EUA apoiam o levantamento de patentes das vacinas contra a covid-19

É uma mudança total de posição dos Estados Unidos, que pode levar a uma decisão histórica no seio da Organização Mundial do Comércio.

Foto
A Administração Biden mudou o que tem sido a posição dos EUA Tom Brenner/Reuters

A Administração de Joe Biden apoia o levantamento das patentes das vacinas contra a covid-19, tal como prevê a excepção ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) em situações de emergência. É uma mudança de posição justificada com a necessidade de aumentar a produção de vacinas globalmente. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A Administração de Joe Biden apoia o levantamento das patentes das vacinas contra a covid-19, tal como prevê a excepção ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) em situações de emergência. É uma mudança de posição justificada com a necessidade de aumentar a produção de vacinas globalmente. 

A decisão foi anunciada por Katherine Tai, a representante dos Estados Unidos na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) que está a decorrer nesta quarta-feira, na qual o assunto foi discutido. Até agora, os EUA opunham-se ao levantamento das patentes. Este é um primeiro passo, que implica ainda negociar os termos de um acordo.

“Esta é uma crise de saúde global, e as circunstâncias extraordinárias da pandemia de covid-19 exigem medidas extraordinárias”, disse Tai, citada pelo New York Times. “Esta Administração acredita na protecção da propriedade intelectual, mas apoia a isenção desta protecção para as vacinas da covid-19 em nome de acabar com esta pandemia.”

Este assunto tem andado a ser discutido na OMC desde Outubro, quando a Índia e a África do Sul apresentaram uma proposta para a isenção dos direitos de patente sobre as vacinas contra a covid-19 dada a situação de emergência pandémica. Estes dois países do Sul global pretendiam usar as suas fábricas para produzir localmente vacinas, multiplicando a capacidade mundial e contribuindo para corrigir as assimetrias que fazem com que a esmagadora maioria das vacinas tenha sido canalizada para os países ricos. A Índia e a África do Sul são também países com capacidade de capacidade de produção de medicamentos – sobretudo genéricos. A Índia é o maior fabricante mundial de vacinas.

A sua proposta, feita ao abrigo da excepção ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, conseguiu o apoio de 164 países até agora – mas as decisões da OMC são tomadas por consenso, e alguns países têm resistido sempre a esta ideia. São sobretudo países com forte indústria farmacêutica: os Estados Unidos, até agora, a União Europeia, a Suíça, o Reino Unido, diz a Reuters. 

Mas a Administração Biden tem sido fortemente pressionada a mudar de posição. Tem havido uma campanha de 375 organizações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, a favor da isenção, e a Organização Mundial da Saúde tem feito múltiplos apelos nesse sentido. Mas esta semana foi publicada em vários jornais do mundo uma carta de ex-governantes e outras figuras destacadas, entre as quais o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, o ex-Presidente russo Mikhail Gorbatchov, ou os prémios Nobel arcebispo Desmond Tutu (Paz), Joseph Stiglitz (Economia), Orhan Pamuk (Literatura), entre muitos outros, apelando directamente ao Presidente norte-americano a que alterasse a posição do seu país.

A próxima reunião do conselho TRIPS realiza-se na segunda metade de Maio e haverá nova discussão a 8 e 9 de Junho, na qual o tema deve ser aprofundado. Os Estados Unidos participarão nestas discussões, anunciou Katherine Tai.

A entrada de uma nova directora geral na OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, terá sido decisiva para fazer avançar a organização. A nigeriana tinha incentivado os membros da OMC a negociar sobre a isenção, propondo o que chamou de “terceira via” – a transferência de tecnologia, voluntária, das grandes farmacêuticas, detentoras das patentes, para empresas com capacidade de produção noutros países.

As grandes farmacêuticas têm, no entanto, resistido a estes apelos ao levantamento das patentes ou a fazer mais transferências tecnológicas, dizendo que capacitar uma fábrica para produzir vacinas é um processo moroso e delicado e que esta não será a solução para acabar com os estrangulamentos na produção mundial de vacinas contra a covid-19.

“Estou firmemente convencida que quando nos sentarmos com um texto para discutir à nossa frente conseguiremos encontrar uma forma pragmática de avançar”, disse Ngozi Okonjo-Iweala na reunião do conselho-geral da OMC, citada pela Reuters.