Envolvimento de Armando Vara “entristece” Sócrates

por RTP
"O único desejo que um político deve expressar é que a Justiça funcione e que se persiga a corrupção", disse Sócrates Tiago Petinga, Lusa

O primeiro-ministro falou esta sexta-feira do envolvimento de Armando Vara no caso Face Oculta, depois de o jornal Sol ter noticiado que a Judiciária interceptou conversas entre ambos. José Sócrates afirmou-se "triste" com o facto de a investigação implicar "um amigo". Sobre a REN e José Penedos, fez a destrinça entre as condições de acusado e arguido para afastar uma "avaliação ética".

Segundo o semanário Sol, o conjunto de escutas telefónicas reunidas no âmbito da operação Face Oculta inclui conversas entre o primeiro-ministro e Armando Vara. Uma das questões abordadas, escreve o jornal, é a venda da TVI pela Prisa. O negócio, lembra o jornal, foi vetado por José Sócrates em Junho, depois das notícias sobre a investida da PT para a compra do canal de Queluz de Baixo. Um acordo firmado com os espanhóis da Prisa a 28 de Setembro - e revisto a 19 de Outubro - viria a enquadrar a aquisição, pela Ongoing, de 35 por cento do capital social da Media Capital, empresa detentora da TVI.

José Sócrates foi confrontado com a notícia do Sol no termo do debate parlamentar sobre o programa do Governo. Questionado sobre o teor das conversas telefónicas com Armando Vara, o primeiro-ministro respondeu: "Com certeza que telefonei ao doutor Armando Vara porque é meu amigo e camarada. Como sabem, este processo entristece-me pelo facto de envolver um amigo meu há tantos anos".

"O que tenho conhecimento sobre o que vem nesse jornal é que eu fiz uma chamada para o doutor Armando Vara. Acontece que faço chamadas para os meus amigos e vou continuar a fazê-las", afirmou Sócrates, insistindo no argumento de que mantém "uma relação de há muitos anos" com o antigo secretário de Estado da Administração Interna: "Fiz com ele uma carreira política. Por isso, este processo é para mim triste".

Presidente da REN no lote de arguidos

José Sócrates pronunciou-se também sobre o envolvimento do presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN) no processo. O primeiro-ministro assinala que José Penedos é, por enquanto, arguido e não acusado, pelo que o Governo deve abster-se de intervir. Para o chefe do Executivo cabe ao próprio administrador fazer a "avaliação ética" sobre as condições para se manter no cargo.

"As pessoas em causa estão neste momento arguidas e não acusadas. Se estivessem acusadas, a questão seria diferente. O Governo não mantém confiança a quem está acusado pelo poder judicial. Portanto, competirá a cada uma delas fazer o julgamento do que deve ou não fazer. Ninguém deve agir contra outrem com desconfiança, com base apenas na situação de arguido", sustentou Sócrates.

"A avaliação ética deve ser feita pelo presidente da REN, que está arguido e não acusado. Se estivesse acusado, o Governo e o Estado agiriam", asseverou.

Na quinta-feira, à margem do debate do programa do Governo, o ministro das Finanças adiantou que a Inspecção-Geral das Finanças foi incumbida de levar a cabo uma auditoria sobre os "procedimentos" das empresas públicas nos "processos de contratação". O relatório, afiançou Teixeira dos Santos, será conhecido "dentro de 60 dias".

Sócrates retomou esta sexta-feira as declarações do titular da pasta das Finanças, reiterando que "o Governo decidiu fazer uma avaliação de todas as situações nas empresas públicas" citadas nas investigações do processo Face Oculta. "Depois dessa avaliação, a cargo da Inspecção-Geral das Finanças, o Governo tomará as suas decisões", disse.

O presidente da REN e o seu filho, Paulo Penedos, vão ser ouvidos pelo juiz de instrução criminal de Aveiro no próximo dia 17, de acordo com uma fonte judicial citada pela agência Lusa. Armando Vara, que requereu a suspensão do seu mandato como vice-presidente do Millennium BCP, é ouvido no dia seguinte, igualmente no Juízo de Instrução Criminal da Comarca do Baixo Vouga, em Aveiro.

Advogado de Manuel Godinho prepara recurso

Lançada a 28 de Outubro em diferentes pontos do país, a operação Face Oculta recaiu sobre indícios da prática de crimes económicos por parte de um grupo de Ovar que inclui a empresa O2 - Tratamento e Limpezas Ambientais, à qual está ligado o único arguido do processo que se encontra em prisão preventiva, Manuel José Godinho.

As diligências da Polícia Judiciária incluíram três dezenas de buscas domiciliárias e em locais de trabalho. O número de pessoas constituídas arguidas ascende a 15. O conjunto integra um administrador da Indústria de Desmilitarização da Defesa e três quadros da Rede Ferroviária Nacional (REFER), além de José Penedos, Paulo Penedos e do antigo governante Armando Vara.

Rodrigo Santiago, advogado do empresário do Norte, garantiu esta sexta-feira, em declarações à Lusa, que tenciona apresentar recurso da prisão preventiva.

Os investigadores apontam Manuel Godinho como alegado mentor de um esquema "tentacular" que teria por objectivo beneficiar um grupo de empresas na adjudicação de concursos e consultas públicas para a recolha e a gestão de resíduos industriais. A rede visaria garantir negócios com empresas participadas pelo Estado, mediante o pagamento de luvas ou até mesmo a oferta de bens de elevado valor.

Audições em curso

O juiz de instrução António Costa Gomes ouviu, na quinta-feira, o quadro da REFER Manuel João Espadinha Guiomar, considerando-o indiciado pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e de dois crimes de corrupção activa. O juiz determinou a suspensão de funções na empresa, a proibição de contactos com outros arguidos do processo e a proibição de fazer deslocações ao estrangeiro sem autorização prévia da autoridade judicial.

Esta sexta-feira foi ouvido Mário Manuel Sousa Pinho. O chefe da Repartição de Finanças de São João da Madeira ficou com funções suspensas e sujeito a termo de identidade e residência, sem poder contactar os demais arguidos.

Sousa Pinho está indiciado pela prática de um crime de corrupção para acto ilícito: o arguido terá recebido perto de 37.500 euros para influenciar decisões fiscais relacionadas com empresas de Manuel Godinho.

Ao início da noite, o tribunal continuava a ouvir o arguido Namércio Cunha, um colaborador de Manuel Godinho citado como um dos operacionais da rede de tráfico de influências. O interrogatório vai prosseguir na segunda-feira.

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