Sociedade

Tribunal de Contas avisa: manuais escolares gratuitos podem não ser sustentáveis

16 maio 2019 23:59

alexandre bordalo

Faltam 100 milhões de euros no Orçamento do Estado deste ano para pagar a medida. A suborçamentação “não é compreensível”, critica o TC. E as taxas de reutilização dos livros oferecidos foram tão baixas que a medida pode não ser sustentável no futuro, avisa ainda o órgão numa auditoria agora divulgada

16 maio 2019 23:59

No presente ano letivo, 436 mil alunos do 1º ao 6º ano receberam mais de dois milhões de livros escolares novos, no âmbito da política de gratuitidade dos manuais, iniciada pelo Governo em 2016. São mais de 80% dos potenciais beneficiários, o que revela “em boa parte a eficácia da medida”, conclui o Tribunal de Contas.

O problema, assinala a instituição, é que esta política pode não ser sustentável se as taxas de reutilização (muitíssimo baixas) não melhorarem substancialmente, fazendo diminuir o esforço financeiro do Estado que implica oferecer os manuais a todos os alunos inscritos em escolas públicas e privadas com contrato de associação.

Só para 2019, ano em que a gratuitidade abrange apenas os estudantes do 1º ao 6º ano – a extensão até ao 12º ocorrerá no próximo ano letivo, a partir de setembro – o Instituto de Gestão Financeira da Educação estima um custo de 145 milhões de euros. Sendo que no próximo ano letivo, o universo de potenciais beneficiários será muito maior.

“Estando a reutilização associada à economia da medida, a sua fraca expressão, se recorrente, resultará num esforço acrescido do Orçamento do Estado no financiamento e comprometerá a sua sustentabilidade”, lê-se no relatório da auditoria feita pelo TC e agora divulgada.

A taxa de reutilização dos livros, que permite que sejam usados por outros alunos nos anos seguintes, não foi além dos 11% no 1º ciclo e dos 0,4% no 2º ciclo. E 115 escolas (16% do universo) não adotaram de todo procedimentos de reutilização.

O Ministério da Educação publicou entretanto um manual de apoio à reutilização de manuais escolares que pode ajudar a melhorar os números, reconhece o Tribunal. Mas a medida pode não ser suficiente, avisa-se.

As dívidas às livrarias

O segundo grande problema detetado na auditoria prende-se com a suborçamentação da medida nos orçamentos do Estado. Aconteceu em 2018, quando o Governo inscreveu no Orçamento do Estado para esse ano 28,7 milhões de euros e a execução ficou nos 29,8 milhões. Isto sem contar com os 9,5 milhões para as licenças digitais dos respetivos manuais e que ainda terão de ser pagos este ano.

Já o OE para 2019 prevê apenas 47 milhões de euros, quando a execução estimada pelo Instituto de Gestão Financeira da Educação é de 145 milhões de euros. Ou seja, uma diferença de quase 100 milhões de euros em falta.

O TC diz que tal insuficiência orçamental – três vezes inferior ao estimado - “não é compreensível e está em desconformidade com os princípios orçamentais que norteiam o processo orçamental”.

A auditoria concluiu ainda que as deficiências do processo originaram avultadas dívidas às livrarias e que superava, no final de 2018, os seis milhões de euros. E a 1 de março deste ano, ainda era superior a três milhões de euros.

Uma das recomendações do TC aponta, por isso, para a necessidade de serem apurados e regularizados os montantes em dívida a muitas das 1800 livrarias envolvidas.

E a poupança das famílias

Reconhecendo que a plataforma (Mega) que permite que as famílias peçam os livros e os levantem depois nas livrarias foi montada em apenas três meses, o relatório aponta, no entanto, várias fragilidades no processo. É preciso melhorar a articulação entre as plataformas dos serviços centrais e das escolas.

Além disso é necessário que o Ministério defina procedimentos de acompanhamento e controlo da reutilização de manuais, uma medida “crítica para a economia e sustentabilidade da medida”.

Quanto aos 410 mil encarregados de educação que beneficiaram da gratuitidade, as contas do TC apontam para uma poupança entre os 26 euros e os 124 euros por aluno, consoante o nível de escolaridade frequentado.

A distribuição gratuita de manuais escolares aos alunos da escolaridade obrigatória é prática corrente na União Europeia, utilizando-se, em regra, a modalidade de empréstimo. A diferença é que Portugal é um dos países onde o ensino obrigatório se estende por mais anos (12).