Análise: designação do Brasil como aliado extra-Otan dos EUA traz boas perspectivas para a indústria de defesa

Novo estatuto não implica compromissos maiores no caso de intervenção na Venezuela ou perturbações nas relações com a China, dizem especialistas
O presidente dos EUA, Donald Trump, recebe o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, na Casa Branca durante visita oficial em março: designação anunciada então foi confirmada nesta quarta Foto: JIM WATSON/AFP/19-03-2019

RIO – A designação do Brasil como aliado extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) pelos EUA , anunciada na noite desta quarta-feira , não deverá trazer grandes impactos imediatos para o país, nem implica compromissos ou obrigações numa eventual intervenção militar americana na Venezuela ou perturbações nas relações com a China , apontam analistas ouvidos pelo GLOBO.

Mas, mais que o acesso privilegiado equipamentos militares americanos, entre outras vantagens estratégicas, as perspectivas são boas para a indústria nacional de defesa no médio e longo prazos, a depender do efetivo desenvolvimento de projetos conjuntos na área, destaca Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Uerj.

— Para amanhã, o Brasil não ganha nada, mas a possibilidade de outro tipo de cooperação para além da compra de armas, treinamento e manobras conjuntas, que de alguma maneira os dois países já faziam em alguma escala, traz boas perspectivas para a indústria nacional de defesa, que vem enfrentando um processo de sucateamento — diz. — Ao ampliar a musculatura da cooperação militar, podemos dar um salto qualitativo a apenas comprar equipamentos prontos, estabelecendo uma cadeia produtiva na área de defesa com o desenvolvimento conjunto de tecnologias e projetos. Os ganhos virão com o tempo, mas podem ser bastante significativos.

Esta aproximação, no entanto, não é vista com bons olhos por todos os analistas. Para o embaixador Marcos Azambuja, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais ( Cebri ), ex-secretário-geral do Itamaraty e ex-integrante do Conselho de Desarmamento da ONU, o Brasil estaria melhor servido se mantivesse uma distância maior dos EUA na área.

— Digo isso com muita cautela, não como uma crítica ao fato ou condenação, mas acho melhor para o Brasil escolher seus sócios, seus parceiros, que podem perfeitamente ser os EUA, em cada operação de acordo com seus interesses — considera, dando como exemplo a compra de caças suecos em recente programa de reaparelhamento da Força Aérea. — Havia a oferta de caças americanos e de países europeus da Otan na disputa, mas o Brasil optou pelos suecos. Não é uma alternativa de um ou outro. É ter uma liberdade mais ampla de escolha e ação, exercer no cenário internacional de equipamentos de defesa o que melhor lhe convém naquele momento.

Ambos analistas, no entanto, concordam que a designação de aliado extra-Otan não traz obrigações ao Brasil em se envolver numa possível intervenção militar americana na crise na Venezuela.

— O Brasil mantém sua margem de manobra quanto a aderir ou não em qualquer questão internacional e a designação não significa pressão adicional para participar de qualquer aventura militar americana na Venezuela — destaca Velasco.

Azambuja, por sua vez, reforça que o novo estatuto não é um tratado ou aliança, não trazendo obrigações jurídicas ao Brasil:

— É um arranjo de acesso privilegiado a equipamentos e treinamento militar americanos e certas tecnologias. Qualquer outra coisa é especulação subjetiva.

Para os analistas, o mesmo vale para as relações entre Brasil e China, principal parceiro comercial do país atualmente, embora, num primeiro momento, a designação possa trazer um certo “melindre”, ressalta Velasco.

— Claro que pode surgir alguma desconfiança seja da China, seja da Rússia, mas cabe ao Brasil ser hábil e mostrar que a designação não traz prejuízos às relações mais amplas com outros países e ao tradicional universalismo das relações externas brasileiras — avalia o professor da Uerj.

Para Velasco, isso não implica em um afastamento da China, destacando que "qualquer coisa ao contrário seria um tiro no pé".

— Claro que tudo depende de como o Brasil vai se comportar em outras frentes, mas este não parece ser o caminho que o governo (do presidente Jair) Bolsonaro está seguindo. A parceria com a China é estratégica e pragmática em termos políticos, econômicos e comerciais, apesar de todo um componente ideológico de alguns integrantes do governo, como o próprio ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que às vezes pode ser visto como anti-China.

Visão que Azambuja compartilha.

— Da mesma forma que na área de defesa, prefiro que o Brasil seja livre para exercer suas escolhas das melhores opções de acordo com seus interesses — conclui o embaixador.