, envernizada ou sem proteção) que envolve os cadernos de um livro. Esses cadernos, que formam o miolo do livro, podem ser costurados, grampeados ou colados entre si. O termo designa também a própria capa, flexível, geralmente de cartolina ou de papel encorpado, utilizada nesse tipo de livro. Contre-plongé. Câmera baixa. Ângulo obtido com a câmera filmando de baixo para cima. Cor especial. Diz-se de qualquer tinta com cor ou matiz diferente das cores de seleção para policromia. São geralmente especificadas através de scalas especiais de fabricantes de tintas ou da escala universal Pantone. 30 Cor primária. Cor pura, que não resulta de nenhuma mistura de outras cores. São três as cores básicas a partir das quais todas as outras cores podem ser obtidas. As cores primarias diferem no caso de impressão ou de projeção de luz. Para impressão, tem-se: cyan, magenta e amarelo. Em impressão de policromias, utilizase essas três, acrescidas do preto (diz-se impressão a quatro cores) para reproduzir toda a variedade de cores. Cores frias. Azul, verde e violeta e suas variações tonais Cores quentes. Amarelo, vermelho e laranja e suas variações tonais. Cores secundárias. Cores que resultam da mistura de duas cores primárias: laranja (amarelo e vermelho), violeta (vermelho e azul) e verde (amarelo e azul) 30 Capa dura. Capa de um livro cartonado ou encadernado, com aspecto rígido. Cores terciárias. Cores produzidas pela mistura de duas cores secundárias: laranja e verde, verde e violeta, violeta e laranja. Cartum. Desenho humorístico que pode servir de ilustração para algum texto ou ter existência autônoma. Gênero em que o autor pode fazer critica de costumes. CTP. Computer to plate. Processo de impressão em que um arquivo digital é gravado diretamente nas chapas de impressão, eliminando os filmes.1 197 Desenho a traço. Qualquer arte criada com linhas em uma cor absoluta (usualmente o preto), normalmente a caneta e tinta; desenho sem tons intermediários de cinza. Design gráfico. Termo utilizado para definir, genericamente, a atividade de planejamento e projeto relativos à linguagem visual. Atividade que lida com a articulação de texto e imagem, podendo ser desenvolvida sobre os mais variados suportes e situações. Compreende as noções de projeto gráfico, identidade visual, projetos de sinalização, design editorial, entre outras. Diagramação. Conjunto de operações utilizadas para dispor títulos, textos, gráficos, fotos, mapas e ilustrações na página de um publicação ou em qualquer impresso, de forma equilibrada, funcional e atraente, buscando estabelecer um sentido de leitura que atenda a determinada hierarquia de assuntos Ecoline. Aquarela líquida. Faca. Chapa de corte, instrumento de metal montado em madeira, que serve para recortar impressos em formatos especiais. Falsa folha de rosto. Em grande numero de publicações, folha precedente à folha de rosto onde consta unicamente o titulo da publicação, segundo recomendação da ABNT. Fauvismo. Movimento surgido em Paris, em 1905, cujos pintores caracterizaram-se pro usarem formas planas, de contorno pouco elaborado e cores puras, sem claro-escuro.4 Fonte. Conjunto de caracteres de uma mesma família tipográfica, ou seja, cujo desenho siga um padrão básico de construção. Gramatura. Registro do peso, em gramas, de um metro quadrado de um determinado papel. Sua expressão numérica não guarda, necessariamente, relação direta com a espessura do papel, pois o peso depende da matéria-prima empregada em sua fabricação. Grampo-canoa. Processo de grampeamento em que o grampo é colocado no dorso do livro ou revista (exatamente na dobra). Também se diz cavalo. Gravura. Processo de impressão no qual a matriz se constitui de chapa ou bloco de metal ou madeira (ou equivalente) sobre o qual é cortada ou gravada a imagem ou desenho que se deseja reproduzir. Guarda. Diz-se de cada uma das folhas de papel, branco ou ornamental, dobradas ao meio e coladas ao começo e ao fim de um livro encadernado, entre a capa e o volume, cobrindo o que de fato os une. Reforça a junção de um ao outro e confere acabamento à encadernação. Imagem sangrada. Imagem cujas dimensões extrapolam os limites finais da página impressa. Impressão digital. Impressão realizada diretamente a partir de arquivos digitais, sem a necessidade de confecção de fotolitos e provas de impressão, por meio de tecnologias próprias. Laminação. Acabamento de superfície habitualmente utilizado em capas de livros, revistas e folhetos. Consiste na aplicação de uma película sobre a superfície impressa. Litografia. Antigo processo de gravação sobre pedra porosa, que consiste em fixar a imagem com tinta-graxa, por lápis ou pincel, na superfície da pedra, que depois é umedecida pelo contato dos rolos molhadores. A água adere apenas as partes não cobertas pelas tintas-graxas e a tinta impressora contida nos rolos tinteiros adere somente as áreas secas, que correspondem à imagem finalmente impressa sobre o papel. Lombada. Lombo, dorso. Na encadernação de livros e revistas, é a parte que une a parte frontal da capa à parte traseira (ou a primeira à quarta capa). É o lado de brochuras, livretos, revistas, folhetos, etc, onde está a costura, colagem ou grampo. Lombada canoa. Tipo de lombada obtida através de encadernação com grampos inseridos na dobra do impresso, prependicularmente à lombada. Lombada quadrada. Tipo de lombada obtida através de encadernação na qual as páginas são agrupadas e fixadas à capa por meio de cola, resultando em um dorso quadrado ou chato. Luva. A luva é uma caixa protetora fechada, com um dos lados aberto (geralmente o correspondente à lombada), por onde se introduz o livro. Mancha. Espaço útil de impressão em uma página determinado pela diagramação, ou seja, o traçado da ocupação tipográfica de uma página. Monocromia. Processo de impressão a uma só cor. Naif. Sinônimo de arte ingênua, original e/ou instintiva, produzida por autodidatas que não têm formação culta no campo das artes. Nesse sentido, a expressão se confunde freqüentemente com arte popular, arte primitiva e art brut, por tentar descrever modos expressivos autênticos, originários da subjetividade e da imaginação criadora de pessoas estranhas à tradição e ao sistema artístico. A pintura naif se caracteriza pela ausência das técnicas usuais de representação (uso científico da perspectiva, formas convencionais de compo- 198 sição e de utilização das cores) e pela visão ingênua do mundo. As cores brilhantes e alegres – fora dos padrões usuais –, a simplificação dos elementos decorativos, o gosto pela descrição minuciosa, a visão idealizada da natureza e a presença de elementos do universo onírico são alguns dos traços considerados típicos dessa modalidade artística.2 Op art. Abreviatura de Optical Art, arte ótica, uma tendência surgida na década dedos 1960, que procura explorr vários efeitos óticos, evidenciando em formas puramente geométricas aspectos alternantes de luzes e cores.4 Orelha. Extremidades laterais da capa ou da sobrecapa de um livro que são dobradas para dentro, podendo ou não receber impressão. Pantone. Tabela universal de cores que associa cada tonalidade de cor a um código. Padrão de cores muito utilizado em artes gráficas como referencia para impressão. Papel couché. Papel com tratamento especial, feito em maquina de revestimento, que aplica uma camada de minerais (gesso, caulim) sobre a superfície em ambos os lados do papel. Esse processo é realizado com o objetivo de dar lisura e brilho ao papel, melhorando su Papel offset. Feito de pasta química branqueada, colagem de superfície e carga mineral de 10 a 15%, destina-se sobretudo à impressão de revistas, livros, folhetos, cartazes, selos, etc. Papel vergé. Contem linhas horizontais e verticais transparentes (linhas d’água) que simulam a aparência dos papeis antigos feitos à mão. Plastificação. Processo que cobre um papel ou cartão impresso com uma película de celofane ou de outro plástico transparente, que se faz aderir por meio de uma plastificadora. Pode-se utilizar plástico transparente fosco ou brilhante. Plongé. Câmera alta. Angulo obtido com a câmera filmando de cima para baixo. Policromia. Processo de impressão que utiliza as quatro cores da escala de impressão: ciano, magenta, amarelo e preto. Possibilita maior fidelidade cromática ao original. Pop-up. Efeito de engenharia do papel que aproveita a energia cinética do movimento das folhas do livro para criar modelos tridimensionais que saltam das páginas.3 Quadricromia. Método de reprodução de original policromático (arte original, transparência, etc) através da separação da imagem colorida nas três cores primarias – magenta, amarelo e ciano – e no preto. O processo resulta em quatro chapas de impressão que, umas sobre as outras, reproduzem, por ilusão de óptica, todas as cores da arte original. Sangrar. Recurso de diagramação que consiste em deixar que se invada com texto, foto ou ilustração o espaço reservado às margens de uma publicação. 97 Sangria. Área da chapa ou impressão que se estende alem da margem a ser refilada (sangra). Separação de cores. Técnica de decomposição de uma imagem original em duas ou mais cores. Para impressão de imagens em policromia, as cores do original são decompostas e impressas separadamente, de modo a compor a imagem nas cores que se deseja obter. Sobrecapa. Cobertura móvel de papel ou outro material flexível que envolve e protege a capa de um livro encadernado. Tipo. Desenho de letra do alfabeto e de todos os outros caracteres usados isolada ou conjuntamente para criar palavras. Tiragem. Quantidade de qualquer publicação impressa. Total de copias produzidas por uma publicação em uma edição. Vazado. Qualquer elemento em traço aplicado como branco – área sem impressão – sobre uma mancha determinada (chapada ou reticulada), desde que haja contraste suficiente. Vinheta. Pequena ilustração colocada em trabalho gráfico. Xilogravura. Gravura em madeira; copia feita a partir de uma imagem em relevo talhada em um bloco de madeira. O bloco é entintado com um rolo e a imagem é transferida diretamente ao papel pro pressão da superfície entintada. Exceto quando assinalado, as definições foram extraídas de: ABC da ADG. Glossário de termos e verbetes utilizados em Design Gráfico. São Paulo, 2000. 1ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro. Princípios das técnicas de editoração. São Paulo: Unesp, 2008. 2ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Artes Visuais. Dis- ponível online em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm. Acesso em 15 fev. 2011. 3HASLAM, André. O livro e o designer II. Como criar e produzir livros. São Paulo: Rosari, 2007, p. 200. 4MARCONDES, Luiz Fernando. Dicionário de termos artísticos. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1998. 199 APÊNDICE A Relação dos livros ilustrados por Roger Mello entre 1990-2009 Ano 1990 1991 1992 1993 1994 Obs: Título Texto Editora A flor do lado de lá* Roger Mello Salamandra / Global Coleção: Cadê / Catacrese! / Daniel, Dona Pata e os Medos Feliz / Girassol / Livro dos opostos / Irles Carvalho & J. Pedro Veiga Irles Carvalho Maco Que bicho é esse: Pantanal / Que bicho é esse: Amazônia Irles Carvalho Maco Coleção "De mãos dadas com a natureza"* Vários autores Salamandra A Bolinha de Jornal* Fátima Portilho Estação Liberdade, Fund. Nestlé de Cultura Eu quero uma coisa* Pedro Pessoa Nova Fronteira Atíria na Amazônia Lúcia Machado de Almeida Salamandra Babruxa, o Caldeirão e o Dragão Irles Carvalho & J. Pedro Veiga Maco Fita verde no cabelo* João Guimarães Rosa Nova Fronteira Mistérios do mar oceano* Ana Maria Machado Nova Fronteira É isso ali José Paulo Paes Salamandra É só querer* Pedro Pessoa Nova Fronteira O gato Viriato* Roger Mello Ediouro O Golem e outras aventuras do rabino Judá Levi, de Praga* Jayne Brener FTD A lenda da noite Daniela Chindler Revan Não gosto, não quero* Luciana Savaget Ediouro Rômulo e Júlia: os caras-pintadas Rogério Andrade Barbosa FTD Em boca fechada não entra estrela* Leo Cunha Ediouro Fulustreca* Luiz Raul Machado Ediouro O macaco e a boneca de cera* Sonia Junqueira Atual Praça das dores* José Louzeiro Salamandra O próximo dinossauro* Roger Mello FTD Ver-de-ver meu pai Celso Sisto Nova Fronteira Coleção “Assim é se lhe parece”: Vou ali e volto já (vol. 1) / Nem assim nem assado (vol. 2) / Cropas ou praus? (vol. 3) / Se faísca, ofusca (vol. 4) / Chamuscou, não queimou (vol. 5) / Quem acorda, sonha (vol. 6) * Angela Carneiro, Lia Neiva e Sylvia Orthof Ediouro Autoria completa ou parceria em negrito. Obras premiadas assinaladas com *. 200 1995 1996 1997 O Caapora Herberto Sales Civilização Brasileira A cristaleira* Graziela Bozano Hetzel Ediouro O dinossauro: mais uma história ecológica* Leo Cunha e Marcus Tafuri Ediouro Flor-do-mato Herberto Sales Civilização Brasileira Gugu mania José Louzeiro Civilização Brasileira Uma história de Boto-vermelho* Roger Mello Salamandra O inventor de palavras Angela Carneiro José Olympio O mistério das Sete Estrelas Herberto Sales Civilização Brasileira Pink: viagem ao submundo da mágica José Louzeiro Civilização Brasileira Sundjata: o príncipe leão* Rogério Andrade Barbosa Agir Coleção “Eles são sete”: A Gula (vol. 1) * / A Ira (vol. 2) / A Preguiça (vol. 3) / O Orgulho (vol. 4) / A Inveja (vol. 5) * / A Avareza (vol. 6) / A Luxúria (vol. 7) Autores diversos Ediouro Bumba meu boi Bumbá* Roger Mello Agir O Dia da Árvore Patricia Bins Bertrand Brasil Em cima do ringue Henrique Félix Atual Gente bem diferente Ana Maria Machado Ediouro Maria Teresa* Roger Mello Agir SOS Tartarugas marinhas Rogério Andrade Barbosa Melhoramentos The sweater of Mrs. Better Telma Guimarães Castro Andrade Atual A Terra dos Meninos Pelados (Raimundo im Land Tatipirún) * Graciliano Ramos Verlag Nagel & Kimche AG (pela Record em 2003, em português) Viriato e o Leão Roger Mello Ediouro Coleção “Que bicho será?”: Que bicho será que botou o ovo? (vol. 1) / Que bicho será que a cobra comeu? (vol. 2) / Que bicho será que fez o buraco? (vol. 3) / Que bicho será que fez a coisa? (vol. 4) / Será mesmo que é bicho? (vol. 5) Angelo Machado Nova Fronteira O dia da caça Bia Hetzel Brinque-Book As borboletas Irles Carvalho & J. Pedro Veiga Maco Cavalhadas de Pirenópolis* Roger Mello Agir Conta uma história? Ana Lúcia Brandão Paulinas Eu me lembro* Eustáquio Lembi de Faria Dimensão Griso, o unicórnio* Roger Mello Brinque-Book Pedro e Pietrina: uma história verdadeira Patricia Bins Bertrand Brasil O penúltimo dragão branco Márcio Trigo Ática O pequeno cantador Celso Sisto Dimensão Seis vezes Lucas Lygia Bojunga Agir Perigo na Grécia Elizabeth loibl Melhoramentos A pipa Roger Mello Paulinas 201 1998 Coleção "Tião Parada: O Rei da Estrada": O livro do pode-não-pode (vol. 1) / Quanta casa! (vol. 2) / O caminhão que andava sozinho (vol. 3) / O peixe dos dentes de ouro (vol. 4) / Os meninos-caracol (vol. 5) Rosa Amanda Strausz Moderna O seco e o amoroso Stela Maris Rezende Ediouro Tchau Lygia Bojunga Agir O dia da caça: aventuras do pequeno naturalista Bia Hetzel Brinque-Book Na marca do pênalti Pero Vaz de Caminha, versão moderna de Rubem Braga Leo Cunha O pintor Lygia Bojunga Agir Todo cuidado é pouco* Roger Mello Cia. das Letrinhas Jonas e a sereia Zelia Gattai Record Carta a El Rey Dom Manuel 1999 2000 2002 2003 Jardins* Meninos do Mangue* Roger Mello Cia. das Letrinhas Ana e a margem do rio Godofredo de Oliveira Neto Record Peter Bichsel Ática Roger Mello Cia. das Letrinhas Curupira Roger Mello (texto) Manati Memórias da ilha Luciana Sandroni Cia. das Letrinhas Pequeno pode tudo Pedro Bandeira Moderna O homem que não queria saber mais nada e outras histórias* Vizinho, vizinha Em cima da hora* José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta Roger Mello Nau Catarineta* Roger Mello Nuno descobre o Brasil 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Atual Org. Laura Sandroni e Luiz Raul Machado Roseana Murray Coleção “Grandes Poemas em Boca Miúda” (16 vol.) 2001 Record Arte e ensaio Manati Objetiva Cia. das Letrinhas Manati João por um fio* José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta Roger Mello Desertos* Roseana Murray Objetiva Naná descobre o Céu Objetiva Cia. das Letrinhas Coleção "Banquete folclórico": Assombrações da Água / Assombrações da Terra / Quem faz os dias da semana? / Rodas e bailes de sons encantados / Vamos Brincar com as Palavras É meu! Cala boca! Quem manda sou eu! Lúcia Pimentel Góes Larousse Luciana Savaget Larousse Zubair e os labirintos* Roger Mello Cia. das Letrinhas Zoo* João Guimarães Rosa Nova Fronteira Carvoeirinhos* Bartolomeu Campos de Queirós, Celso Sisto, Graziela Bozano Hetzel e Marina Colasanti. PRADO, Jason & MAIA, Ana Claudia (organizadores). Roger Mello Cia. das Letrinhas Ossos do ofício Roger Mello Nova Fronteira O medo e o mar Maria Camargo Cia. das Letras Hans Christian Andersen: Diferentes heróis, diferentes caminhos Leia Brasil 202 APÊNDICE B Fichas com dados levantados para as 20 obras do corpus A flor do lado de lá O gato Viriato Livro de imagem Rio de Janeiro: Salamandra, 1990. São Paulo: Global,1999 Atualmente na 7ª edição (2008) 20 x 20cm, 32 p. ISBN 978-85-60791-23-1 Livro de imagem Rio de Janeiro: Ediouro, 1993 13,5 x 20,5cm, 32 p. ISBN 978-85-0052530-4 Prêmios: Altamente Recomendável – FNLIJ; Lista da Folha de S. Paulo “Livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, 2007; Acervo Básico Teórico para a Criança, 1999; Acervo Básico Infantil, 1999; selecionado pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, 2000; editado pelo Programa Nacional da Secretaria de Educação Pública do México – SEP Traduzido para o espanhol(La Flor Del Lado de Allá) Temática Intericonicidade Técnica Cor e luz bichos, plantas, ambiente natural, Brasil realismo figurativo, cartum ecoline e lápis de cor predominantemente realistas, assumindo por vezes aspectos narrativos Anatomia realista, animais com olhos humanizados Formas orgânicas, arredondadas, fechadas, sem traço de contorno, com sombreamento sugerindo volume Perspectiva frontal, linha do horizonte baixa Corte ilustrações sangradas Ritmo uma cena em cada página dupla Tipografia manuscrita no título e na folha de rosto Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Salamandra: Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/1, papel couché matte. Global: Capa 4/1, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), sem orelhas. Miolo 4/1, papel couché matte. Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 32, em grafismos pretos sobre fundo branco. 4ª capa: detalhe em continuação da capa, logotipo de editora e código de barras. Prêmio Luís Jardim – O melhor livro de imagem – FNLIJ, 1994 Temática bichos, Brasil (placa na estação de trem), ambiente urbano Intericonicidade realismo figurativo, cartum Técnica ecoline e lápis de cor Cor e luz predominantemente realistas Anatomia realista, animais com olhos humanizados Formas orgânicas, arredondadas, fechadas, sombreamento sugerindo volume, contornadas por traço suave Perspectiva frontal, linha do horizonte baixa, sem pontode-fuga Corte ilustrações afastadas da margem Tipografia manuscrita no título, folha de rosto, nomes dos capítulos e em elementos da ilustração (placa da estação de trem) Ritmo várias cenas por página, mostrando ações sequenciais Projeto gráfico convencional, do autor Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel offset 4a capa: logotipo da editora, código de barras, ilustração do rosto do autor e mini-biografia (sem assinatura) 203 O próximo dinossauro Maria Teresa Livro de imagem São Paulo: FTD, 1994 20 x 20 cm, 24 p. ISBN 978-85-322-1278-8 Livro ilustrado Rio de Janeiro: Agir, 1996 27 x 20,5 cm, 24 p. ISBN 8522004439 Prêmios Prêmios Altamente recomendável – FNLIJ, 1995 Temática bichos, ambiente natural, espaço indeterminado Intericonicidade realismo figurativo, cartum Técnica ecoline e lápis de cor Cor e luz realistas saturadas Anatomia realista, animais com olhos humanizados Formas orgânicas, arredondadas, fechadas, sombreamento sugerindo volume, sem linha de contorno Perspectiva frontal, ponto-de-fuga sugerido, linha do horizonte baixa; Enquadramento alternância entre foco fechado e aberto Corte ilustrações sangradas Tipografia composta no titulo e folha de rosto Ritmo uma cena em cada página dupla; dinamismo da ação sugerido pela alternância de enquadramento Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho 2ª capa: ficha catalográfica e crêditos. 4ª capa: detalhe em continuação da capa, logotipo de editora, código de barras e texto sobre o livro (sem assinatura) Adaptações Temática Refs. visuais Técnica Cor e luz Altamente recomendável – FNLIJ; Melhor ilustração – FNLIJ, 1997; selecionado para a Lista de Honra do IBBY (IBBY Honour List, Suíça), 1998; incluído no catálogo White Ravens da Biblioteca Internacional de Munique (Internationale Jugendbibliothek – IJB, Alemanha); indicado para o Astrid Lindgren Memorial Award (ALMA) pela FNLIJ Desenho animado para a TV Futura cultura popular, Brasil, gente arte naïf tinta industrial, lápis de cor, giz de cera expressionistas, saturadas, contrastadas, quentes Anatomia estilizada, figuras alongadas Formas estilizadas Perspectiva naïf Enquadramento planos médios, tomadas frontais Corte ilustrações sangradas Tipografia manuscrita no titulo, folha de rosto e ilustrações (nomes dos barcos); tipografia composta no texto Ritmo constante Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 24 em linhas horizontais paralelas, sinuosas, em branco sobre fundo verde-água 4ª capa: Código de barras, foto do autor e texto de Ziraldo 204 Bumba meu boi Bumbá Viriato e o leão Livro ilustrado Rio de Janeiro: Agir, 1996 20,5 x 27 cm, 24 p. ISBN 8522004528 Livro de imagem Rio de Janeiro: Ediouro, 1996 21 x 27,5 cm, 24 p. ISBN 978-85-00-00112-3 Prêmios Prêmios Temática Refs. visuais Técnica Cor e luz Anatomia Formas Perspectiva Enquadramento Corte Tipografia Ritmo Altamente recomendável – FNLIJ; incluído no catálogo White Ravens da IJB cultura popular, Brasil arte naïf, africana e indígena, op-art, cubismo tinta industrial, lápis de cor, giz de cera primárias, preto e branco estilizada, figuras alongadas geometrizadas cubista planos médios, frontais, alguns em plongé ilustrações sangradas em página simples composta no livro todo páginas com ilustrações sangradas entremeando páginas com texto vazado sobre fundo azul escuro ou verde Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho Falsa guarda nas capas 2 e 3 (fundo azul) e p. 1 e 24 (fundo verde) com grandes desenhos gestuais, vazados em branco, de touros lembrando Picasso, em distribuição aleatória. 4a capa: Código de barras, foto do autor e texto de Ana Maria Machado Temática Intericonicidade Técnica Cor e luz Selecionado pelo PNLD/FNDE, 1999; Secretaria da Educação do Estado de SP bichos, Brasil, ambiente urbano fauvismo, cubismo tinta industrial, lápis de cor, giz de cera expressionistas, chapadas, contraste frio/quente, sombras com contorno duro em cores contrastantes Anatomia estilizada, com sugestão de texturas de pelos (gato e cachorros) e pedra (leões) Formas geometrizadas; arredondas nos personagens e de ângulos retos no cenário; fechadas; linhas de contorno em lápis preto, espessas e irregulares Perspectiva variada, cenas em plongé Enquadramento alternância entre foco fechado e aberto Corte ilustrações ora sangradas, ora com personagens rompendo as margens internas Tipografia manuscrita no titulo, folha de rosto, capítulos e em elementos da ilustração (cartazes, tigela do Viriato, relógio) Ritmo uma cena em cada página dupla; dinamismo da ação sugerido pela alternância de enquadramento Projeto gráfico do autor, convencional Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 24 em chapada verde. 4ª capa: Logotipo de editora, código de barras e texto sobre o livro (sem assinatura). 205 Cavalhadas de Pirenópolis Griso, o unicórnio Livro ilustrado Rio de Janeiro: Agir, 1997 27 x 20,5 cm, 24 p. ISBN 8522004803 Livro ilustrado São Paulo: Brinque-Book, 1997. Esgotado I18 x 28,5 cm, 32 p. ISBN 8585357738 Prêmios Prêmios Adaptações Temática Refs. visuais Técnica Cor e luz Jabuti de Melhor Ilustração – CBL; indicado para o ALMA pela FNLIJ; Melhor ilustração Hors Concours – FNLIJ, 1999 Curta-metragem de Adolfo Lachtermacher para TVE/MinC cultura popular, Brasil arte naïf tinta industrial, lápis de cor, giz de cera expressionistas, saturadas, contrastadas, com predominância de tons amarelados Anatomia estilizada, figuras alongadas Formas fechadas, sinuosas, sem linha de contorno Perspectiva naïf, variada, misturando vários ângulos na mesma cena Enquadramento predominam planos abertos e vistas aéreas Corte ilustrações sangradas em página simples Tipografia manuscrita no título e nome do autor (capa e folha de rosto), composta no texto Ritmo alternam-se páginas de ilustração e de texto Projeto gráfico do autor, convencional Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 24 com fundo ferrugem e desenhos pequenos e detalhados de cavaleiros mascarados formando um pattern ortogonal. 4a capa: Código de barras, foto do autor e texto de Ana Maria Machado Temática Refs. visuais Técnica Cor e luz Anatomia Formas Perspectiva Enquadramento Corte Melhor Ilustração Hors Concours – FNLIJ, 1998; indicado para o ALMA pela FNLIJ bichos, arte, espaços indeterminados arte universal variadas variadas variadas variadas variada planos médios ou centralizado em detalhes ilustrações sangradas nas margens laterais e superior Tipografia composta no livro todo Ritmo constante, com ilustrações em página dupla e faixa preta contendo texto vazado na parte de baixo Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/4, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 32 em padronagem xadrez de azul e preto. 4a capa: Continuação da ilustração da capa e código de barras. 206 A pipa Todo cuidado é pouco! Livro de imagem. São Paulo: Paulinas, 1997. Esgotado 21 x 21 cm, 32 p. ISBN 978-85-356-2280-5 Livro ilustrado São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1999 28 x 26 cm, 36 p. ISBN 8574060488 Prêmios Temática Refs. visuais Técnica Cor e luz Anatomia Formas Temática Refs. visuais Técnica Altamente Recomendável – FNLIJ, 1997, categoria Imagem gente, Brasil, ambiente natural, cultura urbana auvismo, modernismo brasileiro tinta industrial, lápis de cor e giz de cera sobre papel colorido Cor e luz sombras de efeito dramático Anatomia estilizada, sem fisionomia Formas fechadas, sem contorno Perspectiva levemente sugerida, linha do horizonte em alturas variadas Enquadramento tomadas frontais, plongé e contre-plongé Corte ilustrações sangradas em página dupla Tipografia manuscrita na capa e folha de rosto Ritmo variações de cor acompanhando progressão dramática (saturadas para não-saturadas) Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/0, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho 4ª capa: Logotipo da editora, código de barras, foto do autor e texto sem assinatura. gente, cultura urbana, mundo figuras de Marc Chagall lápis de cor pastéis figuras estilizadas, alongadas, sinuosas fechadas, sinuosas, sem linha de contorno, com sombreado sugerindo volume Perspectiva inexistente Enquadramento predominam planos médios frontais, alguns plongé/contre-plongé Corte predominam ilustrações sangradas na base (chão) Tipografia manuscrita e convertida em fonte composta no livro todo Ritmo constante – ilustrações na parte de baixo com fundo branco, texto em cima; dois enquadramentos diferentes marcam início/fim Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/4, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte Falsa guarda nas capas 2 e 3 e p. 1 e 36 em desenhos em branco sobre fundo verde evidenciando a textura do papel. 4ª capa: código de barras, vinheta e texto sem assinatura. 207 Jardins Meninos do mangue Livro ilustrado. Texto de Roseana Murray Rio de Janeiro: Manati, 2001 20,5 x 26,5 cm, 32 p. ISBN 8586218111 Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 2001 19 x 27,5 cm, 72 p ISBN 85-7406-244-8 Prêmios: Prêmios: Jabuti de Melhor Livro Infanto-Juvenil e Melhor Ilustração – CBL, 2002; Melhor para Criança Hors Concours e Melhor Ilustração Hors Concours – FNLIJ, 2002; Prêmio Internacional do Livro Espace Enfants – Fondation Espace Enfants, Suíça, 2002; indicado para o ALMA pela FNLIJ; lista da Folha de S. Paulo “Livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, 2007 Temática ABL 2002 – Literatura Infantil a Roseana Murray e Roger Mello; Indicado para o ALMA pela FNLIJ; Melhor Projeto Editorial – FNLIJ, 2002 plantas, ambiente natural, local indeterminado Refs. visuais arte popular (bordados), fauvismo, arte oriental (tapetes), arte africana (padronagens) Técnica tinta industrial, lápis de cor, giz de cera Cor e luz Saturadas, variadas, em vivo contraste. Fundos ilustrados ou em cor chapada intensa. Anatomia Estilizada, poucos detalhes Formas Sinuosas, fechadas e abertas, integradas em patterns Perspectiva Inexistente ou naïf, com vistas chapadas em um só plano Enquadramento alternância entre foco nos detalhes e planos abertos Corte ilustrações ora sangradas, ora afastadas das margens Tipografia manuscrita no título e composta no livro todo Ritmo alternando ilustrações sangradas e contidas na mancha Projeto gráfico especial, de Roger Mello Sobrecapa em papel vergé impresso a 2/1 cores (verde esmeralda e laranja) com faca vazada em formato de 3 ovais irregulares mostrando ilustração de plantas da capa. Fitas de cetim vermelho na metade da altura, amarrando capa e 4ª capa. Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte 4ª capa: Código de barras e texto (sem assinatura). Temática ambiente natural, gente, bichos, cultura popular, Brasil Refs. visuais colagens pós-modernas Técnica ilustrações em tinta industrial, lápis, giz de cera e colagem sobre plástico amassado; vinhetas desenhadas em nanquim Cor e luz saturadas, predominantemente primárias, em contraste com fundo preto texturizado; vinhetas em pb com detalhes em vermelho Anatomia figuras humanas estilizadas, com membros alongados e feições simplificadas Formas geometrizadas, alongadas, fechadas sem traço de contorno; vinhetas em linhas fechadas Perspectiva naïf, sem ponto de fuga Enquadramento predominam planos médios, com vários personagens na mesma cena Corte ilustrações sangradas; vinhetas contidas na mancha Tipografia manuscrita nos títulos dos capítulos Ritmo ilustrações de página inteira intercaladas com páginas de texto, algumas pontuadas por vinhetas Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (lombada quadrada), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho 2ª e 3ª capas impressas em chapada de pantone luminoso laranja. 4ª capa: Código de barras e texto (sem assinatura). 208 Vizinho, vizinha Nau Catarineta Livro ilustrado Ilustrações de Roger Mello, Graça Lima e Mariana Massarani São Paulo: Cia das Letrinhas, 2002 28,5 x 21 cm, 36 p. ISBN Livro ilustrado Rio de Janeiro: Manati, 2004 22 x 30 cm, 40p. ISBN 978-85-86218-55-2 Prêmios: Altamente recomendável – FNLIJ, 2002 Traduzido para o espanhol: Vecino, Vecina. Buenos Aires, Argentina: Mondadori, 2008. Temática Refs. visuais Técnica gente, ambiente urbano, Brasil – lápis de cor (Roger Mello), técnica mista (Graça Lima e Mariana Massarani) Cor e luz saturadas nos apartamentos, pastel no corredor Anatomia variada Formas variadas Perspectiva sugerida nos apartamentos, ponto-de-fuga no corredor Enquadramento frontal, sem quarta parede Corte ilustrações sangradas em página dupla Tipografia manuscrita no titulo e composta ao longo do livro Ritmo constante: faixa com texto sob as ilustrações – magenta no vizinho, amarelo na vizinha Projeto gráfico Capa Dura em Cingapura, convencional Capa 4/1, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché brilho 2ª e 3ª capas e p. 1 e 32 impressas em desenhos brancos sobre fundo preto. 4a capa: Código de barras e continuação da capa Prêmios: Jabuti de Melhor Ilustração – CBL; incluído no catálogo White Ravens da IJB; indicado para participar da Feira de Bolonha pela FNLIJ; Melhor ilustração Hors Concours e Melhor Reconto Hors Concours – FNLIJ, 2005; indicado para o ALMA pela FNLIJ Traduzido para o francês: Catarineta – Légende anonyme du XVIe siècle. Brussels, Belgium: Les Éditions du Pépin, 2005. Temática Refs. visuais Técnica cultura popular brasileira arte naïf, ex-votos tinta industrial, lápis de cor, giz de cera, colagem Cor e luz saturadas e contrastadas, em tons predominantemente quentes Anatomia figuras humanas estilizadas Formas sinuosas, alongadas, fechadas, sem traço de contorno Perspectiva naïf, sobrepondo vários pontos-de-vista na mesma cena Enquadramento predominam planos médios e abertos Corte ilustrações sangradas com algumas vinhetas junto ao texto em páginas de fundo em cor chapada Tipografia manuscrita integrando as ilustrações (principalmente em balões com falas dos personagens); tipografia composta no restante do livro. Ritmo alternância de páginas com ilustrações sangradas e páginas com texto composto e vinhetas sobre fundo de cor chapada Projeto gráfico convencional, do autor e de Silvia Negreiros Capa 4/1, plastificação brilhante, brochura (lombada quadrada), sem orelhas. Miolo 4/4, papel couché matte 2 e 3ª capas impressas em pantone laranja; p. 1 e 40 com ilustração em página inteira de personagens da história. 4ª capa: Código de barras e texto assinado por Alexei Bueno 209 João por um fio Desertos Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 2005 22,5 x 15,5 cm, 48p. ISBN Livro ilustrado. Texto de Roseana Murray Rio de Janeiro: Objetiva, 2006 21 x 13,5 cm, 88 p. ISBN Prêmios: Prêmio Jabuti de Melhor ilustração e Melhor livro – CBL; indicado para o ALMA pela FNLIJ Traduzido para o francês: Jean fil à fil. Nantes, France: Éditions MeMo, 2009. Prêmios Temática Refs. visuais Técnica gente, cultura popular, mundo rendas e bordados desenhos com caneta esferográfica e lápis xerocados em papel branco ou vermelho Cor e luz vermelho, preto e branco Anatomia estilizada, sem fisionomia Formas alongadas e lineares, algumas silhuetas fechadas Perspectiva inexistente Enquadramento desenhos centralizados na área de cor Corte predominam desenhos contidos dentro das margens Tipografia manuscrita na capa, folha de rosto, dedicatória e integrando as illustrações; tipografia composta no texto Ritmo constante, com páginas duplas divididas em duas áreas de cor de fundo – uma para o texto, outra para os desenhos Projeto gráfico sem indicação de autoria, inclui marcador especial (barbanet com peixe de papel na extremidade) Capa 4/0, laminação fosca, capa dura. Miolo 2/2, papel offset Guardas com desenhos brancos vazados sobre fundo vermelho. 4a capa: Código de barras e vinheta. Temática Refs. visuais Técnica Cor e luz Anatomia Formas Perspectiva Enquadramento Indicado para o ALMA pela FNLIJ Ambientes natural e urbano, exterior, gente cadernos de viagem lápis de cor azul, verde, vermelho, amarelo e preto realista, em traços sintéticos linhas contínuas e irregulares realista foco predominante aberto nos ambientes, fechado nas cenas com pessoas e objetos Corte Paisagens e arquitetura sangrando a página, detalhes contidos na mancha Tipografia manuscrita na capa, folha de rosto e combinada com tipografia composta ao longo do livro Ritmo alternando planos abertos e fechados Projeto gráfico sem indicação, convencional com detalhes Capa 4/0, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), sem orelhas. Miolo 4/4, papel pólen bold. Fitas de cetim marrom na metade da altura, na parte externa, amarrando capa e 4ª capa. Guarda impressa a 4/0 cores sobre papel pólen bold, em padronagem de papel marmorizado em tons de marrom. 210 Zubair e os labirintos Zoo Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 2007 16,5 x 27 cm, 48p. ISBN 9788574062976 Livro ilustrado. Texto de João Guimarães Rosa, organização de Luiz Raul Machado Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008 25,5 x 18 cm (fechado), sem paginação ISBN 9788520919224 Prêmios Temática Refs. visuais Técnica Jabuti de Melhor Livro – CBL; Melhor Projeto Editorial – FNLIJ, 2008; indicado para o ALMA pela FNLIJ gente, cultura urbana, exterior arte pós-moderna tinta industrial, lápis de cor, giz de cera, colagem Cor e luz na capa predominam laranja, amarelo, verde e preto; no miolo laranja e preto Anatomia simplificada Formas estilizadas Perspectiva distância sugerida pela diminuição do tamanho dos elementos Enquadramento vista do alto, figuras grandes cortadas verticalmente em primeiro plano Corte ilustrações sangradas na capa, contidas na mancha no miolo Tipografia manuscrita na folha de rosto e integrando as illustrações; composta na capa e texto Ritmo constante no miolo (uma página com ilustração e outra com texto) Projeto gráfico especial, do autor Capa 4/2, laminação fosca, brochura (lombada quadrada), orelha especial. Miolo 2/2, papel offset A orelha da 1ª capa tem 3 dobras e envolve o livro como um rolo. Miolo com paginação em sentido oriental (da direita para a esquerda) 4a capa: Código de barras, vinheta e texto sem assinatura Prêmios Temática Refs. visuais Técnica Altamente Recomendável e Melhor Projeto Editorial – FNLIJ, 2009 ; indicado para o ALMA pela FNLIJ bichos – tinta industrial, lápis de cor e giz de cera sobre papel colorido Cor e luz realistas nas figuras, aplicadas sobre fundo laranja queimado Anatomia simplificada Formas orgânicas Perspectiva inexistente ou naïf Enquadramento figuras completas, quase sempre de perfil ou em vista aérea Corte ilustrações contidas na mancha Tipografia manuscrita na luva e capa, composta em fonte manuscrita em linhas dispostas irregularmente no miolo Ritmo constante na interação entre ilustrações e texto, variado no manuseio das abas Projeto gráfico especia, do autor Luva impressa em 2/0 (pantone verde luminoso e preto), papel couché brilho 250g/m2, com faca em forma de rinoceronte Capa 1/4, papel couché brilho 250g/m2, com 4 abas retangulares abrindo-se para os lados, para cima e para baixo. Miolo 4/4, papel couché brilho 250g/m2, com 2 abas trapezoidais sanfonadas abrindo-se para os lados. 4ª capa: logotipo da editora, código de barras, vinheta e texto de Luiz Raul Machado 211 Carvoeirinhos Ossos do ofício Livro ilustrado São Paulo: Cia das Letrinhas, 2009 27 x 22 cm, 60 p. ISBN 9788574063713 Livro ilustrado Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009 20 x 20 cm, 24 p. ISBN 9788520923245 Prêmios Temática Refs. visuais Técnica Temática Refs. visuais Técnica Melhor Ilustração Hors Concours – FNLIJ, 2010; indicado para o ALMA pela FNLIJ gente, cultura urbana, bichos, Brasil – tinta industrial, lápis de cor, giz de cera e colagem sobre plástico amassado Cor e luz preto, cinza, laranja e magenta em contraste extremo Anatomia estilizada, figuras alongadas, sem fisionomia Formas estilizadas, fechadas, sem linha de contorno Perspectiva variada, profundidade sugerida por gradações de tamanho e textura, sem ponto de fuga Enquadramento predominam planos fechados, ou com tomadas abertas a partir de detalhes Corte ilustrações sangradas Tipografia composta no livro todo Ritmo alternância de páginas cheias e vazias e de enquadramento Projeto gráfico do autor, com efeitos especiais Capa 4/0 (3 pantones luminosos e preto), laminação fosca, capa dura*. Miolo 4/4 (3 pantones luminosos e preto), papel couché brilho. Lâminas em formato de línguas de fogo no centro do livro. * Duas edições: uma em capa dura e outra em brochura. Aqui analisamos a edição em capa dura, mais completa. 4ª capa: Código de barras e texto sem assinatura gente, ambiente urbano, Brasil Hamlet tinta industrial, lápis de cor, giz de cera, colagem Cor e luz preto, cinza e cores quentes saturadas (vermelho, amarelo, magenta, roxo) Anatomia estilizada, alongada, traços sinuosos geometrizados Formas fechadas, sem linha de contorno, sem volume Perspectiva inexistente Enquadramento frontal, planos médios ou fechado em detalhes Corte ilustrações sangradas Tipografia composta no livro todo Ritmo constante, texto aplicado sobre áreas reservadas nas ilustrações Projeto gráfico convencional, sem indicação de autoria Capa 4/2, plastificação brilhante, brochura (grampo canoa). Miolo 4/4, papel couché brilho. 2ª capa e p.1: falsa guarda impressa em roxo chapado; 3ª capa e p.32 impressas em vermelho chapado. 4a capa: Logotipo, selo da Coleção Faz-tudo, código de barras, vinheta e texto sem assinatura. 212 ANEXO A Curriculum vitae de Roger Mello, 20091 FORMAÇÃO ACADÊMICA Desenho Industrial e Programação Visual pela Escola Superior De Desenho Industrial — ESDI/UERJ. CURSOS SENAC, UERJ, ANIMATON (ministrado pela equipe do National Film Board of Canada), Oficina de contos com Sérgio Santana. Trabalhou com Luís Carlos Hipper no CENACEN. Trabalhou por um ano na Zappin, empresa de Ziraldo. Escreveu e ilustrou 22 livros, ilustrou cerca de 90 livros. AUTOR DOS LIVROS Companhia das Letras: Todo cuidado é pouco!; Meninos do mangue; Vizinho, vizinha (em parceria com Graca Lima e Mariana Massarani); Em cima da hora; João por um fio; Zubair e os labirintos; Carvoeirinhos Nova Fronteira: Zoo; Ossos do ofício Agir: Maria teresa; Bumba meu boi Bumbá; Cavalhadas de Pirenópolis. Manati: Curupira; Jardins (sobre poemas de Roseana Murray); Nau catarineta. Global: A flor do lado de lá. Ediouro: O gato viriato; Viriato e o leão. Brinque-book: Griso, o unicórnio. Paulinas: A pipa. Objetiva: Desertos (em parceria com Roseana Murray). FTD: O próximo dinossauro. ILUSTRAÇÃO (cerca de 90 livros) Fita verde no cabelo, de Guimarães Rosa; Mistérios do mar-oceano, Gente bem diferente, de Ana Maria Machado; Praça das dores, de José Louzeiro; O penúltimo dragão branco, de Márcio Trigo; Em boca fechada não entra estrela, O dinossauro, de Léo Cunha; Fulustreca, de Luiz Raul Machado; Coleção Assim é se lhe parece, de Sylvia Orthof, Angela Carneiro e Lia Neiva; Ver-de-ver meu pai, O pequeno cantador, de Celso Sisto; Sundjata, o príncipe-leão, de Rogério Andrade Barbosa; O macaco e a boneca de cera, de Sônia Junqueira; É isso ali, de José Paulo Paes; Carta de Pero Vaz de Caminha, versão moderna de Rubem Braga; Raimundo im land Tatipirun (Terra dos Meninos Pelados), de Graciliano Ramos, publicado na Suíça pela editora Nagel & Kimche; entre outros. ILUSTRAÇÃO PARA REVISTAS Cricket Magazine – Illinois, EUA; Ciência Hoje das Crianças. 1 Fornecido pelo artista. 213 EXPOSIÇÕES Lamanová. Coletiva com Graça Lima, Guto Lins e Ivan Zigg. Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro; Visões de Emília – o olhar de sete ilustradores brasileiros. Idealizada por Rui de Oliveira. Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro. Bienal de Quadrinhos. Desenhos da telenovela Vamp. Forte de Copacabana, Rio de Janeiro; Todo Cuidado é Pouco! Parque das Ruínas, Rio de Janeiro. TELEVISÃO Autor da vinhetas de encerramento de capítulos da novela Vamp – Rede Globo; Participações especiais nos programas Canta Conto e Um Salto para o Futuro – TVE. CINEMA Direção de arte em parceria com Graça Lima do curta “O ciclo do caranguejo”, de Josué de Castro, dirigido e produzido por Adolfo Lachtermacher, 1999; Direção de arte e adaptação de um dos contos de seu livro Meninos do mangue para o curta “Estátua de lama”, dirigido e produzido por Adolfo Lachtermacher, 2003; Direção de arte e adaptação de seu livro homônimo para o curta “Cavalhadas de Pirenópolis”, dirigido e produzido por Adolfo Lachtermacher, 2004. (Este curta foi resultado de uma parceria entre o Ministério da Cultura e a TVE, fazendo parte do programa de televisão Curta Criança. Foi selecionado para o festival de Gramado) AUTOR DE TEATRO Uma história de boto vermelho, Casa de Cultura Laura Alvim; O país dos mastodontes, Teatro Nelson Rodrigues; Curupira, CCBB; Festa no céu; Elogio da loucura – adaptação da obra de Erasmo de Rotterdam, CCBB; Meninos do mangue, CCBB. EXPOSIÇÕES INTERNACIONAIS Brazil, a bright blend of colors. Exposição itinerante de ilustradores brasileiros organizada pela FNLIJ. Catalunha, Roma, Frankfurt, Salão do Livro de Paris, Montreuil, Bolonha e Gotemburgo; Brooklyn Public Library. EUA, 1999; Le Immagini Della Fantasia. Sarmede, Itália, 1999, 2000, 2001, 2002, 2007; I Colori del Sacro. Padova, Itália, 2002, 2003, 2004; Exposição itinerante dos originais de Nau Catarineta. Paris e Salão de Montreuil, França, 2005. PRÊMIOS NACIONAIS DE LITERATURA • Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil – FNLIJ Prêmio Malba Tahan, 1992; prêmio Luís Jardim, 1994; 6 prêmios Ofélia Fontes – Melhor Livro Infantil, sendo 2 deles hors concours; prêmio Lucia Benedetti – Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003; 2 prêmios Melhor Projeto Editorial; 3 prêmios Melhor Ilustração, 1994, 1995, 1996; 5 prêmios Melhor Ilustração hors concours, 1997, 1998, 2002, 2005, 2006; prêmio Melhor Reconto hors concours, 2005; 27 vezes Altamente Recomendável. • União Brasileira dos Escritores Prêmio especial Adolfo Aizen; Menção Especial; Prêmio pelo conjunto da obra. • Câmara Brasileira do Livro – CBL 8 prêmios Jabuti, 1993, 1997, 1999, 2002 (2 categorias), 2005, 2007, 2008. • Academia Brasileira de Letras – ABL Prêmio recebido em parceria com Roseana Murray pelo livro Jardins, 2002. 214 • Biblioteca Nacional – BN Prêmio Monteiro Lobato, 1996. • Folha de São Paulo. “Lista de livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, 2007 A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco! e Meninos do mangue. PRÊMIOS INTERNACIONAIS DE LITERATURA • Biblioteca Internacional de Munique (International Jugend Bibliothek – IJB) 5 selos White Ravens; Lista de Honra do IBBY, indicado pela FNLIJ, 1998. • Prêmio internacional Fondation Espace Enfants, Suíça Meninos do mangue. Melhor Livro Infantil, 2002. • Astrid Lindgren Memorial Award – ALMA 10 indicações pela FNLIJ: livros Maria Teresa; Griso, o unicórnio; Cavalhadas de Pirenópolis; Meninos do mangue; Nau Catarineta; Jardins; João por um fio; Zubair e os labirintos; Zoo e Carvoeirinhos. PRÊMIOS NACIONAIS DE TEATRO • Uma história de boto vermelho Prêmio Coca-Cola de Teatro Infantil. Melhor Texto, 1992; 1 indicação para o prêmio Mambembe São Paulo, 1993. • Curupira 6 indicações para o prêmio Mambembe Rio de Janeiro (incluindo a categoria Melhor Texto); Prêmio Lucia Benedetti, FNLIJ. Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003. ALGUNS TRABALHOS REALIZADOS SOBRE SUA OBRA CAMPOS, Rosinha. A identidade na obra de Roger Mello. 27º Congresso Mundial do IBBY. Cartagena, Colômbia, 18 a 22 de setembro de 2000. KIKUCHI, Tereza Harumi. Diário de bordo: uma viagem pelos desenhos de Roger Mello. Trabalho de conclusão do curso de Editoração. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 2003. PANOZZO, Neiva Senaide Petry. Diálogos entre textos: Griso, o unicórnio. 215 ANEXO B Dossiê produzido por Roger Mello para sua candidatura ao prêmio Hans Christian Andersen 2010 (conteúdo parcial em português) 1. BIOGRAFIA DO CANDIDATO Roger Mello é ilustrador, escritor e dramaturgo. Nasceu em Brasília, em 1965. Ilustrou mais de cem títulos, dezenove deles, com textos de sua autoria. Formado em Design pela ESDI/UERJ, trabalhou com Ziraldo na Zappin. Recebeu inúmeros prêmios no Brasil e no exterior por seu trabalho como ilustrador e escritor. É considerado hours concours pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil que, além de lhe conceder vários prêmios, o indicou para o Prêmio Hans Christian Andersen 2010 na categoria ilustrador. Da Câmara Brasileira do Livro recebeu oito Prêmios Jabuti. Foi premiado pela Academia Brasileira de Letras e, na União Brasileira dos Escritores, pelo conjunto de sua obra. Participou de diversas feiras internacionais de livros como Catalunha, Roma, Frankfurt, Bolonha, Gotemburgo, Brooklyn (Brooklyn Public Library), Sarmede (Le Immagini Della Fantasia), Padova (I Colori del Sacro). Seu livro "Meninos do Mangue" recebeu o prêmio internacional de melhor livro do ano da Fondation Espace Enfants (Suiça) em 2002. Juntamente a outros autores brasileiros, foi homenageado no Escale Brésil do Salão de Montreuil na França em 2005. No mesmo ano, suas ilustrações sobre os versos populares do livro “Nau Catarineta” estiveram em exposição itinerante pelas bibliotecas de Paris. Três de seus livros (A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco! e Meninos do mangue) constaram da “lista de livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, publicada pela Folha de São Paulo em 2007. Segundo a escritora Ana Maria Machado, em entrevista ao jornal O Globo:”A nova geração está fazendo coisas maravilhosas, porque nós existimos antes. De saída, eu diria que tem dois (autores brasileiros) maravilhosos: Adriana Falcão e Roger Mello. Meninos do mangue, de Roger, é uma obra-prima”. Ziraldo comentou: “Roger é um autodidata. Aprendeu no ar. Tem a mesma mão do diabo que tinha aquele personagem daquele conto que virou filme, lembram? Mas é um anjo. Um anjo inquieto que sabe que suas mãos são um instrumento poderoso e competente, mas que é preciso preparar a alma para que as mãos correspondam". 2. UMA DECLARAÇÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO CANDIDATO PARA A LITERATURA PARA CRIANÇAS E JOVENS Como aconteceu? Não sei. Foi como um brilho que cintilou sem que a gente esperasse. Roger é um profissional que não usa apenas elementos decorativos. Ele compartilha com imagens a história do texto. Roger acrescenta, com isso, o seu criar além do que foi escrito. Domina a figura humana como poucos artistas plásticos. Não se estereotipa a si próprio. Buscou o que há de mais nacional e regional nas histórias populares e jogou a sua imaginação no que encontrou em seu país para contar e mostrar. País este que em cada recanto ainda se descobre o que foi quase sepultado. Essas raízes brasileiras sobrevivem agora nas mãos também de jovens que buscam e valorizam esse pensar. Nesta fase passou a ser, além de autor de ilustração, autor do texto. O que tem vindo nesse desenvolver? Passo a obedecer o que eu mesma dissera em outra época, em outro livro, em outro pensar. E, eis que me vejo numa outra oportunidade quando separei seis livros mais recentes de Roger. Neles encontro uma variedade grande de materiais, de vários movimentos e de pesquisas em diferentes pinturas. É tanta e tal qualidade que fico perante a necessidade de um mais contar. Ao fazer a seleção tentei separar pela variedade grande de materiais, de vários movimentos e de pesquisas em diferentes pinturas. Sinto e sei, pelo que Roger vem mostrando, que ainda não foi o bastante para a sua necessidade de experimentar. Mas sei do sucesso que sua criação apresenta. Presenciei em Paris, num dos júris do Prêmio "Espace Enfants" (Genéve) de literatura Infantil e Juvenil, a admiração que causou a mostra de seu livro Meninos do Mangue. Foi quase total a votação para o seu primeiro prêmio: Prêmio Espace Enfants daquele ano. Mas já lá se vai algum tempo e selecionei agora o mesmo livro na valorização do seu trabalho para o prêmio Hans Christian Andersen." 216 1. Além de Meninos do Mangue, pelo corte, colagem, pintura presentes na variedade de tantas casas brasileiras, do sem fim... 2.Cavalhadas de Pirenópolis – a começar pela capa onde me detive bastante, pelas ondas e filetados, pelos campos de festa em olhar lá pelo sem fim... 3. Jardins – Ao tirar a parte coberta da capa, aparece a originalidade das páginas inteiras ilustradas, em contraste com outras pequenas vinhetas sem fim... 4. Vizinho Vizinha – onde vai a originalidade da coautoria de Roger com Graça e Mariana pela outra graça do acontecer sem fim... 5. Nau Catarineta – Com pluralidade de letras, palavras e figuras humanas além dos elementos decorativos calafetador sem fim... 6. Desertos – É só apreciar e aproveitar além do contar escrito o que o livro, para sempre, o olhar desenhado sem fim... Como aconteceu? Acontece sempre no sem fim de Roger Mello. Regina Yolanda 3. ENSAIOS, ENTREVISTAS OU ARTIGOS SOBRE O CANDIDATO 3.1 Itinerário 1990-2003 Sobre o desenho de Roger Mello, podemos dizer que ele se configura pela metamorfose. Mas uma metamorfose que não descaracteriza o artista, nem retira a força do seu trabalho. Ao contrário, a transformação do traço e do estilo é a expressão da personalidade de uma mente criativa e incansável. Poderíamos explicar o percurso desse fazer artístico dizendo que Roger Mello inventa sua arte a partir de um olhar de espanto e admiração diante do mundo. Esse olhar tão bonito é o mesmo que temos quando somos crianças, é um olhar não acomodado, um olhar que vê de forma nova aquilo que para os adultos é banal ou mesmo ultrapassado. Todo o trabalho de Roger Mello é um amálgama de lembranças, vivências e reflexões. É a materialização de um aprendizado sobre o mundo, aprendizado que ele repassa à sociedade na forma de releituras, de narrativas poéticas. Roger compartilha seu universo de interesses com o leitor, faz desse leitor um companheiro de viagem no tempo e no espaço. A obra do artista é uma viagem pela delicadeza das emoções humanas, pela fantasia mágica da cultura popular e por entre imagens que contam um pouco sobre a capacidade do homem de criar e de se expressar de maneira nova e surpreendentemente bela. Se fôssemos listar as influências presentes na produção do ilustrador, com certeza essa lista seria gigantesca, pois abrange todos os campos do conhecimento, das artes plásticas à literatura, o cinema, o teatro, as culturas e lendas populares, a vida urbana, a tecnologia, a biologia, o meio ambiente, a filosofia, a história... tudo o que se relaciona à humanidade é objeto de interesse para esse artista. Roger, um pouco como Duchamp, amplia o campo de significação para as coisas, quando se apropria do objeto buscando releituras, nova valorização. Tudo isso sem a pretensão de ser um visionário. A intenção do artista é, nas suas próprias palavras, “algo prosaico assim”, ver a coisa feita sob a sua leitura. E sobre essa leitura podemos dizer que, apesar da aparente mutação no seu fazer artístico, desde o início de seu trabalho algo permanece. Não se trata de uma característica formal, claro, mas sim, de uma característica conceitual. Roger é contador de histórias! A principal função de seus trabalhos é a função narrativa. Isso é o mais importante para o artista, contar um boa história. Um boa história acontece quando não existe, por parte do contador, nenhuma pretensão de doutrinar ou fazer com que o ouvinte/leitor aprenda algo. Esse é o segredo do contador de histórias Roger Mello: ele cria suas narrativas sem pensar numa função para esse ato. Por isso mesmo, seus trabalhos são como obras de arte, alcançam um nível mais profundo do entendimento humano, tocam a rede intricada e misteriosa que configura a personalidade do indivíduo. A função narrativa está presente sempre nas imagens e no textos de Roger Mello, daí sua preferência pela questão do tempo. O tempo está implícito na narrativa, em qualquer narrativa. A passagem do tempo é a personagem mais presente no desenho e no texto do artista. Todos os livros de Roger Mello expõem esse tempo, esse vir a ser, a transformação que os acontecimentos produzem. Essa transformação que movimenta a vida. Tereza Harumi Kikuchi. Diário de Bordo: uma viagem pelos desenhos de Roger Mello. Trabalho de conclusão do curso de Editoração. Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP, 2003. 217 3.2 A identidade na obra de Roger Mello Uma realidade é inquestionável na Literatura Infantil Brasileira atual: a presença da ilustração. É cada vez mais raro um livro para crianças em que as imagens não sejam objeto de leitura, possibilitando leituras múltiplas. As investigações que uma história pode oferecer ficam ampliadas à medida que, para além da narrativa, elementos visuais são incorporados ao ato da leitura das palavras. Na sonoridade, no ritmo e na cadência do escritor, está a semente que vai sugerir uma outra música: a das cores, texturas e formas. No entanto, uma postura é exigida desse profissional: ser leitor. E ser leitor é uma atitude que jamais se fecha, pois cada obra lida amplia mais e mais o universo pessoal. Neste ponto, a obra de Roger Mello entra em foco, e três fatos chamam a atenção: A quantidade: em catorze anos, publica cerca de cem livros. A diversidade: das formas, das cores e dos espaços nos livros que ilustra. A qualidade: no cuidado da pesquisa e na utilização das técnicas. Não se trata de uma obra acabada, definida e determinada por um estilo, por um traço ou por uma textura que se repita, que, de um traço primeiro, já se pressinta a seqüência de traços e formas. Roger é um artista ainda muito jovem, tanto quanto é jovem o seu leitor. Leitor jovem que, em cada nova leitura, busca uma nova compreensão e um novo ponto de direção para olhar o mundo. Demonstra e mostra uma inquietude que nos leva a ver e a ler sempre “com olhos de primeira vez”. Sua leitura, extremamente pessoal, das histórias que ilustra e cria, chega a ser desconcertante para seus leitores. Desconcertante porque não nos é possível prever em que textura estará sendo tecido o próximo texto que a teia criativa de Roger tece e nos enreda. Desconcertante por não traçar um caminho, coisa aparentemente segura num mundo de medos e incertezas; ao contrário, a obra de Roger não encaminha. É sempre uma nova encruzilhada para o leitor porque é uma encruzilhada para ele, Roger/leitor. Desconcertante porque, no caminho erudito de sua formação, de seu virtuosismo, existe a possibilidade de encontro com uma carranca, um boi de bumba, uma taça de cristal, uma gota de sangue na xícara de chá do vampiro, fazendo com que, neste encontro, aconteça algo surpreendente, nunca a obviedade do já visto ou a tentativa de se copiar para parecer autêntico. Desconcertante para a identificação de estilos, correntes, escolas e modelos a que Roger Mello poderia estar ligado, para que fosse possível um estudo estrutural da sua obra. Desconcertante para organizar este texto, porque, a cada leitura de um trabalho seu, surgem idéias, possibilidades, caminhos novos e surpreendentes. O ecletismo de Roger Mello vai obrigando o leitor a construir sua leitura, vai proporcionando uma educação do olhar muito mais rica, porque nos traz elementos de correntes e escolas diferentes, ora colocando-os lado a lado, ora mesclando-os para deixar aparecer uma imagem nova, criativa, arrojada, corajosa e... desconcertante. Beatriz Sarlo, teórica da arte contemporânea, afirma que: A Arte atual trabalha com a variedade. Cruza e sobrepõe realidades diferentes entre si: cultura de massa, grandes tradições estéticas, culturas populares, linguagens próximas do cotidiano, tensão poética, dimensões subjetivas e privadas, paixões públicas. A obra do ilustrador Roger Mello parece ter servido de modelo para essa análise. Seguindo o caminho traçado por seus livros, vamos encontrando marcas de cada um dos pontos abordados acima. Se em A Cristaleira o traço naturalista encanta e provoca memórias, puxando fios de histórias pessoais, próprias, nominadas, de tempos diferentes para cada leitor, em Cavalhada de Pirenópolis, nas festas que mesclam o sagrado e o profano de nossas manifestações, atitudes sociais, desde o manto desenhado na capa, ao trabalho das anônimas artesãs bordadeiras, guardadas no imaginário de tantos e realidade na vida de alguns. Numa primeira leitura, poderíamos pensar em uma obra sem identidade ou num autor sem identidade com a sua obra, mas, numa aparente busca de identidade artística, revela uma atitude bastante contemporânea. Roger incorpora em seu traço, em seu desenho, o que ele está desejando narrar, com os recursos que se fizerem necessários para aquele texto, aquele momento, aquela leitura. Respeita, acima de tudo, o seu espaço de leitor e não adorna... Mais do que buscar uma identidade, ele questiona essa identidade. No caso da cultura popular, no momento em que passa a dialogar com essa forma de expressão, que para o artista não difere da erudita, absorve o desenho e o recompõe, como na Coleção Tião Parada, na qual introduz cores que não são do universo popular, criando uma linguagem outra, uma cadência, uma permissividade que rejeita censura e que busca o que faz sentido para seu primeiro leitor: ele mesmo. Em Bumba meu boi Bumbá, no qual a figura popular, elemento de presença marcante em especial no Norte e Nordeste, ganha um traço que busca o Cubismo e a Op-Art, sem deixar perdido ou diminuído o popular, a cultura que habita o imaginário da gente brasileira, de onde saiu o mote para a criação do livro. 218 A procura e os encontros que daí resultam estão centrados não na busca de uma identidade, mas no convite à liberdade. Liberdade a que o artista se permite, não censurando formas, escolas, referências, texturas, culturas; permitindo identificar-se, num renovado diálogo, com todas as possibilidades que o mundo contemporâneo nos proporciona, e que lhes são sugeridas pelos textos e pelas histórias que constrói, ampliando, cada vez mais, seus limites, permitindo-se leituras próprias e pessoais, construindo uma postura estética a cada novo motivo/inspiração/mote, em que sua poética se imprime de forma cada vez mais indelével. Traz para a ilustração o posicionamento do artista contemporâneo, traz a possibilidade de dialogar com as várias formas de representar o imaginário. Ao trazer esse posicionamento para dentro do livro de literatura para crianças, Roger proporciona a ampliação do universo de estilos e formas para esse leitor novo, que carrega já, desde o berço, um mundo de informações visuais existentes na mídia, na rua, na programação infantil, enfim, nos produtos preparados na indústria cultural para o consumo de todos. O resultado desse trabalho renovador pode ser o encontro com um leitor também novo, inserido numa sociedade que se transforma, buscando identidades, aprendendo a tradição, desde as danças ancestrais até o universo cultural globalizado. Leitor que não se deixa conduzir por preconceitos, mas está sempre pronto para ler o seu tempo com mais coragem. Rosinha Campos Recorte da Monografia “Um olhar sobre os olhares de Roger Mello”, apresentada no 27º Congresso Mundial do IBBY, realizado de 18 a 22 de setembro de 2000, em Cartagena, Colômbia. 4. LISTA DE PREMIOS E OUTRAS DISTINÇÕES 4.1 Prêmios nacionais de literatura • Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil – FNLIJ Prêmio Malba Tahan, 1992; prêmio Luís Jardim, 1994; 6 prêmios Ofélia Fontes – Melhor Livro Infantil, sendo 2 deles hors concours; prêmio Lucia Benedetti – Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003; 2 prêmios Melhor Projeto Editorial; 3 prêmios Melhor Ilustração, 1994, 1995, 1996; 5 prêmios Melhor Ilustração hors concours, 1997, 1998, 2002, 2005, 2006; prêmio Melhor Reconto hors concours, 2005; 27 vezes Altamente Recomendável. • União Brasileira dos Escritores Prêmio especial Adolfo Aizen; Menção Especial; Prêmio pelo conjunto da obra. • Câmara Brasileira do Livro – CBL 8 prêmios Jabuti, 1993, 1997, 1999, 2002 (2 categorias), 2005, 2007, 2008. • Academia Brasileira de Letras – ABL Prêmio recebido em parceria com Roseana Murray pelo livro Jardins, 2002. • Biblioteca Nacional – BN Prêmio Monteiro Lobato, 1996. • Folha de São Paulo. “Lista de livros que toda criança deve ler antes de virar adulto”, 2007 A flor do lado de lá, Todo cuidado é pouco! e Meninos do mangue. 4.2 Prêmios internacionais de literatura • Biblioteca Internacional de Munique (International Jugend Bibliothek – IJB) 5 selos White Ravens; • Lista de Honra do IBBY, por indicação da FNLIJ, 1998. • Prêmio internacional Fondation Espace Enfants, Suiça Meninos do mangue. Melhor Livro Infantil, 2002. • Astrid Lindgren Memorial Award – ALMA 10 indicações pela FNLIJ: livros Maria Teresa; Griso, o unicórnio; Cavalhadas de Pirenópolis; Meninos do mangue; Nau Catarineta; Jardins; João por um fio; Zubair e os labirintos; Zoo e Carvoeirinhos. 4.3 Prêmios nacionais de teatro • Uma história de boto vermelho Prêmio Coca-Cola de Teatro Infantil. Melhor Texto, 1992; 1 indicação para o prêmio Mambembe São Paulo, 1993. • Curupira 6 indicações para o prêmio Mambembe Rio de Janeiro (incluindo a categoria Melhor Texto); Prêmio Lucia Benedetti, FNLIJ. Melhor Livro de Teatro hors concours, 2003. 219 5. LISTA DE OBRAS TRADUZIDAS • Raimundo im Land Tatipirún (A Terra dos Meninos Pelados) Texto de Graciliano Ramos, ilustrações de Roger Mello. Zurique / Frauenfeld, Suíça: Verlag Nagel & Kimche AG, 1996. Obs: Roger Mello foi indicado pela FNLIJ para fazer o projeto gráfico e as ilustrações da edição suíça do livro • Catarineta – Légende anonyme du XVIe siècle (Nau Catarineta) Texto e ilustrações de Roger Mello. Bruxelas, Bélgica: Les Éditions du Pépin, 2005. • Vecino, Vecina (Vizinho Vizinha) Texto de Roger Mello, ilustrações de Mariana Massani, Graça Lima e Roger Mello. Buenos Aires, Argentina: Mondadori, 2008. • Jean Fil à Fil (João por um Fio) Texto e ilustrações de Roger Mello. Nantes, França: Éditions MeMo, 2009. 6. TRABALHOS SELECIONADOS PARA O PRÊMIO ALMA Maria Teresa, Cavalhadas de Pirenópolis, Nau Catarineta, Meninos do Mangue, João por um fio, Jardins, Desertos, Zubair e os labirintos, Zoo e Carvoeirinhos. 7. CINCO TÍTULOS MAIS IMPORTANTES DO CANDIDATO Nau Catarineta, Meninos do Mangue, João por um fio, Jardins e Carvoeirinhos 8. LISTA DOS LIVROS ENVIADOS PARA OS JURADOS Maria Teresa; Cavalhadas de Pirenópolis; Nau Catarineta; Griso, o unicórnio; Meninos do Mangue; João por um fio; Jardins; Zubair e os labirintos; Zoo e Carvoeirinhos. 9. RESENHAS DE LIVROS ENVIADOS PARA OS JURADOS 9.1 Maria Teresa • Laura Sandroni. O Globo, Rio de Janeiro, sábado, 3 ago. 1996. [...] Também bem editado é Maria Teresa, de Roger Mello, premiado ilustrador agora também autor de textos narrativos. Neste livro ele confirma as duas faces do seu talento. Trata-se da história de uma carranca do Rio São Francisco contados por ela mesma em versos ritmados. Entre Minas e Bahia lá vai "Maria Teresa" levando alegria aos moradores da margem do Velho Chico. Tímida, ela tem medo de saci, boitatá, caipora, assombrações. Mas diante do bicho-d'água lembra-se de que é uma obra de arte popular, patrimônio da humanidade, inserida para sempre no folclore brasileiro, e o enfrenta sem medo. O texto curto cede espaço às grandes ilustrações coloridas, lembrando a pintura naif. Mais um belo trabalho de Roger Mello em busca do conhecimento da cultura popular brasileira. • Annual White Ravens Catalogue, International jugend Bibliothek (IJB), Munique, Alemanha, s/d Maria Teresa, a widely travelled, but also rather timid ship with a lion's head, tells about its life on the River São Francisco and gives a flowery account of its highly dangerous encounter with the fierce river monster. Roger Mello has composed this story in lyrical, melodic verses and created exceptionally charming illustrations in warm, glowing colors. With a light and souvereign touch he ignores the rules of size, proportions and perspectives. His spacious panorama illustrations capture Maria Teresa's dramatic fantasies and the colorful life on the river. 9.2 Griso, o unicórnio • Animal Bonito de Imaginar. Folha de São Paulo, São Paulo, sábado, 3 mai. 1997. Folhinha, 5º caderno. Você acredita em unicórnios, aqueles cavalos alados (com asas) e com um chifre na testa? Dizem que só os vê que é puro de coração. Na verdade, o unicórnio é uma figura que existe em contos e fábulas de alguns países. Essa criatura da mitologia é bonita como o livro Griso, o unicórnio, de Roger Mello. Você vai ver que não é uma história muito comum. É história e é poesia. Começa assim: "Griso, último dos unicórnios, galopava por toda a planície, à procura de um outro, seu igual". Da Brinque Book. 220 9.3 Cavalhadas de Pirenópolis • Valbene Bezerra. Cavalhadas em versos e cores. O Popular, Goiânia, sábado, 14 nov. 1998. Roger Mello, premiado autor de livros infantis, usa a traticional luta entre mouros e cristãos como pano de fundo para uma história de amor. As Cavalhadas de Pirenópolis ganham as páginas de um livro infantil assinado por Roger Mello, autor brasiliense de 32 anos, várias vezes premiado. Apaixonado pelas manifestações culturais brasileiras, ele se inspira na arte e no folclore regional para compor suas obras dirigidas ao pequeno leitor. Maria Teresa e Bumba-MeuBoi-Bumbá, seus trabalhos anteriores, baseiam-se nas tradicionais carrancas do rio São Francisco e no BumbaMeu-Boi-Bumbá, uma das festas mais populares do Nordeste. Colorido como a Festa do Divino, ricamente ilustrado e com uma história envolvente, Cavalhadas de Pirenópolis foi lançado em outubro, pela editora Agir, no Rio de Janeiro, cidade que Roger Mello escolheu para viver. Em Pirenópolis e Goiânia, os autógrafos foram adiados para 1999, possivelmente em data que coincida com mais uma encenação da secular guerra entre mouros e cristãos, que ocorre todos os anos durante a Festa do Divino Espírito Santo. As ilustracões de Roger Mello por si só já contam uma história e superam o próprio texto da obra. Em cada página de Cavalhadas de Pirenópolis, o leitor se depara com uma figura típica: mouros e cristãos em trajes vermelhos e azuis, enfileirados e prontos para a guerra; o mascarado com o seu cavalo coberto de adereços; pessoas anônimas que participam da festa; o casario histórico, as ruas, becos e ladeiras; a doceira; os pássros, as flores e as frutas do cerrado, Roger não perdeu nenhum detalhe. Cavalhadas de Pirenópolis narra com lirismo uma história de amor que acontece em plena festa do Divino. Arlindo é apaixonado por Lucinda. Para entregar uma flor à sua amada, ele deve vencer alguns obstáculos, o maior deles o temido carcará. Como o carcará não tem medo de gente, Arlindo se vale de uma máscara de onça para vencer a ave dona da flor do cerrado. Coincidência Além de acompanhar de perto as cavalhadas a anos, Roger Mello levou muito tempo para escrever o livro. Primeiro fez o texto e depois ilustrou cada página. Para Roger, a história do garoto que vence todos os desafios para brindar à amada com uma flor é universal. Poderia acontecer em qualquer outro lugar. Mas alguns personagens, o escritor/ilustrador reconhece, são tipicamente regionais. "Eles estão diluídos nas imagens", explica. O que Roger Mello – autor de 11 livros infantis e ilustrador de 60 títulos – pretende com sua obra é que as crianças conheçam a festa folclórica de Goiás, principalmente aquelas que nada sabem sobre Pirenópolis. Todos os livros de Roger Mello, até agora, são infantis. Para ele, isso é uma mera coincidência. "Não penso muito para que tipo de público estou escrevendo. Vou fazendo e só depois é que defino se é para criança ou não", explica. Como as histórias ilustradas, de uma maneira geral, são mais voltadas ao público infantil, as crianças é que saem lucrando. "A imagem cativa a criança", argumenta o autor, que já ganhou dois prêmios Jabuti pelas ilustrações de Fita Verde no Cabelo, de Guimarães Rosa, e da coleção “Que Bicho Será?”, de Ângelo Machado. Roger Mello, que no momento trabalha no projeto infantil Todo Cuidado é Pouco, dedica-se também ao teatro. Com Curupira, Uma história de boto vermelho e Assim é se lhe parece, ganhou os Prêmios Mambembe, Coca-Cola de Teatro Infantil e Associação Paulista de Críticos de Arte, respectivamente. "Meu trabalho não é exclusivamente sobre arte popular. Apesar de gostar muito de divulgar a cultura e o folclore nos livros, no teatro prefiro uma linguagem mais universal", sublinha Roger Mello, um ex-discípulo de Ziraldo, na Zappin. Formado em Desenho Industrial e Programação Visual pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Roger Mello vai sempre a Pirenópolis, onde o cunhado Sílvio Cavalcante responde pelo Instituto de Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN), órgão responsável pela preservação e restauração do patrimônio histórico da cidade fundada pelos bandeirantes. Entre títulos que lançou estão também A Flor do Lado de Lá, O Gato Viriato, Viriato e o Leão, Griso, o Unicórnio e A Pipa. Além do Jabuti e do Mambembe, Roger Mello faturou os Prêmios Malba Tahan, Luís Jardim, Ofélia Fontes e é considerado um autor altamente recomendado pelo International Board on Books for Young People (IBBY), que tem sede na Suiça e a convite do qual Roger Mello esteve em congresso na Índia, este ano. • Alethea Muniz. As Cores do Divino. Correio Braziliense, Brasília, sábado, 24 out. 1998. Caderno Dois. O ilustrador brasiliense Roger Mello lança livro que resgata as tradições das Cavalhadas de Pirenópolis (GO) As pessoas já estavam ao redor do campo de futebol para assistir aos jogos das Cavalhadas de Pirenópolis quando o traço de Roger Mello impôs que elas deveriam ficar atrás das grades. Então o ilustrador fez o alambrado com linhas fininhas e soltou uma gargalhada. 221 "Achei engraçado ver as pessoas ficarem atrás da cerca'", conta. Naquele momento, Roger estava diante do desenho da representação da batalha entre Mouros e Cristãos, conhecida como Cavalhadas. A encenação acontece todos os anos emm Pirenópolis – cidade a 170 quilômetros de Brasília – durante a festa do Divino Espírito Santo, 50 dias depois da Páscoa. O desenho, com 12 cavaleiros de cada lado e a cabeça do homem feita em papel maché no centro, levou três dias para nascer. Curiosamente, o mesmo tempo que duram os jogos da festa.Pronta, com todos os elemenetos da cena, a imagem faz parte do livro Cavalhadas de Pirenópolis, lançamento da editora Agir. Em versos livres, o texto também é assinado por Roger Mello, em seu nono livro, todos voltados para o público infanto-juvenil. "Escolhi os versos porque eles têm tudo a ver com a cultura popular", conta o artista brasiliense, formado em Desenho Industrial e Programação Visual na Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, onde mora hoje. "Procurei resgatar um pouco das minhas raízes, que também estão no cerrado", lembra. Outras referências à festa popular também estão na história que narra a aventura do jovem Arlindo ao roubar uma flor do cerrado para presentear à amada Lucinda. Para a façanha, Arlindo usa uma máscara de onça e veste-se como as pessoas daquela cidade durante a festa. As ruas em pedras, as casas antigas e as igrejas estão todas ali, nas dez imagens das páginas do livro, além da bela figura do cavaleiro na capa da edição. Técnicas diversas Tantos detalhes para ambientar o leitor e levar informações que completam aquelas do texto foram criadas com diversas técnicas. Roger usou tinta de parede, lápis colorido e outras tintas sobre um papel alemão para desenhos gráficos. A pesquisa partiu de imagens em vídeo colhidas por Sandra e Sílvio, irmã e cunhado do autor, a quem dedica a publicaçåo, Mas Roger conhece bem Pirenópolis e já visitou a cidade durante as Cavalhadas, como a maioria dos brasilienses. Todas as ilustrções estão emolduradas, algumas como se acontecesse no palco de um teatro. É um pouco como a festa, onde as pessoas escondem a personalidade", diz o artista. Durante as Cavalhadas, os participantes se fantasiam com máscaras de bichos ou homens, vestem roupas coloridas e saem às ruas.Os rapazes chegam a oferecer flores de papel crepon às meninas, que ficam sem saber a identidade do galanteador. Cavalhadas de Pirenópolis faz parte da sequência de histórias que o artista vem produzindo com enfoque na culura popular brasileira. O primeiro deles foi o premiado Maria Teresa, sobre a história de uma carranca do rio São Francisco batizada com nome de gente. As ilustrações ganharam projeção internacional, assim como outros trabalhos do artista. Maria Teresa, inclusive, acaba de ganhar destaque durante o congresso da International Board on Books for Young People (IBBY) , a organização mais importante na área de livros infanto-juvenis, com sede na Suiça. O congresso, bienal, este ano se realizou na Índia e o artista estava lá. "Fiquei feliz pelo livro ter sido escolhido e surpreso pelo enfoque que foi dado pois a edição foi muito comentada", conta Roger, que já tem dois projetos a caminho: a ilustração da capa de Pero Vaz de Caminha, e o livro Todo Cuidado é Pouco, história infantil que envolve mais de 60 personagens, a ser lançado pela Cia. das Letrinhas. 9.4 Meninos do Mangue • Alethea Muniz. Histórias de caranguejos. Correio Braziliense, Brasília, quarta-feira, 10 abr. 2002. O ilustrador e autor brasiliense Roger Mello é finalista do Prêmio Jabuti em duas categorias com o livro infanto-juvenil Meninos do Mangue, no qual expõe o universo das comunidades que vivem nos manguezais urbanos do país. A vida no mangue tem lá suas peculiaridades. Por exemplo: o dia está dividido em quatro fases, cada qual com seis horas, regidas pela maré. Quando baixa, é hora de pegar caranguejo. Quando sobe, pode-se pescar. Os meninos andam sempre em bando e as mulheres transformam lixo em peças de casa. Nesse universo de gente, marés e lama, acontecem as aventuras narradas pela Preguiça, personagem que conduz, ao lado da Sorte, as tramas de Meninos do Mangue, do escritor e ilustrador brasiliense Roger Mello. ‘‘O livro apresenta um lugar inusitado onde vivem meninos que são muitas vezes marginalizados’’, afirma Roger. ‘‘Quero trazer para as crianças essas referências que foram importantes para mim. Sempre fui mais fascinado pelo mangue do que pela praia.’’ Lançado pela Companhia das Letrinhas, Meninos do Mangue é um dos três finalistas do Prêmio Jabuti, nas categorias texto e ilustração infanto-juvenis. O anúncio do primeiro lugar ocorrerá durante a Bienal do Livro de São Paulo, no dia 29 de abril. Os segundo e terceiro colocados recebem menção honrosa da Câmara Brasileira do Livro. Esta semana, a obra recebeu o selo Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro InfantoJuvenil. O enredo reúne oito histórias que a Preguiça conta à Sorte. As duas personagens alegóricas estão no beira do rio Capibaribe, no Recife, e se dedicam à pesca de siri. Em cada um dos contos, Roger exercita diferente estilo 222 narrativo — da fábula contemporânea ao conto cumulativo. Todos têm uma ‘‘perninha’’ para a história seguinte, tal qual as oito patas do siri pescado pela Sorte. O autor define o texto como ‘‘um colar de contas’’ pelo encadeamento das narrativas, costuradas pelas idas e vindas do bando de 12 meninos desse mangue urbano exposto no livro. Aos poucos, tem-se um retrato do cotidiano na região de casas suspensas. Colagens e tintas Roger também assina as ilustrações, atividade que exerce desde antes de se dedicar às letras e que lhe rendeu mais de uma dúzia de prêmios, entre os quais três Jabuti. ‘‘Não repito informações do texto na imagem’’, avisa. Em Meninos do Mangue, trabalha com colagens e pinturas. Usa plástico preto colado em papel como suporte. Depois pinta as figuras com tinta de parede, como é seu costume, e faz outras colagens com materiais tão diversos quanto os que aparecem em meio à lama dos mangues. ‘‘As pessoas pegam o lixo e transformam em outras coisas. Aprendi muito com elas’’, lembra. A edição da Companhia das Letrinhas é bem cuidada e mantém a qualidade do trabalho do artista. Meninos do Mangue veio da experiência durante as filmagens de O Ciclo do Caranguejo, vídeo de Adolfo Lachtermacher no qual Roger assina direção de arte. O filme se baseia na crônica homônima do sociólogo pernambucano Josué de Castro (1908-1973). Autor de Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, Josué foi o primeiro a estudar as condições de vida dos mangues urbanos e a desenvolver toda uma ciência a partir dos estudos da fome. Sua obra também inspirou o movimento musical mangue beat, liderado por Chico Science nos anos 90, cantor e compositor morto há cinco anos. Roger volta a trazer para as páginas do livro um pouco da história e da cultura brasileiras, a exemplo do que fez em textos anteriores como Maria Teresa e Cavalhadas em Pirenópolis. Nascido em Brasília, passou metade dos seus 36 anos nesta cidade e a outra metade no Rio de Janeiro, onde atualmente vive e trabalha. Publica um livro por ano e já prepara o próximo: Vizinho Vizinha, que está na editora. Assina o texto e convidou as ilustradoras Graça Lima e Mariana Massarani para fazer as imagens. ‘‘O livro conta a história de dois vizinhos que não se comunicam e são muito excêntricos’’, adianta. A diversidade é uma das características de Roger, capaz de trabalhar tanto com temas da cultura popular do interior quanto dos centros urbanos. Os anos longe de Brasília, garante ele, não foram suficientes para lhe roubar as referências da cidade. ‘‘De alguma forma, Brasília está na paleta de cores que uso e na multiplicidade de temas, por ter muitas culturas convivendo.’’ 9.5 Nau Catarineta • [s/i] Catarineta is the most celebrated, the most beautiful, the most mythical of all the sea romances in Portuguese poetry. An anonymous ballad, dating from the second half of the 16thcentury, it represents the highest level of esthetics, lyrics, wisdom and dramatic economy to which popular poetry can aspire in its greatest moments. Long research into the countless variations of the poem led Roger Mello to the excellent dramatic version in this album. Similar work of re-interpretation of various examples of our popular art served as inspiration for his illustrations, which make this book a feast for eyes and soul, a celebration for those of any age who are interested in our deepest and most authentic roots. • [s/i] Catarineta est une légende maritime portugaise de la seconde moitié du 16ème siècle. Ses auteurs sont anonymes et sa trasmission dans les pays lusophones, Brésil, Afrique, Açores et Portugal a été assurée par la tradition orale. D'un pays à l'autre les versions varient légèrement mais toutes relatent l'esprit d'aventure et la peur sous-jacents aux grands aventures. Au Brésil, cette légende est mise en scène lors de fêtes populaires au cours desquelles musique et danse acompagnent la declamation des vers. Roger Mello, illustrateur brésilien de grand talent, a mis son humour, sa palette de coleurs et la liberté de ses pinceaux au service de ce récit qui touche avant tout l'humain dans son ambition et son désarroi. Merci de nous l'avoir rendu si vivant. • Patricia Emsens. Annual White Ravens Catalogue, IJB, Munique, Alemanha, [s/d]. The story of the ship called Catarineta, handed down from one generation to the next through oral storytelling, is well-known in the Portuguese-speaking world. The Brazilian author and illustrator has carefully studied numerous versions of this tale. The result is this vivid text, written for the stage, that makes young readers live through the disastrous shipwreck and the eerie calm, and share the protagonists’ hunger, loneliness, longing, and desperation. Roger Mello’s widely-praised artistic style can easily be recognised in this book’s imaginative double-page illustrations and small vignettes. The wild, energetic, playful pictures rendered in bright colours capture the story’s intensive atmosphere in a unique way. 223 9.6 Jardins • Mànya Millen. Um jardim de versos. O Globo, Rio de Janeiro, sábado, 6 out. 2001. Caderno Prosa e Verso. Roseana Murray conjuga poesia com simplicidade e beleza Cultivando palavras como quem cuida de delicados canteiros, a poeta e escritora Roseana Murray acaba de presentear seus jovens leitores com um jardim de versos. E, caros leitores, essa comparação vai além de uma mera licença poética. Jardins é mesmo o nome da mais nova dessa cuidadosa artesã do verbo. Jardins, que a editora Manati lança em belíssima edição à altura dos versos de Roseana e das primorosas imagens criadas por Roger Mello para fecundar (e não apenas acompanhar) o texto, é exemplo singelo de que a poesia descansa em (e alcança) qualquer cenário da existência humana. Tomando a natureza, no sentido ecológico, como ponto de partida, Roseana vai tecendo seu fraseado florido, ampliando o vocabulário sentimental em direção a uma outra natureza, a humana, desvendando na companhia de dálias, rosas, jasmins e violetas. Assim, um "coração com pétalas de seda" divide o espaço com as "flores imperfeitas do amor" ou com aquelas que "alimentam sonhos, dão de comer aos olhos". A beleza simples dos versos ganha mais viço no meio do rico canteiro de desenhos de Roger, cujos coloridos bordados gráficos provocam grata surpresa a cada página. Presente para olhos e alma em tempo de tanta indelicadeza, estes Jardins merecem ser cultivados com suavidade. Com a alegria desobrigada de quem se rende aos encantos de uma flor. Ou de várias. Flores que alimentam sonhos, em toda a beleza criada por Roger Mello, ilustram o livro. 9.7 João Por um Fio • Daniel Almeida. Delicate Plot. TAM Magazine, [s/l], n. 27, mai. 2006. Brasília-born Roger Mello is one of the most awarded authors of children's/teen books today. Author because he writes and draws with the same skill. His awards include the 2002 Jabuti, for Mangrove Boys, and the Swiss Espace-enfants. In João by a Hair's Breadth (Cia das Letras), the caracter is the son of a fisherman who, at night, lets his thoughts and ideas run like an abundant river. Through the figures printed on the handmade bedspread that covers João, such as tadpoles, fishing nets and mountain ranges, readers are led to submerge into the boy's fears and dreams. The beautiful illustrations are inspired by yhe webs of Brazilian embroidery. • [s/i] Jean fil à fil, c'est tout un monde dans un couvre-lit en dentelle aux fuseaux. Tour à tour montagne, valée, ou mer profonde, on y pêche, on y grimpe, on y dort... Jean est géant dan un monde en miniature ou tout petit dans un océan en rouge et noir. Un poisson y creuse un trou dans lequel tout et tous s'engouffrent! Jean qui demande qui a défait son couvre-lit le recompose avec des mots et un point d'interrogation qui lui sert d'aiguille... Et c'est une berceuse qui apparaît! Une livre-univers d'une grande simplicité graphique qui n'oublie pas les enfant en chemin. 9.8 Zubair e os Labirintos • Tino Freitas. Furando sombras, descobrindo labirintos... Roedores de Livros. Quinta-feira, 18 out. 2007. Disponível online em http://roedoresdelivros.blogspot.com/2007/10/furando-sombras-descobrindo-labirintos. html “Zubair nunca foi um bom corredor, as coisas é que correm. Muros correm, palmeiras carecas correm, minaretes, cercas, postes correm, um homem parado de muleta corre, janelas pegando fogo correm. Desta vez a sirene gritou só de implicância. Depois emendou num chiado, como um marimbondo preso no labirinto do ouvido. Zubair fez uma curva fechada e guardou o ouvido no bolso. Agora é correr.” Enquanto Zubair – o menino – corria, eu descansava os olhos em cada palavra do autor, cada ilustração. Zubair e os labirintos (texto e ilustrações de Roger Mello, Cia das Letrinhas) – o livro – exige cuidado. Cuidado no sentido de atenção. É um livro acima da média. O olhar é surpreendido pela forma, pelo enredo e por suas ilustrações. O livro são dois. Os dois são um. Mas não pense que ler Zubair e os labirintos é uma tarefa difícil como tentar sair de um labirinto. Zubair só pede atenção. Um lugar em silêncio para ouvir as bombas, o coração do menino, o medo da cidade que corre, corre, corre. Zubair tem ainda suas entrelinhas. Fala sobre o histórico saque ao Museu de Bagdá nos dias da guerra. Peças de valor incalculável como vasos da Mesopotâmia, esculturas assírias de marfim, cerâmicas do cemitério real da cidade de Ur ficaram à mercê de vândalos e oportunistas. O menino Zubair corre sobre os destroços, se encanta com um tapete dobrado, toma-o para si e corre dos mísseis, de um soldado da coalizão e de um miliciano. Enfim, um lugar seguro para Zubair e seu precioso tapete. Hora de descobrir que “desembrulhado uma duas três vezes, o tecido espesso abraçava um livro em que se lia: Os treze labirintos”. Um susto!!! Eu havia desembrulhado o 224 livro três vezes e descoberto outro: Os treze labirintos. Esperto esse Roger Mello. Esperto e surpreendente pois o novo livro convida para uma leitura inversa da ocidental. Não do texto, mas das páginas. Forma que o autor inventou para nos aproximar do universo de Zubair. O novo livro apresenta os labirintos. Drops da genialidade do autor. O papel laranja guarda belíssimas ilustrações em preto. Eu diria que os labirintos estão nas palavras, mais que nos desenhos, embora alguns sejam as duas coisas. Eu adorei. O primeiro labirinto guarda um bom enredo. O terceiro foi escrito para o riso dos adultos – perfeito! O oitavo e o nono pontuam pela forma disforme (!!!). O décimo labirinto – o das sombras – é uma brincadeira com palavras ao melhor estilo Lewis Carrol. E por aí seguem os olhos de Zubair e os meus. Roger me faz rir com tantas descobertas. Será que tem mais? Onde estará o décimo terceiro labirinto? Bem, acho que dei atenção demais para o livro, estou viajando nas possibilidades. Descobri que quando a última página do livro laranja se encontra com o livro-tapete uma terceira história se completa. Putzgrila!!! Vou ler de novo. É hora de guardar o ouvido no bolso para me encantar com o primeiro parágrafo reproduzido no início deste texto. Descansar os olhos nas ilustrações coloridas que mostram uma Bagdá em guerra (num estilo que lembra o lindo trabalho do autor no livro Meninos do mangue). Descobrir o menino Zubair correndo entre as ruas repletas de destroços. “Zubair fura sombras enquanto corre”. Roger Mello deve furar sombras enquanto imagina suas histórias. Eu continuo procurando o décimo terceiro labirinto...