Economia
18 dezembro 2021 às 00h09

Faltam engenheiros para o PRR, denuncia Fernando Almeida Santos

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Na entrevista desta semana "A Vida do Dinheiro", Fernando Almeida Santos admite que "não há engenheiros para o que o Estado quer fazer nos próximos dez anos".

José Milheiro (TSF) e Joana Petiz (Dinheiro Vivo)

Fernando Almeida Santos é um dos candidatos a bastonário da Ordem dos Engenheiros, ele defende políticas de atração de imigrantes qualificados para resolver a carência de profissionais na área.

Fernando Almeida Santos é engenheiro civil de formação e vice-presidente da Ordem dos Engenheiros, a cuja presidência agora se candidata. Vem do setor privado, passou pela Engil e fundou a Tabique, empresa de serviços na área. A Ordem tem hoje 58 mil profissionais registados, distribuídos por 12 colégios e especialidades.

O PRR está aí à porta. Portugal tem engenheiros para executar tantos milhões? Era bom poder responder afirmativamente, mas não tem. É uma das centralidades da nossa candidatura alertar e querer ajudar a resolver esse problema, porque não vamos ter capacidade técnica suficiente para o que o Estado se propõe fazer nos próximos dez anos.

E onde se pode ir buscar? Temos de pôr isto em duas dimensões: se pensarmos que vamos ter 50 mil milhões de investimento na década e já estamos aflitos com 2,5 mil milhões anuais, já não temos engenheiros, e se pensarmos que os nossos emigrantes não voltam - e se voltassem teriam dificuldade em preencher as necessidades do país -, acho que temos de ter claras políticas de imigração qualificada e integrada num plano de combate ao défice demográfico português. Nós queremos ajudar à solução e temos propostas.

Para fazer obra e família? Também. Há um exemplo dos anos 70, o Luxemburgo, que não tinha população ativa suficiente e fez um trabalho social intenso, chegando a dois países "finalistas" para apostar na imigração deles: jugoslavos e portugueses. Apostaram em nós e hoje há portugueses ou seus descendentes em posições de liderança. Nós temos de ser proativos e não reativos. Já tem havido movimentações com a fileira da construção para tentar acelerar questões de imigração setorial, mas é complicado, porque a fileira ainda não é vista como motor da economia, mesmo que o seja - e com o PRR e o PT2030 será mais.

Que especialidades têm mais dificuldade de encontrar mão-de-obra especializada? Todas, ainda que por razões diferentes. As áreas tradicionais têm hoje muito menos procura nos cursos, cria-se menos fornadas de engenheiros, por razões sociológicas, da crise na construção da última década, por exemplo, a procura diminuiu imenso. E emigrou imensa gente - só na construção há um défice de 70 mil profissionais. Depois, se pensarmos no PRR e no PT2030, que são baseados na transição digital, na ação climática, nas infraestruturas e na mobilidade, é tudo engenharia, seja das novas tecnologias seja das engenharias clássicas. E nas novas áreas temos um problema delicado: sendo desmaterializadas, os nossos jovens engenheiros emigram às vezes até sem saírem de Portugal.

Isso também abre oportunidade para captar pessoas de fora. Provavelmente, mas precisamos das tais políticas de imigração setorial e profissional para complementar as nossas faltas. Nós queremos ser parte da solução e também estamos preocupados com a valorização dos engenheiros. Tem existido nos últimos anos uma política de contratualização pública que prejudica as empresas portuguesas, nalguns casos em particular os engenheiros. Os preços base abaixo do valor de referência do mercado levam a que as empresas, para ter trabalho, tenham de diminuir preços, para o que baixam margem ou vão só para sobreviver. Isso faz que não consigam subir salários e provoca dumping salarial - uma evidência nos últimos anos na engenharia - com a agravante de as empresas não conseguirem riqueza, que é o que provoca inovação e internacionalização. Portanto, indiretamente, o Estado está a prejudicar-se a si próprio ao não ter empresas musculadas.

O PRR pode ajudar? Uma vez que estamos a concorrer com toda a Europa, para captar engenheiros terá de se subir preços... Pode, se Portugal souber valorizar-se. Nos últimos dois ou três anos entregámos mais de metade das contratualizações a empresas estrangeiras. Na construção, praticamente todas eram espanholas. A riqueza não fica cá. Estamos a produzir trabalho para exportar riqueza e isso não pode acontecer. Temos de criar ferramentas para salvaguarda do interesse nacional. Numa contratação pública, independentemente de bem aplicada a livre concorrência e a transparência de mercado, se há cadernos de encargos inerentes e cláusulas contratuais, que já se pode fazer à medida de Portugal, e se pede que o engenheiro responsável da obra da construtora tenha 20 anos de experiência profissional, dos quais dez em ferrovia, é grave porque não tivemos nos últimos 20 anos ferrovia desenvolvida aqui. Estamos a entregar os trabalhos a empresas estrangeiras. São essas cláusulas de blindagem que têm de salvaguardar a liderança do exercício técnico para empresas portuguesas. Bastava pedir dez anos de experiência em vias de comunicação e transportes e resolvia-se o assunto. Há pormenores que fazem imensa diferença e impactam na riqueza que pode ou não ficar em Portugal. São estas intervenções que queremos ter em conjunto com quem decide, transformar a intervenção dos nossos engenheiros através da sua associação representativa, não só como executores mas também decisores, até nas políticas que interessam a Portugal.

Estamos prestes a conhecer o vencedor do concurso internacional para desenvolver a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) para definir a localização do Novo Aeroporto de Lisboa. O trabalho vai ter 16 meses. Os engenheiros não conseguem trabalhar mais depressa ou são os políticos eternizam problemas? Para processos complexos há soluções complexas, mas esse caso tem duas nuances: essa dimensão da demora é uma. Podia demorar menos com a imposição de prazos...

Em 2008, o LNEC levou seis meses a fazer o trabalho, embora com menos zonas mapeadas potencialmente aeroportuárias. A demora tem muitas vezes que ver com a qualidade da resposta e da responsabilidade técnica. Aqui a questão é saber qual é a responsabilidade técnica da AAE, se existe, se está indexada, se é feita por pessoas altamente qualificadas... porque isso obriga a uma conjugação de intervenções e subpartes que pode demorar. Mas entendo que 16 meses para fazer um estudo, por mais que seja a obra principal do país dos próximos tempos, é demais. Se isso demora 16 meses, quanto demorará o projeto completo?

Qual seria a melhor localização? Pelo lado da Ordem, vamos lançar um debate rápido, com prazo apertado, para ter uma posição oficial na defesa da salvaguarda de Portugal. Sendo que não há posições unânimes. A minha é que queremos ter o tríplice Europa/Ásia/ América temos de ter um grande aeroporto na zona de Lisboa que permita uma concentração de voos e distribuição de pessoas, de identidade portuguesa, que nos beneficie. Tipo Barajas em Madrid. Sob esse ponto de vista não pode haver pulverização, tem de haver um aeroporto central muito grande. Por isso defendo Alcochete.

A Ordem vai trabalhar para ter um estudo paralelo à AAE? Isso não, pode é comentá-la se o governo o requerer. O que vai fazer é lançar debate para determinar a posição oficial sobre a localização.

As ligações de alta velocidade vão ter de acontecer, apesar de o Plano Ferroviário Nacional descartar a rede dedicada de TGV? Que projeto fazia sentido? Eu sou um defensor do TGV, é outro debate que temos de criar, se se justifica a alta velocidade e a justificar-se, se deve ser para passageiros ou mercadorias ou mista, e que linhas prioritárias deve ter.

E quais são? Eu defendo claramente que o núcleo duro tem de ser Portugal. Se fizermos prioritariamente uma linha Lisboa-Madrid não estamos a beneficiar Lisboa. Mas se fizermos Lisboa-Porto-Braga, no eixo litoral português, sim. A mobilidade é feita aqui.

Mas criar essa ligação no transporte de mercadorias e com ligação aos nossos portos não atrairia importações para a Europa através de Portugal? Também, mas não é a ligação prioritária. A alta velocidade justifica-se para passageiros e depois, em horários não convencionais, pode aproveitar-se para mercadorias. Aí temos claramente que aproveitar Sines. O Estado tem investido de forma interessante em Sines, já está a fazer-se a linha de velocidade alta no Alentejo, com ligação à fronteira do Caia em Elvas e distribuição para a Europa, portanto essa aposta estratégica existe. Resta saber que barreiras terão os nossos vizinhos espanhóis, porque eles têm Valência e Algeciras como portos de entrada para a Europa que competem com Sines; e nós para distribuirmos mercadorias temos de passar por Espanha. Isso tem de ser trabalhado.

Em conjunto com Espanha? Sim, não adianta trabalharmos sozinhos e termos um muro na fronteira. E está a ser. Estamos - está nas minhas mãos enquanto vice-presidente - a interagir com o colégio de industriais e a ferrovia espanhola para criar um debate que permita uma visão estratégia ibérica na ferrovia, centrada nos engenheiros mas que depois será transportada para os decisores públicos dos dois países.

O Metro de Lisboa tem dado muita polémica. Apesar de adjudicados contratos de 142 milhões para a linha circular, ainda se vai a tempo de mudar de planos? Ainda agora foi chumbado na CML o projeto... A engenharia portuguesa tem capacidade para pôr em prática qualquer decisão política para grandes obras e infraestruturas. É altamente prestigiada e consegue fazê-lo. A decisão foi essa, irá ser posta em prática independentemente de haver vontades políticas diferentes e isso está acima da intervenção do engenheiro, a não ser que seja posta à discussão a intervenção da engenharia.

E não é o caso, por exemplo na Estrela e em Alcântara? Não há questões de segurança? A engenharia tem de ter opinião e se formos chamados a pronunciar-nos fá-lo-emos. Eu sei que é uma preocupação dos engenheiros e dos lisboetas e sendo chamados, cá estaremos para ajudar o decisor público. Querermos apoiar Portugal no seu desenvolvimento. O engenheiro é um recurso estratégico nacional, mas não pode sê-lo exclusivamente para pôr as coisas em prática, é também para apoiar o país nas decisões e nas políticas. E sob esse ponto de vista penso que o nosso mote de candidatura é diferenciador no sentido de haver uma intervenção que permita a Portugal usufruir de uma visão estratégica dos engenheiros que permita o seu desenvolvimento.

A engenharia pode ser entendida como a capacidade de construir infraestruturas e redes. como está Portugal em redes energéticas? Somos uma ilha sem capacidade de exportar? A Península ibérica é uma ilha, porque não há acordo estratégico com a Europa que permita diminuir preços relativamente aos consumos energéticos. E isso é um problema. Há uma aposta portuguesa correta nas energias limpas e que coincide com a vontade da Ordem de, com as novas tecnologias e áreas, trazer a engenharia para o século XXI - não acompanhámos o desenvolvimento do conhecimento em termos matriciais internos. Por exemplo, não temos nos colégios engenharia biomédica, aeronáutica, de gestão industrial, novas especializações como a das catástrofes naturais... temos a energia, mas queremos centrar-nos na ação climática e transição digital. E temos como previsão pôr 2023 como o ano da energia e clima na Ordem e criar um grande debate com o Fórum do Clima e Energia sobre estas matérias. E uma das questões principais é precisamente não termos conexões à Europa, fora Espanha, que nos permitam importar e exportar energia. Temos uma rótula de não transitividade nos Pirenéus que nos prejudica claramente em preços energéticos e estamos muito vulneráveis a isso.

Perante isso, compreende-se que Portugal tenha deixado de produzir eletricidade a partir do carvão ou foi antes de tempo? Há aí um objetivo muito forte de descarbonização energética como opção política, como exemplo. Eu sou algo resistente, acho que temos de ter salvaguardas que nos permitam ser competitivos. Os que estamos a fazer na energia limpa é altamente positivo, mas do ponto de vista económico tira-nos competitividade comparativa com outros países da UE. Mais de 50% da energia produzida na Polónia é baseada em carvão. Esse tipo de decisões tem de ser uniforme na UE ou perdemos capacidade competitiva.

E aumenta o risco de apagão? Aumenta, mas há salvaguardas nas termoelétricas, o risco é reduzido. A grande questão é que prejudica a economia portuguesa, porque temos a Europa a várias velocidades. De que adianta sermos um bom exemplo se não ganhamos competitividade externa relativamente às nossas opções estratégicas?

Na rede de albufeiras, Portugal precisa de mais barragens? Isso tem de ser visto de forma integrada. A aposta no solar e em eólicas compensa de forma geral as hídricas. Estas só devem ser privilegiadas se simultaneamente à capacidade energética tiverem capacidade de armazenar água.

Que é uma questão, sobretudo a sul. Exato. Mas por exemplo, na nossa bacia do Douro temos um acordo com os espanhóis em que eles têm de libertar-nos 50% do caudal produzido em Espanha - o que não cumprem... - mas do lado português conseguimos produzir 80% da bacia total do Douro internacional. Ou seja, desde Espanha até ao Porto, 80% da água é produzida do nosso lado. O problema é que desperdiçamos quase tudo para o mar. Foz Tua ajuda, é uma forte fonte de retenção, mas não chega. Muitas vezes confunde-se ambientalismo (o estado puro da Natureza) com ambiente (defesa do Homem face aos fatores da natureza, por isso andamos vestidos, por exemplo), que é o que temos de salvaguardar sem sermos fundamentalistas. Todos gostamos de abrir a torneira e ter água, mas para isso há que ter barragens e para isso há que construí-las. O que é preciso é haver equilíbrio. Pode ser necessária uma ou outra barragem - Fridão em Amarante, Alvito em Castelo Branco, talvez, por questões de água e energéticas.

Então o regresso ao Plano Nacional de Barragens do tempo de Sócrates era megalómano? Curiosamente só faltam estas duas desse plano - menos a que foi anulada, na Bacia do Tâmega. Há que haver equilíbrio entre as necessidades económicas do país, a competitividade e a descarbonização e os fatores do ambiente. O que é preciso é que se decida.

Essa incapacidade de decidir é um problema nosso? Incomoda-me, como português. Sou um otimista, do verbo fazer, e acho que não podemos passar 50 anos a discutir o novo aeroporto. Quanto é que isso custa ao país? A não decisão, às vezes, é muito mais cara do que uma má decisão. Temos de ser pragmáticos, não precisamos de mais estudos, precisamos é do aeroporto, das infraestruturas, de ser competitivos internacionalmente. Nós não tínhamos há 40 anos uma rede de saneamento básico adequada, hoje temos 97% do país coberto, foi muito trabalho de engenharia feito. Mas demoramos demasiado a decidir obras de charneira e isso tem que ver com um problema político: não temos planeamento integrado, plurianual, que vá para além das legislaturas. E se mudamos e condicionamos as grandes opções a cada governo, o país é o grande prejudicado. A população tem de estar sensibilizada para que os grandes desígnios nacionais terem de ser apartidários, conjunturais e estruturais. Se perguntasse a qualquer pessoa se uma mudança de governo teria efeito no PRR, em qualquer país diriam que não; aqui não sabemos. E isso faz mal ao país.

Tem-se falado na construção de um túnel de 50km entre Belver e Constância para regularizar caudais no Tejo. Os transvases sempre evitados por Portugal são uma solução para levar água onde ela falta? É uma solução clara de engenharia e desde que as populações a montante não saiam prejudicadas pelo exercício e isso contribua para a coesão nacional, contribuiremos para essa solução, que do ponto de vista ambiental pode não desequilibrar os caudais. Os espanhóis fazem-nos há muitos anos sem problemas.

Outro tema onde a engenharia portuguesa tem tido encontros e desencontros com os espanhóis é o nuclear. Depois de terem sido impedidos de entrar na central de Almaraz, há quatro anos, já voltaram a tentar? Eu estive lá nessa situação, com o atual bastonário e outros. Nós não queremos nuclear em Portugal e Espanha tem oito centrais, uma a menos de 100 km da fronteira portuguesa, portanto temos um problema nuclear em Portugal, estamos sujeitos a ele sem ter centrais. Defendo que sempre que pudermos ser autossuficientes em produtos e soluções, nomeadamente energéticas, devemos apostar nelas, no sentido de equilíbrio de populações, risco e de energia verde. A energia nuclear é altamente limpa na produção, mas altamente suja no seu tratamento para além da vida útil, a tal pegada ecológica a posteriori. Fechar uma central nuclear é muitíssimo mais grave do ponto de vista ambiental do que tê-la uma vida em utilização. Se acontecer um problema em Almaraz, Portugal pode até sofrer mais do que Espanha, onde há menos pessoas.

E há monitorização da engenharia a esse problema? Não, nem nos deixam ter. Os espanhóis são extremamente condicionantes no que são os interesses portugueses relativamente a questões transfronteiriças. Têm uma matriz imperialista das questões, enquanto nós temos uma abordagem de parceria, e isso reflete-se na forma como interviemos nos Descobrimentos. A abertura é muito difícil. Há pouco falei em estarmos a exportar riqueza portuguesa para Espanha nas grandes obras: desde a democracia, Portugal não teve uma única obra pública em Espanha, porque blindam os cadernos de encargos para salvaguardar a economia própria. E têm uma dimensão pujante nas principais construtoras ao ponto de a Ferrovial gerir o aeroporto de Heathrow, porque geram riqueza que alavanca outras dimensões. Espanha é quatro vezes maior do que nós, mas em termos económicos é seis vezes, faz escala. E nós não podemos ser um mercado interno para Espanha, temos de salvaguardar o nosso interesse. Isso não está a ser feito e só se faz com bons líderes. Por isso proponho-me liderar um processo na engenharia em que Portugal tem uma palavra a dizer para o seu engrandecimento.

Isso pode passar por uma vantagem que temos na exploração de lítio garantindo a mais-valia aqui? Nós temos de aproveitar todos os meios que temos: se não exportarmos para o mundo os recursos que temos e que podem proporcionar-nos riqueza sem prejuízo das populações, outros o farão. Continuaremos a ser simpaticamente empobrecidos por não tomarmos decisões e andarmos sistematicamente a adiar soluções que permitam o nosso desenvolvimento.

A oposição da população à exploração de lítio tem razão de ser? Eu sou empresário e defensor da economia de mercado. Entendo que se temos condições competitivas para explorar os solos, embora isso possa trazer questões mais localizadas, devemos ter cuidado de estudar o custo/benefício das soluções. E se a conclusão com tudo - responsabilidade social, impacto nas comunidades, etc. - for que há vantagens para nós face aos não benefícios, a decisão deve ser atuar. E deve existir decisão, mesmo que depois haja reação. Nesse tipo de explorações mineiras e de obras há na América Latina um responsável social, um negociador não de contrapartidas mas de envolvimento da comunidade na solução - e se calhar é isso que nos falta. Se as comunidades forem envolvidas na solução e não tiverem só reações a um problema com contraditórios do Estado (o político fala às massas e a população faz manifestações), se as populações forem tidas em conta nas soluções e não só no problema, muitas questões se resolvem.

Portugal tem um parque habitacional urbano envelhecido nos centros históricos das cidades... o nível e a qualidade da reabilitação satisfaz a Ordem? Não. Há muito a fazer, a proposta aprovada da Lei de Bases da Habitação parece-me adequada, baseada na Constituição e na habitação condigna para todos. E há impactos a resolver em determinado tipo de níveis da população, mas temos capacidade e acho que essa é a parte mais fácil. A mais difícil é um quid pro quo relativamente aos engenheiros: a falta de recursos humanos e a sua captação para as grandes obras públicas vai esvaziar de engenheiros a edificação pura de base, nomeadamente a habitação. E isso pode abrir uma oportunidade aos arquitetos (e eles que me desculpem), mas na qualidade das construções e nas suas características técnicas isso causará diminuição da qualidade do parque habitacional.

Com 75% das casas com pobre certificação energética, os fundos previstos no PRR são adequados? Não, mas é um ponto de partida. Eu, sendo um otimista, entendo que o PRR não é a última oportunidade de Portugal. Já em 2014 o PT2020 o era e temos aí o PT2030, o PRR, e a seguir haverá outros. Penso que a aposta será muito mais na IA, nas dimensões imateriais, no conforto das pessoas. E por aí penso que este é um trabalho de melhoria das condições de vida dos portugueses a fazer nos próximos dez anos e que continuará em diante, sem se esgotar nestes fundos. Temos é de melhorar as condições de vida dos portugueses.