Mundo
13 novembro 2019 às 23h03

Já há dois restaurantes em Lisboa para descobrir a slow food coreana

Reportagem no Grill de Korea e no K-Bob com o embaixador Song Oh a servir de guia nesta aventura gastronómica. E a Coreia do Sul, que esta quinta-feira celebra o dia nacional, quer que, além da comida, os portugueses conheçam também desde a sua música ao cinema, pelo que a agenda é bem recheada.

Leonídio Paulo Ferreira

A sul-coreana Kelly Choi descobriu Portugal no ano em que junto com o marido francês e a filha pequenina viveu num barco e chegou a ir aos Açores e à Madeira. "Gostámos do país, das pessoas, do bom tempo. E agora vivemos há três anos em Cascais", conta a dona do Grill de Korea, um dos dois restaurantes coreanos que abriram nos últimos tempos em Lisboa.

Daeeun Hong, dono do K-Bob, também conhecia Portugal dos tempos em que foi por cá voluntário, dando aulas de taekwondo. E gostou tanto do país que regressou a Lisboa e estudou Português um ano na Faculdade de Letras. Depois, convenceu a mulher, Heeran Shin, de que este cantinho da Europa seria um bom sítio para fazer vida e juntos acabaram por abrir o restaurante, um verdadeiro sucesso, primeiro no Martim Moniz, agora numas novas instalações na Avenida Ressano García, perto da Praça de Espanha.

"Estes dois restaurantes são de coreanos, com chefs coreanos e com autêntica comida coreana, isso posso garantir", diz Song Oh, embaixador da República da Coreia, ou Coreia do Sul, em Portugal. Foi na companhia do diplomata que me aventurei nesta viagem lisboeta ao mundo da gastronomia coreana, uma comida entre as mais saudáveis do mundo, mas não por isso menos deliciosa. E que é muito mais do que o kimchi, a couve branca fermentada e temperada com pasta de malagueta vermelha que é adorada pelos coreanos, todos os coreanos, do Sul e do Norte, e que claro não faltou à mesa quando os líderes Moon Jae-in e Kim Jong-un se reuniram em cimeira para acalmar as tensões na península dividida desde 1948.

O K-Bob foi o primeiro visitado, à hora do almoço. A casa estava com bastantes clientes e Coraline, uma estudante francesa que vive em Portugal mas estudou coreano em Seul e por isso dá uma ajuda no restaurante, explica aos estreantes pratos como o Jeyuk Bokkeun, carne de porco em molho picante, ou o bulgogi, que são tiras de carne de vaca grelhadas que tanto podem ser picantes como marinadas em soja e portanto mais fáceis de aceitar pelo paladar português. Devo admitir que nas minhas três idas à Coreia do Sul, foi o bulgogi o prato que mais me cativou, mas gosto também do bibimbap, uma mistura de arroz com vegetais e pasta de malagueta vermelha.

O embaixador Oh, feliz com a crescente atração dos portugueses pelas coisas da Coreia (da tecnologia Sansung e LG ao K-Pop, passando pelos carros Kia e Hyundai), diz-me estar certo de que "à medida que forem conhecendo a gastronomia do nosso país também a vão adorar".

No Grill de Korea, a refeição foi o jantar. O restaurante fica na Travessa da Espera, no Bairro Alto, e para já só funciona à noite. "Estamos ainda a precisar de fazer umas obras para dar um toque coreano ao restaurante, que foi antes uma casa de fado", explica a dona, fazendo agora sentido as paredes com azulejos brancos e azuis e motivos como guitarras e violas.

A história pessoal de Kelly Choi é uma aventura destinada ao sucesso e a verdade é que mal a vi reconheci uma coreana que semanas antes foi tema no The Sunday Times e que me despertou a atenção por, como dizia o jornal inglês, viver em Cascais. "Nasci no sul da Coreia e fui criada em tempos difíceis, comendo muito os produtos da terra. Aos 17 anos fui para o Japão e finalmente ao fim de sete anos cheguei à Europa. Em Paris, lancei-me nos negócios, primeiro que tudo com o sushi", conta esta mulher de 51 anos, que atualmente tem vários negócios em Portugal, como o Sushi Daily que existe em supermercados e serviços de tuk-tuk. Percebe-se, porém, que o seu entusiasmo agora é com o restaurante, a ponto de ter trazido duas chefs coreanas, Jin Lee e Jamie Bai. Também o português Daniel Guerra está a ajudar Kelly Choi nesta nova aventura, marcada por uma aposta na qualidade. "Queremos servir aqui a melhor carne. Vamos comprar carne portuguesa da melhor", assegura a empresária, sob o olhar atento do embaixador, que para este jantar trouxe a embaixatriz Jeewon Paik.

De volta ao almoço no K-Bob, Song Oh mostra o melhor que há também nas bebidas coreanas. Serve makgeolli, um licor de arroz, cuja garrafa deve ser agitada antes de ser aberta, mas antes ainda de tirar a tampa há que conseguir acalmar o gasoso que se formou. E cada coreano tem uma técnica própria, como explica o embaixador. Também abrimos uma garrafa de soju, bebida que pode resultar da fermentação de batata e que tanto pode ser consumida por si só como misturada com cerveja. "Resulta melhor com cerveja coreana", sublinha o diplomata, enquanto abre uma garrafa de Cass.

País com uma história plurimilenar, e um povo de língua e cultura bem distintas das dos chineses e dos japoneses, a Coreia ficou dividida depois da Segunda Guerra Mundial. Os derrotados japoneses, que colonizaram a península desde 1910, entregaram as armas a norte do paralelo 38 aos soviéticos, daí nascendo a República Democrática Popular da Coreia (a Coreia do Norte), comunista, e a sul aos americanos. Nos anos 1980, a Coreia do Sul evoluiu para uma democracia, o que associado ao seu dinamismo económico fez que o país de 50 milhões de habitantes se transformasse num modelo. Hoje a Coreia do Sul é a 11.ª economia mundial e bem mais rica do que a Coreia do Norte.

Os tais tempos difíceis de que Kelly Choi fala são hoje uma memória apenas. Mas dessa época em que, criança, vivia dos produtos cultivados pela família, a empresária quer ir buscar o melhor para o seu conceito de restauração. "No futuro o restaurante deverá ter um nome inspirado em oomoni, que é a palavra coreana para mãe. Porque a comida da nossa mãe é sempre a melhor", diz, entre risos. Estamos já sentados à mesa, o embaixador e a mulher, eu e a fotógrafa Sara Matos (que também almoçou no K-Bob) e ainda Namsoo Lee, um diplomata que fala português e que é dos que se diverte mais com estas experiências portuguesas com comida sul-coreana.

Dou por mim a aceitar de Kelly Choi uma folha de alface recheada no momento com carne grelhada acompanhada de vegetais e temperada com molho picante. Tudo é cozinhado na mesa, pelos próprios clientes, ao seu próprio ritmo. "A comida coreana é slow food, não é fast food", alerta Song Oh. Importadas da Coreia, as mesas estão equipadas com um grelhador ao meio.

No K-Bob, além de Coraline, a francesa que fala coreano, trabalha também em part-time David Batista, cujos dotes linguísticos incluem o chinês. "A comida é tradicional da Coreia, mas temos sempre de perguntar aos clientes se preferem menos picante", explica o português. E por isso, no caso do bulgogi, sai mais a versão das fatias marinadas em soja.

Experimento as duas versões e mesmo a picante acho suportável. O sabor vale o ardor e a seguir há sempre o arroz branco para nos salvar. "Nós coreanos usamos os pauzinhos como os chineses e os japoneses e também a colher, como os chineses, mas somos os que a usam para comer o arroz", explica o embaixador, há poucos meses em Portugal mas há muitos anos admirador da portuguesa Rosa Mota, medalha de ouro na maratona naqueles Jogos Olímpicos de 1988 que muito boa imagem deram da Coreia do Sul.

Tal como no Grill de Korea o segredo do sucesso são as cozinheiras vindas da Coreia, no K-Bob também os dotes culinários de Heeram Shin, de 27 anos e natural de Seul, são decisivos. "A minha mulher é muito boa cozinheira", diz sem hesitações Daeeun Hong, de 29 anos, e oriundo de Busan. Ela ri-se.

Despeço-me tanto de Kelly Choi como de Daeeun Hong e de Heeran Shin, provando o kimchi. Dizem que os portugueses não são grande entusiastas, exceto os que já conhecem as propriedades medicinais que até a OMS admite, ao dizer que é um dos cinco alimentos mais saudáveis do mundo.

"Para os coreanos, o kimchi é muito mais do que uma comida. Na geração dos meus avós e pais a família toda se juntava para fazer o kimchi. E até hoje os coreanos são viciados nele. Não se come arroz sem kimchi. E se os jovens às vezes comem menos do que no passado, quando chegam aos 30 ou 40 anos voltam a entusiasmar-se. Em todas as casas coreanas há um frigorífico especial só para o kimchi", explica o embaixador Oh.

E, já agora, de comida portuguesa, gostam? Kelly Choi diz que gosta de bacalhau, o casal de proprietários do K-Bob também. E sabem que tal como eles estão viciados no kimchi, ninguém em Portugal resiste a um bom bacalhau. O que não quer dizer que não se aproveite estas experiências gastronómicas exóticas oferecidas por uma Lisboa cada vez mais cosmopolita.

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