Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus). Foto: Alexis Lours/WikiCommons

Madeira: os francelhos e uma cadeia em declínio

Fique a saber mais sobre o francelho no arquipélago da Madeira, a ave de rapina mais comum entre as quatro espécies que lá vivem. Este artigo faz parte da nova série sobre a conservação da natureza e as espécies da Área Protegida do Cabo Girão, ilha da Madeira. Esta é uma parceria com a Associação Insular de Geografia, através do seu projecto GIRO (Projecto de Valorização da Área Protegida do Cabo Girão).

Das quatro aves de rapina que residem no arquipélago da Madeira, a mais comum e facilmente identificável pelo seu piar agudo e rápido é o pequeno francelho. Este falcão de asas compridas e pontiagudas, cauda longa em leque e plumagem castanha sarapintada de preto é caraterizado pelo seu voo peculiar, no qual paira por longos períodos de tempo, apenas movimentando a sua cabeça como uma sentinela à procura do seu alvo, antes de mergulhar em voo picado em direção ao mesmo. 

Comummente conhecido como peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus), esta ave, que se alimenta maioritariamente de pequenos mamíferos, tem apresentado um declínio moderado nos últimos anos no que diz respeito à sua tendência populacional em Portugal, de acordo com os dados da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (2022).

Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus). Foto: Alexis Lours/WikiCommons

Apesar de não estar comprovado em território nacional, já existem estudos, um pouco por toda a Europa, que sugerem que a abundância anual desta espécie pode estar a ser negativamente afetada pelo uso de raticidas. Repudiados pela população em geral, estes roedores são conhecidos pelos danos causados nas produções agrícolas, que normalmente levam à utilização de métodos de controlo, mais especificamente o uso de pesticidas. Com base nos estudos de Roos, S. et al. (2021), a aplicação de raticidas anticoagulantes de segunda geração, apesar de reduzirem os números de roedores eficazmente, têm impactos indiretos para os predadores destes animais que acabam por ser envenenados de forma secundária, tendo por vezes consequências letais. Segundo os autores, mais de 60% dos espécimes recolhidos e analisados apresentavam resíduos de raticidas nos seus organismos.

Na Madeira, a tendência regressiva não se exprime de forma tão significativa, muito devido às capacidades de adaptação ao meio que a habilidosa ave detém.

Francelho no Pico do Facho. Foto: João Martinho

A subespécie que encontramos na região de Macaronésia (mais especificamente nas Canárias e na Madeira), o Falco tinnunculus canariensis, é normalmente avistada em zonas abertas, de falésias, agrícolas ou até mesmo nas periferias dos centros urbanos, onde o sucesso reprodutivo desta subespécie é notório. Isto deve-se ao facto de na sua dieta incluir insetos e também lagartixas, além dos comuns roedores. Contudo, o uso de raticidas anticoagulantes mantém-se e a distribuição generalizada como medida de apoio aos agricultores permanece.  

Mas a questão coloca-se, será apenas este falcão o único afetado negativamente pela atividade “legalizada” e conivente das instituições públicas?

Talvez não. Talvez as restantes aves de rapina do arquipélago, as que realmente dependem desta fonte de alimentação como a manta ou a coruja-das-torres, poderão vir a ser as mais prejudicadas pela intoxicação indireta destes produtos.

Contudo, a cadeia alimentar não estagna nestas espécies. Também os humanos podem experienciar os efeitos negativos da exposição destes químicos, não só através da contaminação dos solos e subsequentemente dos alimentos, mas também pela acidental ingestão, inalação ou contacto direto com a pele, mais proeminente em crianças (Soleng, A. et al., 2022).

Falco tinnunculus canariensis. Foto: Juan Emilio/WikiCommons

A solução deverá estar na adoção de processos mecânicos, como as armadilhas e métodos de construção contra roedores, além do reforço na educação e na fiscalização a fim de reduzir a exposição indireta ou acidental destes agentes nocivos.