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“O Resto é sombra” de Pedro Costa, Rui Chafes e Paulo Nozolino no Pompidou

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Decorre até dia 22 de Agosto a exposição “O Resto é sombra” de Pedro Costa, Rui Chafes e Paulo Nozolino no Centro Georges Pompidou. Com a curadoria de Philippe-Alain Michaud e Jonathan Puthier, a exposição é descrita como uma “apresentação imersiva”. 

Cartaz da exposição "O resto é Sombra".
Cartaz da exposição "O resto é Sombra". © DR
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Uma parede negra a abrir a exposição que começa e termina debaixo do olhar de Ventura, um dos personagens dos filmes de Pedro Costa.

O percurso, feito na escuridão, assume uma geografia variável e é definido pelo visitante.

Ao microfone da RFI Philippe-Alain Michaud começa por explicar como se cruzam os trabalhos destes três artistas.

A exposição foi iniciada pela Catherine David [uma das curadoras do Museu Nacional de Arte Moderna, no Centro Georges Pompidou] e nós demos seguimento ao projecto. Acompanhamos os artistas na realização da exposição e na cenografia. A decisão de expor a seis mãos sem que fosse uma justaposição de três monografias, mas antes uma interferência, um diálogo entre as obras de três artistas que pertencem a meios diferentes: fotografias, filmes e esculturas. Foi uma uma escolha dos artistas e a nós como curadores cabe-nos a tarefa de os acompanhar e de conseguir concretizar o que eles querem”.

Como é que eles se cruzam?

Na escuridão e na cenografia. Cruzam-se na escuridão, na sombra e daí o nome da exposição “O resto é sombra”. É aí que eles se encontram e se cruzam uns com os outros. Trata-se do elemento comum aos três. É na escuridão que eles se mostram

A escuridão foi uma escolha, uma escolha arriscada. Quando o visitante entra na exposição sente-se desorientado. Fica numa posição de fragilidade. Penso que é importante que os visitantes da exposição sintam não diria esta ameaça, mas o desconforto de ter que caminhar a medo e com recurso ao tacto. Parece-me que esta fragilidade coloca o visitante numa boa posição para receber a exposição”.

Jonathan Puthier também ele curador desta exposição fala numa certa “resistência”. 

Para resumir, talvez um termo que Rui Chafes usa, o de resistência. Há ali na forma como dialogam as obras do Pedro [Costa], do Paulo [Nozolino] e do Rui [Chafes], sem dúvida, este princípio de resistência, de resistência a ser facilmente visto.

A escuridão produz esta configuração discreta das obras. Nesta exposição nada é fácil. É o visitante que tem de se esforçar para ir em direcção às obras, não são as obras que vêm em direcção a nós. 

Para a cenografia trabalhamos com a arquitectura do Centro Pompidou e foi decidida mesmo antes de as obras estarem escolhidas.

Para nós curadores é uma forma inversa de preparar a exposição. O que faz com que seja, também, para nós, uma forma de quebrar lugares ou restos de resistência sobre o que poderia ser a produção desta exposição.

No final, conseguimos um percurso que prolonga esse distanciamento das fotografias, das esculturas e das imagens projectadas. O que leva o visitante a ser ele próprio a escolher o percurso, a orientação e a descobrir as obras.

Outra grande questão que foi levantada foi a falta de texto. Não há texto na exposição, além das informações técnicas das obras expostas. A ideia era precisamente de não existir esse acompanhamento textual que canalizasse a leitura do visitante. Penso que é também para dar este aspecto algo desestabilizador a quem visita a exposição”. 

Para o realizador Pedro Costa, a sombra, a escuridão desta exposição mais do que um trabalho de luz é uma arquitectura.

É uma arquitectura. Mais do que um trabalho de luz, é uma arquitectura da arquitecta que trabalha cá”. 

Porque há a escuridão e também há todo o trajecto que é meio labiríntico. 

Sim, sendo das paredes escuras e digamos que relativamente apertadas, é um percurso sinuoso, labiríntico, onde as pessoas se podem perder. Perder no bom sentido e encontrar as peças de outra maneira, muitos pontos de vista. Há esquinas como nas ruas, é uma ideia pequeno bairro, pequeno ‘casbah’, pequena medina onde há muitas vozes, muitas cores, muitos sopros, murmúrios e gritos, e as coisas passam de umas para as outras com uma circulação interessante, eu acho".

A abrir a exposição está o Ventura, com os braços cruzados e as mãos viradas para fora. Numa outra sala, encontramos rostos de mulheres, dos seus filmes, e as mãos de Rui Chaves. Não pode dar aqui a sensação de que elas de alguma forma estavam algemadas?

"Nenhum de nós trabalha muito com intenções, de querer fazer uma coisa que diga aquilo ou outro ou exprima isto ou outra coisa. Por mim falo, os meus filmes são aquilo que está ali, são aquela realidade, são pessoas que filmo no trabalho, em repouso, com problemas, que discutem, que monologam…

De facto, é uma realidade do nosso país. É uma realidade relativamente esquecida, mas absolutamente maioritária. Eu até diria que o que se vê nesta exposição, por mim, pelos meus filmes, talvez seja 80% da humanidade, para não exagerar. Salvam-se uns resquícios em Saint Tropez e Los Angeles e o resto é aquilo, é isto, é uma grande miséria. Às vezes é muito visível, exterior, outras vezes é interior.

Nós, os três, se reflectimos isso e as nossas obras reflectem isso é porque vivemos na realidade e temos alguma consciência dela. Mas não há uma intenção de provocação ou desencadear esses sentimentos.

Estamos numa história, estamos no mundo e nesta realidade. Isso vê-se muito nas fotografias do Paulo [Nozolino]. O Paulo atravessou muito a história com a fotografia desde a última guerra, pelo menos, até às guerras mais recentes, até aos efeitos dessas devastações, até esta que se passa agora”. 

Isto é uma exposição colectiva ou uma exposição individual onde cada um de vocês se vai cruzando com o outro?

"É as duas coisas. Nós não trabalhamos em conjunto, aproximamos coisas. Ou seja, falou da primeira sala, o Rui e o Paulo trabalharam um bocadinho solitariamente e de repente acharam que Paulo tinha aquilo e o Rui tinha aqueloutro e juntos acharam bem. Eu, com o Rui, foi a mesma coisa. Trabalhamos por aproximações. 

É um bocadinho como no cinema, colar duas imagens provoca uma terceira, que de facto não existe, é formada pelo espectador, é uma coisa que o visitante imagina ou consegue produzir de juntar aqueles rostos daquelas mulheres por exemplo como a fotografia do Paulo, ou com a escultura do Rui, etc".

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