Parente mais jovem dos estudos paleolíticos, a arte rupestre abraçou, durante décadas, o mito de que os artistas da Pré-História limitavam a sua criatividade às paredes das grutas. O processo do vale do Côa, porém, relançou a questão: a arte ao ar livre seria a excepção ou a regra? Três centenas e meia de grutas com arte paleolítica em todo o Mundo validam a ideia de que o homem deste período apreciava a arte parietal de interior, mas que dizer das mais de duas mil gravuras do Côa – talvez a ponta de um icebergue que já se revelou também nos rios Sabor, Guadiana e Tejo? Hoje, sabe-se que as gravuras ou pinturas de ar livre estão expostas à deterioração com maior facilidade e que se podem ter perdido núcleos de gravuras tão relevantes como os do Côa. A arte ao ar livre terá sido comum no Paleolítico.


Na Europa, existem registos mais antigos do que estes, mas é nesta zona do interior português que se verifica a maior continuidade de arte rupestre do Paleolítico. Gerações de artistas elegeram este local como musa inspiradora ao longo de milhares de anos e as representações artísticas expressam também um apuramento técnico. No Côa, não há esboços mal feitos. Estas comunidades dominavam as técnicas artísticas.

As salas temáticas do Museu do Côa oferecem uma viagem ao Paleolítico através do vasto espólio encontrado pelas escavações.

O carácter ácido dos solos da região tem dificultado as hipóteses de recuperar vestígios humanos ou animais, mas os arqueólogos já desvendaram dezenas de locais de habitat, sobretudo nos montes. 

Esses locais comprovam o carácter residencial da região. Igualmente relevantes têm sido os achados de arte móvel, artefactos que ajudam a reforçar a tese de utilização contínua destes montes por comunidades de caçadores e pastores que perpetuaram a sua presença com incisões na rocha.

Na arte do Côa, figuram também algumas das primeiras experiências de desenho animado. Uma das formas para representar o movimento em figuras desenhadas é a utilização do corpo de uma figura sobre o qual assenta mais do que uma cabeça ou do qual partem vários pares de cascos. Este processo juvenil, raríssimo no desenho pré-histórico, foi utilizado no Côa em painéis que ilustram animais em marcha. Se a gruta de Chauvet, em França, introduziu a perspectiva na arte, Foz Côa abriu as portas ao desenho animado. Este processo é utilizado com quase todas as espécies representadas nos núcleos de gravuras conhecidos (auroques, cervos, cabras e cavalos).


A representação animal do Côa é consistente com o que se sabe acerca da arte paleolítica. O homem deste período raramente se representa (no complexo do Vale, conhecem-se raras figuras antropomórficas gravadas no Paleolítico). Os poucos registos que se conhecem são caricaturais. Estes artistas saberiam representar seres humanos com grande riqueza de traço, e as figuras animais comprovam-no. No entanto, escolheram menosprezar essa temática sem uma causa aparente – esse é um dos mistérios que o vale ajuda a adensar.

Museu Foz Côa

Os grandes herbívoros destes painéis seriam provavelmente a fauna principal que ocorreria na região durante o Paleolítico Superior e são consistentes com as actividades destas comunidades. Por vezes, como no Fariseu e na Quinta da Barca, um artista posterior utilizou traços de um animal e transformou-o noutro. A sobreposição é intencional, mas o seu verdadeiro significado ficou trancado na cápsula do tempo, já que a revelação do segredo implica o conhecimento do contexto.

Descobertas em 1994, as gravuras do rio Côa alimentaram uma controvérsia política que levou à decisão inédita de interromper as obras de uma barragem para preservação dos núcleos de arte rupestre. Em 1996, foi constituído o Parque Arqueológico do Vale do Côa e as visitas começaram pouco depois. O museu ou centro interpretativo, previsto desde o início, foi sendo adiado para mais tarde.

Em Julho de 2010, o projecto de Camilo Rebelo e Tiago Pimentel foi finalmente inaugurado e implementado no topo da colina que, na margem esquerda, debruça-se sobre o Côa. Oferece um percurso interpretativo sobre as técnicas, os locais, os materiais e a identidade das comunidades que ocuparam a região. Olhando para a paisagem a partir do magnífico miradouro exterior, o visitante recua no tempo e procura imaginar as comunidades de antepassados pintando e esculpindo o que viam. Ao ar livre.

mapa Museu de Foz Côa

Museu do Côa

Rua do Museu, Vila Nova de Foz Côa

Horário: 9h– 17h30, de Outubro a Fevereiro

   Contacto: Tlf.: +279 768 260