Etnoconhecimento: WWF-Brasil lança cartilha escrita em parceria com indígenas Kaxinawá

dezembro, 17 2015

Iniciativa busca a conservação do pirarucu, um dos mais famosos peixes amazônicos
Com o objetivo de promover a conservação do pirarucu no estado do Acre, o WWF-Brasil lança, neste mês de dezembro, dois produtos feitos em parceria e voltados para as populações indígenas daquela região.

A cartilha Manejo do Pirarucu na Terra Indígena Praia do Carapanã – Huní Kuín e o Calendário Huní Kuín foram feitos de maneira colaborativa, contando com os conhecimentos, as práticas e tradições Kaxinawá, a etnia residente nesta Terra Indígena. 

Os Kaxinawá pertencem à família linguística Pano. Eles habitam as florestas tropicais do Acre e do Peru, mas são mais numerosos no Brasil. Eles se autodenominam Huní Kuín e somam cerca de 7,5 mil indivíduos, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Produtos

A cartilha Manejo do Pirarucu na Terra Indígena Praia do Carapanã – Huní Kuín possui 30 páginas e tem como objetivo orientar os indígenas sobre práticas de organização comunitária e o manejo do pirarucu (Arapaima gigas).

O Calendário Huní Kuín visa registrar todas as atividades produtivas e culturais realizadas pelas nove aldeias da Praia do Carapanã ao longo do ano, bem como permite que os moradores incluam novas informações que eles percebam ao longo de 2016, como mudanças no clima ou na piracema dos peixes.

Esses produtos serão impressos em formato bilíngue (português e Kaxinawá) e serão distribuídos para os moradores da Terra Indígena Praia do Carapanã e para outras aldeias da mesma etnia, como a Terra Indígena Nova Olinda. Um professor Kaxinawá coordenou a tradução e finalização dos materiais.

Participativo

Com o objetivo de estruturar um processo que fosse mais participativo do que impositivo, os indígenas participaram ativamente da elaboração da cartilha e do calendário – falando de suas vivências com os lagos amazônicos, das fases de crescimento do pirarucu, desenhando as atividades de manejo de que gostariam participar e retratando o cotidiano dos pescadores indígenas da região.  

Na cartilha estão retratados: o ecossistema das aldeias; as atividades produtivas (caça, pesca, agricultura, extrativismo); as festas culturais; a ecologia do pirarucu; as histórias, características e percepções sobre este peixe; o resgate de informações sobre períodos de cheia, seca e de fases da lua; as ameaças aos lagos e ao pirarucu; a repartição de benefícios e boas práticas de manejo. 

Fenômenos

O calendário, por sua vez, junta a percepção ocidental de tempo – a divisão entre dias e meses – com o conhecimento Kaxinawá sobre os fenômenos da floresta, o ciclo das águas e as fases da lua. Em cada mês estão descritos os fenômenos naturais que ocorrem com os peixes, os animais, a agricultura e a floresta. O mês de fevereiro, por exemplo, virou Awa Bakeyaitiã, ou “o tempo dos filhotes de anta”. 

Março é o mês de se plantar nas praias dos rios o jerimum, o amendoim e o feijão. Junho é o tempo da piracema dos peixes, que sobem o rio e comem os frutos da pupunha. 

Agosto tornou-se Hanu Txê Hene Kesha Butuai, ou “o tempo da cigarra descer para a margem do rio”. Em outubro ocorrem as festas de batismo. Novembro é quando o pirarucu cuida de seus filhotes. 

Conservação da floresta

O especialista de pesca do Programa Amazônia do WWF-Brasil, Antonio Oviedo, afirmou que a ideia de confeccionar esses produtos junto com os indígenas é uma estratégia de conservação da floresta, que buscou fortalecer a participação e o protagonismo dos indígenas no manejo do pirarucu – além de resgatar o conhecimento local existente sobre a espécie e a biodiversidade da Amazônia. 

“O WWF-Brasil já tem, por experiência, um trabalho com populações ribeirinhas. Mas com os indígenas é diferente, você tem que ter uma outra dinâmica, outra abordagem que reconheça os valores e significados locais. Este conhecimento é constituído pelas habilidades práticas e sabedoria adquiridas através de atividades de subsistência e do conhecimento coletivo adquirido pela comunidade ao longo de gerações”, explicou.

Antonio disse ainda que, dentro dos sistemas de manejo de recursos naturais, constam as características de conhecimento local das espécies, suas historias de vida, as distribuições e os aspectos climáticos e ambientais. “A combinação deste conhecimento ecológico tradicional com o conhecimento científico pode levar à sistemas de manejo mais eficientes e adaptados às condições atuais” disse Oviedo.

Oficinas

Os produtos foram elaborados ao longo de três oficinas: uma delas teve o objetivo de apresentar o projeto Pesca Sustentável aos representantes indígenas e construir uma agenda de trabalho. A segunda foi quando se gerou e registrou todo o conteúdo – fotografias, textos, desenhos, histórias, relatos – e um terceiro encontro buscou apresentar a primeira versão dos produtos e aprová-los junto aos indígenas. O processo durou três meses.

“Acho que tivemos um resultado bem positivo com a confecção da cartilha e do calendário. Este processo marca um momento de entrada dentro da Terra Indígena e de resgate, conhecimento e fortalecimento das práticas que essas populações têm. Representantes da Funai (Fundação Nacional do Índio) têm participado ativamente de todo o trabalho e demonstraram interesse de que ações como esta possam ser replicadas em outras regiões e etnias”, contou Antonio.

O próximo passo é realizar um zoneamento nos 10 lagos onde os indígenas pescam e colher informações para subsidiar a elaboração de um “estatuto da pesca” – um conjunto de regras que possam orientar o manejo comunitário dos recursos pesqueiros na Terra Indígena da Praia do Carapanã.

Pesca Sustentável

A publicação da cartilha e do calendário na língua Kaxinawá são parte do projeto Pesca Sustentável, desenvolvido pelo WWF-Brasil desde o início de 2015 em lagos de Feijó e Tarauacá, no Acre. A ideia é promover o manejo do pirarucu nos lagos acrianos. Este projeto tem o apoio do Fundo Amazônia. 

Dentro desta iniciativa, está o trabalho com populações indígenas. Duas delas foram contempladas – a Terra Indígena da Praia do Carapanã, no município de Tarauacá; e a de Nova Olinda, na cidade de Feijó. São atendidos, por meio deste trabalho, 13 aldeias Kaxinawá, totalizando 146 famílias e 781 moradores.

O pano de fundo para este trabalho é a criação de um modelo de manejo de pesca dentro de Terras Indígenas que possa ser aplicado em outras regiões pelo país.
Capa do Calendário Huní Kuín - Atividades 2016
© Divulgação
Os Kaxinawá ajudaram a elaborar o conteúdo da cartilha e do calendário lançado este mês
Os Kaxinawá ajudaram a elaborar o conteúdo da cartilha e do calendário lançado este mês
© WWF-Brasil/ Antonio Oviedo
Capa da publicação "Manejo do Pirarucu na Terra Indígena Praia do Carapanã – Huni Kuín"
© Divulgação
O processo de confecção da cartilha e do calendário durou três meses
O processo de confecção da cartilha e do calendário durou três meses
© WWF-Brasil/ Antonio Oviedo
A Terra Indígena Praia do Carapanã situa-se na cidade de Tarauacá, no Acre, onde o WWF-Brasil já trabalha há anos
A Terra Indígena Praia do Carapanã situa-se na cidade de Tarauacá, no Acre, onde o WWF-Brasil já trabalha há anos
© WWF-Brasil/ Antonio Oviedo
Oficinas participativas orientaram toda a produção do conteúdo dos produtos - textos, relatos, ilustrações e abordagens
Oficinas participativas orientaram toda a produção do conteúdo dos produtos - textos, relatos, ilustrações e abordagens
© WWF-Brasil/ Antonio Oviedo
O objetivo deste trabalho é realizar o manejo do pirarucu dentro das Terras Indígenas situadas no Acre
© @WWW-Brasil
DOE AGORA
DOE AGORA