Sociedade

Empresa que ia fazer prospeção de gás em Pombal e Alcobaça abdica do projeto. Associações ambientalistas falam em “vitória”

Imagem da ação de protesto realizada em julho de 2019 na Bajouca, freguesia de Leiria, onde a Australis pretendia abrir um furo de prospeção de gás.
Imagem da ação de protesto realizada em julho de 2019 na Bajouca, freguesia de Leiria, onde a Australis pretendia abrir um furo de prospeção de gás.
Fotografia cedida pela organização

Dos 15 contratos que foram assinados pelo Estado português para a exploração de gás e petróleo em território nacional, só dois ainda estavam em vigor. Também esses terão sido agora cancelados, e por decisão da empresa. Associações ambientalistas dizem que desistência põe um “ponto final na possibilidade de explorar combustíveis fósseis em Portugal”

Empresa que ia fazer prospeção de gás em Pombal e Alcobaça abdica do projeto. Associações ambientalistas falam em “vitória”

Helena Bento

Jornalista

É uma boa notícia para as organizações e movimentos pró-clima. A Australis Oil & Gas Portugal, empresa que assinou um contrato com o Governo para a exploração de gás natural em Pombal e Alcobaça, desistiu do projeto. A decisão terá sido adiantada à Direção-Geral Energia e Geologia (DGEG) numa carta enviada a 24 de agosto, de acordo com o jornal “Público”. A renúncia deverá ter efeito a partir do dia 30 de setembro, cinco anos depois de o contrato ter sido assinado.

Ao Expresso, João Camargo, investigador na área das alterações climáticas e membro do coletivo Climáximo, que luta pela justiça climática, afirmou-se “satisfeito” com a decisão, que considera uma “grande vitória”. “Há cinco anos, havia 15 contratos assinados para a prospeção de hidrocarbonetos, agora não há nenhum.” Segundo ele, tal deve-se “à crise do preço de petróleo que ainda se verifica hoje em dia”, mas também “à enorme mobilização social” contra a exploração que se gerou nos últimos anos.

Isto acontece, acrescenta, “mesmo depois de o Governo se ter recusado a cancelar a maioria desses contratos”, decisão que coube às próprias empresas, à exceção do projeto de exploração de petróleo e gás natural no Algarve por parte da empresa Portfuel, do empresário algarvio Sousa Cintra. “Mesmo no Parlamento, as iniciativas para acabar com as concessões nunca foram aprovadas, quanto mais houve recomendações que o Governo sempre fez questão de ignorar”, diz ainda. Nesse sentido, a recente notícia “é uma derrota para o ministro do Ambiente”.

Continua, porém, a faltar algo: “revogar o decreto-lei que enquadra e autoriza este tipo de concessões” (Decreto-Lei n.º 109/94, de 26 de Abril, que, como se lê em Diário da República, estabelece o regime jurídico das atividades de prospeção, pesquisa e produção de petróleo) e “criar um enquadramento legal que proíba a exploração de petróleo e gás natural em Portugal”.

Do pedido de esclarecimento pela agência do ambiente à desistência da empresa

O contrato para a prospeção de hidrocarbonetos foi assinado pelo Estado português em setembro de 2015, abrangendo duas concessões: a da Batalha e de Pombal, com uma área total de aproximadamente 2.500 km2. O contrato tinha a duração de oito anos. Em 2018, a empresa apresentou as propostas de Definição de Âmbito do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do “Projecto de Sondagem de Prospecção e Pesquisa de Hidrocarbonetos por métodos convencionais” à Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

A APA, contudo, emitiu um parecer nesse mesmo ano, a 5 de junho, a afirmar que não seria “possível concluir sobre a sujeição” do projeto para a prospeção e pesquisa na freguesia de Aljubarrota, na chamada área de concessão Batalha. A agência alegou que não conhecer a “localização exata do furo" impedia "a plena caracterização do projeto e do local”. Já em janeiro de 2019, e segundo noticiou na altura a revista “Sábado”, a APA exigiu a realização de estudos de impacto ambiental às sondagens de prospeção e pesquisa de petróleo em Pombal e na Batalha, uma vez que os documentos que haviam chegado à agência apresentavam “várias lacunas, tanto de carácter global, como específico, ao nível dos vários fatores ambientais”. Desde aí, pouco mais se falou sobre o assunto.

Na carta enviada em agosto à DGEG, e que o Público cita, a Australis diz ter cumprido “ todas as suas obrigações e compromissos nos termos do contrato de concessão” e diz também estar certa de que não deixou “quaisquer obrigações pendentes”. Só com a concessão da Batalha seria possível “abastecer mais de 10% das necessidades de gás natural do país nos próximos 20 anos”, sublinha, acusando o executivo de não dado “nenhum apoio ou ajuda”, mesmo na disponibilização de “informações claras, concisas e precisas” às populações locais e às autoridades municipais. Queixa-se também de não ter tido “qualquer reconhecimento do aumento do risco” para os funcionários e contratados, tendo em conta, por exemplo, as “ameaças ativistas em sessões de esclarecimento” e a “invasão e vandalismo nos locais de sondagem”.

Desistência da Australis põe “ponto final na possibilidade de explorar combustíveis fósseis em Portugal”, diz Zero

O recuo da empresa foi também saudado pela associação ambientalista Zero. Em comunicado a que o Expresso teve acesso, a associação refere que o “fim da possibilidade de exploração de petróleo e gás em Portugal é uma grande vitória para o ambiente” e põe “um ponto final na possibilidade de se vir a explorar combustíveis fósseis em Portugal”.

Segundo a Zero, “a possibilidade de exploração futura de hidrocarbonetos – o que significa termos um poço de prospeção de gás natural em terra – comprometeria irremediavelmente a imagem internacional de uma região de grande riqueza ambiental e ecológica caracterizada pelo turismo, colocando em causa as suas principais atividades económicas”. Além da “opção energética”, enquanto modelo de desenvolvimento, as “contrapartidas económicas da concessão não eram um bom negócio para o país porque reduzidas, sendo repatriado a maior parte do capital investido”. São também conhecidos “os riscos deste tipo de projetos para as populações (em particular para os grupos sociais mais frágeis), cujos principais beneficiários são precisamente os seus promotores”, acrescenta a associação, segundo a qual “os riscos reais suplantam, pois, amplamente, as vantagens potenciais para a economia nacional”.

Municípios de Batalha e Leiria também satisfeitos

Também os presidentes das câmaras de Leiria e da Batalha se mostraram satisfeitos com o fim do projeto. “Ainda não temos a informação oficial, mas, acreditando nas notícias, é uma grande vitória para a população da Bajouca, que se mobilizou para que pudessem ser travadas estas explorações na sua freguesia e que teve o apoio de todas as outras freguesias do concelho”, afirmou à Lusa o autarca de Leiria, Gonçalo Lopes, considerando a decisão da empresa de recuar como uma “vitória para a população e para o ambiente”. Para Gonçalo Lopes, trata-se também de uma “vitória política”, porque a Câmara “assumiu que era contra a exploração e apresentou uma análise técnica e argumentos políticos”.

Já o autarca da Batalha, Paulo Batista Santos, considerou que “não só é uma boa notícia, como é a confirmação do que se vinha a alertar”. “A concessão, como foi lançada, não era sustentável e a empresa não tinha grandes interesses, além do aspeto financeiro. Pena que tivéssemos de andar a lutar”, afirmou à Lusa. Para o dirigente do município, o importante é mesmo que a concessão seja “cessada definitivamente”, e por questões ambientais, “que sairiam prejudicadas” caso o projeto avançasse. “A prospeção iria contaminar as linhas de água que também suportam o consumo de água humana”. Por outro lado, a concessão “não traria qualquer valor acrescentado para a região e nem para o país”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt

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