Guerra do Vietname

As bombas à noite no sofá

Aquando da eclosão do conflito, a TV é a grande inovação tecnológica. Nos EUA, uma das partes beligerantes, já 96 por cento dos lares têm televisão e os noticiários dão grande destaque à guerra. Contudo, a objetividade e o desequilíbrio na exposição das diferentes frentes de batalha vêm a alimentar sentimentos de revolta no povo americano.

O ribombar das explosões antes da declaração de guerra

A Segunda Guerra Mundial ainda estava acordada na mente das pessoas, mas o mundo já se estava a deparar com um novo conflito de dimensões angustiantes – a Guerra do Vietname.

José da Câmara Leme, repórter do Diário Popular, relatava a guerra que acabara de eclodir a partir do seu quarto de hotel em Saigão: «O ruído dos aviões e dos helicópteros e o ribombar das explosões tem sido ininterrupto. Tudo isso se passará em torno da cidade, que estará, desta forma, rodeada de um círculo de ferro e fogo». O único enviado especial português presente neste conflito deparou-se, aquando da sua chegada, com um cenário crítico.

 

 

Com o estalar da Segunda Guerra Mundial, o Japão invadiu a Indochina. Parte desse território, formado por Laos, Camboja e Vietname, viviam sobre o domínio francês, mas já ansiavam pela independência. Ho Chi Minh, que fundara o Partido Comunista da Indochina, liderava o processo de contestação ao domínio estrangeiro. O conflito mundial veio enfraquecer os franceses, que acabaram por fugir do território quando confrontados com as tropas japonesas.

No entanto, em 1945, com o fim da Segunda Grande Guerra, França (apoiada pelos EUA e pela URSS) decide recuperar o território perdido. Ho Chi Minh, que liderava a Liga para a Independência do Vietname (mais conhecida por Viet Minh), declarou guerra aos invasores. Mais tarde a sua causa seria apoiada militarmente pela China e pela União Soviética. Os acontecimentos do ano de 1950 iriam arrastar os EUA para o conflito.

 

 

Com o estalar da guerra da Coreia, os EUA consideraram que a capital vietnamita, Hanói, constituía-se apenas como mais um peão para o avanço da União Soviética, e decidiram ajudar militarmente os franceses. Um grande erro de cálculo por parte de França iria culminar na sua enorme derrota na batalha de Dien Bien Phu. Em 1954, os franceses ocupam a povoação, pensando que tal iria resultar no corte das rotas de abastecimento da guerrilha. No entanto, a habilidade tática dos Viet Minh levaria a melhor. A presença da francesa na Indochina acabara.

Com a derrota, os franceses foram obrigados a aceitar a independência do Vietname, Laos e Camboja na Conferência de Genebra.

 

Ficou igualmente definido que o Vietname passaria a ser divido em duas partes: o Vietname do Norte, comunista, governado por Ho Chin Minh, e o Vietname do Sul, dependente de França, governado por Bao Dai. Mas a independência do Vietname com o recurso a eleições não seria assim tão fácil. Os norte-americanos, com receio da vitória do comunista Ho Chin Minh e do avanço da União Soviética, planeiam um golpe militar em Saigão. Bao Dai foi deposto e o poder foi entregue ao líder católico Ngo Dinh Diem, comprometido com os EUA.

A partir de 1957, os norte-vietnamitas começaram a reativar as suas redes clandestinas no Vietname do Sul, e os primeiros indícios de violência contra as autoridades americanas surgiram. Ngo Dinh Diem cria a expressão “Viet Cong”, uma abreviação pejorativa de «comunistas vietnamitas», para denominar os guerrilheiros.

 

 

Em 1959, os Viet Cong viriam assumir o controlo de zonas rurais significativas do Vietname do Sul. Com este avanço, John F. Kennedy ordena o reforço de tropas na região. Ao mesmo tempo, a Casa Branca começa a duvidar do governo de Diem.

Quando os EUA entram na guerra

 

Quando Lyndon Johnson sobe ao poder, as condições para a entrada maciça dos EUA no conflito estavam criadas. O governo de Diem, corrupto e violento, rapidamente viraria a população do sul contra o regime. No final de 1960, um golpe militar contra Diem causa a morte de muitos civis. Os media, que até aqui tinham mostrado pouco interesse na guerra, viram no acontecimento um elevado atrativo noticioso. Pouco depois, o The New York Times enviava o seu primeiro repórter para Saigão, seguindo-se vários jornalistas da Reuters, da Agence France-Presse (AFP) e do The Times.

Em agosto de 1964, um tiroteio entre embarcações norte-vietnamitas e americanas no golfo de Tonquim despoletou o início dos bombardeamentos dos EUA ao Vietname do Norte.

 

 

Todavia, os Viet Cong não recuaram e endureceram a sua posição com várias retaliações. Ao aproximarem-se da base aérea e naval americana de Da Nang, Washington decidiu enviar dois batalhões de Marines para proteger a base. Os EUA estavam abertamente envolvidos no conflito. O número de press corps no sul do Vietname aumentou de 40, em 1964, para 419 no ano seguinte.

 

 

O Governo tinha crescente dificuldade em controlar a cobertura noticiosa, pelo que os media se tornaram na fonte primária de notícias sobre o conflito, ultrapassando os meios oficiais da Casa Branca.

A Guerra do Vietname foi o primeiro conflito bélico a ser televisionado, e a sua cobertura assumiria contornos sem precedentes. Na altura, a autonomia jornalística na cobertura de guerra era limitada: era impensável um repórter trabalhar atrás das linhas inimigas, pois seria acusado de traição. A guerra do Vietname veio quebrar esta regra.

 

 

Em janeiro de 1967, os norte-vietnamitas planearam o ataque a mais de cem cidades no Vietname do Sul, durante o feriado do ano novo lunar chinês (Tet). Esta ofensiva marcou o momento em que os norte-americanos se aperceberam da brutalidade da guerra.

Entretanto, o comandante das tropas americanas afirmara que «havia luz ao fundo do túnel».

 

A Cobertura televisiva

Em dez dias, os norte-americanos repeliram os Viet Cong, à exceção da capital imperial de Hue. Apesar do triunfo tático e militar dos americanos, os media focaram as suas reportagens na batalha de Hue e no ataque à embaixada norte-americana, e depressa a opinião pública despertou contra a tese de Washington, de que os Viet Cong estariam à beira da derrota. A partir desse momento, a cobertura mediática acerca da guerra passou a assumir um tom mais negativo e sensacionalista.

 

 

No outono de 1967, 90 por cento das notícias da noite eram dedicadas à guerra. Estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas assistiram a estas notícias na televisão todas as noites. O icónico jornalista Walter Cronkite foi um dos nomes responsáveis pela cobertura, ficando conhecido como “the most trusted man in America.”

Em 1968, depois de regressar do Vietname onde cobrira a ofensiva de Tet, partilhou com o público a sua perspetiva sobre a guerra.

“It seems now more certain than ever that the bloody experience of Vietnam is to end in a stalemate.” [Parece mais certo do que nunca que a experiência sangrenta do Vietname é para terminar num impasse]

 

 

Após a emissão, o Presidente Johnson terá, alegadamente, dito: “If I've lost Cronkite, I've lost Middle America.” [Se perdemos o Cronkite, perdemos a América Central  Entretanto, o tema chegou a todo o mundo].

As populações, e as suas condições de vida, passaram a fazer parte da cobertura. A cobertura mediática dos combates, incluindo os desaires, com imagens cruas das vítimas e um relato fiel do terror da guerra, é apontada como causa do apoio decrescente dos norte-americanos à guerra.

 

Documentário The Quiet Mutiny, Charles Denton

 

 

 

Em consequência da queda na confiança pública, o Presidente Lyndon B. Johnson anunciou que não se iria recandidatar.

 

 

Os jornalistas não se coibiram de dar cobertura noticiosa aos protestos a nível nacional, ilustrando a forma como a guerra estava a ser experienciada nos Estados Unidos. A 4 de abril de 1967, precisamente um ano antes da sua morte, Martin Luther King profere o famoso discurso “Beyond Vietnam”.

 

 

 

Também John Lennon foi um ativista reconhecido em todo o mundo. As suas músicas Give Peace a Chancee Imagine foram usadas como hinos antiguerra.

Em 1968, o repórter português José da Câmara Leme testemunhava a intensificação da guerra. Mas o jornalista não ficava convencido quanto à eficácia das tropas americanas no terreno.

«O que se me afigurou verdadeiramente importante, isso sim, foi o caráter de coisa denunciada de que se revestiu todo o movimento (…) Já nem falo dos “very-lights” que nos projetavam em sombras gigantescas. Recordo principalmente a ação da artilharia» – Diário Popular, 15 de maio de 1968.

 

A intensificação dos protestos

A 15 de outubro de 1969, milhões de pessoas protestam contra a Guerra do Vietname, uma iniciativa que ficou conhecida como Peace Moratorium e foi seguida, um mês depois, da Moratorium March. Walter Cronkite chamou-lhe “historic in its scope. Never before had so many demonstrated their hope for peace.” [Nunca antes tantas pessoas manifestaram a sua esperança pela paz].O novo presidente, Richard Nixon, decide aumentar os bombardeamentos no Vietname do Norte.

Os protestos nas ruas americanas intensificavam-se e é criada a impressão de que os EUA não teriam condições políticas para prolongar a guerra. Depois de muitos avanços e recuos, o acordo de paz foi finalmente assinado em Paris a 23 de janeiro de 1973. Contudo, a guerra entre os dois Vietnames continuaria.

 

Até ao fim, o impasse

Em 1974, o Vietname do Norte lança uma ofensiva limitada, de modo a testar a reação americana. Apesar da crítica dos EUA sobre a violação do acordo de paz, a potência mundial não interviria. As autoridades de Hanói ordenam a última ofensiva em março de 1975, e a 30 de abril do mesmo ano as forças norte-vietnamitas entram em Saigão. A guerra finalmente acabara.

 

 

Todavia, vários anos depois, esta guerra continuaria muito presente nas mentes da população norte-americana.

 

 

A guerra do Vietname e as suas estórias deram origem a de mais de 750 romances e 250 filmes.

 

 

Um dos fatores mais relevantes da Guerra no Vietname foi a cobertura jornalística, sem qualquer tipo de censura. Se ainda não havia possibilidade de realizar reportagens em direto, o aparecimento dos satélites, em 1967, possibilitou aos repórteres o envio de informação em menos tempo do sudeste asiático para as televisões dos lares americanos. 300 a 400 repórteres, de vários pontos do mundo, estavam acreditados, mas só 30 a 40 acompanhavam em cada dia as unidades de combate. Foi também uma guerra que matou 63 jornalistas.

O conflito no Vietname dividiu a nação dos EUA, marcando a psique social da população e alterando a opinião pública sobre as instituições, o governo, o exército e, principalmente, os media. Em 1964, existiam 40 press corpsno Vietname. Em agosto de 1965, eram 419.