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Pedro Dionísio 04 de Janeiro de 2011 às 11:31

Ensitel - o efeito devastador das redes sociais

Na última semana, o mundo dos internautas portugueses foi "sacudido" por uma polémica de uma importância mínima, mas que assumiu proporções devastadoras para a imagem da empresa Ensitel.

A síntese da história é relativamente simples de contar: uma cliente recebe de presente um telemóvel no inicio de 2009 que, segundo ela, teria o visor avariado. Após peripécias várias, a Ensitel não aceita a troca do telemóvel e o caso acaba no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa, onde a cliente perde a causa.

A ter acabado assim, esta seria uma história semelhante a tantas outras e configuraria uma situação normal na actividade comercial. Mas estamos em 2009, em plena sociedade de informação com a comunicação digital a amplificar significativamente o efeito de qualquer incidente. A insatisfeita cliente dá azo à sua prorrogativa comunicacional, colocando vários "posts" no seu blogue, à medida que o processo vai avançando e captando a atenção de alguns internautas.

A 27 de Dezembro, a cliente coloca mais um "post" no seu blogue, onde revela ter recebido uma citação pessoal com 31 páginas - uma providência cautelar onde o tribunal a intima a constituir advogado e a retirar os "posts" do blogue.

Esta situação foi o rastilho para centenas de comentários negativos na própria página do Facebook da Ensitel, que começou por reagir apagando alguns "posts" e divulgando um infeliz comunicado na sua página, em que diz não colocar em causa o direito de expressão, afirmando ser alvo de uma campanha difamatória.

Desconhecendo as razões das partes, no caso concreto, tenho, como "marketer" uma opinião sobre a forma como a empresa conduziu esta situação.

Ao começar por querer apagar vestígios de descontentamento público, a Ensitel conseguiu que a questão se deixasse de colocar ao nível de um incidente com a troca de um equipamento para se transformar numa exteriorização do carácter e das maneiras da marca. Não dá a cara nem nome ao comunicado, não contrapõe às razões da cliente as suas e, sobretudo, parece ignorar que não adianta pretender calar as reacções acaloradas de um público que passou a assumir o assunto como seu.

A empresa diz no seu comunicado que a situação é "assente em factos absolutamente falsos que têm como único intuito denegrir a imagem e boa reputação que a 'Ensitel' construiu ao longo de 21 anos". Contudo, parece esquecer que por causa de um simples telemóvel deitou fora, em poucos dias, a tal imagem e reputação, construídas em 21 anos por centenas de colaboradores.

A verdade é que no dia 2 de Janeiro (momento em que foi escrito este artigo), no momento em já havia pelo menos 8 filmes sobre o assunto no Youtube, com dezenas de milhares de visualizações, tendo o assunto sido conteúdo noticioso na televisão e nos jornais, a empresa tinha já anunciado no dia 31 de Dezembro, na sua página do Facebook, desistir da pretensão de retirar os "posts" do blogue da cliente. Contudo esta reacção parece insuficiente para recuperar a credibilidade e a confiança de futuros clientes na compra de um telemóvel.

É espantoso o poder que tem nas mãos esta Geração Conteúdos que utiliza a internet como espaço de comunicação privilegiado e onde um simples incidente comercial assume contornos tão mobilizadores, com centenas de internautas a deixarem comentários e até alguns a fazerem filmes e outros conteúdos!

Se há uma lição a tirar desta história é que, com a Web 2.0, o consumidor ganhou realmente poder, não tendo já a necessidade de recorrer a jornalistas para mediar a informação. Neste contexto de desequilíbrio de poder, as empresas não podem continuar a ignorar esta nova realidade, comportando-se como se tivessem o poder exclusivo da verdade da comunicação, em virtude da natural desproporção de recursos económicos.

Aplicam-se, aqui, com perfeição, as recomendações sobre a necessidade de as empresas aprenderem a lidar com a nova realidade digital, em que os consumidores passaram a ter "megafones digitais", feitas no "b-Mercator, blended Marketing", há pouco mais um ano.

Numa sociedade de abundância de oferta, as empresas que optarem pela via dos conflitos legais em vez de criarem relações de confiança com os clientes terão dificuldade em sobreviver.


Professor de Marketing do ISCTE-IUL
pedro.dionisio@iscte.pt
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