Nicolau Breyner: "Peço perdão às pessoas que magoei"

Uma conversa animada num espaço refrescante de Lisboa. Um olhar sobre a carreira, as mulheres, a doença, a situação do país
importa
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Foto: Duarte Roriz
19 set 2010 • 20:52

Correio da Manhã - Fizeste 50 anos de carreira. O que pensaste?

Nicolau Breyner - É muito tempo, cheguei à conclusão de que 90% das coisas que eu fiz já me tinha esquecido completamente, fui-me lembrando à medida que as pessoas me falavam. E existem coisas de que me orgulho, existem outras de que não me orgulho nada, mas com essas eu aprendi. Apesar de tudo, acho que valeu a pena.

- Pretendias ser cantor de ópera?

- É verdade, comecei a estudar, tive quatro anos de ópera, fui a Itália, voltei e comecei a fazer teatro, entrei para o Conservatório com o complemento de ópera, acabei por deixar o curso de Direito, abandonei o Conservatório e fiquei pelo teatro.

- És um homem de muitas mulheres. Deixaste quantas marcas?

- Não faço ideia. Eu fiquei com marcas boas. Em relação às más, fiz coisas que não devia, era jovem, inconsequente, bebia muito... Às pessoas que magoei, peço perdão.

- Passaste um período difícil com um cancro. Ficaste diferente?

- Eu nunca me senti mal, tive uma grande sorte, graças a Deus. Faço exames periódicos e não ficaram marcas. Bom, talvez me tenha deixado algumas, há um momento que equacionas tudo na vida e começas a perceber existirem certas coisas que valem a pena e outras não. E houve coisas que eu mudei, houve outras que comecei a relativizar. Ao mesmo tempo, deu-me uma grande vontade de fazer mais coisas.

- Cinema, teatro, televisão. Onde é que te sentes melhor?

- Cinema é o que eu gosto mais de fazer, mas sinto-me muito bem a fazer televisão e teatro, aliás, teatro é a minha génese.

- O que te falta fazer?

- O mesmo que fiz mas melhor, se possível. Realizar mais filmes, fazer mais cinema, fazer alguma televisão, não tanto como até aqui porque estou muito cansado de fazer novelas. Até Janeiro não vou fazer novelas, eventualmente uma peça, ter mais tempo para estar no Alentejo. Quando se tem 70 anos, com tudo isto já não é mau.

"VIVEMOS UM PERÍODO MUITO MAU"

CM - Estás preocupado com o país que temos?

N.B. - Acho que já me preocupei mais com tudo aquilo que não tem solução. Vivemos um período muito mau, com mentiras sucessiva s dos governos... Usa-se a comunicação como se usa, está-se perfeitamente nas tintas para o povo...

- E faz-se alguma coisa pela Cultura?

- E onde está o dinheiro para isso? Veja-se o exemplo da Maria Dulce, uma grande amiga, uma pessoa que morreu sozinha. Existem actores em situações muito desagradáveis e a culpa também é nossa, porque não criamos um sindicato. Eu faço um apelo à geração que começa agora para criar um sindicato, senão é esmagada. Com um país destes eu não posso estar muito satisfeito. Às vezes tenho vontade de pedir demissão de ser português.

- Tens saudades do Parque Mayer?

- Muitas. O Parque Mayer é um crime que se tem vindo a praticar e está à vista. Continua àquela coisa decrépita, decadente, sem solução. Reconstruam o Parque Mayer, deixem-se de histórias... Reconstruam o Variedades, reconstruam o ABC e ficam com quatro teatros. É só isso que nós pedimos, mais nada.

PRETO NO BRANCO

Arrependes-te de muitas coisas na tua vida?

Não, aliás arrependo-me de muito poucas, porque acho que não vale a pena. As de que me arrependo é daquelas em que magoo as pessoas sentimentalmente. Fiz o que tinha de ser feito, vivi aquilo que tinha de ter vivido. Não tenho mágoas, tenho uma ou duas pessoas de quem não gosto na vida e tenho razões para isso.

Alteravas o passado?

Muito pouca coisa. Só uma, se calhar. Mas não posso dizer, é a nível pessoal.

A tua mulher é muito serena...

Sim, mas também tem mau feitio. Damo-nos muito bem, conheço-a como as minhas mãos.

Sei que admiras a Alexandra [Lencastre]. O que achas do seu regresso aos palcos?

É uma actriz brilhante, uma grande amiga. Quando faz mal é a ela própria.

PERFIL

João Nicolau de Melo Breyner Lopes nasceu em Serpa a 30 de Julho de 1940. Actor multifacetado, dispersa a sua arte pelo teatro, cinema e televisão. Actualmente, integra o elenco da telenovela ‘Meu Amor', TVI. É casado com Mafalda Bessa e tem duas filhas de uma anterior relação com Cláudia Ramos.

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