Passa pouco das nove horas e trinta minutos da manhã no coração dos Pitões das Júnias, no Parque Nacional da Peneda-Gerês. O nevoeiro é cerrado. Não consigo ver mais do que vinte metros, distância insuficiente para vislumbrar as cabras selvagens que habitam esta região. Tenho de esperar quase duas horas até distinguir os primeiros cabeços de rocha granítica a mais de trezentos metros de distância. No início, vejo apenas silhuetas, depois as árvores ganham variados tons de vermelho, amarelo, ocre e verde. A meio do mês de Novembro, o Outono está no auge.

Mais trinta minutos de espera e descubro, recortada numa escarpa, uma silhueta de um macho de cabra-montês. É um adulto de grande porte e parece estar petrificado a olhar para nós. 

De binóculos varremos todos os cabeços disponíveis e pontos conspícuos, mas não há sinais do cabredo do Gerês. As nuvens ganham altura e a luz solar ilumina os vales no meio dos Pitões. Voltamos a usar os binóculos.
É um trabalho de persistência. Há que ver e rever todos os possíveis locais. Mais trinta minutos de espera e descubro, recortada numa escarpa, uma silhueta de um macho de cabra-montês. É um adulto de grande porte e parece estar petrificado a olhar para nós. 
Nesta época do ano, as fêmeas estão no cio e um macho adulto deste tamanho terá certamente um rebanho na zona. Tenho de rodear o cabeço da Espinheira para perceber quantos animais constituem este grupo.
Procuro ter o vento favorável à minha progressão e começo a subir as rochas de granito. No topo do cabeço, identifico várias cabras, muitas fêmeas, dois machos adultos, alguns machos juvenis e algumas crias deste ano. São muito pequenas e parecem bonecos de pelúcia. 

O Pitão da Carvalhosa é um local com condições ideais para a proliferação da cabra-montês do Gerês.

Meia hora depois, o rebanho desce para o vale onde corre a ribeira dos Fornos e vai pastar ao Pitão da Carvalhosa. Fico com a ideia de que o rebanho que acompanho se juntou a outro grupo. Numa contagem rápida, vejo mais de trinta animais juntos.
Já perto do ocaso, o Sol volta a ficar coberto pelas nuvens e as cabras procuram a segurança das fragas para passar a noite. Há predadores na região, e uma alcateia de lobos pode facilmente caçar um cabrito. Um quilómetro mais atrás tinha observado um dejecto não muito antigo de lobo.

A pedra parece lisa e a escalada é impossível para a mente humana.

Em fila, o rebanho de fêmeas e crias sobe as paredes verticais de granito. Os cascos aderem às protuberâncias da rocha. A pedra parece lisa e a escalada é impossível para a mente humana. Os machos conhecem o terreno e optam por outras vias de escalada. O seu peso e dimensão não permitem que caminhem no mesmo trilho das fêmeas.
Este grupo de animais pertence ao núcleo nascente do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Segundo o biólogo Armando Loureiro, “em conjunto com a área classificada espanhola do Xurês, estão descritos três núcleos: o poente  (com a serra Amarela/Cabril), o central (Nevosa e picos próximos ou pontos mais altos das serras do Gerês e do Xurés) e o nascente, de Pitões das Júnias”.
Em 1998, existiam cerca de vinte animais da espécie Capra pyrenaica victoriae em dois cercados espanhóis, muito perto da nossa fronteira.

Um macho dominante com o seu rebanho metaforiza os novos inquilinos do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

“A fuga de três indivíduos num destes cercados e a libertação, entre 2000 e 2001, de mais 25 animais” terão constituído o núcleo da espécie em território português. Desde então, o relevo bastante favorável e uma dieta generalista permitiram a rápida propagação e aumento de população. Em 2003, a bióloga Gisela Moço, que estudou no terreno esta espécie, descreveu 75 cabras para esta região. Quatro anos mais tarde, a população já seria de cerca de trezentos animais. Os últimos dados obtidos no início de 2010 apontam para um total perto dos 450 indivíduos.

Após a fecundação, seguem-se mais de cinco meses de gestação até as crias nascerem em meados de Maio.

Dias depois, volto a encontrar o rebanho na base dos Canilhões das Gralheiras, formação rochosa de grande dimensão a 1.400 metros de altitude. Perto das fêmeas, o macho coloca a língua de fora e agita-a freneticamente. Este comportamento, que parece exibicionista, serve para detectar os níveis de hormonas das fêmeas durante a época fértil. Após a fecundação, seguem-se mais de cinco meses de gestação até as crias nascerem em meados de Maio, com cerca de dois quilogramas.
Com a temperatura a baixar, as nuvens voltam a perder altitude e o nevoeiro cobre os cumes dos Pitões das Júnias. Em breve, a região estará coberta de neve. O grupo volta a subir os penhascos para se refugiar nos precipícios. A população está segura e o futuro parece garantido.

Mais Sobre...
Grandes Reportagens