Cultura
06 maio 2019 às 12h57

No punk não há ícones, mas se houvesse João Ribas seria o maior

Estreia esta segunda-feira, no IndieLisboa, o documentário "Um punk chamado Ribas", sobre o músico dos Censurados e dos Tara Perdida.

Maria João Caetano

O quarto de João Ribas. O quarto dos fundos em casa da mãe, dona Constança, no bairro de Alvalade, em Lisboa. O quarto de João Ribas tinha posters na parede e guitarras e outros instrumentos musicais, e tinha um colchão, onde ele dormia e que, de manhã, ele encostava num canto, junto à parede, para não atrapalhar os ensaios. Porque o quarto de João Ribas era também a sala de visitas, onde ele recebia os amigos, e a sala de ensaios onde os Censurados tocavam as canções que haveriam torná-los famosos, como Senhores Políticos ou Tu, ó Bófia.

Para Paulo Antunes, o realizador do documentário Um Punk Chamado Ribas, que esta segunda-feira se estreia no festival IndieLisboa, entrar no quarto de João Ribas foi talvez o momento mais emotivo de todo o processo: "Fui entrevistando pessoas e muitas delas me falavam daquele quarto, depois tive oportunidade de ir lá, percebe-se um bocadinho melhor quem era o João Ribas naquele quarto", conta.

João Ribas foi o músico, compositor e letrista, "peça fundamental do punk em Portugal", que esteve esteve na fundação das bandas Kus de Judas (1978-1982), Censurados (1988-1993) e Tara Perdida (1995-2014).

Paulo Antunes estava num concerto dos Tara Perdida, na semana académica de Faro, em 2013, quando teve a ideia para fazer este documentário: "Estava a ver a interação dele com o público e pensei: o Ribas dava um filme. Fiquei a pensar na ideia, mas achei que tinha tempo. Queria entrevistá-lo. Ele até poderia não aceitar, nunca saberemos." João Ribas morreu a 23 de março de 2014. O documentário começou a nascer pouco depois. "A primeira coisa que fiz foi falar com sobrinho dele para ter o apoio da família. Isso era importante para mim."

Paulo, atualmente com 31 anos, oriundo de Pontével, no Cartaxo, e a estudar em Faro, tinha acompanhado o movimento punk de longe, como fã, comprava discos e ia a concertos, mas não conhecia o meio. A sua incursão pela vida de João Ribas - conversando com os amigos, os músicos que com ele trabalharam, os familiares - foi também uma incursão por um conjunto de memórias dos anos 80 e 90 ligadas ao Bairro de Alvalade e ao Bairro Alto, ao bar Johnny Guitar e ao festival Rock Rendez Vous. "Queria mostrar a importância do João Ribas para o punk português mas também queria mostrar quem era ele. Foi um trabalho longo, a primeira gravação que fizemos foi em maio de 2015 e demorou quase quatro anos a ficar concluído", conta Paulo Antunes.

O documentário inclui entrevistas e imagens de arquivo, facultadas por familiares e amigos do músico, de concertos, ensaios, mas também de bastidores e momentos de convívio de João Ribas com amigos. "Achei que era mais importante mostrar essas imagens de momentos mais íntimos do que as imagens dos concertos que todos podem ver no YouTube", explica o autor.

Entre os entrevistados estão Isabel Ribas e João Diogo Ribas, respetivamente irmã e sobrinho de João Ribas, o radialista Henrique Amaro, os músicos João Pedro Almendra (Kus de Judas, Peste & Sida), Tó Trips (Dead Combo), Samuel Palitos (Censurados, A Naifa), Orlando Cohen (Censurados, Peste & Sida) e Rui Costa 'Ruka' (Tara Perdida e Rasgo).

Almendra lembra-se dele como um miúdo de "cabelo à tigela" e "muito magrinho". "Chamávamos-lhe Joe Ramone porque ele gostava muito dos Ramones", lembra o músico. Lembram-no como uma pessoa com "boa onda", "sempre disponível" para um jam session e para ajudar os músicos mais novos. "Um punk educado", como o recorda a manager dos Censurados, Aurora Pinheiro. Nunca chegava atrasado, apesar de não usar relógio. "Íntegro, super-honesto, elegante. Era um senhor todo descabelado", nas palavras da amiga Dina Krussman. "Não era um punk que andava para aí a partir coisas, era um punk diplomático. Sempre foi superprofissional."

Mas ainda assim um punk.João Ribas viveu uma vida de excessos e sem pensar muito no futuro.​​​​ "Tinha uma relação com o dinheiro e com as coisas materiais bastante descartável". E tinha aquela capacidade de pôr em canções as angústias e as revoltas dos jovens, o ódio ao sistema, a raiva que gritava nos concertos.

"As suas letras mostram como era ser jovem. Ele viveu toda aquela turbulência das drogas, da noite, da violência, de lutar pelo direito à diferença", explica a socióloga Paula Guerra, que estudou o punk em Portugal e que concluiu que João Ribas é o nome mais citado, por todos os músicos e por todos os fãs. "Não há ícones no punk", diz Miguel Newton, músico dos Mata Ratos. Mas se houvesse, João Ribas seria o maior de entre eles.

Para Paulo Antunes, João Ribas "sempre foi a peça fundamental do punk em Portugal". "E foi também isso que eu quis registar, a importância dele para o movimento punk e também para a música portuguesa no geral, porque não teve só influência no movimento punk", diz."Hoje em dia, continuam a aparecer bandas que têm essa influência do João Ribas e acho que era importante isso ficar documentado."

"Mesmo que uma pessoa não conheça as músicas nem seja fã, vai perceber a sua importância e vai ficar a conhecer melhor o João Ribas", espera.

Feito sem qualquer apoio, como projeto pessoal e também como trabalho final do mestrado, Um Punk Chamado Ribas é o "primeiro grande trabalho" de Paulo Antunes no cinema. Antes só tinha feito uma curta-metragem, no âmbito de um curso de cinema documental. Mas depois de estrear este documentário e de mostrá-lo "ao maior número possível de pessoas" em todo o país, tem outros projetos com que quer avançar.

Um punk chamado Ribas
De Paulo Antunes
IndieLisboa (secção IndieMusic)
Cinema São Jorge, Lisboa
Segunda-feira, dia 6 de maio, 19.00