04 fevereiro 2018 às 00h57

José Peseiro "Já tive a possibilidade de treinar o Benfica e continua a ser um dos meus objetivos"

Bruno Pires

Atualmente sem clube, José Peseiro concedeu, em Lisboa, uma entrevista ao DN. E falou de tudo: das más opções de carreira, do campeonato em que deseja trabalhar e das relações que mantém com, por exemplo, o seu antigo colega José Mourinho e o seu antigo jogador Pedro Barbosa. Revelou ainda o desejo de fazer o pleno nos três grandes. Enquanto não surge o próximo desafio, vai-se entretendo com uma paixão antiga: os pombos.

Treinou o Sporting, o FC Porto e o Sp. Braga. Consegue dizer, a esta distância, onde foi mais feliz?

Em todos tive momentos de felicidade. No Sporting não venci mas estive perto. No FC Porto foram seis meses com um contexto complicado, em que era difícil ter sucesso. A felicidade não se faz só de resultados. Faz-se do trabalho, do processo, dos jogadores que treinamos, das amizades que fazemos... muitas vezes até as derrotas, que custam, trazem algo de positivo. No FC Porto perdi uma Taça de Portugal, que não é uma coisa boa nem traz felicidade, no Sp. Braga ganhámos uma Taça da Liga e colocámos o clube na Liga dos Campeões, após o playoff com a Udinese. E o Sp. Braga esteve duas vezes na Liga dos Campeões, uma comigo, outra com o Domingos. E no Sporting, uma final da Taça UEFA... o Sporting tem duas finais europeias.

Consegue identificar o pior e o melhor momento da sua carreira?

Não gosto de ver as coisas assim...

O pior foi a final da Taça UEFA?

Na altura foi, mas agora não o vejo assim de uma forma tão drástica.

E o melhor? A Taça da Liga?

Não tenho a certeza, estar numa final de uma Taça UEFA também tem peso. Também subi quatro vezes de divisão. Quando cheguei à I Divisão subo com um clube, ninguém me deu um clube.

Queria chegar a isto: As suas equipas têm uma marca registada de bom futebol e de espetáculo. Não é curto ter uma Liga egípcia e uma Taça da Liga?

Sim, mas depende dos recursos. No Sporting estive para ser campeão, mas saí e até hoje o Sporting não voltou a ser. E os recursos que tive à disposição não são idênticos aos de agora. E podíamos ter sido campeões e vencido a Taça UEFA. Em que clubes estive para ganhar títulos? No FC Porto seis meses, e podia ter ganho a Taça de Portugal, e no Sp. Braga venci uma Taça da Liga. Os contextos em que estive não eram facilitadores para ganhar títulos.

Até por isso, dá ideia de que não tomou sempre as melhores opções.

Não sei se tomei, mas também tem que ver com os clubes que me procuram. Uma coisa é estar num contexto favorável e ganhar. Quando cheguei ao FC Porto isso não acontecia. O FC Porto teve contextos favoráveis para ser campeão, mas não na minha altura. Quando estive no Sporting, o Benfica e o FC Porto tinham orçamentos superiores. Aconteceu uma ou duas vezes essa oportunidade de ganhar títulos.

Já disse que no seu próximo projeto tem que lutar por títulos.

Disse que em Portugal neste momento só em clubes que disputem títulos.

Isso aplica-se também ao estrangeiro?

Também. Fui para o Sharjah [Emirados Árabes Unidos] por ser muito amigo do sheik, mas sabia que não tinha hipóteses de ser campeão. Isso não quero repetir.

Essa foi uma das más opções tomadas?

Sim, mas houve mais. Uma muito má deu-se quando saí do Sporting e recusei o Besiktas.

Porque recusou?

Tinha necessidade de parar devido à pressão e ao stress que senti no Sporting. Tinha acabado a época sem vencer e comecei com reticências porque sabia que o Sporting não ia investir e estava desmembrado. O convite do Besiktas surgiu oito dias depois da minha saída de Alvalade. Se tem aparecido um mês depois tinha aceitado e aproveitava a onda da final europeia e da qualidade de jogo.

Onde deseja treinar desde sempre?

Em Inglaterra, desde que cheguei a este nível. E só treinei na I Liga quatro anos e meio, é muito pouco. Mas Inglaterra foi sempre um sonho. Já tive uma, duas, três possibilidades e nenhuma se concretizou.

Tem as portas fechadas nos grandes?

Não sei, não é fácil. Já estive no Sporting e no FC Porto. Não é fácil, não se pode dizer que estão fechadas ou abertas...

Mas qual é a sensação que tem? Diz que não é fácil...

Porque já passei por clubes grandes e há muitos treinadores neste momento, mas julgo que não estão fechadas.

Só falta o Benfica para conseguir o pleno. Já teve essa possibilidade?

Sim, já tive essa possibilidade.

E não se concretizou porquê?

Só digo: já tive essa possibilidade. E continua a ser um dos meus objetivos.

Quando aceitou o convite do FC Porto não sentiu que era um convite com um elevado potencial de risco?

Senti, mas acreditei que era possível.

Hoje voltaria a aceitar?

Naquelas condições sim.

Mas que condições eram essas?

De sentir que não estava longe de Benfica e Sporting. Encontrei um clube com um contexto emocional e de recursos que não era o ideal para ser campeão.

Recursos financeiros?

Recursos de jogadores. Chegámos em cima do fecho do mercado e não vieram futebolistas que podiam ser importantes. Foram contratados o Marega e o Suk, mas precisávamos de jogadores para outras posições. Tinham saído o Imbula e o Tello. Se assinei foi porque acreditei no potencial do FC Porto e nas minhas capacidades. Depois de ter entrado em funções percebi que o cenário era diferente daquele que perspetivava.

Sentiu-se enganado?

Não, não. Fui eu que tomei a responsabilidade, ninguém me obrigou.

Ficou com uma boa relação com Pinto da Costa? Há aquela imagem no Jamor em que o presidente lhe vira a cara...

Essa imagem deturpa a informação. O presidente tinha-me cumprimentado antes, está a olhar para outro jogador. Passei pela situação. Aquela imagem é enganadora, se não fosse dizia.

Então ficou com uma boa relação com Pinto da Costa?

Sim, sim.

Lançou André Silva no FC Porto. Sente que se o tem lançado mais cedo ele podia ter ido ao Europeu?

Acho que sim. Mas também posso perguntar: E tínhamos ganho o Europeu? Se o André Silva tem ido se calhar não ia o Éder. Ainda bem que foi o Eder...

Como vê o André Silva no AC Milan?

Não é fácil. Na altura em que entrei o FC Porto tinha dois miúdos em que acreditava muito para pontas-de-lança: o André Silva e o Gonçalo Paciência. O que estava previsto era o Gonçalo voltar e o André ser emprestado no final da época. Naquela altura, em função do negócio do José Sá e do Marega, houve a possibilidade de o André ser cedido ao Marítimo. Não foi, penso que o André não quis. Houve também a hipótese do Rio Ave.

Em 2014 disse isto: "Veremos por quanto tempo continua a ser titular no Real Madrid. O fim de Casillas está próximo." Quando foi contratado falou com Casillas sobre isso?

Tive várias conversas com o Casillas, nenhuma sobre esse tema. Isso são coisas que se dizem e depois escreve-se o que se quer. Fizeram-me uma pergunta sobre a situação entre o Iker e o Mourinho. Mas sou amigo do Iker, já em Madrid era.

Quando estava no Sporting não gostou de algumas críticas de Mourinho.

Disse que não entendia, mas... sou muito amigo do Mourinho, dou-me muito bem com o Mourinho. Ainda hoje trocamos mensagens.

É uma questão ultrapassada?

Isso surgiu devido a uma comparação entre mim e ele, porque eu podia ganhar dois títulos no primeiro ano de Sporting e ele disse algo. Mas tenho grande amizade pelo Mourinho, visito-o várias vezes e temos uma relação muito boa.

Quando aceitou ser adjunto no Real Madrid já tinha mais de uma década como técnico principal. Não achou que era um passo atrás?

Se pensasse isso não tinha aceitado. Nunca tinha estado em contextos de mais alto nível, estive um ano como técnico da I Liga, não fui um praticante do mais alto nível. Por isso achei que era uma boa possibilidade. O convite surgiu do Prof. Carlos Queiroz, meu professor na universidade, falei com o Mourinho, porque ele tinha sido adjunto do Barcelona, que me aconselhou a experimentar.

Qual foi a situação mais curiosa que viveu no Real Madrid?

Esse foi um ano em que o presidente Florentino apostou na recuperação financeira através da marca galácticos e Pavóns, em que a segunda opção para cada posição era um jogador da formação. E nenhuma equipa se faz com 11 futebolistas. A maior parte das segundas opções acabaram por não fazer sequer uma carreira interessante. O que me deixou surpreendido foram as solicitações para os galácticos. Após o treino tinham responsabilidades com os sponsors que influenciavam o rendimento. Em vez de descansarem tinham algo para fazer e um avião à espera.

Perdeu o título em 2005 para o Benfica. No golo de Luisão o Sporting queixou-se de uma falta. Com VAR podia ter sido campeão?

Pois, se existisse VAR... não penalizo muito o árbitro porque no relvado era difícil ver, mas na imagem viu-se que o Luisão tocou com a cabeça no braço do Ricardo e é o Ricardo que faz golo.

O que pensa do VAR?

É importantíssimo, mas é uma tecnologia nova e estamos todos ainda a perceber o que existe. Os árbitros andaram anos a apitar de uma maneira e agora estão a adaptar-se. E ainda é mais difícil porque não temos adeptos do espetáculo, mas sim de camisola e de vitória do seu clube, seja de que maneira for. Quando o árbitro decide, seja qual for a decisão, fica logo conotado.

Há poucos dias, Inácio disse em entrevista ao Observador que Pedro Barbosa só pensava no contrato. Foi com José Peseiro precisamente que Pedro Barbosa não renovou pelo Sporting . Indicação sua?

Pedro Barbosa foi um enorme jogador e como o treinei é mais fácil dizer isto. A minha opção era a sua continuidade.

Não renovou por falta de acordo com o Sporting?

A minha opção era o Pedro Barbosa continuar.

Como é a sua relação com o Pedro Barbosa?

Não tenho relação com Pedro Barbosa. Um excelente jogador, por opção do treinador ficaria e não tenho relação com ele.

O campeonato está a ser muito discutido. Quem vai ser campeão?

É difícil dizer. Três projetos de jogo diferentes, em função dos seus treinadores e das características dos seus jogadores. Gosto de ver as três equipas jogar. O FC Porto é uma equipa agressiva, intensa, com um jogo vertical na procura mais rápida da baliza. O Sporting tem um futebol mais elaborado, em que a posse de bola é uma das principais características. Tem mais toque, menos verticalidade. O Benfica está um pouco entre FC Porto e Sporting. As três equipas têm potencial, grandes treinadores, bons plantéis. Vai ser uma luta até ao fim.

E Portugal pode ser campeão mundial no próximo verão?

Quem é campeão da Europa tem de acreditar que pode sagrar-se campeão do mundo, não é? Somos os principais favoritos? Não somos. Na minha opinião, a Alemanha é a melhor seleção do mundo, inclusivamente é a campeã mundial. Não fica mal dizer isto, ainda bem que a França eliminou a Alemanha no Europeu. Mas quem é campeão da Europa, quem tem os jogadores que nós temos, nos campeonatos onde estão... Há 30 anos é que os nossos futebolistas, mesmo com muito nível, não estavam nos principais campeonatos. Na história recente, desde 2000 que estamos em todas as fases finais, com um título, duas finais, presenças em meias-finais... isto são dados eloquentes para podermos acreditar. Os nossos jogadores acreditam e o Fernando Santos acredita tanto ou mais do que os jogadores.

Já teve hipótese de ser selecionador?

Houve essa hipótese, mas não posso dizer que tenha sido algo de concreto.

É um objetivo de carreira?

É um objetivo de carreira.

Nasceu em Coruche, terra de touros, é aficionado e quando estava em Madrid dizia-se que ia à tourada com o Raúl. Isto é verdade ou é mais um mito?

É mais um mito, porque o Raúl não ia muito a touradas. Ele é muito amigo do Ponce, um dos melhores toureiros do mundo, e gostava de tourear bezerras. Era um divertimento que tinha nos tempos livres, mas não era frequentador.

É conhecida a sua paixão pelos pombos, tem cerca de 400. Como nasceu?

Muito jovem vivia no meu bairro em Coruche, onde viviam seis, sete columbófilos e essa... não sei o que possa chamar, é algo fascinante na cabeça de um miúdo saber que um pombo é colocado a 400 quilómetros e vem ter a casa. Como se sabe, os pombos foram usados na I Guerra Mundial e em muitas outras guerras . Imaginar como é que um pombo se orienta lá em cima e vem ter ao seu pombal. É algo tão sublime e maravilhoso... posso dizer que o primeiro vencimento a sério que tive como jogador de futebol, no Cartaxo, foi para fazer um pombal em Coruche nas casas do meu avô. Fui columbófilo com o meu irmão e com um sócio, o José Manuel. Voámos desde 1980, depois a minha vida não permitiu e parámos em 1992. Agora fiz um pombal em casa do meu pai para desfrutar, o meu irmão também ajuda.

Última pergunta. Só o veremos de regresso ao trabalho na próxima época?

É o mais provável, já tive várias possibilidades e rejeitei.

No estrangeiro?

Sim. Houve uma possibilidade de que gostaria, que era o México, mas escolheram outro treinador. Eu e um argentino estávamos na shortlist final, optaram pelo argentino. Tive convites dos Emirados Árabes e do Irão, mas não são os projetos certos nesta altura. O mais provável é esperar por junho.