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Filme alemão tem plano-sequência de 134 minutos sobre assalto a banco

Atriz e diretor de ‘Victoria’, que está em cartaz, falam das dificuldades da gravação
Cena de 'Victoria', do alemão Sebastian Schipper Foto: Divulgação
Cena de 'Victoria', do alemão Sebastian Schipper Foto: Divulgação

RIO — Em “Victoria”, em cartaz no Brasil desde esta quinta-feira, os personagens principais dançam numa boate, roubam um carro no meio da rua e bebidas alcoólicas de uma loja de conveniência, brigam na calçada, usam drogas na cobertura de um prédio, vivem momentos românticos e, no clímax, invadem um banco e participam de uma intensa troca de tiros em vielas de Berlim. O longa tem extensos 134 minutos e é filmado num único plano-sequência, isto é, a câmera foi ligada e, durante todo aquele tempo, o que ela capturou é que o está nas telas. Ao contrário de alguns consagrados filmes que se propuseram a usar a mesma técnica, como “Festim diabólico” (1948) e “Birdman” (2014), não há truques nem cortes escondidos em “Victoria”. Pelo menos é o que a equipe alega, assim como o material de marketing da produção, que aqui no Brasil estampou nos cartazes, com letras garrafais, a informação sobre a existência do plano-sequência.

Embora o formato chame a atenção, ele não é garantia de um bom filme. Mas, no Festival de Berlim, ele venceu o Urso de Prata de contribuição artística pela fotografia de Sturla Brandth, enquanto parte da crítica atribuía à obra do cineasta Sebastian Schipper o mérito de não se apoiar totalmente em sua complexa técnica e por focar, também, na dramaturgia e no desenvolvimento de seus personagens.

— A protagonista, Victoria, foi uma boa moça a vida inteira. Seguiu todas as regras e acabou sem nada. Estudou intensamente, mas, no fim, ouviu que não era talentosa o suficiente. Será que ela é um exemplo para nós? Esse é um dos principais questionamentos do filme — diz o alemão Sebastian Schipper, mais conhecido por seu trabalho como ator em filmes como “Corra, Lola, corra” (1998).

DOZE DIAS DE ENSAIOS

O filme gira em torno da personagem-título, vivida pela espanhola Laia Costa, a partir do momento em que ela sai de uma festa às 4h da manhã e conhece um grupo de alemães. Morando há pouco tempo em Berlim, a garota se aproxima dos rapazes, ainda que, aos poucos, fique claro que as intenções deles não são lá muito bondosas. A trama justifica a amizade repentina e inusitada entre os jovens quando se aprofunda no passado de Victoria. Numa das cenas mais intimistas, ambientada numa lanchonete, ela explica a Sonne (Frederick Lau) que praticou piano durante toda a infância, mas foi rejeitada pelo conservatório, terminando solitária e buscando companhia numa cidade que mal conhece. Victoria decide ajudar os novos colegas num plano obscuro, e não volta atrás nem quando fica evidente que se trata de assaltar um banco. Todo o filme é contado pelo ponto de vista de Victoria.

— A parte mais complicada foi memorizar os detalhes técnicos ao mesmo tempo em que eu tinha que permanecer no personagem — lembra a atriz Laia Costa. — A gente não tinha a opção de parar e dizer: “Podemos repetir essa cena, por favor?”. Nesse projeto, o diretor de fotografia se assemelha a um jornalista de guerra tentando registrar a ação. O plano-sequência é uma contribuição importante para a história no sentido de que ele captura a atmosfera de urgência e perigo, o interior dos personagens, a vida noturna de Berlim e as emoções cotidianas de uma maneira extremamente autêntica.

Para sincronizar todos os eventos do enredo, foram necessários 12 dias de ensaios. Ao longo da projeção, são usadas mais de 20 locações. E mais de 150 figurantes trabalharam sob a coordenação de seis assistentes de direção.

Para justificar a opção de filmar em plano-sequência, Sebastian Schipper cita um trecho do romance “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley: “Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado”.

— Para mim, isso é o cinema, e é por isso que fazemos filmes. Na maior parte das vezes o que vemos são obras dentro de zonas de conforto. “Victoria” não é algo banal como (o jogo) “Candy crush”. É poesia, perigo, liberdade e pecado.

ERRO ENTROU NO FILME

Foram três tentativas para rodar o filme. A versão lançada nos cinemas é a última. Mesmo assim, houve momentos de tensão. Na cena que sucede o assalto ao banco, por exemplo, Laia Costa deveria dirigir um carro por um trajeto específico. Só que ela errou o caminho, então o pânico dos outros atores e as súplicas para que ela vire na esquina certa são genuínos. Quando o cinegrafista percebeu que o carro estava passando por integrantes da equipe que estavam parados nas calçadas, tomou a decisão de deitar no banco e filmar a cena por baixo. Todo esse momento de desespero está registrado nas telas. Até mesmo o diretor, que estava escondido no chão do veículo, começou a gritar orientações, com medo de que toda a sequência, até então rodada como planejada, fosse desperdiçada. A voz dele, contudo, foi retirada durante a pós-produção. O cineasta diz que nada deu errado nas duas primeiras tentativas. Mas elas não teriam sido boas o suficiente.

“Quando assisti ao filme completo, foi um momento emocionante, profundo, feliz e avassalador”

Sebastian Schipper
Diretor

— Filmar “Victoria” foi como criar uma máquina, como os Irmãos Wright fizeram com o avião. Na primeira tentativa, o avião não voou direito. Na segunda, faltou poesia. Já na terceira, o avião voou, e com graciosidade.

Schipper descreve a sensação de quando a câmera foi finalmente desligada, com o dia amanhecendo:

— Estávamos exaustos e vazios. Na minha cabeça, o resultado parecia positivo, mas eu, obviamente, ainda não tinha avaliado nenhuma cena num monitor ou numa sala de edição, como se faz numa produção tradicional. Então, apesar da sensação otimista, foi apenas no dia seguinte, quando assisti ao filme completo, que soube que tínhamos o resultado que queríamos. E aí, sim, foi um momento emocionante, profundo, feliz e avassalador.