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A técnica da palma aberta no tratamento da doença de Dupuytren

Resumos

OBJETIVO:

Avaliar os resultados do tratamento cirúrgico da doença de Dupuytren pela técnica da palma aberta.

MÉTODO

: Com o uso da técnica operatória descrita por McCash, 12 pacientes (13 mãos) foram operados para tratamento de doença de Dupuytren, entre outubro de 2002 e setembro de 2011.

RESULTADOS

: As feridas cicatrizaram num tempo médio de 25 dias, com variação entre 17 e 30 dias. Não houve infecção, hematoma, necrose cutânea, edema residual ou qualquer outra complicação local.

CONCLUSÃO

: A técnica da palma aberta constitui opção segura para o tratamento da doença de Dupuytren, com resultados satisfatórios e baixo índice de complicações.

Contratura de Dupuytren/cirurgia ; Procedimentos cirúrgicos operatórios ; Deformidades da mão


OBJECTIVE:

To evaluate the results of the open palm technique for the treatment of Dupuytren's disease.

METHOD:

The authors used the technique described by McCash. Twelve patients (13 hands) were surgically treated, between october 2002 and september 2011.

RESULTS:

The wounds healed in a medium of 25 days (variation of 17 to 30 days). There were no complications, such as infection, haematoma formation, skin necrosis, residual edema.

CONCLUSION:

The open palm technique remains a safe alternative for the treatment of Dupuytren's disease, with satisfactory results and low risk of complications.

Dupuytren contracture ; Surgical procedures ; Operative hand deformities


Introdução

A retração da aponeurose palmar, conhecida como doença de Dupuytren, foi inicialmente descrita por Felix Platter em 1614.1 Porém, segundo Rayan,2 foi Dupuytren quem descreveu, em 1831, as características anatômicas da doença que até hoje leva seu nome.

A doença é mais comum nos homens, tem predileção pela raça branca, é mais comum na América do Norte do que na do Sul e rara na China e na África.3 Reis e Mota Júnior.4 demonstraram que existe relação entre doença de Dupuytren e diabetes.

O miofibroblasto, célula descrita por Gabbiani e Majno5 e que tem características morfológicas do fibroblasto e de uma célula de musculatura lisa, é, atualmente, considerado a célula determinante da doença de Dupuytren.

Apesar de pesquisas recentes terem sugerido o uso local de substâncias como a colagenase6 e os corticoesteroides7 para o tratamento não cirúrgico da doença de Dupuytren, a cirurgia continua sendo o método mais usado.

Dentre as várias técnicas cirúrgicas empregadas no tratamento da doença de Dupuytren, a descrita por McCash caracteriza-se pela simplicidade e pelo baixo índice de complicações.8 O objetivo deste trabalho é avaliar os resultados obtidos em pacientes acometidos pela doença de Dupuytren e tratados pela técnica da palma aberta.

O objetivo deste trabalho é avaliar os resultados obtidos em pacientes acometidos pela doença de Dupuytren e tratados pela técnica da palma aberta.

Método

Entre outubro de 2002 e setembro de 2011 foram operados 12 pacientes (13 mãos) portadores da doença de Dupuytren.

A idade dos pacientes variou de 33 a 81 anos (média 64 anos), dois eram do sexo feminino (17%) e um da raça negra (8%; os pacientes se consideravam brancos). Das 13 mãos operadas, seis eram esquerdas (46%) e sete direitas (54%).

O acometimento unidigital ocorreu em 69% das mãos (nove casos). Desses casos, 56% eram no IV dedo (cinco mãos) e 44% no V dedo (quatro mãos). O acometimento bidigital (quatro casos, 31%) ocorreu principalmente no IV e no V dedos (duas mãos), seguidos do III + IV dedos (25%) e I + V dedos (25%). O paciente 5 tinha acometimento do V dedo em ambas as mãos (único caso bilateral de nossa amostra). No geral, o acometimento do I e do III dedos ocorreu em 8% das mãos; do IV dedo, em 54% das mãos; do V dedo, em 54% das mãos.

Em todas as mãos operadas havia deformidade em flexão da articulação metacarpofalângica maior do que 30 graus e/ou deformidade da interfalângica proximal maior do que 15 graus. Os dados gerais relativos aos pacientes podem ser vistos no Quadro 1.

Quadro 1
Quadro geral dos pacientes

Todos os pacientes foram operados sob anestesia troncular e com isquemia do membro.

A técnica operatória foi a descrita por McCash. Por meio de incisão transversa na região da prega palmar distal, o tecido comprometido é retirado, o que permite a correção da deformidade em flexão da articulação metacarpofalângica. Quando necessária, outra incisão transversa pode ser feita proximalmente à primeira, para tornar mais fácil a ressecção do tecido doente. As Figs. 1 a 5 ilustram o caso clínico do paciente número 2. Nas Figs. 1 e 2 observa-se a contratura em flexão do IV dedo, com a corda longitudinal bem identificada. Na Fig. 3 evidencia-se a via de acesso da técnica de McCash e identifica-se o tecido patológico.

Fig. 1
- Paciente número 2, pré-operatório. Acometimento do IV dedo, visto em anteroposterior.

Fig. 2
- Paciente número 2, pré-operatório. Acometimento do IV dedo, visto de perfil.

Fig. 3
- Paciente número 2, transoperatório, com identificação da corda longitudinal.

Fig. 4
- Paciente número 2, pós-operatório de 25 dias, com extensão completa do dedo.

Fig. 5
- Paciente número 2, pós-operatório de 25 dias, com flexão do dedo, atingindo polpa-palma com mínimo déficit funcional.

Nas Figs. 4 e 5 observamos a evolução pós-operatória da ferida, com cicatrização completa aos 25 dias de pósoperatório e ausência de restrição funcional da mão do paciente.

Em três dedos anulares e três mínimos, a deformidade em flexão da articulação interfalângica proximal era causada por nódulo da doença localizado na prega digital proximal. Nesses casos o nódulo foi ressecado por incisão transversa feita na prega digital proximal. Após a retirada do garroteamento procedeu-se à revisão de hemostasia e deixaram-se as feridas abertas, inclusive as digitais, quando presentes; a mão foi imobilizada com tala gessada e os dedos foram mantidos em extensão. A tala foi retirada no quinto dia pós-operatório e substituída por curativo com gazes secas envolvidas por atadura de crepom. A partir desse dia, os pacientes foram orientados a mover ativamente os dedos e a troca de curativo foi feita semanalmente, até a cicatrização das feridas.

Resultados

As feridas cicatrizaram num tempo médio de 25 dias, com variação entre 17 e 30 dias (Tabela 1). Não houve infecção, hematoma, necrose cutânea, edema residual ou qualquer outra complicação local. Em 12 mãos (92% dos pacientes) houve correção completa das deformidades e ao término do tratamento não havia limitação do arco de movimento das articulações envolvidas.

Tabela 1
Demonstrativo do tempo para cicatrização das feridas.

Em um dos pacientes (8%), com doença unilateral, a deformidade em flexão da articulação interfalangeana proximal do V dedo excedia os 90 graus e foi tratada por ressecção do cordão fibroso, por meio de incisão cutânea em zetaplastia múltipla. A ferida palmar seguiu o proposto, foi deixada aberta e cicatrizou em 22 dias, mas não foi obtida a correção da deformidade da articulação interfalangeana proximal.

Considerando-se a gravidade da deformidade e o aspecto funcional da mão optou-se, após o consentimento do paciente, pela amputação do V dedo.

Discussão

A doença de Dupuytren está associada à presença e atividade do miofibroblasto, célula com características comuns ao fibroblasto e à célula muscular lisa, que foi descrita por Gabbiani e Majno5 e posteriormente estudada por Tomasek et al.9 O miofibroblasto produz uma glicoproteína, a fibronectina, que conecta tais células entre si e essas ao estroma da matriz extracelular. Tal processo, associado à capacidade contrátil dessas células, resulta na formação de nódulos e cordas na intimidade das aponeuroses palmar e digital e no desenvolvimento das deformidades em flexão das articulações metacarpofalângicas e interfalângicas proximais que caracterizam a doença.10,11

Para o tratamento da doença de Dupuytren, a literatura registra vários métodos opcionais, que incluem a injeção de agentes locais, como bloqueadores dos canais de cálcio (verapamil e nifedipina)12 e enzimas líticas (tripsina e hialuronidase), em conjunto com a manipulação dos dedos em extensão forçada para liberação das aderências.13 O tratamento cirúrgico é o método mais empregado no manejo dessa enfermidade e está indicado quando as deformidades em flexão das articulações metacarpofalângicas e interfalângicas proximais excedem os 30 e 15 graus, respectivamente.

Alguns autores recomendam a fasciectomia percutânea com agulha, como forma minimamente invasiva para o tratamento.14-17 Entretanto, afirmam haver uma taxa mais alta de recorrência após esse tipo de procedimento, o que o torna mais indicado para pacientes mais idosos e que aceitem uma possível recorrência mais precoce da doença e, eventualmente, da deformidade.15

Todos os pacientes do estudo foram tratados cirurgicamente pela técnica da palma aberta. Um dos autores18 (MCM) publicou, em 1984, uma série de 10 pacientes (total de 16 mãos) portadores da doença de Dupuytren e operados pela técnica da palma aberta, com resultados semelhantes aos da série atual. Assim como dito por Schneider et al.,19 numa revisão de 49 pacientes, a técnica da palma aberta resulta na ocorrência de menos dor no pós-operatório, melhor mobilidade dos dedos e menor taxa de complicações. Lubahnn recomenda essa técnica e encontrou 8% de complicações no período pós-operatório inicial, sem infecções, e, a longo prazo, uma taxa de 20% de pacientes com contratura residual, contra 42% de pacientes tratados com sutura das feridas operatórias.20,21

Galbiatti et al.22 relataram resultados satisfatórios no tratamento de nove pacientes com o uso de uma incisão reta na palma da mão, que era transformada em zetaplastia, na ocasião do fechamento da ferida. Todos os pacientes eram homens, com média etária de 54,2 anos, e 77% eram da raça branca. Em nossa casuística, obtivemos resultados semelhantes, sem qualquer preocupação com a sutura da pele.

Freitas et al.23 observaram dez pacientes tratados pela técnica da palma aberta e verificaram que o tempo médio de cicatrização das feridas foi de 25 dias, com variação entre 15 e 45 dias. Já Silva et al.,24 numa amostra de 30 pacientes, encontraram o mesmo tempo médio, porém com variação entre 20 e 40 dias. Em nossos pacientes, o tempo médio de cicatrização foi de 25 dias, com variação entre 17 e 30 dias, o que, em linhas gerais, está de acordo com a literatura. Achado semelhante foi observado por Skoff, com média de 40 dias para cicatrização dos operados pela palma aberta, além de correção completa das deformidades em flexão das articulações metacarpo-falangiana e interfalangeina proximal.25

Numa análise de 100 pacientes com média de idade de 52 anos, dos quais 88% eram homens, Barros et al.26 encontraram envolvimento dos dedos anular (IV dedo) e mínimo (V dedo) em 60% dos casos e do polegar (I dedo) em 25% deles. Nossos pacientes apresentavam uma distribuição de acometimento semelhante, que envolveu especialmente os dedos IV e V.

Em um de nossos pacientes, a deformidade de flexão da articulação interfalangiana proximal excedia os 90 graus e não pôde ser corrigida com a zetaplastia feita. Após a cicatrização da ferida palmar, e por razões funcionais, optou-se pela amputação do dedo mínimo.

Conclusão

Os autores concluem que a técnica da palma aberta constitui opção segura para o tratamento da doença de Dupuytren e oferece aos pacientes resultados satisfatórios e com baixo índice de complicações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May/June 2013

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2012
  • Aceito
    03 Jul 2012
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