"Monsanto se chama, de pedra é feito.” Nestas palavras de Fernando Namora é descrita, só em aparente racionalidade, uma erupção de imaginações que assola o viajante que vai chegando a Monsanto pela primeira vez até lhe tomar conta de quase todo o céu. A “Nave de Pedra” celebrada pelo escritor encontra-se quase isolada num oceano de planura ressequida, um impressionante monte-ilha granítico, daqueles que fazem capa dos melhores livros, preciosa jóia ígnea entre os geomonumentos do Geopark Naturtejo da UNESCO.

Formado no interior da crusta terrestre há 315 milhões de anos, exposto e moldado pelas alterações climáticas dos últimos 150 milhões de anos, Monsanto é hoje um elemento maior na paisagem de um arquipélago montanhoso gravado até Penamacor, na vasta superfície plana da Meseta Ibérica. O caos granítico, de megalíticas formas esculpidas pela natureza em equilíbrio crítico, é uma ilusão: a sua disposição ciclópica nas ladeiras é obra da geometria tectónica, uma intensa rede de fracturas imprimida à rocha durante as derradeiras colisões que originaram o supercontinente Pangeia e que define densidade e volume dos afloramentos.

De resto, foram as águas das chuvas que, infiltrando-se demoradamente no interior deste corpo esponjoso, transformaram minerais, bolearam arestas e eriçaram encostas, talhando com minúcia de filigrana as morfologias deste colosso. Por isso mesmo, a garantia de inexpugnabilidade e de mananciais permanentes terão sido factores decisivos para a presença humana em Monsanto desde a pré-história.

Monsanto

Leite de Vasconcelos foi quem melhor explicou a origem do seu nome, a Mons Sanctus dos antigos. O local terá sido sagrado. A própria forma do monte que, a grande distância (da Estrela ou de Marvão), sempre impressionou habitantes e viajantes, chama a atenção entre as grandes montanhas que o rodeiam. Aquilo que impressiona a imaginação torna-se religioso e não admira que tal possa ter acontecido em Monsanto.

No sopé da aldeia, acolhe-se São Pedro de Vir-a-Corça, uma ermida românica num oásis de montado secular. Local de ascetismo e lendas, como a de Santo Amador, porventura desde a Antiguidade, marcado por simbolismos rupestres e um palimpsesto de ruínas de distintas idades, onde não faltam evidências romanas. São Lourenço, no sopé da vizinha Moreirinha, foi outrora villa romana de onde saíram os sarcófagos admiráveis na fantástica civitas de Idanha-a-Velha. No alto desta montanha, foi escavado pela arqueóloga Raquel Vilaça um povoado dos finais da Idade do Bronze. Toda a zona de Monsanto está repleta de tesouros arqueológicos e ainda surpreende a falta de estudos. Muitos dos tesouros em metais preciosos têm até desaparecido em colecções privadas.

Monsanto

Ruas sinuosas, traçadas entre blocos graníticos, revelam uma verdade fundamental: cada centímetro conta em Monsanto.

Monsanto

Monsanto é uma constelação de 34 lugares que se derramaram a partir do castro que deu lugar ao espectacular castelo templário, entre amontoados de rochas gigantes, mandado construir por Gualdim Pais em 1165. Aninhada entre o castelo e a Torre do Peão está São Miguel, vasta extensão de ruínas, de onde sobressai a antiga igreja, mais uma jóia rara do românico beirão, rodeada de esquifes abertos na rocha à forma do finado.

As pessoas com as pedras foram-se mudando daqui para a vila, que cresceu a partir da Igreja de São Salvador e defendida pela Torre de Lucano, datada de 1420, hoje encimada pela cópia do Galo de Prata. De facto, o que em 1938 deveria ter sido a primeira edição de um concurso bienal de propaganda do Estado Novo, cristalizou para sempre Monsanto como “a Aldeia mais Portuguesa”. Até hoje, Monsanto é um lugar excepcional, de casas de “uma só telha”, onde o granito é chão, parede e tecto de milhares de toneladas, complementando com capricho e confundindo a fantástica arquitectura natural do barrocal granítico.

Monsanto

O acesso ao Castelo de Monsanto.

O granito é agora palco de novas oportunidades, onde os sabores locais, como o Burlhão, eo acolhimento em arquitecturas únicas feitas de séculos de persistências e memórias fazem parte do genius loci de horizontes quase infinitos. A aldeia onde “a casa nasce da rocha” tem tido uma procura crescente do turismo nacional e internacional. A sua singularidade clama por reconhecimento como Património Mundial.

Os gigantescos barrocos de Monsanto, preenchidos de lendas, medos e animais fantásticos, são tratados pelos seus nomes: Pé Calvo, Sete Couros, Penedos Juntos, Serpe, Treze Tijelas… Ao seu cume, vêm em celebração, a cada 3 de Maio, as comunidades da aldeia e milhares de visitantes, com as mulheres abrindo na cadência frenética do toque do adufe, transportando as curiosas marafonas que serão amuletos sem rosto dos momentos da concepção, e trazendo à cabeça um pesado cântaro com rosas que será lançado do alto, na mais impressionante celebração de uma montanha sagrada. Na plena simbiose do homem com a paisagem granítica, não é em vão que estes guardiões de Monsanto se designam por “lagarteiros”.