Sociedade
22 janeiro 2023 às 09h42

Festas do Povo de Campo Maior podem voltar só em 2024

Estas tradicionais festas são conhecidas por apresentarem dezenas de ruas, sobretudo no centro histórico, engalanadas com milhares de flores de papel, feitas voluntariamente pela população, e realizaram-se, pela última vez, em 2015.

DN/Lusa

A inflação e os prejuízos causados pelo mau tempo em Campo Maior, em dezembro passado, são dois fatores que levam o município a sugerir que as tradicionais Festas do Povo sejam realizadas apenas em 2024.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Câmara de Campo Maior, Luís Rosinha, diz que a sua "sugestão" passa por realizar o evento no próximo ano, por ser "mais seguro financeiramente" para o município e também atendendo ao "ponto de vista" económico do país e do mundo, nesta altura.

Realizadas por vontade popular, as seculares Festas do Povo de Campo Maior foram reconhecidas, em 2021, pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Estas tradicionais festas são conhecidas por apresentarem dezenas de ruas, sobretudo no centro histórico, engalanadas com milhares de flores de papel, feitas voluntariamente pela população, e realizaram-se, pela última vez, em 2015.

Após o período "mais crítico" da pandemia de covid-19 e da classificação da UNESCO, várias entidades e populares têm lançado o desafio para que a iniciativa possa vir a decorrer este ano, mas, até à data, ainda nenhuma decisão foi tomada nesse sentido.

O autarca explica que o município, que costuma fornecer o material e prestar alguma logística para a realização das festas, teve um ano económico "relativamente bom", estando preparado para poder, "eventualmente", ajudar o evento.

Mas, o "percalço" provocado pelos prejuízos causados pelo mau tempo no concelho, no dia 13 de dezembro, com inundações, cheias, danos em habitações, equipamentos municipais e na agricultura, levou a uma "mudança" de prioridades, lembra.

De acordo com Luís Rosinha "há uma mudança de prioridades" também "na mentalidade" do executivo, tendo a questão das Festas do Povo ficado "um tanto ou quanto de parte" daquilo que era a agenda política.

O concelho regista prejuízos provocados pelo mau tempo na ordem dos 3,9 milhões de euros, sem contabilizar os prejuízos causados no setor da agricultura, realça o autarca.

O município aguarda "a regulamentação" dos apoios anunciados pelo Governo, diz Luís Rosinha, acrescentando, contudo, que, "por aquilo que vai sendo as notícias" só espera "vir a ter apoios na ordem dos 60%".

"Portanto, a câmara municipal, já para começar, tem 40% de gastos que não tinha no mês passado", explica, esclarecendo, contudo, que não coloca de parte a realização das festas este ano porque "é claramente" uma decisão que não depende única e exclusivamente do executivo municipal, mas sim da vontade do povo.

Em declarações à Lusa, o presidente da autarquia alerta ainda para os problemas causados pela inflação, nos últimos tempos, sublinhando que o preço do papel para a elaboração das flores está "claramente num valor muito superior", bem como o custo de outros materiais necessários para realizar o evento.

"Em vez de estarmos a falar, se calhar, num evento que, nos outros anos, custa em torno dos 1,2 a 1,3 milhões de euros, neste momento, podemos estar a falar em muito mais", alerta.

O segredo de transformar o papel em flores está a ser revelado a cerca de 800 crianças de Campo Maior, para garantir o futuro da tradição das Festas do Povo, classificadas Património Mundial pela UNESCO.

Desde o início deste ano letivo, no Centro Escolar Comendador Rui Nabeiro, naquela vila alentejana, os alunos do pré-escolar e até ao 6.º ano de escolaridade aprendem esta tradição secular, reconhecida, em 2021, pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

As Festas do Povo de Campo Maior realizaram-se pela última vez em 2015, mas o seu futuro parece assegurado, graças ao empenho na aprendizagem dos mais novos.

É o caso de Nádia Teodoro, de 9 anos, que, numa das aulas, revela à agência Lusa o seu gosto por aprender esta arte. Para si, a confeção das flores de papel já não era desconhecida e até já tinha apreendido "alguns truques" com pessoas que costumam participar na realização das festas, conta.

Para esta jovem, que realça gostar de "tudo" o que envolve as Festas do Povo de Campo Maior, que apenas acontecem quando a população assim o decide, o mais "importante" desta iniciativa popular é "celebrar" junto da comunidade a união e alegria do povo.

Afonso Lavadinho, da mesma idade, é um estreante nesta aprendizagem. O aluno confessa que, "antes, fazia um bocadinho mal" as flores, mas, nesta altura, depois de algumas lições, já está a "começar a aprender" os "truques" inerentes à arte.

A vereadora com os pelouros da Educação e Cultura na Câmara de Campo Maior, São Silveirinha, explica que este projeto, intitulado "Oficina da Flor de Papel e da Pandeireta", é da responsabilidade da câmara e está a "correr muito bem" neste primeiro ano de implementação.

"As crianças estão a ser muito recetivas, gostam imenso da vinda das nossas monitoras", relata, precisando que "são cerca de 10 monitoras do município" que ensinam no centro escolar.

Segundo a autarca, a arte de transformar o papel em flores é ministrada na disciplina de Educação Tecnológica (ET), enquanto a arte de decorar e tocar com as pandeiretas as Saias de Campo Maior, género musical típico daquela região, fazem parte da área de Educação Musical.

"A pandeireta é um instrumento que tem um papel preponderante nas Saias de Campo Maior. Numa primeira abordagem far-se-á a decoração das pandeiretas para, depois, se ensinar a tocar e a cantar as saias", refere.

O projeto, segundo a autarca, pretende continuar a ser desenvolvido nos próximos anos letivos, para que, dessa forma, se possa "assegurar a continuidade" daquela tradição.

Maria do Céu é uma das formadoras que ensina às crianças os segredos das flores criadas a partir do papel, que podem ter as mais diversas formas e cores, e considera que o projeto está "a correr lindamente", graças à "motivação" das crianças.

"Como campomaiorense, sinceramente, esperava [esta motivação], porque as crianças nascem logo a ouvir falar das nossas flores e têm qualquer sensibilidade lá dentro" delas, frisa.

A criação da Oficina da Flor de Papel e da Pandeireta e a inauguração, em agosto de 2022, de um centro interpretativo dedicado às Festas do Povo, no antigo edifício do Assento Militar, num investimento superior a 1,2 milhões de euros, são dois dos projetos que avançaram desde a classificação da UNESCO.

Quanto ao centro interpretativo das Festas do Povo, está "altamente dinamizado" e tem recebido "bastantes visitas" desde a sua inauguração, afirma Luís Rosinha.

"Conseguimos pôr aqui à mostra [no centro] aquilo que são as Festas do Povo, mesmo quando as festas não existem, porque acho que esta também era uma falha que existia", acrescenta, referindo que, agora, em permanência, é possível dar a conhecer esta tradição secular a quem visita o concelho.