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Sinopse

Durante o processo de um divórcio litigioso de sua esposa, o escritor Mort Rainey se muda para sua cabana remota em Nova York para ficar sozinho. Tentando recuperar sua saúde mental, tem a infelicidade de ser encontrado por John Shooter, um agricultor que afirma que ele plagiou o seu trabalho. Primeiramente, Rainey ignora as acusações, mas Shooter não desaparece e se torna cada vez pior em sua busca por vingança.

Crítica

Johnny Depp, no início de sua carreira, costumava fazer parte de um determinado grupo de atores “alternativos”, que atuavam às margens do “esquemão hollywoodiano”, raramente aparecendo em megaproduções e constituindo o cerne de suas trajetórias em trabalhos talvez de menor expressão, porém artisticamente mais ousados. John Cusack, Ewan McGregor e Colin Farrell são outros dessa turma. Um fato comum entre eles é que, por mais elogios que recebam (algo, aliás, bastante comum), invariavelmente acabam de fora das grandes premiações. Depp, no entanto, começou a trilhar outros rumos justamente em 2003, ano em recebeu uma inusitada indicação ao Oscar pelo seu Jack Sparrow de Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003). E essa vontade rumo ao estrelato se comprovou neste que foi seu primeiro trabalho “pós-Oscar”, o frustrante A Janela Secreta, um raro passo em falso de uma filmografia até então repleta de grandes momentos, mas que, a partir deste ponto, começou a se tornar redundante e desnecessária.

Baseado num conto de Stephen King e roteirizado e dirigido por David Koepp (o mesmo do desastre Mortdecai: A Arte da Trapaça, 2015, novamente com Depp), A Janela Secreta é um bom exemplo de uma mania que foi muito recorrente pós-O Sexto Sentido (1999): surpreendentes reviravoltas finais que obrigam o espectador a refazer mentalmente a trama para que se entenda o que aconteceu. O problema é que Koepp, melhor roteirista (é autor de A Morte Lhe Cai Bem, 1992, e Homem-Aranha, 2002, entre outros) do que cineasta, não consegue forjar sua história com argumentos atraentes o suficiente para prender a atenção da audiência, oferecendo à trama um único fato relevante. Assim, o que era para ser suspense logo resvala no absurdo, e o pretenso mistério se dissipa numa conclusão óbvia e desinteressante.

Em A Janela Secreta, Johnny Depp aparece como Mort Dainey, escritor de sucesso que está curtindo um ressaca após o final do seu casamento. Ao mesmo tempo, ele busca inspiração para seu novo romance, pois a ruína do relacionamento afetou também sua veia criativa. Seu cotidiano monótono começa a ganhar vida quando um desconhecido aparece em sua porta afirmando ser o verdadeiro autor de um conto que ele teria escrito anos atrás. O incômodo visitante exige retratação pública, e para isso passa a ameaçá-lo com violência e impertinência. A interferência experimentada pelo autor durante esse processo passa a ser tão forte que o conceito de realidade e ficção do personagem passará a ser questionado, num contexto em que os limites serão testados com exageros e abusos, tanto verbais quanto físicos.

Presente em quase 100% das cenas, Johnny Depp é o coração e também o ponto fraco de A Janela Secreta – a história não precisa avançar muito para que perceba sua inadequação diante de um personagem que exige nuances sutis, e não arroubos de violência ou fragilidade. John Turturro – como o intruso que o acusa de plágio – e Maria Bello – como a ex-esposa – ao menos são mais convincentes, e sempre que se depende de um dos dois para oferecer verossimilhança ao que está acontecendo, a narrativa parece fluir com maior segurança. No entanto, o próprio material de origem já parece falho – tentar construir um longa a partir de um conto de poucas páginas é uma tarefa em que poucos conseguem ser bem-sucedidos (O Segredo de Brokeback Mountain, 2005, é a exceção que confirma a regra). E uma vez que o próprio Stephen King parece não ter acreditado muito na sua criação, por que esta adaptação deveria ter melhor sorte?

Apesar de ser artisticamente decepcionante, com um enredo fraco e atuações irregulares, A Janela Secreta fez uma boa carreira nas bilheterias, tendo arrecadado cerca de US$ 92 milhões no mundo todo, mais que o dobro do seu orçamento. Não foi suficiente para marcar o nome do protagonista como astro do primeiro time, mas serviu para que o mesmo permanecesse em alta por mais um tempo, ao menos até as continuações de Piratas do Caribe entrarem em cartaz. E se o seu maior sucesso parece descartável, ao menos se assume como tal e chega a ser divertido em vários momentos. Já este aqui se contenta em ser uma experiência desnecessária sob qualquer ponto de vista, carente de maiores inspirações e aquém dos talentos envolvidos, tanto de Depp quanto do próprio King.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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