Jornal Negócios

Francisco Mendes da Silva 13 de Fevereiro de 2018 às 22:45
Sobre o Adolfo Mesquita Nunes 
Sempre convém lembrar que a reserva da intimidade da vida privada é uma defesa contra intromissões de terceiros, não uma proibição de a própria pessoa a expor como bem entender.

Durante as últimas autárquicas fui à Covilhã, a um comício do Adolfo Mesquita Nunes. Não que me afligisse extraordinariamente a política covilhanense, de cujas atribulações tinha apenas uma noção distante e esquemática. Fui porque sou amigo do Adolfo, colega de partido, e porque gosto de assistir a exibições de inteligência.

 

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O discurso do Adolfo foi isso mesmo: uma exibição de inteligência. O que mais me marcou, aquilo que eu contei quando regressei a casa, foi o estilo com que desarmou a campanha anónima que, pelos vistos (eu não sabia), havia posto a circular alusões à sua orientação sexual (em blogues e cartazes vandalizados).

 

O discurso ficou online e qualquer um pode ver a naturalidade com que o Adolfo, perante a família, os amigos e as centenas de apoiantes que ali estavam, diz aos autores da campanha que não tem problema algum em ser quem é - e que vergonhoso é querer ser político quando se é também ladrão, corrupto ou incompetente.

 

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O Adolfo foi eleito vereador e, com a sua equipa, levou o CDS ao melhor resultado na Covilhã dos últimos quarenta anos. Suspeito de que os cidadãos daquela encosta serrana não se terão debatido profusamente com o tema dos "rumores", aos quais, no fim de contas, não terão dedicado mais do que um distraído bocejo. O que, valha a verdade, diz muito sobre a relevância que a maioria das pessoas dá a estes assuntos "pós-materiais" sobre a vida privada dos outros, incluindo "o povo do interior", que o comentariado de esquerda e de direita vê sempre com a lente viciada e distorcida da mitologia.

 

Só agora o tema teve eco nacional, por causa de uma entrevista de vida ao Expresso. Nela, o Adolfo mostra a mesma inteligência; as reacções, na maioria entre a simpatia e a indiferença civilizada, também.

 

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No entanto, há quem argumente que a orientação sexual é uma matéria da intimidade e que, como tal, não devia ser trazida para o debate político. Fraco argumento, no caso. Não foi o Adolfo que fez da sua vida privada um tema político. Outros é que fizeram da vida privada dele uma arma de arremesso político, em público. Só nesse momento é que a questão passou a ser um assunto político, que aliás o Adolfo arrumou com a sua tranquilidade olímpica, dizendo que as coisas são como são e que nunca escondeu nada. A vergonha é de quem acha que ele devia ter vergonha. 

 

Seja como for, sempre convém lembrar que a reserva da intimidade da vida privada é uma defesa contra intromissões de terceiros, não uma proibição de a própria pessoa a expor como bem entender. Se alguém se sentiu incomodado com esta entrevista, é porque ainda tem um preconceito por resolver.

 

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Outra crítica que li, talvez a mais absurda, é a de que o Adolfo está no partido errado. Valerá a pena lembrar que os partidos são realidades dinâmicas, que vão sempre sofrendo as intimações da realidade? Que no CDS já houve muita gente contra o divórcio e que agora se defende o casamento entre pessoas do mesmo sexo desde que não se chame "casamento" à coisa? Se calhar não vale.

 

Mas é preciso dizer que o Adolfo Mesquita Nunes é, entre os políticos da sua geração, um dos mais sólidos intérpretes de uma dimensão fundamental da matriz ideológica da direita - a defesa da ordem liberal, das liberdades cívicas, sociais e económicas. Como mostrou no Governo, o Adolfo é inimigo do Portugal estratificado e corporativista, estatista e hostil à independência de espírito. É esse Portugal que tem um problema com o Adolfo. Quanto ao resto, sinceramente, é para o lado que o país dorme melhor.

 

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Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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