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Trend dos palavrões pode prejudicar desenvolvimento de crianças

Especialistas destacam que, além de expor os pequenos a situações vexatórias, comportamento enviesa ensinamento sobre educação emocional

Por Alex Bessas e Laura Maria
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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Nos últimos dias, as redes sociais foram inundadas com vídeos em que crianças aparecem, geralmente sozinhas, falando palavrões após ganharem um passe-livre de suas mães e pais. A trend do momento – um desafio que consiste em ligar a câmera e soltar o verbo, sem censura – vem repercutindo na internet e até surpreendendo.

Afinal, incentivados pelos adultos, alguns desses meninos e meninas, geralmente com idade entre 3 e 6 anos, podem até ficar em expressões mais infantis, mas outros impressionam pelo amplo repertório de termos ofensivos e obscenos que conhecem.

Alguns desses vídeos já alcançaram expressivos números de visualizações e comentários, que permitem inferir que muita gente acha essa tendência divertida e inocente. Outros, porém, criticam a exposição e a educação dos pequenos. Exemplo dessa divergência aconteceu no último domingo (18), quando o ilusionista e ex-BBB Pyong Lee postou um vídeo em seu perfil no Instagram, no qual aparece incentivando o filho, Jake, de 4 anos, a falar “palavras feias” diante de uma câmera.

O menino não chegou a pronunciar palavrões, mas a mãe dele e ex-mulher de Pyong, Sammy Sampaio, desaprovou a atitude e fez a sua própria versão da trend, na qual estimulou o garoto a dizer apenas palavras bonitas. A influenciadora contou ainda que Jake não sabia o que era um palavrão, mas, após a experiência com o ilusionista, perguntou o significado. 

Pais que encorajam os filhos a se expressarem com xingamentos justificam-se dizendo que esta é uma forma de libertação para as crianças. Pedagoga especialista em educação socioemocional, Renata Fialho destaca, no entanto, que esse tipo de comportamento não ensina as crianças a lidarem com suas próprias emoções.“Se uma criança passa por esse tipo de ensinamento na infância, ao chegar na vida adulta, ela vai pensar que a única maneira de resolver seus problemas vai ser falando palavrões dentro de um banheiro, ao invés de buscar uma real solução para aquela situação. Isso é uma libertação?”, questiona.

Expoente da educação positiva no Brasil – uma abordagem que defende uma educação respeitosa, considerando as necessidades e os sentimentos dos filhos, sem deixar de colocar os limites necessários na criação –, a neuropedagoga Maya Eigenmann destaca ainda que grande problema dessa trend é colocar as crianças numa situação vexatória. “Eu não estou falando que não vamos falar palavrão em casa ou que as crianças não vão ouvir. Não é sobre moralismo, mas sobre como colocam a criança numa situação pejorativa, filmam e postam para ganhar repercussão com isso, usando a inocência da criança – um ser que não vai conseguir se defender, que não consegue ter noção da repercussão e nem imaginar as consequências. É um golpe muito baixo”, argumenta.

Renata ainda pontua que motivar seres humanos em desenvolvimento a falar obscenidades pode prejudicar o desenvolvimento mental destes. “Temos que pensar como falar palavrões contribui para o desenvolvimento do cérebro de uma criança. Se necessitamos desenvolver o pré-frontal do cérebro para uma busca de soluções e planejamentos, temos, na verdade, que estimular as crianças com perguntas e curiosidades e dar a ela o poder de fala”, acentua Renata, que também é mentora da “Eu, Meus Filhos e Nossas Emoções”. 

Além disso, Maya enxerga que pais submetem crianças a esse tipo de trend apenas para viralizar na internet ou fazer outros adultos rirem. “Esse é o grande problema: usar a criança para ser entretenimento para os adultos de forma pejorativa. Eu me pergunto: será que estamos tão perdidos assim a ponto de precisar fazer o ser humano mais vulnerável da nossa sociedade passar por uma situação constrangedora e vexatória para poder me divertir? Que falta de criatividade nós temos que não conseguimos nos divertir com outras coisas? Isso é muito preocupante”, aponta.

Onde crianças aprendem palavrões e como lidar com isso?

A pedagoga Renata destaca que a maioria esmagadora de crianças sequer sabe o que são palavrões e que muitas delas aprendem os xingamentos apenas por os ouvirem com frequência em lugares como parquinhos ou escolas. Ela cita ainda que é comum ouvir insultos em estádios de futebol, local para onde muitos pais levam seus filhos pequenos. “Se a criança escuta palavrões, ela não consegue diferenciar que é permitido falar esse tipo de coisa num estádio, mas proibido durante um jogo na escola, por exemplo. Ela vai somente reproduzir o que aprendeu. A partir do momento que você ensina ou estimula uma criança a falar palavrões, você permite que ela fale onde quiser”, diz.

Em função disso, Renata destaca que não existe ambiente seguro para se expressar dessa forma. Caso a criança esteja falando palavrões à revelia, a pedagoga recomenda que os pais ajudem os pequenos a experimentar coisas próprias da infância, como estar em contato com a natureza, além de repreender, quando necessário. “Hoje, na educação de crianças e adolescentes, existe uma falta de autoridade. E quando falo de autoridade é diferente de falar em ser autoritário. Autoridade significa que a presença do adulto tem um significado de cuidado, de ensinamento e de referência”, enfatiza.

 
 
 
 
 

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