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Matérias / Política

Hugo Chávez e a crise da Venezuela

Como a trajetória do presidente falecido em 2013 levou ao cenário atual

Andrea Ribeiro Hoffmann* Publicado em 03/04/2018, às 07h00

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Durante o segundo mandato, Chávez avançou na implementação de reformas econômicas - Shutterstock
Durante o segundo mandato, Chávez avançou na implementação de reformas econômicas - Shutterstock

Para entender a crise atual pela qual a Venezuela passa, é necessário relembrar o que era o projeto político do então presidente Hugo Chávez, que incluiu a redefinição do modelo democrático do país, propondo uma “democracia participativa e protagonista”, e a implementação do chamado “Socialismo do Século 21”.

Diferentemente da maioria dos países latino-americanos, a Venezuela permaneceu uma democracia durante a Guerra Fria. O último ditador, Marcos Peres Jiménez, foi derrubado em 1958 por um pacto de conciliação conhecido como Ponto Fixo (Punto Fijo). O Pacto incluiu os principais partidos políticos, o social democrata Ação Social (Acción Democrática – AD) e o democrata cristão Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Comitê de Organización Política Electoral Independiente – Copei), que alteraram o poder até 1988. A estabilidade foi mantida via inclusão de representantes dos outros partidos nos governos (exceto o Partido Comunista) e diálogo com empresários, trabalhadores, Forças Armadas e Igreja.  A base material do Ponto Fixo era a distribuição clientelista da renda petrolífera, controlada pela estatal Petroleos de Venezuela SA (PDVSA).

A crise econômica dos anos 80, década perdida na América Latina, e o final da Guerra Fria causaram mudanças estruturais e levaram a implementação de reformas neoliberais pelo presidente Carlos Andrés Pérez, eleito em 1989. As medidas de austeridade provocaram protestos em massa, conhecidos como Caracazo. A resistência culminou com uma tentativa frustrada de golpe militar em 1992, liderada pelo então, tenente-coronel Hugo Chávez Frias. Apesar do fracasso, o presidente Pérez acabou afastado por acusações de corrupção em 1993, e seu sucessor, Rafael Caldera, que já havia sido presidente entre 1968 e 1972, deu continuidade à agenda neoliberal. Um descontentamento generalizado com esta agenda levou a vitória de Chávez nas eleições de 1998, com 56.2% dos votos (63.45% turnout) (Villa 2005).

Um aspecto central do projeto de Chávez foi a reforma do modelo democrático, enfatizando a participação direta, e direitos sociais e econômicos, como claramente indicado em seu programa de governo “Propostas para transformar a Venezuela. Uma revolução democrática” (Scheidt 2016, 2017). A ideia da chamada “democracia participativa e protagonista” foi orginalmente proposta nos anos 80 pelo Movimento Bolivariano Revolucionário-200 (MBR-200), no qual Chávez era uma das principais lideranças. O movimento defendia que a democracia representativa e o Ponto Fixo perpetuavam o poder das oligarquias tradicionais, excluindo a maior parte da população.

Pouco depois de assumir o poder, Chávez convocou uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição, que foi aprovada por referendum com 71.8% dos votos, mas somente 44.4% de turnout devido ao boicote da oposição. A Constituição formalizou o novo modelo de democracia, que passou a complementar representação e participação direta em várias instâncias. A medida que começou a implementar seu projeto, que também inclui medidas econômicas tais como reforma agrária e o aumento da participação da PDVSA na produção do petróleo, a oposição foi se tornando mais radical, e, em 2002, Chávez foi brevemente deposto em um golpe. O golpe foi amplamente criticado por outros países, ainda que os Estados Unidos, Espanha e Colômbia tenham inicialmente reconhecido o governo golpista. Chávez foi reposto após alguns dias de tensão, amplamente divulgados pela impressa mundial (Monteiro 2014).

Nos anos que se seguiram, a alta do preço do petróleo facilitou a implementação de uma série de programas sociais, as chamadas Missões Bolivarianas (Missiones Bolivarianas). Entre 2000 e 2006, a pobreza diminuiu de 41,6% para 33,1%, e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) melhorou de 0,672 para 0,771¹. Nesse contexto, Chávez foi reeleito em 2006 com 63% (74% turnout), seu maior sucesso eleitoral. Durante seu segundo mandato, Chávez avançou na implementação de reformas econômicas, e consolidou a transição para o “Socialismo do Século 21”. Também foram criados os Conselhos Comunais (Consejos Comunales), estruturas de participação direta, financiadas diretamente pelo governo nacional, e que passaram a existir paralelamente aos governos locais eleitos. Os Conselhos Comunais podem ser aglomerados em Comunas, que foram institucionalizadas pela Lei das Comunas de 2010. Segundo as estatísticas oficiais, existem hoje cerca de 46.938 Conselhos e 1.801 Comunas, embora este número seja questionável². No plano econômico, vários modelos para substituir a propriedade privada foram experimentados envolvendo nacionalizações e expropriações, com resultados diversos (Azzelini 2013).

A implementação do “Socialismo do Século 21” e da “democracia participativa e protagonista” se tornou um processo cada vez mais complexo e conflitivo. A morte de Chávez em 2013 e a eleição de seu aliado Nicolas Maduro com uma pequena margem de votos (50,6%, 79,7% turnout), levou a um novo contexto. A oposição se fortaleceu, e conseguiu conquistar a maioria dos assentos para a Assembleia Nacional em 2015 (109/167, 74,2% turnout). A crise econômico-financeira que se iniciou em 2008 e se expandiu para América Latina, acirrada pela queda do preço do petróleo, adicionaram fatores para o descontentamento da população e fragmentação dos partidos de esquerda, enfraquecendo o governo de Maduro. Uma série de eventos em 2017 tais como reações repressoras do governo às manifestações, aumento de cidadãos solicitando refúgio em outros países e a eleição de uma nova Assembleia Constituinte continuaram a dividir a população e a opinião pública mundial sobre a legitimidade do governo de Maduro. Tentativas de mediação internacional até o presente momento não obtiveram sucesso; uma saída para a crise ainda não é clara.

Referências

¹ http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/VEN

² http://consulta.mpcomunas.gob.ve

Azzellini, Dario 2013: The Communal State: Communal Councils, Communes, and Workplace Democracy, in: NACLA Report on the Americas 46: 1.

Monteiro, Leonardo Valente 2014. Revisionism of relations with the United States and its variables in progressive governments in South America. Rev.Bras.Polít.Int 57(1): 177-196.

Scheidt, Eduardo (2016) A questão da democracia participativa na Venezuela durante a era Chavez: rumo a uma nova cultural política? Revista Eletrônica da ANPHLAC, n.21, p.149-175, Jul.Dez.

Scheidt, Eduardo (2017) A democracia participativa na Venezuela da Era Chávez e a Questão dos Conselhos Comunais e das Comunas. Tempos Históricos 21, p.261-291.

Villa, Rafael Duarte (2005) Venezuela: polítical changes in the Chavez era. Estudos Avançados 19(55), p.153-172.

*Andrea Ribeiro Hoffman é professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio